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Rolezinho, sociedade e Estado

24/01/2014 às 16:07
Leia nesta página:

A função da Politica numa sociedade provida de constituição escrita que expressamente prescreve a pluralidade deve ser incluir os novos cidadãos e não apenas reprimi-los.

A geração estudantil de 1964 organizava suas manifestações usando as mídias que estavam a sua disposição: faixas, cartazes e panfletos que eram precariamente impressos e distribuídos de mão em mão. Os contatos eram pessoais, telefônicos ou pelo Correio. A minha geração estudantil (década de 1980) empregou praticamente as mesmas mídias usadas pela geração que confrontou a Ditadura. As câmeras portáteis de video que usavam fitas VHS começaram a se popularizar na minha época,  mas poucos tinham acesso àquela tecnologia de comunicação.

As gerações atuais (universitárias ou não) têm acesso a uma mídia barata, versátil e profundamente democrática: a internet. Nos dias de hoje qualquer garoto da periferia tem uma máquina fotográfica digital ou um telefone celular e, portanto, é capaz de produzir seus próprios vídeos e compartilhá-los. É claro que a facilidade e a celeridade da comunicação entre os jovens na atualidade não equivale a profundidade, seriedade e a qualidade da comunicação entre os jovens das décadas de 1960 e 1980. O ambiente político, porém, é outro. E as exigências impostas aos jovens pela mídia também.

Nos últimos dias, os rolezinhos, convocados por jovens na internet e realizados nos Shoppings paulistas, provocaram bastante incômodo. A repressão estatal foi exigida pelos lojistas, discretamente apoiada pela mídia e realizada com brutalidade pela PM. Mas o fenômeno está longe de desaparecer. A tendencia é ele crescer e até se politizar, incluindo outros jovens que não tem qualquer vinculação com as propostas originais aqueles que convocaram os primeiros rolezinhos apenas para se divertir.

Rejeitar o fenômeno como fazem alguns jornalistas e blogueiros é uma tolice. É preciso tentar entendê-lo.

Em Psicologia das multidões (Gustave Le Bon, Martins Fontes, 2008) aprendemos que:

"O desaparecimento da personalidade consciente e a orientação dos sentimentos e dos pensamentos em um mesmo sentido, primeiros traços das multidões em via de organização, nem sempre implicam a presença simultânea de vários indivíduos em um único local. Milhares de indivíduos separados podem em um dado momento, sob a influência de certas emoções violentas, provocar um grande acontecimento nacional, por exemplo, e adquirir características de uma multidão psicológica. Um caso qualquer que os reúna bastará então para que sua conduta logo se revista da forma específica dos atos das multidões. Em certas horas da história, meia dúzia de homens podem constituir uma multidão psicológica, ao passo que centenas de indivíduos reunidos acidentalmente podem não constituí-la."

A internet é o ambiente perfeito para a construção de multidões. Não só isto, na rede mundial as lideranças políticas tradicionais são ignoradas com mais facilidade e o surgimento de novos líderes não se submete aos caprichos daqueles que controlam as estruturas de poder existentes. Onde a falta de mediação e controle autoritário é a regra, a democracia explode de maneira vigorosa. Do mundo virtual para o real a transição é quase automática, provocando desespero naqueles que acreditam que são e sempre serão os "donos do Estado".

Michel Maffesoli (O tempo das Tribos, Forense Universitária, 1987) também estudou o fenômeno. Ele defende a tese de que nestes conflitos:

"...o que está em jogo é a potência contra o poder, mesmo que aquela não possa avançar senão mascarada para não ser esmagada por este. Com referência aos exemplos históricos, que poderíamos multiplicar ao infinito à vontade, é possível dizer, entretanto, que aquilo que, na realidade, não aparece senão em filigrana, aquilo que se pode ver 'in statu nascendi', não deixará de se afirmar nas próximas décadas."

Na internet a potência (encarnada pelas multidões com suas novas propostas de ação e seus novos líderes) ignora totalmente os freios desejados pelo poder (exercido pelos governantes e empresas de comunicação que desejam controlar a agenda política). Isto explica a patética situação dos blogueiros que atacam o rolezinho. Reinaldo Azevedo, por exemplo, convocou um "rolezinho de míopes" para achincalhar com os jovens e seu texto havia sido visitado por apenas 2,7 mil internautas até a manhã de hoje (um nada se comparado aos 84 mil seguidores do rolezeiro mais descolado).

Repressão policial não é solução. Rejeição irracional também não. A intolerância social/racial/regional e a censura da internet estão fora de cogitação porque são proibidos pela CF/88. Os Shoppings podem fechar as portas, mas se o fizerem sofrerão prejuízos econômicos evidentes.  A única solução plausível é, portanto, incluir a rapaziada no universo político e cultural brasileiro. O Estado precisa fornecer aos jovens mais opções de diversão e a "boa sociedade brasileira" precisa se conscientizar de um fato inexorável: a internet chegou para todos e vai mudar o Brasil (e a paisagem dos seus Shoppings) para o bem e para o mal. Doravante as respostas antigas dadas às inovações juvenis não funcionarão, o mais provável é que elas criem problemas ainda maiores.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio Oliveira. Rolezinho, sociedade e Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3859, 24 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26472. Acesso em: 22 dez. 2024.

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