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Hamlet e o STF:

há algo de podre nos corredores do palácio do Supremo Tribunal Federal

26/01/2014 às 14:35
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O julgamento que a população faz da condenação proferida no mensalão petista é evidente.

O julgamento do Mensalão petista foi o maior espetáculo judiciário de 2013. Ninguém pode discordar desta proposição. A discordância só se dá em relação ao resultado do processo. Alguns juristas, poucos e irrelevantes, consideraram as condenações rigorosamente justas. Vários juristas de peso, como Celso Antonio Bandeira de Mello, Ives Gandra Martins e Claudio Lembo, para citar apenas alguns, criticaram bastante o STF em razão dos equívocos técnicos e violações a princípios constitucionais praticadas pelos Ministros do STF.

Acompanhei o julgamento e estou convencido de que os petistas foram condenados sem provas, por suspeita, com o uso distorcido da "teoria do domínio do fato", porque a literatura supostamente permite e em razão de não terem provado sua inocência. Sustentei que há semelhança entre o julgamento do Mensalão petista e o resultado da Devassa que condenou o inconfidente Tomás Antonio Gonzaga injustamente ao degredo: http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2012/novembro/12.11.Mensal%C3%A3o_e_Inconfid%C3%AAncia.pdf

A decisão proferida pelo STF, porém, é válida e produzirá efeitos enquanto não for revogada. É obvio um Tribunal não deve se preocupar com a popularidade de suas decisões. Mas também me parece óbvio que a rebeldia manifesta pela população em relação a condenação de José Genoino é um fenômeno importante que merece ser avaliado com cuidado.

Até a presente data José Genoino foi o único condenado do Mensalão a pagar a vultosa multa imposta pelo STF. Os recursos para o adimplemento da obrigação foram obtidos através de doações volutárias feitas ao condenado. Uma rede de solidariedade foi criada através da internet e rapidamente levantou a elevada quantia necessária. Delúbio Soares, outro condenado no Mensalão, seguiu o exemplo de Genoino e conseguiu arrecadar 30 mil reais em um único dia. Portanto, é evidente que a Justiça que a população está a fazer é diferente daquela que foi feita pelo STF. Este conflito velado entre a cúpula do Judiciário e uma parcela da sociedade brasileira evocou em mim a tragédia shakespeariana. 

Em Hamlet uma representação teatral do homicídio cometido pelo tio/padrasto do protagonista desencadeia nele a consciência de culpa e um desejo assassino. Mas o adversário do principe da Dinamarca não sobrevive para desfrutar o poder conseguido de maneira infame. "O resto é silêncio." 

No caso de José Genoino a condenação proferida pelo STF é sofrível. Não há prova de que ele tenha participado de um esquema criminoso, a menos que se considere crime participar de reuniões e atividades político-partidárias. Genoino foi condenado por corrupção, mas não tirou qualquer proveito pessoal do suposto esquema de lavagem de dinheiro. Consta do Acórdão proferido pelo STF que, em razão de ser presidente do PT, José Genoino conhecia ou deveria conhecer a existência de uma organização criminosa gerindo recursos obtidos de maneira ilegal dentro do seu partido. Um pouco adiante, na mesma decisão, o STF condenou José Dirceu porque ele (e não Genoino) era o verdadeiro "chefe" do PT e da operação criminosa. A contradição entre estas duas proposições é evidente e o resultado um absurdo: Genoino foi condenado porque chefiava o PT e porque não o chefiava (já que quem fazia isto era o co-réu José Dirceu).

Havia algo de podre no reino da Dinamarca e as suspeitas de Hamlet foram estimuladas pela aparição do fantasma de seu finado pai. Nos luxuosos corredores do STF também há algo de podre. Afinal, os diretores das empresas de comunicação que receberam o dinheiro criminoso petista para fazer propaganda (Rede Globo, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Abril Cultural, para citar algumas que foram mencionadas pelo Ministro  Ricardo Lewandowski em seu voto) não responderam pelos mesmos crimes (apesar da evidente co-autoria).

Neste contexto, o pagamento da multa imposta a José Genoino pela população brasileira se assemelha bastante à represenção do homicídio cometido pelo Rei Cláudio dentro da peça Hamlet. Afinal, como a peça dentro da peça, o ato de rebeldia da população também revela uma injustiça fundamental. A peça encenada a mando de Hamlet faz o Rei Cláudio tomar consciência de seu crime. O ato da população fará o STF perceber o crime cometido contra os réus do Mensalão petista?

O STF não deve temer proferir decisões impopulares. Mas ai daquele Tribunal que proferir decisões injustas atraindo contra si o ódio de toda uma população. Pois como Hamlet, a população também é capaz de se vingar apesar da hesitação.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio Oliveira. Hamlet e o STF:: há algo de podre nos corredores do palácio do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3861, 26 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26489. Acesso em: 23 nov. 2024.

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