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Ética, cidadania e a efetivação dos direitos ambientais

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02/03/2014 às 08:43
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O desenvolvimento do homem e do seu ambiente social foi estruturado primeiro pela criação de conceitos de cunho ético, depois pela noção de cidadania e agora pela proteção do meio ambiente.

Resumo: O presente artigo objetiva a apresentação do desenvolvimento do ser humano no ambiente social, perpassando pelo seu estado primitivo, onde a ética foi criada e formatada pela sociedade grega, passando através dos tempos até os nossos dias com novos contornos. Desencadeando o forjamento da consciência do individuo no seu ambiente social, conduzindo a formação conceitual de cidadania, também, aperfeiçoada através dos séculos, culminando para um despertar do cidadão na reivindicação de seus direitos e, dentre estes a preservação do meio ambiente.

Palavras-chave: Ética – Cidadania - Direito Ambiental.

SUMÁRIO: Introdução; 1 – A Ética através dos tempos; 2 – A Cidadania; 3 – Direito Ambiental; 3.1 – As origens no Brasil; Considerações Finais; Referências. 


INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta os fatores que caracterizam o desencadeamento do estado social do indivíduo, mediante os quais se focalizam preliminarmente os aspectos éticos no ambiente social, evoluindo, a seguir, para a formatação do conceito de cidadão e de cidadania, para então estender o entendimento para o enfoque do meio ambiente que o circunda.

No primeiro momento são discutidos os conceitos que proporcionam o entendimento da ética, sua evolução no transcurso dos anos e a sua aplicação nas diversas sociedades. Em seguida, a abordagem se ocupa da formação do conceito de cidadania, desde os primórdios do Estado grego e romano até os dias atuais. Por derradeiro, enfoca-se o conceito de meio ambiente, no sentido de despertar no cidadão o entendimento de que sua conscientização é primordial para firmar posição na proteção do planeta.


1 A ÉTICA ATRAVÉS DOS TEMPOS

São vários os conceitos mediante os quais os pensadores têm procurado explicar a ética, especialmente quando se refere a sua abordagem genérica tradicional, ao tratar dos costumes ou dos atos humanos. Neste caso, seu objeto é a moralidade, entendendo-se por moralidade a caracterização desses mesmos atos como bem ou mal, conforme salientado por Vázquez[1]. Já para Buss, "a ética representa um conjunto de decisões sobre os valores chamados a orientar e a guiar as relações individuais e, sobretudo, as relações sociais (...) frente a um leque de possibilidades e de fenômenos reais"[2].

Portanto, a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens, porém ela não se confunde com a moral, pois a moral nada mais é do que a regulação dos valores, por meio de normas aplicadas e consideradas legítimas por determinada sociedade, um povo, uma religião, costumes, certa tradição cultural, durante certo período de tempo.

Vázquez, com propriedade, afirma que as doutrinas éticas surgem e sofrem transformações no decorrer dos tempos, influenciadas pela sociedade, em função de seu desenvolvimento. Nesta linha, verifica-se que a ética social se regula pelo desenvolvimento social, sendo considerado como uma história natural dos costumes, pois, em cada período da História, a visão dos critérios morais vai se transformando. Percebe-se que a consciência social se modifica para se adequar à nova realidade, podendo migrar do bem para o mal[3].

Ao se fazer um recorte histórico, são observadas pelo menos três grandes escolas abordando a ética. A primeira teoria ética mais expressiva refere-se aos escritos do filósofo Aristóteles (384-322 a.C.) que definiu a sua teoria como “ciência das virtudes”. O ideal de Aristóteles é o do homem virtuoso, significando a virtude uma força, um vigor, uma excelência relacionada aos valores práticos e intelectuais da existência. O mais virtuoso seria o mais capaz de se realizar como homem, atingindo assim a felicidade[4]. A segunda teoria ética da tradição é a corrente anglo-saxônica denominada por utilitarismo. Seu idealizador foi o filósofo Jeremy Bentham (1748-1832). Bentham, autor do Princípio da moral e da legislação, formulou a regra que caracteriza a corrente: “A máxima felicidade possível ao maior número possível de pessoas”. Sua ética é baseada no fugir à dor e buscar o prazer: a felicidade está no prazer, um bem a ser buscado, devendo-se evitar a dor, ou seja, o mal. Representa certo retorno às teses epicuristas, principalmente à do hedonismo. Tal formulação ética é útil e prática, tem a vantagem de não perder tempo em especulações que acabam atrapalhando o agir humano[5]. A terceira teoria ética é a kantiana, centrada na noção de “dever”. Partindo das ideias da vontade e do dever, reflete sobre a felicidade e sobre a virtude. Para Kant o imperativo categórico é: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. Com esta assertiva, Kant legou um critério para o agir moral, remontando o segredo de sua ética a agir de maneira universal, ou seja, com critério[6].

No mundo romano as relações entre os homens eram conceituadas como viver honestamente, não lesar o outro, enfim: dar a cada indivíduo o que é seu. Critérios éticos que justificavam suas ações. Logo, observa-se que o valor ético permeia o desenvolvimento social desde os tempos remotos, a partir de quando toda abordagem social é considerada circunstancial à ética, sendo esta tratada, por vezes, para fundamentar decisões ou se proteger por trás dela.

Fazendo um recorte temporal, se verifica que a ética ganha ainda maior relevância, quando, a partir do século XVII, eclodem diversas revoluções que mudam sistemas de governo e recriam a noção de Estado, ao provocar uma modificação dos valores éticos para fundamentar as decisões sociopolíticas.  Essas novas conceituações acabam por afetar a nova visão de cidadania e do Direito.

Os valores éticos então cultivados eram os da liberdade, fundamentadora dos atos executados, tanto na Independência americana como na Revolução Francesa, buscando-se o direito à propriedade, à segurança, à igualdade, alicerçado no fato de serem todos os indivíduos possuidores de razão e vontade livre, direito que deve ser aplicado de forma ética e equitativa. Tais pensamentos foram o foco da burguesia, àquela época, que buscava um Estado laico, como o consagrado pela Revolução Francesa, com predomínio até hoje nas sociedades mais avançadas[7].

Não deve ser deixada de lado a observação sobre o fato de que os critérios éticos não podem fundamentar atitudes e decisões criminosas, como ocorreu durante o governo de Hitler, quando todos os atos, inclusive os de extermínio, estavam ancorados em leis criadas pelo Estado alemão, mas nem por isso eram éticas.


2 CIDADANIA

A palavra cidadania é oriunda do latim civitas, cujo significado é cidade. Palavra utilizada na Roma antiga para indicar um contexto político e os direitos que uma pessoa possuía ou tinha a faculdade de exercê-los. Dallari afirma o seguinte:

A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social.[8]

Constata-se que a cidadania, no mundo grego e romano, era permitida a poucos, sendo que os demais estavam alijados da convivência social, não tendo qualquer influência nas decisões e participações do dia a dia daquele momento político, pois os direitos políticos davam apenas aos cidadãos de elite a possibilidade de intervir nos negócios da Grécia antiga ou na Roma antiga.

No século XIV, o Código de Magnus Erikson, celebrado na Suécia, em 1350, estabelecia que o governante deveria jurar o seguinte:

Ser leal e justo com seus cidadãos, de modo que não proíba nenhum, pobre ou rico, de sua vida ou de sua integridade corporal sem processo judicial em devida forma, como o regido no direito e a justiça do país, e que tampouco ninguém proíba de seus bens senão em acordo com o direito e mediante processo legal[9].

Esse relato revela que evolução dos direitos individuais assegurados ao cidadão foi lentamente forjada no transcurso dos séculos até alcançar um patamar visível e mínimo que eclodiu em 26 de agosto de 1789 com a Revolução Francesa. Este dispositivo passou a ser estendido a todos, com a conhecida Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento que deu ênfase à valoração do ser humano individual, portador de vontade livre, forjando também a noção de cidadão e dos direitos a estes assegurados que posteriormente vieram figurar em várias constituições, inclusive a brasileira.

Com o término da Segunda Guerra Mundial, as preocupações com os direitos humanos ficaram latentes, levando à elaboração da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948. Neste documento foram introduzidos vários e novos valores éticos, traduzidos pelos direitos de reunião e associação, de governar, eleger e ser eleito de previdência social, de trabalho, de condições justas e favoráveis de trabalho, de proteção contra o desemprego, de remuneração justa e satisfatória, de organização de sindicatos, de repouso, lazer, férias remuneradas e limite razoável das horas de trabalho, além dos direitos à saúde, instrução, bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e aos benefícios do progresso científico, dentre outros. Estes valores se encontram consignados no corpo da Constituição de 1988, em seu artigo 5º[10].

Mediante a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Assembleia Geral das Nações Unidas tem o objetivo de apresentar o homem como um ser livre, liberto de constrangimentos e temores, capacitado a cumprir uma visão social sem as peias de interferências alheias abusivas que tolhem o pensamento e subjugam vontades. A Declaração dá realce aos direitos fundamentais, na demonstração da dignidade dos direitos do homem e da mulher, com o fim de criar um clima de paz, harmonia e colaboração não só nos lares como em todos os ambientes da interação humana, ficando patente e materializado no artigo primeiro o dogma de que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos[11].

Com o passar dos anos, o homem abstrato e individual das primeiras declarações de direitos é substituído pelo homem concreto, imerso nas contradições sociais. A liberdade sai da dimensão de essência ou dádiva, para ser conquista diuturna. A cidadania é estendida a todos e a democracia, muito mais que um jogo de pesos e contrapesos formais, passa a ser um direito inalienável do ser humano, que a cria e inventa, a cada passo da História. O ser humano, pela nova Declaração, passa a ser sujeito da história[12]. Rawls afirma

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[...] que a natureza social da espécie humana é demonstrada da melhor forma quando a contrapontos com a concepção da sociedade privada. Com efeito, os seres humanos partilham os seus objetivos finais e consideram as suas instituições comuns e atividades como sendo um bem em si mesmas. Precisamos uns dos outros como associados que se empenham em formas de vida que possuem um valor próprio,e os sucessos e alegrias dos outros são necessários para o nosso próprio bem, sendo dele complementares[13].

E o mesmo autor complementa seu pensamento com a seguinte afirmação:

Podendo ser afirmado que, com base na comunidade social, baseado nas necessidades e potencialidades dos seus membros, que cada pessoa pode se beneficiar da realização da totalidade das qualidades naturais dos outros. Chegamos assim à ideia de que a espécie humana forma uma comunidade cujos membros gozam de qualidades e da personalidade uns dos outros, de acordo com o que é tornado possível por instituições livres, e reconhece o bem de cada um como elemento de uma atividade, cujo sistema de conjunto merece o consentimento e dá prazer a todos. Esta comunidade pode também ser imaginada como duradoura, pelo que, na história de uma sociedade, as contribuições conjuntas das sucessivas gerações podem ser concebidas de forma semelhante[14].

Com esta consciência, o individuo se integra na comunidade como um cidadão participante do desenvolvimento social, de forma proativa, de maneira que o crescimento pessoal leva ao crescimento social. O autor continua, afirmando

[...] que, do ponto de vista da justiça como equidade, um dever natural fundamental é o dever da justiça. Esse dever exige nosso apoio e obediência às instituições que existem e nos concernem. Ele também nos obriga a promover organizações justas ainda não estabelecidas, pelo menos quando isso pode ser feito sem nos sacrificar demais. Pelo menos quando isso pode ser feito sem nos sacrificar demais. Assim, se a estrutura básica da sociedade é justa, ou justa como é razoável esperar que seja natural de fazer a sua parte no esquema existente[15].

Na atualidade, o exercício da cidadania é fundamental para ser alcançada a justiça almejada pela comunidade social, funcionando a ética como alicerce para os demais objetivos serem alcançados. Conforme salientado por Ackerman, o interesse social válido não se restringe ao interesse individual, mas é sim delineado pelo conceito de cidadania, pois mais tarde se precisará proteger a própria intimidade, apelando para que outros indivíduos olhem para o bem de todos[16].

Outro ponto a ser observado é que este exercício da cidadania está vinculado a uma ideia política e sua aplicabilidade, quando as prioridades de um governo podem alavancar determinados aspectos em detrimento de outros. Conforme salientado por Benevides:

[...] os direitos de cidadania não são direitos universais, são direitos específicos dos membros de um determinado Estado, de uma determinada ordem jurídico-política. No entanto, em muitos casos, os direitos do cidadão coincidem com os direitos humanos, que são os mais amplos e abrangentes. Em sociedades democráticas é, geralmente, o que ocorre e, em nenhuma hipótese, direitos ou deveres do cidadão podem ser invocados para justificar violação de direitos humanos fundamentais.[17]


3 DIREITO AMBIENTAL

O encontro da consciência social pelo cidadão faz refletir o que passa ao seu redor, descobrindo assim o meio ambiente, sua importância e a necessidade de preservá-lo. Mas isto demanda tempo, e ainda demandará mais alguns anos para que a consciência social esteja amadurecida e é isto que será abordado em seguida.

3.1 Origens no Brasil

Segundo Juraci Perez Magalhães, a preocupação com o meio ambiente já existia desde o Brasil Colônia, quando a instituição do Governo Geral, em 1548, aplicava a legislação do reino, mediante as Ordenações Manuelinas, cujo livro V, no título LXXXIII, proibia a caça de perdizes, lebres e coelhos e, no título “C”, tipificava o corte de árvores frutíferas como crime. Após 1548, o Governo Geral passou a expedir regimentos, ordenações, alvarás e outros instrumentos legais, o que marcaria o nascimento do atual Direito Ambiental. Com o domínio espanhol, foram aprovadas as Ordenações Filipinas, em 11 de janeiro de 1603, que disciplinaram a matéria ambiental no Livro I, título LVIII; livro II, título LIX; livro IV, título XXXIII; livro V, títulos LXXV e LXXVIII[18].

Continua o autor, afirmando que a primeira lei de proteção florestal teria sido o Regimento do Pau-Brasil, em 1605, quando era exigida autorização real para o corte dessa árvore. Uma Carta Régia de 13 de março de 1797 preocupava-se com a defesa da fauna, das águas e dos solos. Em 1799, surgiu o primeiro Regimento de Cortes de Madeiras, que estabelecia rigorosas regras para a derrubada de árvores.[19]

Já no início do século XIX, em 1802, por recomendação de José Bonifácio, foram baixadas as primeiras instruções para reflorestar a costa brasileira. Em 1808, foi criado o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, como uma área de preservação ambiental, considerada a primeira unidade de conservação destinada a preservar espécies e estimular estudos científicos. D. João VI expediu a Ordem de 9 de abril de 1809, que prometia liberdade aos escravos que denunciassem contrabandistas de pau-brasil, e o Decreto de 3 de agosto de 1817, que proibia o corte de árvores nas áreas circundantes do Rio Carioca, no Rio de Janeiro. José Bonifácio, ao ser nomeado Intendente Geral das Minas e Metais do Reino, solicitou à Corte o reflorestamento das costas brasileiras, sendo prontamente atendido[20].

Por atuação de José Bonifácio, em 17 e julho de 1822, o Imperador extinguiu o sistema de sesmarias, deixando de prevalecer o prestígio dos títulos de propriedade em favor da posse e ocupação das terras. A vantagem do sistema, ao democratizar o acesso da terra para quantos pretendiam explorá-la, foi diminuída pela desvantagem: o posseiro se utilizava do fogo para limpar a área e preparar a terra, destruindo os recursos naturais. A situação permaneceu até 1850, com o advento da Lei nº 601 de 18 de setembro, a primeira Lei de Terras do Brasil, que considerava crime punível com prisão, de 2 a 6 meses, e multa, a derrubada de matos ou a colocação de fogo. Além disso, também estabeleceu a responsabilidade por dano ambiental fora do âmbito da legislação civil. O infrator submetia-se, além das sanções penais, a sanções civis e administrativas. Para a legitimação da posse, exigia-se “princípio de cultura”, não se considerando tal os simples roçados eram derrubadas ou queimas de matos ou campos.[21].

Conforme José de Castro Meira, no início do Brasil República, em 1895, o Brasil subscreveu o Convênio das Egretes, em Paris, responsável pela preservação de milhares de garças que povoavam rios e lagos da Amazônia.

Pelo Decreto nº 8.843, de 26 de junho de 1911, foi criada a primeira reserva florestal do Brasil, no antigo Território do Acre. Em 28 de dezembro de 1921, foi criado o Serviço Florestal do Brasil, sucedido pelo Departamento de Recursos Naturais Renováveis, este pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e, atualmente, pelo Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). No que toca à defesa ambiental, surgiram os primeiros códigos de proteção dos recursos naturais – florestal, de mineração, de águas, de pesca, de proteção à fauna.

O Código Florestal de 1934 impôs limites ao exercício do direito de propriedade. Até então os únicos limites eram os constantes no Código Civil, quanto ao direito de vizinhança. A elaboração do I Plano Nacional de Desenvolvimento, aprovado pela Lei nº 5.727, de 4 de novembro de 1971, incluiu entre as suas inovações o Programa de Integração Nacional (PIN) e o Programa de Redistribuição de Terras e Estímulos à Agropecuária do Norte e do Nordeste (PROTERRA), experiências que se mostraram negativas do ponto de vista preservacionista. A má repercussão levou o governo a uma revisão de conceitos na elaboração do II Plano Nacional de Desenvolvimento, aprovado pela Lei nº 6.151, de 4 de dezembro de 1974, adotando medidas de proteção do meio ambiente[22]. Seguiram-se, então, diversas leis e medidas: combate à erosão, Plano Nacional de Conservação do Solo, criação das estações ecológicas e áreas de proteção ambiental, estabelecimento de diretrizes para o zoneamento industrial, criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente. Veio, em seguida, o III Plano Nacional de Desenvolvimento, aprovado pela Resolução nº 1, de 5 de dezembro de 1979, do Congresso Nacional, que trouxe avanços ainda maiores para o Direito Ambiental, entre os quais a criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).[23]

As iniciativas que levaram à elaboração dos diversos dispositivos mencionados foram dos dirigentes do Brasil, no decorrer dos séculos. Mas já na segunda metade do século XX, constata-se a conscientização da população, havendo a formação de um conceito de cidadania, na qual o ser humano passa a ter novas posições a respeito do ambiente, da relação entre os seres vivos e com a natureza. Portanto, o Direito Ambiental surge diretamente relacionado com novos paradigmas, de cidadania plena, do direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, ampliação dos direitos humanos, levando a um aumento na qualidade de vida.

A ciência jurídica passa a ser um instrumento indispensável para adequação dessa nova proposta que tem por objeto a construção de um ambiente ecologicamente equilibrado. Difere-se das proteções jurídicas esparsas, contempladas em legislações anteriores, como resposta a ampliação dos direitos humanos:

Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, essa proteção legal é fruto das pressões externas, feitas por outros países ou entidades internacionais obedecendo ao seguinte percurso: inicialmente imposição dos países desenvolvidos ou modismos de alguns setores sociais; em seguida como uma das vertentes da crítica mais geral ao “Direito Tradicional”, e finalmente, como necessidade real, reconhecida nos meios acadêmicos, sociais e jurídicos vigentes[24].

A consolidação do Direito Ambiental[25] carece de uma permanente compreensão da necessidade de entendimento da cidadania como um conjunto amplo de direitos. Inclusive para haver o ambiente equilibrado, é preciso que haja envolvimento nos movimentos de defesa ambiental:

Os melhores exemplos no Brasil de se associarem conhecimento, instituições e propostas científicas sólidas são as Reservas Extrativistas, criadas após longas batalhas políticas pelos seringueiros. Nesse exemplo, são contempladas a conservação do capital natural, a do capital cultural (conhecimento local e científico) a do capital produzido pelo homem (inclui a economia e o comércio). As Reservas Extrativistas são também um exemplo de estreita cooperação entre pesquisadores e populações locais[26]

Observa Moura que:

As populações tradicionais de extrativistas e pequenos produtores, que vivem nas regiões da fronteira de expansão das atividades capitalistas, sofrem as pressões do deslocamento compulsório de suas áreas de moradia e trabalho, perdendo o acesso à terra, às matas e aos rios, sendo expulsas por grandes projetos hidrelétricos, viários ou de exploração mineral, madeireira e agropecuária. Ou então têm as suas atividades de sobrevivência ameaçadas pela definição pouco democrática e pouco participativa dos limites e das condições de uso de unidades de conservação.

Todas estas situações refletem um mesmo processo: a enorme concentração de poder na apropriação dos recursos ambientais que caracteriza a história do país. Uma concentração de poder que tem se revelado a principal responsável pelo que os movimentos sociais vêm chamando de injustiça ambiental. Entendemos por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis.

Assim, podemos afirmar que o ambientalismo brasileiro tem um ensejo de renovação e pode expandir seu alcance social ao se solidarizar com populações marginalizadas que se mobilizam em favor dos seus direitos. Os

movimentos sindicais, sociais e populares, entre outros, também podem renovar e ampliar o alcance de sua luta se incorporarem a dimensão da justiça ambiental, pois o direito a uma vida digna e um ambiente saudável, deve ser o objetivo, e, portanto, a luta de todos[27].

Afirma Mirra que:

[...] a participação pública na defesa do meio ambiente pressupõe ampla e permanente informação da sociedade e exige para ser tida como completa, o acesso à justiça, seja para assegurar a tutela da qualidade ambiental em si mesma, seja para garantir a obtenção de informações pela coletividade, seja para viabilizar a própria participação.[28]

Complementando Moura expõe que:

 [...] a Justiça Ambiental, em todos os países que a adotam, prevê um conjunto de princípios e práticas que assegurem:

a) que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas;

b) o acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país;

c) o amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito;

d) o favorecimento da constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso[29].

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Sobre o autor
David Augusto Fernandes

Mestre e Doutor em Direito. Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, David Augusto. Ética, cidadania e a efetivação dos direitos ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3896, 2 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26498. Acesso em: 25 dez. 2024.

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