O fim do fator previdenciário e a valorização do princípio constitucional da isonomia

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05/02/2014 às 09:10
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5.PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA

O princípio da isonomia está previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, dando início ao extenso rol das garantias e direitos fundamentais. Segundo o texto supremo “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.

Isonomia, no sentido literal, expressa o tratamento igualitário, utilizando-se da equidade. Significa colocar os indivíduos em situação de paridade, após a visualização de suas peculiaridades.

Tamanha é a importância da isonomia jurídica no ordenamento brasileiro visto que vem sendo destacada em textos constitucionais desde as primeiras publicações. Bueno (1958, p. 412), ao tecer alguns comentários acerca de tal princípio na Constituição de 1824, dispõe que

qualquer que seja a desigualdade natural ou casual dos indivíduos a todos os outros respeitos, há uma igualdade que jamais deve ser violada, e é a da lei, quer ela proteja, quer castigue, é a da justiça, que deve ser sempre uma, a mesma, e única para todos sem preferência, ou parcialidade alguma.

Pode-se inferir que para o alcance da justiça, entendendo-se esta como a realização do bem comum, deve haver a preconização do tratamento isonômico aos indivíduos. Neste sentido, imperiosos são os pensamentos de Kelsen (1998, p. 51) ao abordar a temática como princípio da justiça da igualdade

que exprime na norma: “todos os homens devem ser tratados por igual”. Esta norma de nenhuma forma pressupõe que todos os homens sejam iguais; pelo contrário, ela pressupõe a sua desigualdade. Todavia, exige que não se faça menção de nenhuma desigualdade no tratamento dos homens. A afirmação de que todos os homens são iguais está em aberta contradição com os fatos. Quando, apesar disso, se recorre a ela para fundamentar a exigência ou postulado de que todos os homens devem ser tratados por igual, ela apenas pode significar que as desigualdades de fato existentes – e que não é possível negar – são irrelevantes para o tratamento dos homens.

Moraes (2007, p. 32) leciona que este princípio pode atuar em dois âmbitos distintos, face ao legislador e face ao intérprete. No primeiro, a observância deste princípio impede o abuso quando da elaboração de leis e demais documentos normativos, de forma a garantir o tratamento igualitário às pessoas que se encontram em conjunturas paritárias, sob pena de inconstitucionalidade. Para o intérprete resta a obrigatoriedade de acatamento do preceito a fim de se aplicar as leis e atos legislativos sem fazer distinções “em razão do sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social”, dentre tantos outros fatores preponderantes.

Ademais, um dispositivo legal não pode funcionar como “fonte de privilégios ou perseguições”, mas sim como meio de pacificação social, ordenando as relações advindas das desigualdades. “Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo assimilado pelos sistemas normativos vigentes”. (MELLO, 1993, p. 10).

Portanto, a inserção do preceito isonômico no texto constitucional visa proporcionar aos cidadãos uma garantia quanto às imposições legais, de forma que sejam ponderadas suas dissemelhanças e acatadas normas adequadas á elas.

Como objetivo primordial, o princípio da isonomia vem cumprir a supremacia da dignidade da pessoa humana que é mencionada na Lei Maior, artigo 1º, inciso III, como um dos fundamentos do Estado brasileiro. Sendo que “[...] a dignidade da pessoa humana é o direito de todo ser humano emser respeitado como pessoa que é, não ser prejudicado em suaexistência (vida, corpo e saúde) e usufruir de um âmbito existencialpróprio”. (LARENZ, 1978, p. 46).

5.1O fator previdenciário face ao princípio da isonomia

Conforme apontamentos anteriores, a inserção do fator previdenciário se deu pela necessidade de alterações no sistema protetivo que, por ora, utilizava como regime de financiamento a repartição simples. Lembrando-se que este é o modelo característico da instituição brasileira pelo fato de enaltecer a solidariedade entre contribuintes e beneficiários, onde a cotização feita por um aproveita ao outro que se encontra em estado de necessidade.

Com o desnível nos índices demográficos e aumento da expectativa de vida o Estado passou a ter complicações no controle das receitas e despesas previdenciárias, ocasionado um déficit, que atualmente se tornou o alvo dos debates relacionados à reforma previdenciária.

O fator surgiu com a finalidade principal de restabelecer o equilíbrio financeiro e atuarial da previdência, após a Emenda Constitucional nº 20/98. Basicamente, este coeficiente atuarial introduziu no sistema de repartição simples regulamentações peculiares dos regimes de capitalização, de forma que o sujeito passou a perceber um benefício cujo valor guarda estrita relação com o montante arrecadado por meio das contribuições.

Ocorre que, fazendo-se uma análise pormenorizada acerca da aplicação do fator previdenciário que leva em conta, dentre outros elementos, a expectativa de vida do segurado, observa-se que ele atrai para o sistema protetivo uma mácula de insegurança jurídica e de prejuízos pecuniários tanto aos beneficiários quanto ao próprio sistema.

Afirma-se que há prejuízo para os cofres do instituto uma vez que, com a aplicação do fator, os trabalhadores que têm cumulados os requisitos indispensáveis para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição se veem obrigados a permanecer na atividade laboral, sob pena de terem um desfalque aviltante no valor do salário de benefício. Isto porque, na prática, quanto mais jovem for o requerente menor será o seu salário de benefício, ou seja, o elemento idade mais a expectativa de vida refletem diretamente na estipulação do valor.

Se o trabalhador, ao preencher os requisitos para aposentadoria, não requerê-la e continuar exercendo sua atividade prejudicará a rotatividade normal e sadia do mercado de trabalho, obstando que os jovens iniciem sua vida laborativa e, logicamente, que se tornem novos contribuintes.

A esse respeito Hugo L. da Silva (2009, p. 2) demonstra a veracidade deste raciocínio:

[...] aquele jovem que não conseguiu uma colocação no mercado na época em que procurou, tem grandes chances de ir trabalhar no mercado informal, o que significa: menos um jovem contribuinte. O mercado de trabalho funciona como um ciclo, no qual aqueles que estão há mais tempo se aposentam para a entrada de novos contribuintes e este primeiro fator negativo se refere a uma perda de arrecadação significativa.(grifo nosso)

Outra situação que vem acontecendo frequentemente é o requerimento da desaposentação, que consiste, nos termos de Castro e Lazzari (2007, p. 472), no

direito do segurado ao retorno à atividade remunerada, com o desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário.

Esse fato ocorre em virtude, principalmente, da necessidade de se voltar ou continuar trabalhando após a concessão da aposentadoria por ser esta de valor muito baixo, incapaz de manter os mesmos padrões de vida do segurado e de sua família.

A grande demanda de desaposentação sem dúvida causa instabilidade para a Previdência Social.

Quanto ao prejuízo ocasionado pelo coeficiente aos beneficiários, importante salientar que não serão todos eles lesados, mas sim aqueles que tiverem menor idade. Neste ponto específico pode-se visualizar claramente o fato pelo qual a norma não é coerente com as concepções de igualdade já alegadas.

Empregando as informações contidas na tabela vigente de expectativa de sobrevida feita pelo IBGE, do ano de 2009, um homem que comece a trabalhar aos 16 anos, por exemplo, concluirá sua cotização de 35 anos quando contar com 51 anos de idade. Hoje, com a expectativa de vida beirando os 73 anos, ele teria uma redução de mais de 38% no seu salário de benefício. Contudo, um homem que inicie sua cotização com 25 anos a concluirá quando estiver com 60 anos, mas sua redução será de apenas 13%. Em um exemplo ainda mais esdrúxulo, um homem que comece a contribuir com 30 anos de idade e aposente-se aos 65 terá um aumento de 6,5% no seu valor de benefício. Estes dados, no entanto, não são conclusivos, pois a tendência é que a expectativa de vida só aumente, logo, o prejuízo será ainda maior, tendo em vista que são utilizados para o cálculo os dados que vigoram ao tempo do requerimento do benefício.

Questão outra que agride profundamente a isonomia é a de que o fator previdenciário é imposto apenas para um segmento da Previdência, qual seja à aposentadoria por tempo de contribuição. O legislador imputou o ônus maior do equilíbrio atuarial a apenas uma parcela de segurados do sistema enquanto que, em texto constitucional, essa responsabilidade caberia a todo o sistema, em todos os seus segmentos, enaltecendo o princípio da solidariedade que rege o instituto.

Sustentando esta exegese Baars (2009, p. 26) salienta que o

fator recai somente sobre as aposentadorias por tempo de contribuição e o princípio atuarial contido no art. 201 da Constituição Federal vigora para todo o sistema previdenciário, englobando todos seus benefícios. Ademais, o regime previdenciário adotado no Brasil é o de repartição simples e não o de capitalização, o que pressupõe que o equilíbrio atuarial deve ser alcançado não em relação a cada indivíduo, mas em relação ao sistema como um todo.

Isto posto, a regra imposta não tem cumprido seu papel de proporcionar a paz e a justiça sociais, inerente a toda lei. Não se consegue avistar um tratamento isonômico na aplicação do fator previdenciário ao cálculo da aposentadoria. Nem sequer tem se alcançado, por este meio, o equilíbrio financeiro e atuarial pelo fato da evasão contributiva desenvolvida pela desestabilização da rotatividade no mercado de trabalho e consequente impedimento de novas filiações ao sistema previdenciário, conforme já mencionado.

Ademais, a forma como é feito o cálculo da aposentadoria tem acarretado uma imensurável insegurança jurídica no ordenamento brasileiro, pois os segurados que futuramente gozarão da prestação previdenciária não sabem sequer de quanto será seu benefício, se será suficiente para manter seu padrão de vida, sabem apenas o valor a ser pago/contribuído agora, sendo que este, este sim, tem valor certo e compulsório.

Hugo L. da Silva servindo-se dos ensinamentos de Delgadoet al(2009, 2 p. 2) aponta que

a fórmula do fator coloca a expectativa de sobrevida da pessoa no momento de aposentadoria de forma inversamente proporcional ao seu valor; ou seja, quando as condições gerais da população melhoram, e isso se reflete na elevação da expectativa de sobrevida, o valor do fator diminui. É gerada, então, uma incerteza do segurado contribuinte em relação ao momento de requerer sua aposentadoria e em relação ao valor do seu benefício.

Outra questão relevante e que está em desacordo com o princípio da isonomia é a periodicidade da atualização da tabela de expectativa de sobrevida. A tabela usada atualmente foi elaborada em 2009 e tem aplicabilidade às concessões a partir de dezembro de 2010. Quando se altera, e sempre há alteração na expectativa de sobrevida, ocasiona um reflexo para os novos benefícios a serem concedidos. Logo, passando-se um período maior até a publicação da nova tábua, haverá uma variação repentina que será sentida pelos indivíduos que se aposentarem na época.

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Neste caso, duas pessoas que reúnam todos os requisitos para aposentadoria, tendo-se as mesmas idades, ou seja, sendo totalmente iguais perante a lei, mas fizerem o requerimento do benefício, um em 30 de novembro e outro no dia 01 de dezembro do ano em que entra em vigor uma nova tábua terão seus salários de benefícios distintos, serão tratados de forma anti-isonômica. Será imputada a estas pessoas uma falta cometida pelo próprio Poder Público, de não elaborar a tabela de forma ordenada, em períodos específicos e predeterminados.

Sabendo-se da importância da manutenção do sistema previdenciário brasileiro para diminuição das desigualdades sociais, para garantia da proteção social propriamente dita e para o alcance dos ideais liberalistas de justiça social estatuídos na Carta Constitucional de 1988, é reconhecido o esforço do legislador em criar um artifício que preconize a sustentabilidade do sistema, tentando-se remediar o desequilíbrio financeiro e atuarial provocado pelas alterações demográficas. 

Nesta mesma linha de pensamento Hugo L. da Silva (2009, p. 2) dispõe que

a ideia do fator previdenciário é interessantíssima, entretanto, o modo como está formulada demonstra certas fragilidades incongruentes com o princípio constitucional da isonomia e o Estado democrático de Direito, fazendo com que o segurado seja lesado.

Todavia, a sustentabilidade da Previdência no Brasil não pode ser motivo para a inobservância às garantias individuais já consagradas em nível constitucional. O fator previdenciário afronta até mesmo o fundamento essencial da dignidade da pessoa humana, pois há desprezo à pessoa do segurado que contribuiu ano após ano com intuito de chegar ao final de sua vida e obter um benefício a que faz jus e simplesmente, por necessidade administrativa imperiosa, criam-se regras diferenciadas que apenas lhe trazem prejuízos. Ao segurado resta optar por trabalhar por mais tempo e alcançar uma idade que lhe proporcione um salário de benefício maior ou se sujeitar a receber um montante menor, que quase sempre se traduz no salário mínimo.

Tal instituto precisa de “ajustes finos para que aqueles que contribuem durante décadas e esperam sobreviver com uma quantia justa após se aposentar se sintam seguros e abrangidos pelos direitos e garantias constitucionalmente previstos”. (ibidem)


6.IMPLICAÇÕES DO FIM DO FATOR PREVIDENCIÁRIO E SUA MEDIDA SUBSTITUTIVA

Desde sua origem o fator previdenciário recebe diversas argumentações negativas a seu respeito. Inicialmente discutiu-se a sua constitucionalidade, através da Adin nº 2.111/DF, mas não houve êxito para os adeptos deste entendimento, de forma que o Supremo Tribunal Federal “reconheceu não haver a indigitada inconstitucionalidade e muito menos que a sua incidência seria uma forma velada de se inserir o requisito de idade mínima”. (SANTOS, 2009)

No entanto, continua crescente a indignação dos segurados do Regime Geral de Previdência que se aposentam ou pretendem se aposentar pelo tempo de contribuição. Para estes beneficiários não é perceptível o respeito aos seus direitos fundamentais, não se consegue entender o conceito de justiça adotado pela lei para o tratamento anti-isonômico que vem acontecendo com a redução do valor real do salário de benefício de um sujeito para outro, estando estes em situações paritárias.

Com a questão do déficit, rombo da Previdência Social, desequilíbrio financeiro e atuarial, seja qual for o nome dado à problemática causada pela alteração nos fatores demográficos, a reforma necessária do sistema vem sendo procrastinada durante anos.

Em 2008 foi editado o projeto de lei nº 3.299/08, de autoria do senador Paulo Paim, visando a extirpação do fator previdenciário do ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, até então não houve conclusão definitiva a seu respeito. No momento, a proposição encontra-se aguardando a apreciação no Plenário, na Câmara dos Deputados.

O teor deste projeto de lei sugeriu o retorno à forma de cálculo antiga, onde era considerada apenas a média dos 36 últimos salários de contribuição. Mas, aproveitando o engajamento na matéria, passou-se a discussão de outras possíveis soluções para o impasse do fator previdenciário, sabendo-se que tal questão deve ser resolvida de maneira que não acarrete mais danos aos aposentados e pensionistas do INSS, nem aos cofres públicos.

Diante das reprovações acerca do retorno do sistema retrógrado o projeto de lei nº 3.299/08 sofreu algumas alterações, surgindo propostas diferenciadas. Com base nas explanações de Renata Baars (2009) acerca das alternativas ao fim do fator, passa-se à reflexão das principais proposições.

Uma das sugestões foi a de que seja extinto o fator, mas que se adote um novo critério, denominado como regra do 95/85, onde a pessoa deverá alcançar a soma da idade com o tempo de contribuição neste importe, permanecendo o tempo mínimo de cotização de 35 anos aos homens e 30 anos se mulher. Ou seja, a soma da idade com o tempo de contribuição deve resultar em 95 para homens e 85 para as mulheres para que o valor do benefício não seja reduzido.

Aliado a este plano há o debate a respeito de um congelamento da tabela do fator previdenciário, de forma que não haveria sua extinção, mas a sua utilização seria restringida. Nesta proposta o indivíduo que contribua pelo tempo mínimo exigido (30 ou 35 anos) poderá aposentar-se desde que utilize a regra do fator. Porém, se completado este tempo e não houver requerimento do benefício, o seu fator previdenciário será congelado, evitando-se a deflagração decorrente do aumento da expectativa de sobrevida e garantindo que o beneficiário possa planejar a sua aposentadoria, sabendo previamente o quanto deverá continuar trabalhando para receber uma prestação mais vantajosa. Completando-se a soma 95/85 não haverá desconto no valor do benefício, pois seu fator previdenciário torna-se neutro.

Para a autora supramencionada (2009, p. 20) o critério de congelamento do fator

trata-se de medida justa, uma vez que, pelas regras vigentes, o segurado que opta por permanecer em atividade, mesmo tendo cumprido os requisitos mínimos para aposentadoria por tempo de contribuição, somente saberá o valor do fator previdenciário que incidirá sobre seu benefício na data em que se aposentar.

As centrais sindicais, visando menor onerosidade para os trabalhadores, indicaram uma alternativa semelhante, “a regra 90/80, acompanhadade uma redução de 2% por ano que faltasse para completar esse requisito, bem como um acréscimo de 2% por ano que o excedesse”. Nesta hipótese haveria completa extinção do coeficiente atuarial. (BAARS, 2009, p. 21)

Esta regra parece minorar bastante a desigualdade no valor dos benefícios produzida pela utilização do fator, vez que “prevê aumentos a partir dos 56 anos de idade, enquanto o fator previdenciário apenas a partir dos 64”. (ibidem, p. 22)

Após o exame das aludidas propostas, fator 90/80 com variáveis de 2% e fator 95/85 que mantenha o coeficiente atuarial para casos excepcionais, pode-se imaginar também a aplicação de uma regra mista, em que seja usada a regra 95/85, porém com a variação de 2% para cada ano que ultrapasse ou falte à complementação do requisito. (ibidem, p. 23)

Nesta circunstância haveria uma diferença no valor do salário de benefício de até 28%, fazendo-se uma comparação com o fator previdenciário, conforme tabela comparativa em anexo. (ibid., p. 24)

Frente a estas possíveis medidas substitutivas, cabe ressaltar que a tarefa de escolher qual o melhor caminho para o sistema securitário nacional não é nada fácil, tendo em vista a pouca previsibilidade dos rumos que tomarão os índices demográficos, bem como as políticas sociais e o desenvolvimento do mercado de trabalho no Brasil. Não se tem “previsão do que é necessáriofazer hoje para garantir a viabilidade dosistema em um futuro longínquo e incerto”. (SARMENTO; AZEVEDO, 1999, p. 564)

Independentemente da extinção do fator previdenciário ou da criação de novos parâmetros para sua utilização no cálculo da aposentadoria é fato que o anseio da sociedade não deve ser ignorado. A Previdência brasileira precisa de reformas urgentes para que seja estabelecida a paz social e, assim, seja concretizada a justiça social perpetuada nos arrimos da Constituição Federal.

6.1Entendimento dos tribunais e de personalidades jurídicas de renome

A comunidade jurídica brasileira possui uma densa massa de defensores do fim do fator previdenciário. Dentre as personalidades que mais se destacam, é de suma importância mencionar as sábias palavras de Germano Bonow (2008), que na ocasião foi relator da Comissão de Seguridade Social e Família, no Senado Federal.

Bonow (2008, p. 2) defende o projeto de lei que visa extinguir o fator previdenciário e aponta que a mudança poderá trazer “efeitos positivos” às aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência. Entende, ainda, que tais benefícios, por serem mensurados a partir da utilização “do fator previdenciário, foram injustamente reduzidos em seus valores ou postergados em sua percepção, o que prejudicou, sobretudo, os trabalhadores que começaram mais cedo sua vida profissional e que são, exatamente, aqueles que recebem menores salários”.

Argumentando sobre as variáveis que compõem a fórmula do coeficiente, bem como a influência dos mesmos no valor dos benefícios Bonow (2008, p. 3) sustenta que

o fator corresponde a uma fórmula que tem, em seu numerador, as variáveis que concorrem para elevar o valor da aposentadoria, quais sejam: o tempo de contribuição e a idade do segurado na data da entrada do requerimento ao benefício. Por outro lado, encontra-se em seu denominador a variável que o influencia negativamente, que é a expectativa de sobrevida. Como a tendência demográfica confirma-se no sentido da ampliação da longevidade, a função do fator consiste exatamente em desestimular as aposentadorias precoces visto que funciona como redutor nos casos de segurados com idade mais reduzida do que as implicitamente consideradas como ideais – 60 anos, para os homens, e 55 anos, para as mulheres.

Sendo assim, fica segura a sustentação de que o fim do fator seja o melhor caminho, tendo em vista “seus efeitos negativos sobre os valores das aposentadorias e, sobretudo, o grau de incerteza e insegurança que sua adoção impõe aos segurados”. (BONOW, 2008, p. 4)

O deputado Pepe Vargas, relator da Comissão de Finanças e Tributação (2009, p. 6) corrobora tal posicionamento informando que os segurados não têm segurança jurídica na vigência do aludido fator. Dispõe ainda que

Atualmente, o trabalhador não sabe exatamente qual será a sua renda mensal, caso decida adiar a decisão da aposentadoria. Os que resolvem fazê-lo acabam por constatar que o ganho obtido, para cada ano postergado, somente se revela vantajoso para os que possuem idade avançada. Além disso, ainda há o risco de vir a ser surpreendido, de um dia para o outro, por um degrau entre duas tábuas consecutivas de expectativa de vida, como aquele verificado em 1º de dezembro de 2003, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE divulgou a primeira tábua de mortalidade contendo os dados obtidos do Censo Demográfico de 2000.

Conciliando com o raciocínio de que a aplicação do fator se desvirtuou Pepe afirma que “se o fator previdenciário não contribui para que as pessoas permaneçam na atividade, o raciocínio lógico que decorre dessa observação é o de que a economia idealizada com a postergação das aposentarias não está se concretizando”. (ibidem)

Outro aspecto relevante é que com a extinção do fator e instituição de uma nova regra para a aposentadoria por tempo de contribuição haverá a revitalização do preceito da isonomia constitucional, tornando o Regime Geral de Previdência “mais justo para os segurados”, observando-se, também, “os princípios de responsabilidade fiscal, bem como do equilíbrio financeiro e orçamentário”. (VARGAS, 2009, p. 12)

Quanto à constitucionalidade do fator muito se discutiu no âmbito judiciário, no entanto, conforme já mencionado em momentos anteriores, o STF decidiu esta questão na ADI 2.111/DF, vigorando o entendimento acerca de sua correção.

Contudo, o que se tem visto com bastante frequência é que o Poder Judiciário continua sendo consultado a esse respeito, como forma, principalmente, de se pressionar a decisão sobre o projeto de lei nº 3.299/08.

Em sua maioria as decisões tomam o rumo da improcedência, como nos seguintes casos:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. FATOR PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONALIDADE. APOSENTADORIA ESPECIAL. PROFESSOR. OFENSA REFLEXA. PRECEDENTES.

1. O Plenário desta Corte, no julgamento da ADI nº 2.111/DF-MC, Relator o Ministro Sydney Sanches, concluiu pela constitucionalidade do fator previdenciário previsto no art. 29, caput, incisos e parágrafos, da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pelo art. da Lei nº 9.876/99.(689879 RS, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 11/09/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: 26-09-2012) (grifo nosso)

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECÁLCULO DA RMI COM EXCLUSÃO DO FATOR PREVIDENCIÁRIO. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS À CONCESSÃO DA APOSENTADORIA NA VIGÊNCIA DA LEI 9.876/99. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 9.876

I - Na concessão de benefício previdenciário, a lei a ser observada é a vigente à época em que o segurado reuniu as condições necessárias para a obtenção do benefício, decorrendo daí o direito subjetivo à percepção do benefício (STJ - Sexta Turma, RESP n. 658.734/SP, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, in DJ de 01.07.2005).

II - Cumpridos os requisitos da aposentadoria na vigência da Lei nº 9.876, de 29.11.99, deve ser aplicada a forma de cálculo nela estabelecida, não havendo que se falar, em inconstitucionalidade do fator previdenciário por ela instituído, uma vez que a própria Constituição, em seu art. 202 (com a redação dada pela EC 20/98), determinou que lei regulasse a matéria atinente ao cálculo dos proventos da aposentadoria. Precedentes. 9.876 Constituição 20220.

III - Portanto, Inexistindo qualquer novidade nas razões recursais que ensejasse modificação nos fundamentos constantes da decisão ora impugnada, impõe-se a sua manutenção.

IV - Agravo interno não provido.

(200950010163360 RJ 2009.50.01.016336-0, Relator: Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO, Data de Julgamento: 29/03/2012, SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: E-DJF2R - Data: 10/04/2012 - Página: 18)(grifo nosso)

Em ocasiões excepcionais houve julgamentos em sentido diverso. O juiz federal Marcus Orione Gonçalves Correia, titular da 1ª Vara Federal Previdenciária, em São Paulo/SP, “considerou o fator previdenciário inconstitucional”. Seu entendimento foi no sentido de que o fator, “além de ser complexo e de difícil compreensão para o segurado, é inconstitucional por introduzir elementos de cálculo que influem no próprio direito ao benefício”. Na referida sentença ele concluiu que o coeficiente “concebe, por via oblíqua, limitações distintas das externadas nos requisitos impostos constitucionalmente para a obtenção, em especial, da aposentadoria por tempo de contribuição”. Desta feita, condenou-se o INSS a refazer o cálculo do salário de benefício sem utilização do instituto em questão. (JUSTIÇA FEDERAL, 2010)

Neste ínterim, o magistradoLincoln Pinheiro Costa, titular da 20ª Vara da Justiça Federal, no Estado de Minas Gerais, exarou em 07 de novembro de 2011 sentença no processo nº: 0023153-60.2011.4.01.3800. Na ocasião, nos termos do referido juiz, decidiu-se

declarando incidentalmente a inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º da Lei 9876/99 que deram nova redação ao artigo 29, caput, incisos e parágrafos da Lei 8213/91, no que tange à instituição do fator previdenciário. Por conseguinte, condeno o INSS a revisar a Renda Mensal Inicial - RMI (aposentadoria) do autor, desde a data do requerimento - 07/03/2008 - mediante obtenção de novo salário benefício, sem a incidência do fator previdenciário. (FOLHA DE CONTAGEM, 2011)

Em sentido diverso dos apontamentos até então dispostos, há quem apoie a viabilidade do coeficiente atuarial sustentando que o mesmo veio cumprir a estipulação da própria Constituição Federal de promover o equilíbrio financeiro do sistema securitário e que, portanto, não há resquícios de inconstitucionalidade na lei instituidora. Neste sentido o desembargador Ricardo Teixeira do Valle Pereira, em acórdão proferido em 2011[7], decidiu que

Todas essas alterações legislativas, não apenas autorizadas pela Constituição, se deram com o propósito de cumprir as novas exigências por ela trazidas, equilibrando as despesas da Previdência Social e aproximando o valor dos benefícios à realidade das contribuições efetuadas pelos segurados.

Assim, não há falar em inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 9.876/99. Muito pelo contrário, além de ausente qualquer afronta à Carta de 1988, o novel diploma somente cumpre a política previdenciária por aquela instituída.

Desta feita, com base no paralelo esboçado supra, infere-se que há visível supremacia do entendimento voltado ao fim do fator em detrimento de sua viabilidade.

Com relação às decisões dos tribunais brasileiros, não há julgados de outra natureza que não acerca da sua constitucionalidade, e, a partir destas disposições, cumpre mencionar que essa questão, embora seja considerado majoritariamente pelos aplicadores do direito como algo já superado, não afeta o objetivo traçado neste estudo, vez que o mesmo se restringe à demonstração do desvirtuamento do instituto denominado fator previdenciário, além da sua prejudicialidade ao princípio da isonomia, o que, diga-se de passagem, já foi amplamente argumentado.

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Sobre a autora
Érica de Lourdes Mendes

Advogada Previdenciarista

Informações sobre o texto

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