Resumo: A partir da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, o Brasil passou a prever a possibilidade de adoção de chamada súmula vinculante, desde que por decisão de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional. Obedecidos tais requisitos e com a publicação na imprensa oficial, a súmula deverá ter efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta. O tema gera profundas discussões doutrinárias em relação à eficácia de seu efeito vinculante para a superação da crise do Poder Judiciário. Através de uma pesquisa bibliográfica, que compreende leitura, análise e interpretação de livros, periódicos e textos legais, defender-se-á que a adoção da súmula vinculante, apesar de muitas controvérsias, melhoraria a situação da morosidade processual, priorizando uma prestação jurisdicional mais eficaz e isonômica, diminuindo a atual insegurança jurídica e proporcionando maior credibilidade à justiça brasileira. O sistema utilizado foi o lógico-sistemático.
Palavras-chave: súmula vinculante, crise no Poder Judiciário, engessamento.
Sumário: INTRODUÇÃO. 1. EVOLUÇÃO DO DIREITO SUMULAR NO BRASIL. 1.1. JURISPRUDÊNCIA. 1.2. CONCEITO DE JURISPRUDÊNCIA. 1.3. JURISPRUDÊNCIA E SÚMULA. 1.4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SÚMULA NO BRASIL. 1.5. CONCEITO DE SÚMULA. 1.6. EFEITO VINCULANTE. 1.6.1. ORIGEM DO EFEITO VINCULANTE NO BRASIL. 1.6.2. NOÇÃO DE EFEITO VINCULANTE. 1.6.3. EFEITO VINCULANTE E EFEITO ERGA OMNES. 1.6.4. EFEITO VINCULANTE E SÚMULA. 2. SÚMULA VINCULANTE. 2.1. SÚMULA VINCULANTE E ASSENTOS DO DIREITO PORTUGUÊS E STARE DECISIS. 2.1.1. INSTITUTO DOS ASSENTOS DO DIREITO PORTUGUÊS. 2.1.2. STARE DECISIS. 2.2. EC Nº 45/2004 E A PREVISÃO DA SÚMULA VINCULANTE NO BRASILEIRO. 2.3. REGULAMENTAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE: LEI 11.417/06. 2.3.1. OBJETO DA LEI. 2.3.2. COMPETÊNCIA. 2.3.3. NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO DE EDIÇÃO, REVISÃO OU CANCELAMENTO DA SÚMULA VINCULANTE. 2.3.4. LEGITIMIDADE. 2.3.5. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. 2.3.6. PARTICIPAÇÃO DO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA. 2.3.7. REQUISITOS PARA A EDIÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE. 2.3.8. SUSPENSÃO DOS PROCESSOS. 2.3.9. APROVAÇÃO, REVISÃO OU CANCELAMENTO. 2.3.10. EFEITOS DA SÚMULA VINCULANTE. 2.3.11. PUBLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA VINCULANTE. 2.4. RECLAMAÇÃO: DESCUMPRIMENTO DAS SÚMULAS VINCULANTES. 2.4.1. DUPLA MOTIVAÇÃO. 2.4.2. CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO. 2.4.3. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. 2.4.4. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2.5. DEFINIÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE. 2.6. NATUREZA JURÍDICA DA SÚMULA VINCULANTE. 2.7. SÚMULAS VINCULANTES JÁ EDITADAS. 3. ASPECTOS POLÊMICOS DA SÚMULA VINCULANTE. 3.1. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS Á SÚMULA VINCULANTE. 3.1.1. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 3.1.2. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA SEGURANÇA JURÍDICA. 3.1.3. DESCONGESTIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO. 3.2. CRÍTICAS ÀS SÚMULAS VINCULANTES. 3.2.1. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES. 3.2.2. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E SUA INDEPENDÊNCIA. 3.2.3. POSSVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. 3.2.4. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 3.2.5. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. 3.2.6. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO SISTEMA JURÍDICO “CIVIL LAW”. 3.3. ENGESSAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO. 3.3.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 3.3.2. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. 3.3.3. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. 3.3.4. PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA JUDICIAL. 3.3.5. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO JUDICIAL. 3.3.6. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. 3.4. SÚMULA VINCULANTE E O PODER JUDICIÁRIO. 4. CONCLUSÃO. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
A partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004 foi introduzido o instituto da de Súmula Vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. O artigo 103-A foi incorporado ao texto constitucional conferindo poderes ao STF para aprovar súmula com efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário a à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Mais de dois anos após a publicação da Emenda, em 19 de dezembro de 2006, foi editada a Lei nº 11.417, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento da súmula por parte do Egrégio Supremo Tribunal Federal. A partir de então, restou autorizada e regulamentada a súmula vinculante, mediante a decisão de dois terços dos membros do Supremo, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional. Aprovada e publicada, a súmula terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração pública, o que significa dizer que tais decisões do STF são de obediência compulsória pelos aplicadores da Lei, em qualquer grau.
O efeito vinculante tem por objetivo evitar que uma demanda judicial - cujo conteúdo substancial já tenha sido objeto de discussão e julgamento por parte do judiciário em várias outras demandas - seja novamente submetido ao órgão julgador. Referido instrumento mostra-se de grande eficácia para tornar mais célere o julgamento dos milhares de processos que se amontoam nos tribunais, retardando a prestação jurisdicional. Todavia, a existência do efeito vinculante das súmulas do STF para os juízes e tribunais inferiores é algo passível de controvérsias, ensejando argumentos contrários e a favor. Dentre outras razões, os opositores argumentam que o instrumento em questão cercearia a liberdade de criação dos juízes ou sua independência e causaria engessamento do Direito; por outro lado, os defensores sustentam suas razões nos Princípios da Celeridade, da Economia Processual, e da isonomia, reafirmando não ser mais possível que cada juiz julgue questões idênticas em sentidos diferentes, desencadeando a autuação de milhares de recursos junto aos tribunais.
Ressalta-se que as discussões sobre o assunto, como se verá, são sempre válidas e edificantes. Diante deste contexto, se faz necessário um estudo mais apurado sobre a adoção da súmula vinculante no direito pátrio, e para tal desiderato o texto a seguir discorre sobre as tradições históricas do direito sumular brasileiro, seguidas de considerações acerca do efeito vinculante das súmulas, do procedimento da Lei 11.417\06, das opiniões favoráveis e desfavoráveis à decisão vinculativa e, por fim, da sua consonância com os princípios já consagrados na Constituição Federal.
1. EVOLUÇÃO DO DIREITO SUMULAR NO BRASIL
1.1. JURISPRUDÊNCIA
Segundo Alexandre Sormani e Nelson Luis Santander: “A jurisprudência, sob o aspecto técnico-jurídico, parece ter surgido com os romanos, tendo, já no começo, uma acepção vinculada à interpretação dos textos legais, que era empreendida pelos jurisconsultos da época – denominados prudentes – aos quais, a partir de Augusto (27 AC-14 DC), foi outorgado o jus respondendi – direito declarar a lei com autoridade”.[1]
Aliás, sobre a origem histórica da jurisprudência a partir das fontes romanas, relata Rodolfo de Camargo Mancuso: “Nesses primórdios, pode-se dizer que a expressão jurisprudência se vinculava à tarefa exegética então praticada pelos jurisconsultos da época – ditos prudentes – no afã de esclarecer e interpretar os textos jurídicos, então incipientes, numa fase em que estavam ainda esbatidos os contornos do Direito, de envolta com regras de natureza moral ou religiosa.” Adiante, lembra o autor que: “(...) em Roma a atividade de dizer o direito – jurisdicere, donde deriva o vernáculo jurisdição – era exercida tanto através dos editos dos pretores, como das respostas dadas pelos prudentes.”[2]
No Brasil, as primeiras fontes de direito positivo foram as Ordenações lusitanas (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), adotadas desde os primórdios da colonização, por determinação da Coroa.[3] A propósito, aduz Mancuso que: “Em nosso país esse direito continental europeu aportaria por intermédio das ‘Ordenações’ lusitanas que, no capítulo da jurisprudência, apresentaram a importante contribuição dos assentos obrigatórios e, de maneira geral, serviram como o elo que viria possibilitar a filiação do então incipiente Direito brasileiro à vertente dos países de Direito codicístico, disto de law, ou seja, aqueles integrantes da ‘família romano-germânica’.”[4]
1.2. CONCEITO DE JURISPRUDÊNCIA
Para Lênio Luiz Streck, jurisprudência comporta três significados: “a) em sentido estrito, pode indicar a ‘Ciência do Direito’, também denominada ‘Dogmática Jurídica’ ou ‘Jurisprudência’; b) em sentido lato, pode referir-se ao conjunto de sentenças dos tribunais, e abranger tanto a jurisprudência uniforme como a contraditória; c) pode significar apenas o conjunto de sentenças uniformes, falando-se nesse sentido, em ‘firmar jurisprudência’ ou ‘contrariar a jurisprudência’”[5]
Rodolfo de Camargo Mancuso aduz que, apesar da palavra jurisprudência não apresentar um conteúdo unívoco, em sentido técnico-jurídico, o termo jurisprudência traduz: “coleção ordenada e sistematizada de acórdãos consonantes e reiterados, de um certo Tribunal, ou de uma dada Justiça, sobre um mesmo tema jurídico.” Adiante lembra Marcelo Roberto Ferro que O complexo de decisões reiteradas, acerca de uma determinada matéria , pronunciadas por órgãos do Poder Judiciário, no efetivo exercício da atividade jurisdicional.”[6]
1.3. JURISPRUDÊNCIA E SÚMULA
Jurisprudência, para Leonardo Vizeu Figueredo, é fruto de uma interpretação reiterada que as cortes dão à lei, nos casos concretos submetidos a seu julgamento. Enquanto súmula é uma síntese da Jurisprudência sobre determinado tema jurídico[7].
No ponto, esclarece Júlio da Costa Figueiras:
Jurisprudência nada mais é do que reiteração uniforme e constante de certa decisão sempre no mesmo sentido. Porém, por conveniência do Tribunal, quando há um consenso sobre uma linha jurisprudencial, é possível sintetizar tal entendimento através de um enunciado em “súmula”. Apesar de serem distintos, em um ponto se assemelham, ambos não têm qualquer caráter congente, não obrigando os julgadores. Vale dizer, servem como mera orientação, não engessando a convicção pessoal do magistrado, que pode livremente contrariá-las, desde que fundamente sua decisão. Contudo, é óbvio, que não se pode ignorar a profunda influência que as súmulas exercem sobre o desempenho do judiciário como um todo. Mas, frise-se, trata-se de uma influência persuasiva, não normativa[8].
1.4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SÚMULA NO BRASIL
Em decorrência da ligação histórica entre Brasil e Portugal até a segunda década do século XIX, a história do direito brasileiro se confunde com a do direito lusitano, razão pela qual o Brasil, durante os dois primeiros séculos de sua existência, até a independência, ocorrida em 1822, sofreu os influxos da legislação portuguesa (Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) em função do poder exercido pela Coroa sobre sua colônia, a qual tinha o dever de observância às ordenações do Reino, ainda que em detrimento aos atos normativos locais.[9]
Primeiramente vieram as Ordenações Afonsinas, publicadas em 1446, durante o reinado de D. Afonso V. que constituíam uma espécie de coletânea ou código de leis que reunia toda a legislação em vigor na época, por essa razão foi considerada a primeira compilação oficial do direito do país, colocando-as numa posição destacada na história do direito português. Ademais, com a publicação das Ordenações Afonsinas, as leis tornaram-se uniformes para todo o país impedindo, desta forma, os abusos praticados pela nobreza no que respeita à sua interpretação, permitindo ao rei amplificar a sua política centralizadora[10].
Seguiram-se as Ordenações Manuelinas, em 1512, quando se estabeleceu que, em caso de dúvida sobre o entendimento de alguma Ordenação, os desembargadores deveriam submetê-la à Mesa Grande e dar a sentença conforme o entendimento desta, o qual seria colocado no livro (assentos) para não se pôr mais em dúvida. Sobre o tema ensina Roberto Luis Luchi Demo, in verbis:
“Desse Direito reinol, as Ordenações Manuelinas, de 1512, capitulavam o assento em seu Livro V, Título 58, § 1o: E assim havemos por bem que quando os desembargadores que forem no despacho d’algum feito, todos ou algum deles tiverem alguma dúvida em alguma nossa Ordenança do entendimento dela, vão com a dita dúvida ao Regedor, o qual na Mesa Grande com os desembargadores que lhe bem parecer a determinará, e segundo o que for determinado se porá a sentença. E se na dita Mesa forem isso mesmo em dúvida, que ao Regedor pareça que é bem de no-lo fazer saber, para nós logo determinarmos, nolo fará saber, para nós nisso provermos. E os que em outra maneira interpretarem nossas Ordenações, ou derem sentenças em algum feito, tendo algum deles dúvida no entendimento da dita Ordenança, sem irem ao Regedor como dito, serão suspenso até nossa mercê. E a determinação que sobre o entendimento da dita Ordenação se tomar, mandará o Regedor escrever no livrinho para depois não vir em dúvida.[11]
Na seqüência, foram publicadas, em 1603, as Ordenações Filipinas, as quais mantiveram a previsão dos “assentos” das Ordenações Manuelinas, como observam Alexandre Sormani e Nelson Luis Santander, in verbis:
“As Ordenações Filipinas tinham um dispositivo (Livro 1, Título V, § 5º) que remetia a interpretação de seus dispositivos, em caso de dúvida, ao monarca que, por sua vez, repassava atribuição exegética à Casa de Suplicação. O produto da interpretação, então, era lançado no “Livro da Relação”, em forma de assentos obrigatórios, com força de lei. (...) Trata-se dos chamados assentos da casa de suplicação (cuja aplicação no Brasil restou efetivamente declarada por força dos Decretos de 04.02.1684 e de 18.08.1705, e, ainda, pela Lei da Boa Razão – Lei de 18.08.1769), pronunciamentos genéricos emanados do rei (na verdade, emanados da Casa de Suplicação), dotados de força vinculativa e soberana, com o escopo de esclarecer questões de direito em tese. A interpretação diversa daquela intentada pelo rei sujeitava o juiz que assim agisse à pena de suspensão, até segunda ordem do rei (Ordenações Filipinas, Livro V, título 58 §1º).”[12]
Proclamada a independência do Brasil, em 1822, as Ordenações Filipinas continuaram a irradiar seus efeitos no ordenamento jurídico pátrio. Nesse contexto, foram editados o Decreto Legislativo 2.684, de 23.10.1875 para regulamentar os Assentos da Casa de Suplicação no Brasil e, em seguida, o Decreto 6.142, de 10 de março de 1876 para regulamentar o funcionamento da tomada de assentos do Superior Tribunal de Justiça, o qual estabeleu, dentre outras coisas, que, para serem reconhecidos, era indispensável que os julgamentos divergentes tivesses sido proferidos em processos findos, depois de esgotados os prazos recursais, e que a divergência tivesse por objeto o direito em tese ou a disposição da lei. Importante referir, que os Assentos mantiveram-se vigentes até a Constituição de 1891, quando então foram substituídos pela nova técnica de uniformização de jurisprudência prevista no art. 59, § 2º.[13]
O art. 59, § 2º da CR/1891 instituiu o dever da Justiça Federal de consultar a jurisprudência estadual nas hipóteses em que cabível a aplicação da legislação estadual, bem como o dever da Justiça Estadual de consultar a jurisprudência federal nas mesmas hipóteses. Nessa mesma linha, foi editado o Decreto n 23.055, de agosto de 1933 que tinha por objetivo vincular os tribunais estaduais à jurisprudência, no caso, especificamente do Supremo tribunal Federal, sobre o direito federal.[14]
Art. 59, § 2º da CR/1891: Nos casos em que houver de aplicar leis dos Estados, a justiça federal consultará a jurisprudência dos tribunaes locaes, e vice-versa, as justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos tribunaes federales, quando houverem de interpretar leis da União.”
Art. 1º do Decreto 23.055/33: ‘As Justiças dos Estados, do Distrito Federal e do Território do Acre devem interpretar as leis da União de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”
Passado pouco tempo da promulgação da Constituição de 1891, primeira Constituição Republicana, a legislação processual, ora reservada aos Estados, concebeu o prejulgado. O prejulgado era a pronunciação prévia do tribunal pleno ou de órgão colegiado que o regimento indicasse, para ser seguida no recurso em andamento, e podia ser suscitada por qualquer juiz ou parcela de tribunal ou, ainda, provocada por parte na causa, evitando-se com isso, a divergência de decisões. O instituto do prejulgado foi mantido no Código de Processo Civil de 1939 em seu artigo 861e instituído na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452/43) no caput do seu art. 902 e no Código Eleitoral (Lei 4.717/65) em seu artigo 263, todavia, o Supremo Tribunal Federal, em 12 de maio de 1977, ao julgar a Representação nº 946 os revogou sob o fundamento de a Constituição de 1946 e as que a sucederam não conservaram a figura do prejulgado.[15]
“Art. 861do CPC/39: A requerimento de qualquer dos seus juízes, a câmara, ou turma julgadora, poderá promover o pronunciamento prévio das câmaras reunidas sobre a interpretação de qualquer norma jurídica, se reconhecer que sobre ela ocorre, ou poderá ocorrer, divergência de interpretação entre câmaras ou turmas.”
“Art. 902 da CLT: É facultado ao Tribunal Superior do Trabalho estabelecer prejulgados, na forma que prescrever o seu Regimento Interno. § 1o. Uma vez estabelecido o prejulgado, os Tribunais Regionais do Trabalho, as Junà causa que o sugerira, mas tinha caráter normativo. O Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a constitucionalidade do prejulgado trabalhista.”
“Art. 263 do CE/65: No julgamento de um mesmo pleito eleitoral, as decisões anteriores sobre questões de direito constituem prejulgados para os demais casos, salvo se contra a tese votarem dois terços dos membros do tribunal.”
Oportuno dizer que, dentre os antecedentes históricos já vistos, foi, na década de 60, em que houve o grande avanço no direito brasileiro sumular, uma vez que instituída a Súmula da Jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, mediante emenda ao Regimento do Supremo Tribunal Federal por proposição de Victor Nunes Leal, um de seus maiores ministros, a qual restou aprovada em 13 de Dezembro de 1963. Era uma medida, de natureza regimental, que se destinava, primordialmente, a descongestionar os trabalhos do tribunal, simplificando e tornando mais célere a ação de seus juízes. Ao mesmo tempo, a Súmula servia de informação a todos operadores do direito, principalmente, aos juízes de primeiro grau, dando a conhecer previamente a orientação da Corte Suprema nas questões mais freqüentes. As súmulas, todavia, eram desprovidas de caráter normativo. Eram vistas como um valioso instrumento de persuasão, mas que não vinculava nem mesmo os juízes de primeiro grau.[16]
Ante este contexto jurídico, o CPC de 1973, com o propósito de evitar decisões discrepantes de um mesmo tribunal, instituiu em seus arts. 476 a 479, o incidente de uniformização de jurisprudência, do qual poderia resultar na edição de súmula.[17]
“Art. 476: Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando: I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que Ihe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas.”
“Art. 479: O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.”
Recentemente surgiram outras inovações na legislação a fim de albergar a autoridades das súmulas de jurisprudências, tais como os arts. 544, §3º, 557, 475, §3º, e 518, §1º, todos do CPC com a nova redação dada pelas Leis 9756/98, Lei 10352/01 e Lei 11276 de 07.02.2006, respectivamente[18].
Art. 544, § 3º Poderá o relator, se o acórdão recorrido estiver em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo para dar provimento ao próprio recurso especial; poderá ainda, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito, determinar sua conversão, observando-se, daí em diante, o procedimento relativo ao recurso especial. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)
“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998).”
“§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998).”
“Art. 475, § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001).”
“Art. 518, § 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. (Renumerado pela Lei nº 11.276, de 2006).”
1.5. CONCEITO DE SÚMULA
Pedro Miranda de Oliveira ensina que “O vocábulo súmula vem do latim summula. Significa sumário ou resumo. É uma ementa que revela a orientação jurisprudencial de um tribunal para casos análogos, ou seja, é o resultado final da formação de uma construção jurisprudencial, na medida em que representa a unificação da jurisprudência. Consiste, conforme art. 102 do regimento Interno do STF, na jurisprudência assentada pelo Tribunal”.[19]
“Art. 102 do RI do STF: A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal.”
Já segundo Enéas Castilho Chiarini Júnior, as súmulas são “entendimentos firmados pelos tribunais que, após reiteradas decisões em um mesmo sentido, sobre determinado tema específico de sua competência, resolvem por editar uma súmula, de forma a demonstrar qual o entendimento da corte sobre o assunto, e que servem de referencial não obrigatório a todo o mundo jurídico”.[20]
Vê-se, pois, que a própria essência conceitual da súmula é de ausência de força cogente, isso decorre da tradição romano-germânica do Brasil, isto é, tanto a jurisprudência, quanto a súmula têm forças meramente indicativas, não havendo quanto a elas necessidade de observância obrigatória por parte das instâncias inferiores[21].
1.6. EFEITO VINCULANTE
1.6.1. ORIGEM DO EFEITO VINCULANTE NO BRASIL
Dentre os antecedentes históricos o instituto que mais se aproxima do efeito vinculante é a representação para interpretação de lei, introduzida no ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977. Referida emenda incluiu na competência originária do Supremo Tribunal Federal processar e julgar a Representação do Procurador-Geral da República destinada à interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual. Com isso, o Supremo Tribunal Federal introduziu, em seu Regimento Interno, o art. 187, que dispunham sobre o processo e o julgamento da Representação, afirmando que a partir da publicação da conclusão e da ementa do acórdão, no Diário da Justiça da União, a interpretação nele fixada teria força vinculante para todos os efeitos. Nesse instituto autoritário, revogado pela Constituição de 1988, encontra-se a raiz da expressão “vinculante”, que convertia o órgão supremo do Poder Judiciário em legislador positivo, pela interpretação, das leis e atos normativos federais e estaduais. Essa interpretação era prévia para ser aplicada aos casos concretos. O Congresso produzia a quase-lei, e a lei propriamente dita vinha da interpretação do STF.[22]
Relativamente ao efeito vinculante propriamente dito, ele foi instituído em nosso ordenamento jurídico, por ocasião da promulgação da Emenda Constitucional 03/93, cujo art. 1º alterou o art. 102 da Constituição para incluir o §2º, criando a Ação Declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo, dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante.[23]
1.6.2. NOÇÃO DE EFEITO VINCULANTE
A criação do efeito vinculante foi a solução encontrada para combater a recalcitrância dos demais poderes - sobretudo mediante a reiteração material de atos e condutas declarados inconstitucionais -, e reafirmar a preponderância institucional da jurisdição constitucional, ou seja, percebeu-se a necessidade de reforçar a eficácia das decisões prolatadas no âmbito da jurisdição constitucional, de modo que os demais poderes do Estado, inclusive os tribunais e a administração pública estivessem vinculados não só à parte dispositiva da sentença, mas também aos motivos, princípio e interpretações que lhe serviram de fundamento, privilegiando a estabilidade das relações sociais e políticas. Nesse sentido são os ensinamentos de Roger Stiefelmann Leal, nos seguintes termos:
“A sujeição dos demais poderes à Constituição e, por conseguinte, ao sentido que lhe empresta a jurisdição constitucional atua no sentido de eliminar eventuais divergências hermenêuticas, em nome dos princípios da segurança jurídica, da igualdade e da unidade da Constituição. Do mesmo modo, a sujeição das diversas autoridades do Estado à mesma solução constitucional comporta concretização do princípio da unidade da Constituição. Autoridades administrativas ou judiciais de localidades distintas estarão jungidas às mesmas razões e fundamentos, de modo que a Constituição será, na medida do possível, aplicada de idêntica forma. Sendo a Constituição a mesma, o seu conteúdo e o seu cumprimento não podem variar de acordo com a localidade, o caso ou a esfera de poder. Trata-se, portanto, de instituto que opõe obstáculos à arbitrariedade e à discriminação na aplicação da Constituição. Aos casos e controvérsias que apresentarem identidade de circunstâncias não se admitirá resolução distinta, que discrepe da orientação firmada pelos órgãos de jurisdição constitucional. Promove-se, assim, o princípio da igualdade, na medida em que os casos iguais merecerão, por parte dos demais poderes e órgãos do Estado, o mesmo tratamento constitucional: aquele dispensado no âmbito do controle jurisdicional de constitucionalidade.”[24]
Nessa mesma linha de raciocínio, Gilmar Ferreira Mendes explica:
“Como se vê, como efeito vinculante pretendeu-se conferir eficácia adicional à decisão do STF, outorgando-lhe amplitude transcedente ao caso concreto. Os órgãos estatais abrangidos estatais abrangidos pelo efeito vinculante devem observar, pois, não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquela objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado.”[25]
1.6.3. EFEITO VINCULANTE E EFEITO ERGA OMNES
No projeto de Emenda Constitucional nº 130, apresentado pelo deputado Roberto Campos, estabeleceu-se uma nítida distinção entre efeito vinculante e eficácia erga omnes (contra todos), o que acabou por repercutir direta e imediatamente na elaboração da EC nº 3 que, ao ser promulgada em 16.03.93, consagrou que “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do poder Judiciário e do Poder Executivo”.[26]
Discorrendo sobre o tema, Alexandre Sormani e Nelson Luis Santander,
explicam: “(....) se ocorre a improcedência da ação direta de inconstitucionalidade mantém-se a presunção de validade do ato normativo que poderá, a despeito do julgamento da Corte, ser questionada, como toda presunção relativa, na jurisdição constitucional difusa. Idêntico raciocínio valeria para a procedência da ação declaratória, se não houvesse o efeito vinculante”. Adiante, prossegue: “O efeito vinculante resolve um problema que surge com a simultaneidade dos critérios difuso e concentrado no sistema de fiscalização de constitucionalidade brasileiro. A sua utilização, ao vincular juízes e tribunais à decisão de mérito do supremo Tribunal Federal, obsta o controle difuso, inibindo divergências judiciais quanto à questão constitucional decidida.”[27]
Pontualmente Marcelo Novelino observa: “Apesar de serem institutos afins, a eficácia “erga omnes” e o efeito vinculante não são idênticos. A primeira se refere apenas ao dispositivo, ao passo que o segundo tem por objetivo conferir maior eficácia às decisões do STF, assegurando “força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes.”[28]
1.6.4. EFEITO VINCULANTE E SÚMULA
Roger Stiefelmann Leal ensina que apesar da aparente identidade de propósito, os dois institutos revelam, prima facie, diferenças em aspectos relevantes: “Seria a súmula vinculante resultado da reiteração de decisões num mesmo sentido, emitida após diversos pronunciamentos da Corte sumulante, sintetizados num enunciado propositivo. Por sua vez, o efeito vinculante prescinde, segundo sua formação original, de decisões reiteradas, constituindo eficácia derivada do próprio julgado, ainda que único. Ademais, o efeito vinculante não implica qualquer sumarização ou extratificação jurisprudencial. A vinculação decorrente do instituto alcança todos os fundamentos determinantes do julgado, sem o perigo das imperfeições que, não raro, recaem sobre a simplificação em verbetes ou enunciados condensadores da jurisprudência dominante.” Explica, ainda, o autor que a EC 45/04 não instituiu a súmula vinculante, mas reconheceu efeito vinculante às súmulas que observarem os requisitos estipulados pelo art. 103-A da CF, e, na eventual inobservância destes, apenas não se atribui o efeito vinculante à sumula que terá tão só efeitos morais e persuasivos.[29]