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Poderes instrutórios do juiz no processo de conhecimento

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05/04/2014 às 08:23
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3 A PROVA NO PROCESSO CIVIL

3.1 NOCÕES GERAIS

3.1.1 Conceito

 Numa conceituação ampla, Vicente Greco Filho define prova como “ todo  elemento que pode levar o conhecimento de um fato à alguém”.[24]

 Ao restringir o  conceito de prova ao âmbito do processo,  Moacir Amaral Santos assim a define “prova é a soma dos fatos produtores da convicção, apurados no processo.”[25]

 João Batista Lopes, por sua vez, conceitua a prova sob os aspectos objetivo e subjetivo:

 Sob o aspecto objetivo é o conjunto de meios produtores da certeza jurídica  ou o conjunto de meios utilizados para demonstrar a existência de fatos relevantes para o processo. (...) Sob o aspecto subjetivo, é a própria convicção que se forma no espírito do julgador a respeito da existência ou inexistência de fatos alegados no processo.[26]

 Nesse contexto, pode- se também conceituar prova como  elemento  do qual decorre a formação da convicção do julgador  acerca da existência ou não de um fato, valendo  lembrar o brocardo jurídico “fato alegado e não provado é fato inexistente.”

3.1.2 Natureza Jurídica

 A consagração do direito à prova é recente no Brasil, posto que, como na Europa, somente ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, com a constitucionalização e internacionalização das garantias processuais.[27]

 Sobre tal assunto, a melhor explanação é de Edurdo Cambi:

Portanto, o reconhecimento do direito à prova, no Brasil, é mais fácil do que na maioria dos países europeus, os quais adotam o sistema da civil law, mas não prevêem em suas respectivas constituições um conjunto tão expressivo e analítico de garantias processuais. Aliás, a consagração do direito à prova no Brasil é influenciada por duas vertentes distintas. De um lado recebe os influxos do modelo da common law, uma vez que a Constituição brasileira de 1988 assimilou a cláusula do due process of law e a dos direitos fundamentais implícitos. Por outro lado, acolhe as influências contemporâneas do sistema da civil law, que, no pós-guerra, constitucionalizou as garantias processuais; porém nessa perspectiva, foi ainda mais detalhista que a maior parte das Constituições européias, porque assegurou, expressamente, as garantias da ação, da ampla defesa e do contraditório ao processo civil. Com efeito, os intérpretes da Constituição brasileira e os operadores jurídicos, de um modo geral, têm à disposição várias possibilidades (topoi) para incorporar o direito à prova no rol dos direitos e garantias fundamentais (art. 5 da CF).[28]

 Depreende-se daí que o direito à prova constitui ao mesmo tempo direito e garantia fundamental.

 A previsão  do direito à prova está implícita no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o qual dispõe acerca do devido processo legal que possibilita à partes, mediante meios idôneos, influenciar  no convencimento do juiz. Além disso, o inciso LV, do aludido artigo, ao tratar dos princípios do contraditório e da ampla defesa, refere – se também aos meios e recursos a ela inerentes, estando aí  implícito  o direito à prova.

 Já no plano infraconstitucional, o artigo 332 do Código de Processo Civil prevê o direito à prova ao dispor que “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.”

 O Código Civil, por sua vez, por meio do artigo 212, estabelece os meios de provas para provar o fato jurídico, com exceção daquele que impõe forma especial.

  Nota-se aí a consagração do direito à prova  na Constituição Federal e  na legislação infraconstitucional.

 Ao analisar o direito à prova sob a perspectiva constitucional, Eduardo Cambi assim assevera:

(...) o direito à prova deve ser concebido como um direito público subjetivo, que tem a mesma natureza dos direitos de ação e de defesa assegurados pela Constituição, reconhecendo a titularidade de posições jurídicas ativas em relação à autoridade estatal.(...) A Constituição Federal Brasileira de 1988 assegura a garantia do acesso à ordem jurídica justa (art. 5º, XXXV), que é uma expressão ampla que abarca um complexo de direitos fundamentais processuais, dentre os quais deve ser incluído o direito à prova. Esses direitos, para ser efetivos, precisam ser cumpridos pelo Estado. Logo, o direito subjetivo processual à prova exige que o juiz, desde que o meio probatório seja relevante e admissível, torne concreta a previsão constitucional.[29]

 Não obstante,  o direito público subjetivo  à prova não é absoluto, podendo ser limitado nos casos de irrelevância, impertinência, desnecessidade e  inadmissibilidade, a fim de não afrontar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e efetividade que devem ser observados em cada processo.

 Ao afirmar que o direito à prova não é irrestrito, Cândido Rangel Dinamarco faz a seguinte observação:

A Constituição e a lei  estabelecem algumas balizas que também concorrem a traçar-lhe o perfil dogmático, a principiar pelo veto às provas obtidas por meio ilícito; em nível infraconstitucional o próprio sistema dos meios de prova, regidos por formas preestabelecidas, momentos, fases e principalmente preclusões, constitui legítima delimitação ao direito à prova e ao seu exercício. Falar em direito à prova, portanto, é falar em direito à prova legítima, a ser exercido segundo os procedimentos regidos pela lei.[30]

 No que tange à natureza jurídica da prova, não há consenso na doutrina,  sendo três as principais teorias: a que pertence ao ramo do direito processual; a que integra o ramo do direito substancial e, por fim, a que possui natureza mista, ou seja, processual e substancial.

 Salvatore Satta sustenta que as normas do direito à prova tem natureza substancial.[31]

 Em sentido diverso, é o entendimento de  Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco. Confira-se:

Embora vários temas sobre a prova venham à vezes tratados na lei civil, trata-se de autêntica matéria processual – porque falar em provas significa pensar na formação do convencimento do juiz, no processo. Mas o novo Código de Processo Civil invadiu radicalmente essa área, com disposições de caráter nitidamente processual, o que constitui um retrocesso científico (arts. 212 ss.)[32]

 No mesmo sentido, afirma Alexandre Freitas Câmara que “as normas sobre prova têm natureza processual, pois regulam o meio pela qual o juiz formará sua convicção, a fim de exercer a função jurisdicional.”[33]

 Ao defender seu posicionamento, o mencionado autor  tece críticas ao Código Civil de 2002, afirmando que tal diploma legal não faz distinção entre a prova e a forma  dos atos jurídicos. Assevera, ainda, que as regras sobre provas são as mesmas tanto nos casos em que o processo verse sobre Direito Privado como nos casos de Direito Público,  sendo inaceitável, portanto, que as regras sobre provas sejam postas em uma diploma destinado a regulamentar o Direito Privado. [34]

 Já para Moacir Amaral Santos, a natureza da prova é mista, conforme se extrai do seguinte comentário:

Na sistemática do direito brasileiro, que no tocante se filia ao sistema francês, belga e italiano, os princípios referentes à prova se incluem no direito material e no direito formal. Entram na esfera do direito civil a determinação das provas e a indicação tanto do seu valor jurídico quanto das condições de sua admissibilidade. Ao direito processual cabe estabelecer o modo de constituir a prova e de produzi – la em juízo.[35]

  Entrementes, a corrente dominante é que atribui à prova a natureza processual, a qual também é seguida por Barbosa Moreira[36] e Hermenegildo de Souza Rego.[37]

  O direito probatório diz respeito ao modo e a forma com os fatos jurídicos serão demonstrados nos autos, e não sobre  a própria existência do fato, razão pela qual é de se atribuir à prova o caráter instrumental-processual.

 No que tange ao enfoque deste trabalho, qual seja a iniciativa probatório juiz, é de se consignar que a  consagração da prova como direito público retira das partes a exclusividade na formação do conjunto probatório, o que legitima o poder instrutório do Estado-juiz que tem o dever de assegurar o acesso à ordem jurídica justa.

3.1.3 Destinatário  

 A prova possui dois destinatários: um destinatário direito, o Estado-juiz e destinatários indiretos, as partes. [38]

 O juiz é o destinatário principal e direto da prova, vez que ele necessita conhecer a verdade quanto aos fatos para  realizar o julgamento da causa.  Por outro lado, as partes  são consideradas destinatários indiretos, haja vista que precisam se convencer da verdade para acolherem a decisão. [39]

 Não obstante, Nelson Nery Junior afirma que o destinatário da prova é o processo, vez que a prova produzida pela parte será adquirida pelo processo, devendo o juiz julgar segundo o alegado e provado no bojo daquele.[40]

 O pensamento do aludido autor melhor se coaduna à lógica processual, posto que o  juiz, conquanto convencido da existência de um fato, não poderá dispensar a produção da prova se tal fato for controvertido  ou  se não existir  prova dele nos autos, vez que, se assim o fizer, configurado estará o cerceamento de defesa.

3.1.4 Distribuição do Ônus da Prova

 Segundo Cândido Rangel Dinamarco “Ônus da prova é o encargo, atribuído pela lei a cada uma das partes, de demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio interesse para as decisões a serem proferidas no processo.”[41]

 A parte que não se desincumbir do ônus da prova que lhe compete, correrá o risco do julgamento ser proferido em seu desfavor. Sobre tal assunto, assim explana Maristela Alves:

O ônus difere de dever, pois este pressupõe sanção. (...) Nada disso ocorre com o ônus da prova, pois, em sendo descumprido, acarretará apenas uma consequência processual negativa. Já se atendido, o ônus implicará uma situação de vantagem (...).

(...)

Essas considerações levam-nos à conclusão de que na verdade o ônus da prova é caracterizado pela ideia de risco nele implicada. Não se impõe à parte onerada a prova como uma atitude indispensável para evitar uma consequência desfavorável. Na realidade, ela assume o risco de não trazer a prova para o processo. Diante dessa ausência probatória, o juiz haverá de se pronunciar proferindo julgamento contrário àquele que não o fez, muito embora necessitado da prova. A regra do ônus da prova indica quem deve evitar que falte a prova, ou seja, quem suportará a falta da prova de determinado fato no processo.[42]

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 Pondera Arruda Alvim que “o ônus da prova não é tão inexorável como os outros. Se alguém não prova o fato de que depende  o seu direito, se normalmente perderia a demanda, é possível, todavia, que o seu adversário desavisadamente prove esse fato e, fatalmente, isto lhe aproveitará ( art. 131 do CPC)”[43]

 Nota – se que a ponderação do aludido autor está estribada no princípio da  aquisição processual ou comunhão da prova  o qual é melhor explicado  por Barbosa Moreira:

(..) se a prova for feita, pouco importa sua origem. Nenhum juiz rejeita a prova do fato constitutivo, pela simples circunstância de ter sido ela trazida pelo réu. Nem rejeita a prova de um fato extintivo pela circunstância de, porventura, ter sido ela trazida pelo autor.  A prova do fato não aumenta nem diminui de valor segundo haja sido  trazida por aquele a quem cabia o ônus, ou pelo seu adversário. A isso se chama o “princípio da comunhão da prova” : a prova, depois de feita, é comum, não pertence a quem faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco importa sua proveniência. E quando digo que pouco importa sua proveniência, não me refiro apenas à  possibilidade de que uma das partes traga prova quem em princípio competiria à outra, senão também que incluo aí a prova trazida aos autos pela iniciativa do juiz. [44]

 A doutrina analisa o ônus da prova sob dois ângulos: o subjetivo e o objetivo. O primeiro relaciona-se ao risco que as partes terão de suportar. Já o segundo refere-se  ao magistrado no que tange  ao ato de julgar. A melhor lição sobre o tema  é de Alfredo Buzaid:

bem se vê que o problema do ônus da prova tem duas faces: uma, voltada para os litigantes, indagando-se qual deles há de suportar o risco da prova frustrada. É o aspecto subjetivo. E, outra, voltada para o magistrado, a quem deve dar uma regra de julgamento. É o aspecto objetivo. O primeiro geralmente opera na ordem privada; o segundo, porém, é princípio de direito público, intimamente ligado à função jurisdicional. O primeiro constitui uma sanção à inércia, ou à atividade infrutuosa da parte; o segundo, ao contrário, é um imperativo da ordem jurídica, que não permite que o juiz se abstenha de julgar, a pretexto de serem incertos os fatos, porque não comprovados cumpridamente.[45]

 Como se vê, o mencionado autor entende que a consequência do não cumprimento do ônus da prova constitui uma sanção, pensamento contrário ao de Maristela Alves[46] que entende que trata-se de uma consequência processual negativa, como já dito alhures.

 Cândido Rangel Dinamarco critica a terminologia usada pela doutrina tradicional no que concerne a distinção do  ônus da prova em objetivo e subjetivo:

A doutrina brasileira tradicional, por influência de processualistas austríacos, refere-se a essa regra de julgamento como ônus objetivo da prova, em oposição ao ônus subjetivo, que recai sobre as partes. Mas é conceitualmente concebível algum ônus que seja objetivo e não subjetivo?[47]

 Fredie Didier Jr., sob outro ângulo, também tece suas críticas acerca de tal distinção:

Questiona- se contudo, a utilidade da distinção. Afinal, pouco importa quem, no curso da instrução, produziu a prova trazida aos autos: se a parte que atendeu ao seu ônus, se a parte adversária ou mesmo o magistrado. Não interessa uma análise subjetiva da prova, de qual sujeito ela se originou. Deve estar atento o juiz, ao final da instrução, para as provas que foram objetivamente produzidas –  independentemente de quem as produziu – e aquelas outras que não o foram, para atribuir as consequências devidas àquele que não se desincumbiu do seu ônus. [48]

 Em defesa da distinção do ônus da prova em subjetivo e objetivo, assim afirma Eduardo Cambi:

Com efeito, o aspecto objetivo do ônus da prova está intimamente ligado com o aspecto subjetivo, sendo ambos necessários para a compreensão do instituto do ônus da prova. Afinal, se, pelo princípio da aquisição processual, para o juiz somente importam os fatos que foram demonstrados, não quem os demonstrou, quando o juiz não tem certeza sobres estes fatos, deve determinar quem sofre as consequências decorrentes da falta de prova,  necessitando, para isso, recorrer ao aspecto subjetivo do ônus da prova.[49]

 O ônus subjetivo está diretamente  ligado ao comportamento das partes nos autos, tendo em vista que a parte, a quem o ônus compete, buscará produzir provas do fato que alega para não sofrer as consequências  da falta ou insuficiência de provas.[50]

 Já o ônus objetivo da prova está diretamente ligado ao conteúdo da decisão e constitui  regra de julgamento a ser aplicada, subsidiariamente, pelo magistrado em caso de insuficiência de provas para “evitar o non liquet, ou seja, a falta de solução da crise de direito material”[51], o que, aliás,  não é permitido em nosso sistema processual.

 Maristela da Silva Alves ressalta outra importante finalidade do  ônus da prova como regra de julgamento:

O ônus da prova como regra de julgamento é também a forma encontrada para proteger as partes da arbitrariedade judicial nos casos de dúvida. Se não existissem as regras de julgamento, sempre haveria risco de que o juiz atribuísse ao autor ou réu o ônus da prova, de conformidade com o seu exclusivo entendimento subjetivo de justiça.[52]

 Parcela da doutrina entende que a iniciativa probatória do juiz deve se submeter às regras do ônus da prova. Nesse sentido, é o pensamento de João Batista Lopes:

(...) o preceito do art. 130 não está isolado no Código, mas deve ser interpretado em combinação com o art. 333, que dispõe sobre  a regra do ônus da prova. (..) Qual seria, então, a utilidade do art. 130 do CPC? Temos para nós que esse artigo, em regra, só deve ser invocado quando o juiz estiver em dúvida diante do conjunto probatório.[53]

 Entrementes, o ativismo judicial na instrução da causa não deve se submeter às regras do ônus da prova, conforme explica Bedaque: ““Em síntese, o poder instrutório do juiz, previsto  no art. 130 do CPC, não se subordina às regras sobre o ônus da prova; e não as afeta, visto que são problemas a serem resolvidos em momentos diversos.”

 Conclui o mencionado autor que:  

As regras referentes à distribuição do ônus da prova devem ser levadas em conta pelo juiz apenas e tão somente no momento de decidir. São regras de julgamento, ou seja, destinam – se a fornecer ao julgador meio de proferir a decisão, quando os fatos não restaram suficientemente provados. Antes disso, não tem ele de se preocupar com as normas de distribuição do ônus da prova, podendo e devendo esgotar meios possíveis, a fim de proferir julgamento que retrate a realidade fática e represente a atuação da norma à situação apresentada em juízo.[54]

 No mesmo sentido, afirma  Nelson Nery Junior : “O poder instrutório do juiz respeita à sua atividade no sentido da realização da prova, ao passo que a distribuição do ônus da prova (CPC 333) é regra de julgamento, que só vai ser aplicada pelo juiz no momento da sentença, quando a prova já tiver sido realizada.[55]

  A distribuição do ônus da prova  está prevista no artigo 333, do Código de Processo Civil,  que dispõe que incumbe ao autor provar o fato constitutivo do seu direito e ao réu o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

 Alerta Cândido Rangel Dinamarco que  o artigo 333 somente faz menção ao autor e réu, entretanto a distribuição do ônus da prova reside entre  todos os sujeitos que figuram como partes no processo, tais quais: litisconsortes ativos, litisconsortes passivos, assistente, litisdenunciado, chamado no processo, nomeado ao processo e Ministério Público quando atua como fiscal da lei.[56]

  Alexandre Freitas Câmara assim conceitua fatos constitutivos, extintivo, impeditivo e modificativo:

(...) entende – se por fato constitutivo aquele que deu origem à relação jurídica deduzida em juízo (res in iudicium deducta). (...) Fato extintivo é aquele que põe fim à relação jurídica deduzida no processo, como, e.g., o pagamento. (...) Fato impeditivo é um fato de conteúdo negativo, a ausência de algum dos requisitos genéricos de validade do ato jurídico (agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei. (...) fato modificativo entende – se aquele que altera a relação in iudicium deducta, como o pagamento parcial. [57]

  Pela dicção do mencionado artigo 333, nota-se que o Código de Processo Civil vigente adotou a concepção estática da distribuição do ônus da prova, segundo a qual o ônus da prova é distribuído “sem a observância das peculiaridades do caso concreto”.[58]

 Como se vê,  a rigidez dessa teoria não permite que se atenda as circunstâncias do caso concreto, o que acarreta, em alguns casos, a prolação de decisões injustas.

 Como solução a tal situação, surgiu na Argentina a  teoria da distribuição dinâmica  do ônus da prova,  desenvolvida por  Jorge W. Peyrano e Augusto M. Morello, os quais, estribando-se nos  princípios da veracidade, boa-fé, lealdade e solidariedade,  defenderam a ideia de que era  necessário considerar as circunstâncias do caso concreto para atribuir o ônus da prova àquele que tem melhor condição de produzi-la.

 Fredie Didier aponta as seguintes características da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova:

 i) o encargo não deve ser repartido prévia e abstratamente, mas, sim, casuisticamente; ii) sua distribuição não pode ser estática e inflexível, mas, sim, dinâmica; iii) pouco importa, na sua subdivisão, a posição assumida pela parte na causa (se autor ou réu); não é relevante a natureza do fato probando – se constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito – ou o interesse em prová-lo, mas, sim, quem tem mais possibilidades de fazer a prova. [59]

 Não há previsão acerca de tal teoria no Código de Processo Civil. Não obstante, parcela da doutrina[60] a acolhe  por meio da interpretação sistemática da nossa legislação. Assim, a distribuição dinâmica do ônus da prova decorre dos seguintes princípios:

a) Principio da igualdade (ar. 5º, caput, CF, e art. 125, I, CPC), uma vez que deve haver paridade real de armas das partes no processo, promovendo-se um equilíbrio substancial entre elas, o que só será possível se atribuído o ônus da prova àquele que tem meios para satisfazê-lo;

b) princípio da lealdade, boa- fé e veracidade (art. 14,16, 17,18 e 125, III, CPC), pois nosso sistema não admite que a parte aja ou se omita, de forma ardilosa, no intuito deliberado de prejudicar a contraparte, não se valendo de alegações de fato e provas esclarecedoras;

c) princípio da solidariedade com órgão judicial (arts. 339, 340, 342, 345, 355, CPC), pois todos têm o dever de ajudar o magistrado a descortinar a verdade dos fatos;

d)  princípio do devido processo legal (art. 5º, XIV, CF), pois um processo devido é aquele que produz resultados justos e equânimes;

e) princípio do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF), que garante a obtenção de tutela jurisdicional justa e efetiva;

A jurisprudência têm invocado  a teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova nos casos que envolvem médicos, tendo em vista que estes têm melhores condições técnicas de produzirem as provas. Confira-se:

Responsabilidade Civil. Médico. Culpa. Prova.

1.                  Não viola regra sobre a prova o acórdão que, além de aceitar implicitamente o princípio da carga dinâmica da prova, examina o conjunto probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus. [61]

 Entrementes, parece despicienda a invocação da teoria dinâmica no aludido caso, tendo em vista que este versa sobre relação de consumo, devendo, portanto, a inversão do ônus da prova ser fundamentada na disposição contida no artigo 14, §4º, da legislação consumerista, o qual versa acerca da responsabilidade civil dos profissionais liberais.

 Outrossim, nota-se que a jurisprudência está aplicando tal teoria também  em outros casos. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. DEPÓSITOS EM CONTAS CORRENTES. NATUREZA SALARIAL. IMPENHORABILIDADE. ÔNUS DA PROVA QUE CABE AO TITULAR.

1. Sendo direito do exequente a penhora preferencialmente em dinheiro (art. 655, inciso I, do CPC), a impenhorabilidade dos depósitos em contas correntes, ao argumento de tratar-se de verba salarial, consubstancia fato impeditivo do direito do autor (art.333, inciso II, do CPC), recaindo sobre o réu o ônus de prová-lo.

2. Ademais, à luz da teoria da carga dinâmica da prova, não se concebe distribuir o ônus probatório de modo a retirar tal incumbência de quem poderia fazê-lo mais facilmente e atribuí-la a quem, por impossibilidade lógica e natural, não o conseguiria.

3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.[62]  

  Nota-se que a decisão acima mencionada  foi fundamentada  tanto na teoria estática (item 01), como na teoria dinâmica (item 02), carecendo, assim,  de respaldo lógico-jurídico, vez que a teoria dinâmica consiste numa contraposição à  teoria estática, não  sendo, portanto, possível a aplicação concomitante das duas teorias no que toca ao  ônus de provar o mesmo fato alegado.

 Ademais, não  parece ser aplicável em tal caso a teoria dinâmica, mas sim a própria regra da teoria estática, vez que  a alegação do executado, relativa à  impenhorabilidade do valor penhorado, constitui fato impeditivo do direito da exequente, cujo ônus da prova  deve  recair sobre o  executado, segundo a regra contida no artigo 333, inciso II,  do Código de Processo Civil.

  O Código de Processo Civil  vigente não adota a teoria dinâmica do ônus da prova. Há quem diga[63] que a inversão do ônus da prova permitida pelo artigo 6º, inciso VIII, do Código de Processo Civil, trata – se de nítida aplicação dessa teoria, em virtude do preenchimento de pressupostos de aferição circunstancial e casuística (verossimilhança e hipossuficiência).

 Outrossim, nota-se também o acolhimento desta teoria no Anteprojeto de Código Brasileiro de Processo Coletivo que, em seu artigo 11, § 1º, preceitua ; “ O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração.”

 Todavia, alerta Alexandre Freitas Câmara que a distribuição dinâmica do ônus da prova trata-se de um “sistema excepcional, que só pode funcionar onde a regral geral opera mal, já que foi elaborada para casos normais e correntes, o que não corresponde ao caso concreto. O que se busca é, tão somente, retirar de uma parte o ônus de produzir provas diabólicas.”[64]

 Como se vê, a aplicação de tal teoria somente pode ser invocada  para  evitar que seja atribuído à parte o ônus de produzir prova diabólica, ou seja, prova que a parte não tem condição de produzir.

 A fim de que  essa teoria não seja aplicada de modo inadequado ou indiscriminado, Daniel Knijnik afirma que deverá ser observado dois requisitos, um material e outro formal. Quanto ao primeiro, o litigante dinamicamente onerado deverá apresentar posição privilegiada em relação ao material probatório. No que toca ao segundo, deverá o julgador redistribuir o encargo probatória previamente e por decisão fundamentada.[65]

 Pondera Fredie Didier que a redistribuição do ônus da prova não pode implicar prova diabólica reversa para a parte que agora tem o ônus. Ademais, a repartição deve ser realizada  antes da fase instrutória, para que a parte onerada possa  desincumbir- se do ônus, de modo a  não comprometer a segurança jurídica das partes e o seu direito fundamental à prova. [66]

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Sobre a autora
Venícia Pereira da Silva

Especialista em Direito Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Venícia Pereira. Poderes instrutórios do juiz no processo de conhecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3930, 5 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27351. Acesso em: 19 abr. 2024.

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