A vontade de uma maioria nem sempre será a tradução da legítima democracia e ainda que essa eventual vontade proporcionalmente maior se limita exatamente quando se confronta com os ditames do próprio regime democrático, em que se garante o estado democrático de direito bem como o cumprimento dos preceitos constitucionais. Caso contrário, além do risco de imposições de ordem bastante duvidosas, mal influenciadas ou até mesmo ilegais, viveríamos uma ditadura da maioria e não uma democracia. Uma maioria, seja ela qual for, não pode derrubar os pilares da própria democracia, sob pena de inominável contrassenso.
O que vou descrever aqui não se trata de uma tentativa de imposição de qualquer norma, mas é o resultado, absolutamente estarrecedor sublinhe-se, de uma pesquisa séria e que mostra como poderia ser perigoso se levar sempre em conta a vontade de uma maioria e serve ainda para confirmar que a vontade da maioria não pode significar necessariamente o destino da democracia ou até mesmo a condução de um Estado, senão vejamos.
Uma pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), uma das mais respeitadas instituições brasileiras quando se fala em pesquisa, revelou que, para a maioria dos entrevistados, “mulheres que usam roupa curta merecem ser atacadas.” E ainda que “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros”.
Que absurdo! O estupro faz parte da lista dos crimes hediondos e teve recentemente ampliada a sua possibilidade de verificação, em um flagrante e necessário aumento da proteção à vítima, vulnerável, na maioria dos casos. Hediondo significa repugnante, repelente, asqueroso, ignóbil, dentre outros sinônimos todos deste nível. Um crime dessa natureza e com essas características são os piores crimes imagináveis, que mais chocam a sociedade e os quais com mais gravidade se pune. No entanto, de acordo com os entrevistados desta pesquisa a culpa passou a ser da vítima de um dos crimes mais hediondos possíveis??? Não só a culpa, como carregar também o “merecimento” do ataque. Vergonhoso...
A repugnância e a inadmissibilidade do ato seriam afastadas ou justificadas por uma inexistente “provocação”. É o cúmulo de um machismo ridículo que já parecia superado. E mesmo que houvesse a eventual provocação, em nada atenuaria a conduta vil do estuprador. A mulher ainda é tida como objeto do homem. Fica até difícil comentar. O pior é que a pesquisa foi respondida tanto por homens quanto por mulheres. Mais uma vez as posições e os valores estão invertidos. Fica difícil acreditar em um país que, em pleno século XXI, tem uma mentalidade dessas...