Há uma prática ruinosa que se consolidou no cenário jurídico brasileiro: a acentuada valoração positiva concedida ao depoimento da testemunha que “sabe por ouvir dizer”.
É comum no país a existência de crimes cometidos às escondidas, em que apenas presenciaram os fatos os próprios envolvidos: vítima e réu. Há julgados nos tribunais superiores que admitem a prevalência da palavra da vítima, quando corroborada com outras provas ou circunstâncias.
Em incontáveis julgados, o juiz se utiliza da prova testemunhal para alicerçar o decisum condenatório, agregando os depoimentos testemunhais ao que afirmou a vítima, em Juízo. Não há nessa análise qualquer falha. Trata-se de correta formação da convicção do julgador, após livre apreciação da prova produzida sob o manto do contraditório judicial, em direta observância à dicção legal e às normas extraídas da Constituição Federal.
Noutra banda, há algumas hipóteses em que o julgador incide em nítido equívoco. Em inumeráveis ocasiões a Sentença condenatória agrega ao seu fundamento, além da palavra da vítima, o depoimento de testemunhas que apenas “ouviram dizer” algo acerca do fato. Existindo nos autos processuais apenas a palavra da vítima e o depoimento de testemunhas que “sabem por ouvir dizer”, alea jacta est! A partir desse momento, o destino do réu dependerá exclusivamente do juiz com competência para atuar no processo.
Surgem dois caminhos: no primeiro, o julgador opta por absolver o réu, diante da fragilidade probatória, considerando que há unicamente a palavra da vítima, sem outras provas ou circunstâncias. Esse juiz compreende que somar a palavra da vítima com o depoimento de uma testemunha que diz, vergi gratia, que sabe dos fatos na exata medida e dimensão que a vítima lhe transmitiu, é extrair da lei interpretação diversa da que lhe é devida, pois ao fim o que há é uma única prova, consistente na palavra da vítima, apesar de ser esse depoimento reproduzido tanto pela vítima, quanto por outras pessoas. É esse o juiz que entende a falácia da “prova testemunhal” que apenas “sabe por ouvir dizer”, ao perceber que juntando essa “prova testemunhal” com a palavra da vítima há uma única prova e não duas, como poderia aparentar em incipiente análise. No segundo caminho, o julgador opta pela condenação, diante da consistência das provas produzidas, utilizando como fundamento a palavra da vítima e a “prova testemunhal”, ainda que a testemunha diga apenas o que “sabe por ouvir dizer” da própria vítima. Esse julgador é vítima e algoz, simultaneamente. Explico: é vítima das armadilhas da lógica argumentativa e acaba por ficar preso nas teias do paralogismo (entenda-se aqui como raciocínio falaz, mas de bona fide). Paralelamente, ao ser vitimado, passa a ser algoz, pois condena uma pessoa sem que existam provas suficientes para uma condenação.
Em um primeiro momento se verifica que vence a falácia e que perde o réu. Aprofundando a análise, a injustiça triunfa, enquanto a sociedade naufraga.
Fatos similares passam a ter resultados diversos, a depender do juiz da causa, englobando aqui a atenção e o comprometimento dedicados pelo julgador à causa em julgamento. Nas palavras de Lênio Streck, mutatis mutandis, forma-se uma “Justiça lotérica”. Distante do rio Rubicão, alea jacta est!