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“Sabe por ouvir dizer”: “alea jacta est”!

14/04/2014 às 13:40
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O artigo aborda a falácia das condenações alicerçadas em depoimentos de testemunhas que apenas "ouviram dizer". Como não são todos os julgadores que se utilizam dessa falácia para produzir um decreto condenatório, “alea jacta est”!

Há uma prática ruinosa que se consolidou no cenário jurídico brasileiro: a acentuada valoração positiva concedida ao depoimento da testemunha que “sabe por ouvir dizer”.

É comum no país a existência de crimes cometidos às escondidas, em que apenas presenciaram os fatos os próprios envolvidos: vítima e réu. Há julgados nos tribunais superiores que admitem a prevalência da palavra da vítima, quando corroborada com outras provas ou circunstâncias.

Em incontáveis julgados, o juiz se utiliza da prova testemunhal para alicerçar o decisum condenatório, agregando os depoimentos testemunhais ao que afirmou a vítima, em Juízo. Não há nessa análise qualquer falha. Trata-se de correta formação da convicção do julgador, após livre apreciação da prova produzida sob o manto do contraditório judicial, em direta observância à dicção legal e às normas extraídas da Constituição Federal.

Noutra banda, há algumas hipóteses em que o julgador incide em nítido equívoco. Em inumeráveis ocasiões a Sentença condenatória agrega ao seu fundamento, além da palavra da vítima, o depoimento de testemunhas que apenas “ouviram dizer” algo acerca do fato. Existindo nos autos processuais apenas a palavra da vítima e o depoimento de testemunhas que “sabem por ouvir dizer”, alea jacta est! A partir desse momento, o destino do réu dependerá exclusivamente do juiz com competência para atuar no processo.

Surgem dois caminhos: no primeiro, o julgador opta por absolver o réu, diante da fragilidade probatória, considerando que há unicamente a palavra da vítima, sem outras provas ou circunstâncias. Esse juiz compreende que somar a palavra da vítima com o depoimento de uma testemunha que diz, vergi gratia, que sabe dos fatos na exata medida e dimensão que a vítima lhe transmitiu, é extrair da lei interpretação diversa da que lhe é devida, pois ao fim o que há é uma única prova, consistente na palavra da vítima, apesar de ser esse depoimento reproduzido tanto pela vítima, quanto por outras pessoas. É esse o juiz que entende a falácia da “prova testemunhal” que apenas “sabe por ouvir dizer”, ao perceber que juntando essa “prova testemunhal” com a palavra da vítima há uma única prova e não duas, como poderia aparentar em incipiente análise. No segundo caminho, o julgador opta pela condenação, diante da consistência das provas produzidas, utilizando como fundamento a palavra da vítima e a “prova testemunhal”, ainda que a testemunha diga apenas o que “sabe por ouvir dizer” da própria vítima. Esse julgador é vítima e algoz, simultaneamente. Explico: é vítima das armadilhas da lógica argumentativa e acaba por ficar preso nas teias do paralogismo (entenda-se aqui como raciocínio falaz, mas de bona fide). Paralelamente, ao ser vitimado, passa a ser algoz, pois condena uma pessoa sem que existam provas suficientes para uma condenação.

Em um primeiro momento se verifica que vence a falácia e que perde o réu. Aprofundando a análise, a injustiça triunfa, enquanto a sociedade naufraga.

Fatos similares passam a ter resultados diversos, a depender do juiz da causa, englobando aqui a atenção e o comprometimento dedicados pelo julgador à causa em julgamento. Nas palavras de Lênio Streck, mutatis mutandis, forma-se uma “Justiça lotérica”. Distante do rio Rubicão, alea jacta est!

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEGREIROS, Marcelo. “Sabe por ouvir dizer”: “alea jacta est”!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3939, 14 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27544. Acesso em: 19 abr. 2024.

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