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Do monopólio hermenêutico exercido pelo Supremo Tribunal Federal em face da extinção do controle difuso de constitucionalidade

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19/04/2014 às 13:40
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4 CONCLUSÃO

Por intermédio de tudo o que foi visto, procurou-se realizar uma análise do atual sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, tendo como pano de fundo o Estado Democrático de Direito, bem como a teoria do discurso.

Este trabalho objetivou uma releitura da forma como tem se interpretado o controle difuso de constitucionalidade, diante da tendência de julgamentos abstratos em demandas concretas, bem como a modulação da eficácia erga omnes e o efeito vinculante nestes.

O presente estudo procurou responder se estaria nos moldes democráticos o Supremo Tribunal Federal ao se posicionar como guardião da Constituição, tomando para si toda a titularidade do controle de constitucionalidade, extinguindo a forma incidenter tantum, bem como se essa postura adotada seria suficiente a garantir as exigências de legitimidade trazida pelo Estado Democrático de Direito?  Tendo como marco teórico a Teoria Discursiva de Jürgen Habermas e sua concepção de Direito e Democracia frente ao papel da jurisdição constitucional na ótica procedimental do Estado Democrático de Direito.

A relevância do modelo procedimental de jurisdição trazida por Habermas através da teoria do discurso foi exposta juntamente com o reconhecimento do valor que representa o controle inter partes no Estado Democrático de Direito, e na formação de livres espaços públicos de discussão e interpretação da norma constitucional. Usou-se como complemento a teoria da sociedade aberta de interpretes colocada por Häberle.

Analisou-se também, a postura assumida pelo Supremo Tribunal Federal atualmente e as fortes tendências de julgamentos abstratos nas formas de controle de constitucionalidade. O resultado do caráter soberano incorporado por este, no qual, culmina numa espécie de monopólio hermenêutico autoritário, uma vez que exclui a participação dos cidadãos mantendo apenas o entendimento e valores reconhecidos pelos onze ministros, mostra claramente o excesso de poderes atribuído ao órgão de cúpula do Judiciário.

Através dos votos dos Ministros Mendes e Grau, na Reclamação 4.335/AC, demonstrou-se a forte tendência de julgamentos em abstrato de demandas tidas em sede de controle difuso de constitucionalidade. Os argumentos sofisticados colocados pelos Ministros buscaram justificar a excrecência nítida travestida de evolução da jurisdição constitucional brasileira. O que eles chamaram de evolução nada mais é do que um enfraquecimento normativo da nossa Constituição.

Por último, tendo como pano de fundo a forma procedimental de jurisdição bem como a teoria do discurso aliada com a teoria da sociedade aberta de intérpretes, buscou-se traçar um modelo do legitimo guardião da Constituição, no qual reconheça sua função precípua, qual seja de realização dos direitos fundamentais garantindo a todos iguais condições de exercício dos direitos subjetivos.

Desta forma, o Supremo Tribunal Federal se mostra insuficiente ao se posicionar como o guardião e único interprete da Constituição, assim, como ao tentar idealizar valores homogêneos na sociedade plural atual através de suas decisões.

A postura de se fazer às vezes de constituinte originário não está em consonância com as premissas do Estado Democrático de Direito, vez que a forma autoritária assumida pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário não supre a necessidade de legitimidade trazida pela realidade pluralista pós Constituição de 1988. Ao contrário, retirar da sociedade e do Senado Federal a possibilidade de participar do processo fiscalização das normas Constitucionais através da via difusa, significa retroceder toda evolução democrática conquistada até aqui.

O excesso de poder conferido ao Supremo tribunal Federal na dinâmica interpretativa resulta no enfraquecimento normativo do texto constitucional, ou seja, culminam num ataque ao arcabouço do Estado Democrático de Direito, uma vez que por intermédio da teoria do discurso entende-se que a participação nesse processo interpretativo pertence a todos que estão sob a égide das normas constitucionais e não apenas aos órgãos estatais.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] MARCUSE, Herbert. Das Veralten der Psyschoanalyse, In: Kultur und Gesellschaft 2.Frankfurt/M., 1965, pp. 85 ss. Esta análise de Marcuse baseia-se em Horkheimer, Max (org.). Autorität und Familie.Paris, 1936. Cf. Mitscherlich,Alexander. Auf dem Weg zurvaterlosen Gesellschaft. Munique,1973, p. 307 ss.

[2] MARCUSE, Herbert. Das Veralten der Psyschoanalyse, In: Kultur und Gesellschaft 2.Frankfurt/M., 1965, pp. 85 ss. Esta análise de Marcuse baseia-se em Horkheimer, Max (org.). Autorität und Familie.Paris, 1936. Cf. Mitscherlich,Alexander. Auf dem Weg zurvaterlosen Gesellschaft. Munique,1973, p. 307 ss

[3] HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre a faticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

[4] Nesse sentido, “(...) há que se fazer uma diferença entre o que seja retirada da eficácia da lei, em sede de controle concentrado, e o que significa a suspensão que o Senado faz de uma lei declarada inconstitucional em sede de controle difuso. Suspender a execução da lei não pode significar retirar a eficácia da lei. Caso contrário, não haveria diferença, em nosso sistema, entre o controle concentrado e o controle difuso. Suspender a vigência ou a execução da lei é como revogar a lei. Pode-se agregar ainda outro argumento: a suspensão da lei somente pode gerar efeitos ex nunc, pela simples razão de que a lei está suspensa (revogada), à espera da retirada de sua eficácia. Daí a diferença entre suspensão/revogação e retirada da eficácia. Sem eficácia, a lei fica nula; sendo nula a lei, é como se nunca estivesse existido. Não se olvide a diferença nos efeitos das decisões do Tribunal Constitucional da Áustria (agora adotada no Brasil), de onde deflui a diferença entre os efeitos ex tunc (nulidade) e ex nunc (revogação). Dito de outro modo, quando se revoga uma lei, seus efeitos permanecem; quando se a nulifica, é esta írrita, nenhuma. Não fosse assim, bastaria que o Supremo Tribunal mandasse a lei declarada inconstitucional, em sede de controle difuso, ao Senado, para que os efeitos fossem equiparados aos da ação direta de inconstitucionalidade (que historicamente, seguindo o modelo norte-americano, sempre foram ex tunc). Se até o momento em que o Supremo Tribunal declarou a inconstitucionalidade da lei no controle difuso, a lei era vigente e válida, a decisão no caso concreto não pode ser equiparada à decisão tomada em sede de controle concentrado. Repetindo: a valer a tese de que os efeitos da decisão do Senado retroagem, portanto, são ex tunc, qual a real modificação que houve com a implantação do controle concentrado, em 1965? Na verdade, se os efeitos da decisão desde sempre tinham o condão de transformar os efeitos inter partes em efeitos erga omnes e ex tunc, a pergunta que cabe é: por que, na prática, desde o ano de 1934 até 1965, o controle de constitucionalidade tinha tão pouca eficácia? Desse modo, mesmo que o próprio Supremo Tribunal assim já tenha decidido (RMS 17.976), temos que a razão está com aqueles que sustentam os efeitos ex nunc da decisão suspensiva do Senado”[4]. (STRECK; OLIVEIRA e LIMA; 2007, p. 9)

[5] DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, 513p

[6] HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre a faticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

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Sobre o autor
Wille Alves de Lima Ferreira

Advogado Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas - UNIFEMM.<br>Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Para o Desenvolvimento Democrático - IDDE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Wille Alves Lima. Do monopólio hermenêutico exercido pelo Supremo Tribunal Federal em face da extinção do controle difuso de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3944, 19 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27633. Acesso em: 26 abr. 2024.

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