Está lá na CLT: “Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: (...) f) embriaguez habitual ou em serviço;”.
Embora o texto de lei seja muito claro, sua aplicação tem sido alvo de grandes debates.Esse assunto voltou a chamar a atenção da sociedade nos últimos dias, quando foi divulgada decisão da 17.ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região (SP), que reverteu a demissão por justa causa de um trabalhador que era dependente químico. Nesse processo, ficou comprovado – por meio de atestados – que o empregado era usuário de crack e bebida alcoólica, o que desencadeava agressividade verbal, e o que inclusive resultou em sua internação, por seis meses.
A empresa defendeu-se dizendo que desconhecia o quadro de dependência química do trabalhador e justificou que a demissão se deu por conta de várias faltas injustificadas, o que não convenceu a Justiça, já que alguns de seus colegas de trabalho comprovaram, em juízo, que já se comentava sobre a situação do empregado e que a empresa tinha conhecimento dos fatos.
O TRT reconheceu, portanto, que o que acometia o trabalhador era uma doença, inclusive classificada como código F19 da CID (Classificação Internacional de Doenças), e que foi injustamente demitido enquanto se encontrava, de fato, doente. O alcoolismo crônico é classificado, pela Organização Mundial de Saúde, como síndrome de dependência do álcool, cuja compulsão pode eliminar a capacidade de discernimento do doente.
A Justiça entendeu que a empresa deveria tê-lo afastado e encaminhado para tratamento médico pelo INSS e, assim, declarou nula a dispensa, determinou sua reintegração e concedeu-lhe, inclusive, estabilidade provisória de um ano, após a reintegração.
Não é de hoje que os tribunais têm pensado dessa forma. Nos últimos tempos, têm aumentado casos de reversão de demissão por justa causa em casos de embriaguez habitual por se entender que o alcoolismo é doença crônica.
Outra decisão, bastante comentada, foi proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) no final de 2012, que condenou a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, revertendo a justa causa de um carteiro demitido por ter ofendido os colegas de trabalho. Segundo o que foi apurado, as ofensas foram proferidas quando o trabalhador estava sob o efeito de remédios controlados e álcool, e inclusive estava em licença para tratamento médico.
Em ambos os casos citados – nos quais a Justiça entende não ser possível a demissão por justa causa – há uma semelhança: não se trata de um episódio isolado de embriaguez, mas sim de alcoolismo, de dependência química. E, os casos em que o trabalhador é saudável e comparece bêbado ao serviço ainda são considerados falta grave, o que pode justificar a demissão.
Essa diferença entre as hipóteses é tema de um projeto de lei, que se arrasta no Senado, que pretende excluir a embriaguez habitual da relação de faltas graves, mantendo apenas a embriaguez em serviço e acrescentando que, nos casos de alcoolismo crônico, a demissão só se dê se o empregado se recusar a receber tratamento.
E, no meio da interpretação dessas situações – o que, convenhamos, não é fácil – está o empregador, que fica num dilema: demite o empregado, correndo o risco de ser condenado numa reintegração e em indenização por danos morais, ou mantém o trabalhador, torcendo para que ele não cause – e nem sofra – algum acidente de trabalho (e nem venha a causar outro prejuízo à empresa).
Então, como o empregador deve agir? A resposta não é simples.
De uma maneira geral, a Justiça tem entendido que a empresa deve esgotar os recursos e possibilidades disponíveis para preservar a saúde do trabalhador, deixando como último recurso a demissão. Até lá, recomenda-se encaminhar o trabalhador a algum programa de recuperação ou mesmo ao INSS, para que possa se reabilitar antes de voltar ao trabalho. Devem-se esgotar as medidas de restabelecimento da saúde do empregado antes de qualquer despedida (seja ela com ou sem justa causa).
E, se a questão for parar nos tribunais, caberá à empresa provar que se utilizou de todos os recursos possíveis para a recuperação do trabalhador e para a manutenção do contrato de trabalho.