RESUMO: Este artigo científico fala sobre a influência de critérios econômicos nas decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal relacionadas a processos em que se discutem direitos sociais previdenciários. Através do artigo fica claro que as decisões judiciais em demandas dessa natureza fundamentam-se mais em critérios econômicos, políticos e ideológicos do que critérios puramente dogmáticos. Expõe-se ao longo do texto uma visão critica de Direito, com enfoque sobre a questão de como decidem os juízes. Para tanto, a hipótese perseguida pelo artigo aborda as principais características do movimento denominado realismo jurídico, enfatizando o aspecto instrumental do Direito a serviço dos interesses da ordem econômica vigente.
1. INTRODUÇÃO
O Supremo Tribunal Federal decide as demandas jurídicas influenciado por uma gama de fatores, e não com base exclusivamente nos textos legais, posto que a lei não passa de mais uma fonte, entre tantas outras, de produção do direito, quem sabe até uma das últimas.
A bem da verdade, as grandes questões jurídicas, aquelas que causam (ou pelo menos poderiam causar) grandes repercussões políticas e econômicas e também mudanças sociais significativas, são decididas mais sob a influência de elementos ideológicos, políticos, e interesses econômicos do que sob critérios lógicos da mera subsunção do fato à norma.
Com relação especificamente às demandas jurídicas previdenciárias não é diferente. Embora justificadas a partir de um aparente silogismo metodológico de aplicação da lei, as decisões do Supremo sobre direitos sociais previdenciários contam sempre com elementos ocultos que conformam o pensamento ideológico mais conveniente para o grupo que está no poder, em detrimento da aclamada imparcialidade.
Para elaboração desse artigo são analisadas as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário nº 415.454/SC, que trata de pedido de revisão de pensão por morte com amparo no princípio constitucional da isonomia; e também nos pedidos de Suspensão de Segurança número 471-9/DF e número 472-7/DF interpostos no Supremo Tribunal Federal contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça que concedeu a manutenção da ordem para que o INSS procedesse o reajustamento das prestações previdenciárias pelo índice de 147%, com arrimo nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o qual determinava a equivalência salarial dos benefícios mantidos pela Previdência Social ao tempo da promulgação da Constituição até a efetiva implementação dos novos Planos de Custeio e de Benefícios da Previdência Social.
Em tais demandas, fica nítido que, embora o Supremo Tribunal Federal tenha obedecido a um silogismo metodológico aparentemente neutro e eqüidistante dos jurisdicionados fato é que tais demandas foram (e são) decididas de modo a atender os interesses econômicos da classe dominante e do neoliberalismo, muito embora esses fundamentos classistas, ideológicos e econômicos permaneçam ocultos através de discursos retóricos.
2. DESENVOLVIMENTO
A hipótese inicial desse artigo é no sentido de que as demandas jurídicas ligadas aos direitos sociais previdenciários são decididas pelo Supremo Tribunal Federal para atender aos interesses da ordem econômica vigente, inobstante tais decisões sejam produzidas com o intuito de transmitir absoluta isenção subjetiva, imparcialidade, senso de justiça, neutralidade do julgador, o que é feito sob o rito do silogismo metodológico do positivismo.
Somente a partir de uma concepção crítica de Direito torna-se possível compreender essas nuances que permeiam as decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria de direitos sociais previdenciários. O que se nota é que, muito embora o discurso oficial do Direito apregoe a imparcialidade irrestrita e a coerência hermética do sistema jurídico, alguns elementos ideológicos e econômicos fazem parte das decisões judiciais, não raro, ao menos de maneira apenas implícita, escondidos nas entrelinhas retóricas, gerando insatisfação na parcela da população desprestigiada, que deixa de ter seus direitos sociais previdenciários realizados diante da interpretação do Supremo quase sempre favorável ao erário público, representado pelo INSS.
Sobre a influência de elementos econômicos sobre as demandas de natureza social previdenciária, anota José Antônio Savaris que:
Percebe-se que a prática judicial em matéria previdenciária assume esses fortes contornos econômicos quando a ideologia neoliberal da iminência de irreversível crise fiscal logra exercer forte influencia sobre a imaginação dos juízes, de modo que estes passam a buscar regras e procedimentos que contribuem para aumentar a riqueza da sociedade e, pretensamente, assegurar a manutenção do sistema previdenciário1.
As conclusões de José Antônio Savaris, na referida obra, partem de um estudo de campo em que foram analisadas as decisões do Supremo Tribunal Federal referente aos direitos sociais previdenciários. A partir da análise de José Antonio Savaris, conclui-se que as decisões do Supremo Tribunal Federal na seara dos direitos sociais previdenciários são fundadas mais em critérios da ética utilitarista do que em critérios de uma suposta lógica, fria e imparcial do positivismo lógico.
Nos pedidos de suspensão de segurança tombados sob os números 471-9/DF e 472-7/DF, a utilização de critérios da ética utilitarista pelo Supremo fundada em detrimento de critérios lógico-jurídicos fica bastante claro. Em tais processos, o Superior Tribunal de Justiça havia deliberado a manutenção da ordem (o que iria permitir a execução imediata da sentença nos termos do art. 1302 da Lei 8.213/90, então vigente) de reajuste dos benefícios previdenciários no percentual de 147% (cento e quarenta e sete por cento) com arrimo nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), capítulo da Constituição Federal que determinava a equivalência salarial dos benefícios mantidos pela Previdência Social ao tempo da promulgação da Constituição até a efetiva implementação dos novos Planos de Custeio e de Benefícios da Previdência Social. A decisão do Superior Tribunal de Justiça não foi cumprida em decorrência da decisão do Supremo nos pedidos de suspensão de segurança números 471-9/DF e 472-7/DF, os quais foram acatados sob o argumento de que, caso mantida a decisão do Superior Tribunal de Justiça, poderia ocorrer desestabilização das finanças da Previdência Social, em detrimento de todos os trabalhadores ativos e inativos, do presente e do futuro.
Noutra demanda, também comentada por José Antônio Savaris, o Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário nº 415.454/SC, em que se pediu a aplicação (independente da data de concessão da pensão por morte) a todos os pensionistas das regras contidas na Lei 9.032/95 por ser mais benéfica, o Supremo decidiu pela aplicação do principio segundo o qual o tempus regit actum, ao tempo em que fez menção também à necessidade de manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial.
Pelas análises de José Antonio Savaris fica evidente o conteúdo instrumental das decisões do Supremo a serviço de um suposto equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social, em detrimento de direitos sociais garantidos constitucionalmente.
Mas esse caráter instrumental das decisões judiciais serve, na verdade, aos interesses da ordem econômica vigente e aos interesses da classe dominante, posto que a idéia de imparcialidade do julgador faz parte apenas de uma visão invertida da realidade. Segundo lição de Luiz Fernando Coelho:
o Direito não é racional: é emocional, intuitivo, prático. A racionalidade do Direito é um dos mitos mais frágeis. Nem o Direito é racional e nem as decisões judiciais o são, a forma ou aparência de racionalidade é somente um meio de legitimar o Direito e as decisões jurídicas.3
Deste modo, o Direito, como dizem os realistas4, não é lógica, é experiência.
Para o realismo jurídico impossível seria falar em aplicação da lei de forma imparcial, porque existe um elemento subconsciente, de que fala Benjamim N. Cardoso5, presente no momento da decisão, o que faz da idéia de imparcialidade do julgador apenas uma falácia. Outrossim, há quem advirta que já as próprias leis são elas mesmas revestidas de preferências e escolhas prévias, só se podendo falar em prudência ou ponderação a partir do que já fora previamente escolhido, direcionado, estigmatizado, a lei.
Lorena de Melo Freitas, adotando esse mesmo entendimento cético quanto à imparcialidade do ato de julgar, ao discorrer já sobre a influência das ideologias na decisão preconiza que as motivações sentenciais podem variar conforme a classe, formação, idade e a ideologia do juiz e, por conseqüência, resta duvidosa a idéia de justiça como função neutra e eqüidistante dos interesses dos jurisdicionados.6
A corroborar, discorre Neil MacCormick:
apenas por referência a considerações de ideologia externas ao Direito é que alguém poderia chegar a uma decisão justificada. Então, o fundamento último da justificação é uma ideologia em particular, e não o Direito como fundamento último e ideologicamente neutro de razão7.
O que se observa, portanto, é que as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre direitos sociais previdenciários são justificadas, o que não significa dizer que sejam justas, tampouco que não sejam influenciadas por critérios econômicos, políticos ou ideológicos.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A par dessas considerações, pode-se dizer que as decisões do Supremo Tribunal Federal, como as decisões judiciais de quaisquer tribunais ou instâncias, não estão dissociadas de fatores externos como critérios econômicos, políticos e interesses pessoais do próprio julgador.
Desta forma, inobstante a compreensão do fenômeno jurídico como raciocínio lógico ser a predominante, certo é que a idéia de imparcialidade das decisões acerca dos direitos sociais previdenciários faz parte apenas de uma “consciência invertida” da realidade. Pois as decisões do Supremo Tribunal Federal em tais demandas estão submetidas mais a avaliações de cunho ideológico, econômico e social do que a critérios puramente jurídico-dogmáticos, muito embora as razões de ordem econômica e ideológica da decisão proferida, na maioria das vezes, permaneçam ocultas.
4. REFERÊNCIAS
[01] SAVARIS, José Antonio. Uma Teoria da Decisão Judicial da Previdência Social: Contributo para superação da prática utilitarista. Florianópolis: Conceito Editorial, 2011.
[02] COELHO, Luiz Fernando. A crítica ao Direito. Disponível em:<https://journal.ufsc.br/index.php/sequencia/article/viewFile/15826/14317>. Acesso em: 26 de julho de 2013.
[03] FREITAS, Lorena de Melo. Além da Toga: uma pesquisa empírica sobre ideologia e direito. Recife: Bagaço, 2009.
[04] MACCORMICK, Neil. Retórica e o estado de direito. Tradução de Conrado Hümber Mendes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
1 SAVARIS, José Antonio. Uma Teoria da Decisão Judicial da Previdência Social: Contributo para superação da prática utilitarista. Florianópolis: Conceito Editorial, 2011, p. 230.
2 Art. 130. Os recursos interpostos pela Previdência Social em processo que envolvam prestações desta lei, serão recebidos exclusivamente no efeito devolutivo, cumprindo-se desde logo, a decisão ou sentença, através de processo suplementar ou carta de sentença.
3 COELHO, Luiz Fernando. A crítica ao Direito. Disponível em:<https://journal.ufsc.br/index.php/sequencia/article/viewFile/15826/14317>. Acesso em: 26 de julho de 2013.
4. O realismo jurídico foi um movimento iniciado nos Estados Unidos, no primeiro quadrante do Século XX, tendo por característica principal o ceticismo com relação ao Direito. Esse movimento passou a afirmar, em síntese, que o juiz decide os casos práticos insuflado por uma gama de fatores, servindo a lei apenas para justificar o que fora decidido.
5 Benjamim N. Cardoso fora um dos expoentes do movimento denominado realismo jurídico norte-americano. Em uma de suas principais obras sobre a natureza do processo judicial, ele diz que a decisão judicial é composta de uma série de elementos, e que o julgador não está dissociado de elementos subconscientes que influenciam no momento da decisão.
6 FREITAS, Lorena de Melo. Além da Toga: uma pesquisa empírica sobre ideologia e direito. Recife: Bagaço, 2009, pag. 88.
7 MACCORMICK, Neil. Retórica e o estado de direito. Tradução de Conrado Hümber Mendes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, pag. 58.