Resumo: Objetiva-se através do presente trabalho discutir os avanços e modificações na área do direito de família decorrentes da evolução social, assim como discutir a possibilidade de responsabilização civil por danos morais decorrentes da quebra do dever de afetividade nas relações paterno-filiais. A matéria vem sendo debatida pela jurisprudência brasileira na última década e ganhou grande notoriedade com o reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça em 2012, afirmando a possibilidade dos danos morais e a reparação pecuniária por abandono filial-afetivo. Neste estudo, analisa-se a importância da presença dos pais para o desenvolvimento psíquico da criança e do adolescente, o princípio da afetividade como decorrência da dignidade da pessoa humana e dever parental, bem como as consequências de sua ausência. Aborda-se a configuração do abandono afetivo como ato ilícito, a importância de se diferenciar o sentimento de amor com a falta de afetividade decorrente de uma paternidade responsável e dever parental, mostrando carecer os magistrados da área de uma cautela primorosa, para se evitar uma patrimonialização da questão. Discute-se, ainda, o melhor interesse da criança sob a ótica constitucional, infraconstitucional e internacional; e, por fim, faz-se uma análise jurisprudencial da última década, com os julgados favoráveis ou não à questão, para que se possa ter uma visão panorâmica do assunto.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil, Abandono Afetivo, Dano moral, Indenização.
Sumário: Introdução. 1. Da Família Contemporânea. 1.1 Transformações No Direito De Família. 1.2 Funções Da Família Na Sociedade. 2. Responsabilidade Parental. 2.1 Princípios Norteadores Da Responsabilidade Parental. 3. Deveres Parentais E Filiação. 3.1 Do Direito-Dever De Visita. 3.2 Dos Alimentos. 3.3 Do Dever De Sustento, Guarda E Educação. 3.4 Da Sucessão. 4. Da Afetividade. 4.1 Abandono Afetivo E Meio Ambiente Familiar. 4.2 Abandono Afetivo E Dano Moral. 5. Da Responsabilidade Civil. 5.1 Da Aplicabilidade Da Responsabilidade Civil No Abandono Afetivo Parental. 6. Da Destituição Do Poder Familiar. 6.1 Da Destituição Do Poder Familiar C/C Reparação Civil Por Abandono Afetivo. 7. Jurisprudências Correlatas. 8. Conclusão. 9. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Em decorrência dos estudos na área familiar durante o curso de pós-graduação junto a PUC- COGEAE, coordenado pela ilustríssima professora doutora Maria Helena Diniz, tive a oportunidade de conviver com uma nova forma de interpretação do direito, inovadora e voltada não apenas a parte legalista do ordenamento jurídico, como também à parte protecionista dos direitos humanos e suas inovações.
O direito de família e a específica área da filiação e suas inúmeras mudanças e novas jurisprudenciais, como as recentes demandas judiciais de filhos contra seus pais, cobrando o afeto que lhes foi restringido, serviu de incentivo para a elaboração do presente trabalho, que é apenas um ponto de partida para o estudo de um tema recente, como a existência deste dever afetivo na relação familiar e sua possível responsabilização.
Na presente dissertação busca-se analisar as responsabilidades parentais e, especialmente, o abandono moral e afetivo dos pais perante seus filhos, sob a ótica do moderno conceito de Direito de Família; a possibilidade de sua responsabilização na órbita da indenização civil, independentemente dos institutos penalizantes já existentes em outras órbitas do direito, como a destituição do poder familiar; com inclusão da apreciação da jurisprudência atuante.
O trabalho tem como foco avaliar a natureza jurídica do afeto, se este constitui um dever jurídico dos pais em relação aos filhos e, em quais casos preencheria os pressupostos gerais da responsabilidade civil, levando-se em conta a doutrina da proteção integral e do melhor interesse da criança, pois, não se pode entender que seria todo e qualquer caso de ausência de afetividade que ensejaria uma busca por reparação civil e sua condenação em pecúnia, observando-se um cuidado para evitar a patrimonialização do direito de família.
1. DA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA
O presente estudo inicia-se com uma abordagem da família contemporânea, entidade que sofreu inúmeras transformações ao longo dos anos, e, mais profundamente nos últimos, devido à mudança comportamental da própria sociedade.
Sob o ponto de vista do direito, a família é feita de duas estruturas associadas: os vínculos e os grupos. Há três sortes de vínculos, que podem coexistir ou existir separadamente: vínculos de sangue, vínculos de direito e vínculos de afetividade. A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a integram: grupo conjugal, grupo parental (pais e filhos), grupos secundários (outros parentes e afins)1.
1.1 TRANSFORMAÇÕES NO DIREITO DE FAMÍLIA
A situação atual obriga a uma análise da realidade das famílias no mundo moderno, sem estigmatizar nem julgar, já que existe uma crise do modelo tradicional de família, mais do que uma ‘crise da família’2.
Até pouco tempo, quando falávamos em família tínhamos uma imediata ideia de um conjunto de pessoas ligadas por laços de consanguinidade em regime de coabitação, mas muitos fatores contribuíram para uma mudança nesta mentalidade, trazendo à sociedade outras formas familiares, como a monoparental3, por exemplo, exercida por apenas um dos pais, ou a família extensa4.
Os fatores que contribuíram para tantas mudanças iniciam-se desde a Revolução Industrial, até a maior, que se deu com a mudança do Código Civil de 1916 para o Novo Código Civil, como é chamado o de 2002, que entre suas inovações trouxe um conceito mais amplo de família, mais direitos aos filhos extraconjugais, valorização da mulher, entre outros.
Segundo o antigo Código de 1916, a “família legítima” era aquela formada pelo casamento formal apenas, matrimonial, eixo central de seu direito de família. Já o Novo Código Civil estabelece que a família abrange não somente as uniões familiares provindas do matrimônio, mas também as de união estável e monoparentais. Além de ter abolido o pátrio poder, que dizia ser o pai o “chefe da família”, considerando-se agora o casal, homem e mulher, com poderes e direitos iguais, podendo solucionar eventuais divergências de forma judicial (art. 1.631, parágrafo único do Código Civil).
Hoje, se aceita a união entre pessoas do mesmo sexo também como entidade familiar, podendo até mesmo se valer do instituto da adoção, não mais restringindo a união entre “homem e mulher”.
Citando mais mudanças relevantes trazidas pelo Código Civil de 2002, temos o direito de igualdade entre os filhos, consubstanciado na ideia de que tanto filhos sanguíneos, quanto adotados, quanto os concebidos fora do casamento, ou seja, qualquer filho, independente de sua procedência terá direitos iguais, como garantido constitucionalmente.
Como leciona Maria Helena Diniz, é a família “o núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa. É o instrumento para a realização integral do ser humano.”5
As alterações introduzidas visam preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família moderna um tratamento mais consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges ou companheiros e aos elevados interesses da sociedade.6
O termo “família” possui inúmeros sentidos, para a professora Maria Helena Diniz, na seara jurídica, o vocábulo família possui três acepções fundamentais, quais sejam:
Família em sentido amplíssimo, abrangendo todo e qualquer indivíduo que esteja ligado por vínculos de sangue e afinidade;
Família lata, abrangendo os cônjuges, companheiros, filhos e parentes em linha reta, colaterais ou afins;
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Família em sentido restrito, constituindo aquela feita pelos cônjuges e filhos ou pela entidade familiar formada pelos pais viventes em união estável e os filhos, ou qualquer dos pais, na falta do outro e os filhos.
Como se pode observar, a família atual não se limita mais ao vínculo biológico, sanguíneo; remete-se ao afeto como sua maior característica, não bastando apenas o fornecimento de alimentos pelos pais, mas também afeto, amor, educação, presença física, proteção, entre outras necessidades para que esta criança em formação se desenvolva emocionalmente equilibrada.
A família desempenha papel fundamental não só na relação com seus membros, mas também na relação com o Estado, na perspectiva de instituição social decisiva ao desenvolvimento do processo de integração/inclusão social de seus membros.7
O direito de família, direito das pessoas em seus interesses pessoais e familiares, é um direito personalíssimo, irrenunciável, intransmissível, não se admitindo condição ou termo para seu livre exercício.8
“A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado.”9
2. FUNÇÕES DA FAMÍLIA NA SOCIEDADE
A família é, conforme a Constituição Federal, a base da nossa sociedade, possuindo, de acordo com a doutrina, funções como a de reprodutora, contribuindo assim para a manutenção da espécie humana; possui também função emocional e psicológica; função econômica, entre outras.
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” (CF/88)
Sobre a função emocional e psicológica da família, Beatrice Marinho Paulo explica que ela é primordial para a formação do caráter e saúde mental do ser humano. Essa função mantém vivo os laços afetivos indispensáveis dentro da família. Entende-se que para se criar uma criança ou um adolescente, visto que são seres em fase de desenvolvimento, é impreterível o envolvimento desses seres em laços de carinho, amor, atenção, de modo que proporcione bem estar, alegria, felicidade. Nesta função também podemos elencar o desenvolvimento das potencialidades humanas. Através da segurança passada dos pais para os filhos, o ser que antes se caracterizava frágil, passa a construir autonomia e subsídios para desenvolver suas potencialidades.10
Claro que a família, em todas suas espécies e formas, tem funções e finalidade, mas vale ressalva de que não existe um padrão cultural, um modelo de família pré-disposto que deve ser seguido; existem deveres e obrigações legais e morais, mas que nunca ultrapassam o direito de livre arbítrio dos indivíduos, possibilidade de planejamento familiar sem interferências estatais, o interesse do núcleo familiar para fazer suas próprias escolhas e maneira de viver; obviamente que tais liberdades são respeitadas contanto que não afetem os direitos fundamentais e constitucionais do nosso ordenamento jurídico, que prima, principalmente pela dignidade da pessoa humana, que não poderá ser violada.
De qualquer forma, há muitas divergências de pensamento em torno do tema; parte doutrinária entende que o Estado deve ser consciente de seus objetivos e que não pode entregar ao indivíduo o livre entender do núcleo familiar, fundamentando ser decorrente daí o fato de a maioria das normas de direito de família ser de ordem pública e interpretada restritivamente.
Assim sendo, a família é sim a base de toda estrutura da sociedade e fortalecimento do Estado, mas, não esbarrando na ilegalidade e imoralidade, os indivíduos devem ser livres para constituir, prosseguir e manter seus núcleos familiares de acordo com suas convicções e vontades, como assevera o Princípio da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar, sem que haja imposição ou restrição do Estado, de acordo com o art. 1.523 do Código Civil.
Art. 1.513. “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, inferir na comunhão de vida instituída pela família.” (Código Civil)
Como assinala GUSTAVO TEPEDINO, “a milenar proteção da família como instituição, unidade de proteção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar á tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.”11 Neste ínterim, adentra-se a responsabilidade parental.
RESPONSABILIDADE PARENTAL
As funções e importância da família na sociedade trazem consigo responsabilidades. A responsabilidade parental é decorrente dos vínculos que regem a família e da lei; é a expressão de um poder paternal que, não se limita apenas ao dever de guarda e suprimento da incapacidade, mas concretiza-se em deveres, onde competirá aos genitores, até que seus filhos completem a maioridade (18 anos), ou sejam emancipados, velar pela sua segurança e saúde, prover o seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.12
As relações de parentesco, em razão de seus efeitos jurídicos de ordem pessoal ou econômica, estabelecem direitos e deveres recíprocos entre os parentes, como a obrigação alimentar, o direito de promover interdição e de receber herança, com exceção do parentesco por afinidade etc.13
Responsabilidade parental é o conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar material e moral dos filhos, especificamente do genitor a tomar conta dos seus, mantendo relações pessoais, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens.
Os direitos e deveres decorrentes da parentalidade são recíprocos e envolvem não somente os pais para com a prole, mas este será o enfoque dado ao estudo hodierno, adentrando em algumas de suas peculiaridades.
A responsabilidade parental é instituto de altíssima importância para a garantia de uma infância saudável; baseia-se na valorização da criança e do adolescente enquanto sujeitos de direitos e é um direito fundamental destes.
Na constância do matrimônio, o exercício da responsabilidade parental compete a ambos os pais, que devem exercer as responsabilidades de comum acordo e, se este carecer, qualquer deles poderá recorrer ao judiciário para decidir sobre a discordância.
O artigo 1.634 do Código Civil enumera os direitos e deveres que cabe aos pais, no tocante à pessoa dos filhos menores:
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
No caso de um dos genitores não poder exercer as responsabilidades parentais por incapacidade, ausência ou impedimento, competirá unicamente ao outro progenitor seu exercício ou, no impedimento deste também, competirá a alguém da família de algum deles, desde que haja um acordo prévio e com validação legal. Se esta ausência se der pela morte de um dos genitores, o exercício das responsabilidades parentais incumbirá ao sobrevivente ou ao tutor nomeado para tal fim.
Há também casos em que a lei prevê certa limitação ao exercício da responsabilidade parental, para o próprio bem da criança ou adolescente, sendo elas:
a) quando o genitor estiver condenado definitivamente por crime a que a lei atribua esse efeito;
b) genitor (es) interditados ou inabilitados por anomalia psíquica;
c) ausentes, desde a nomeação do curador provisório.
O princípio da responsabilidade parental também vem previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, entre os princípios que regem a aplicação das medidas de proteção à criança e ao adolescente:
Art. 100, IX, ECA - responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente;
Com o escopo de se obter os valores familiares e sociais constitucionalmente assegurados, os direitos e deveres dos pais tangentes à prole, ou de quem exerça a responsabilidade parental, devem sempre ser conduzidos de maneira à melhor proteção da pessoa humana daquela criança ou adolescente14.
2.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA RESPONSABILIDADE PARENTAL
O direito de família é regido por princípios; dentre estes se aplica à responsabilidade parental alguns que serão os maiores fundamentos para o estudo em tela.
Assim leciona Luiz Antônio Rizzatto Nunes, "princípio é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos horizontes do sistema jurídico [...] e vincula o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam".15
De acordo com a doutrina brasileira civil-constitucional, liderada por autores como Gustavo Tepedino, e alguns estudiosos do direito de família brasileiro, como Maria Berenice Dias e Ana Carolina Brochado Teixeira, se traz a ideia de que o estudo e interpretação das normas infraconstitucionais relativas ao direito de família contidos no Código Civil e legislação esparsa devam ser operacionalizados pela aplicação de vários subprincípios (afetos ao direito de família), todos derivados da dignidade da pessoa humana, que se expressa em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil16.
Tais princípios, que devem servir como base para indicar um caminho a ser seguido pelo ordenamento jurídico, são:
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O princípio da dignidade humana é, sem dúvidas, o princípio mais importante que rege, não somente a responsabilidade parental, o direito de família, mas todo o ordenamento jurídico brasileiro; nele se encontra o ponto de partida para todos os outros princípios que serão estudados. Podemos dizer então, que a dignidade da pessoa humana é a base de todo os demais princípios.
Ele está previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 198817 e é considerado pelos doutrinadores como a base essencial de toda e qualquer lide que surja no âmbito do direito de família, pois não se pode proteger o núcleo familiar como um todo sem se proteger a dignidade da pessoa humana. Também traz a ideia de desvalorização do patrimônio e aumento da valorização da pessoa (valorização e reconhecimento da liberdade, do valor humano, da igualdade, da honra, do ser humano), dando ênfase à ação positiva do Estado, trazendo consigo o direito da pessoa buscar seus interesses. Havendo a exposição dessa dignidade, abre-se ensejo ao direito a danos morais.
O princípio do respeito da dignidade humana (CF, art. 1º, III), constitui base da comunidade familiar (biológica ou socioafetiva) garantindo, tendo por parâmetro a afetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227).18
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (CF)
“O princípio do respeito à dignidade da pessoa humana constitui, assim, base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227)”.19
Segundo Maria Berenice Dias, a dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida em comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.20
Princípio da afetividade
Interligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, cláusula pétrea no ordenamento jurídico brasileiro, está o princípio da afetividade. Ele é o principal fundamento das relações familiares e decorre da constante valorização da pessoa humana e, mesmo não previsto expressamente em nossa Constituição, sua caracterização é incontestável e, por essência, é considerado um direito fundamental do cidadão.
O afeto é o alicerce das relações familiares, e tem sua importância reconhecida pelo direito, que lhe deu valor jurídico ao torná-lo um princípio. Paulo Lôbo o conceitua como "o princípio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão da vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico".21
O princípio da afetividade, mesmo não expresso, está amparado na Constituição Federal, lei maior, onde traz a igualdade dos filhos, independente da origem (artigo 227, § 6º); adoção, com igualdade de direitos (art. 227, §5º e §6º); a comunidade formada por qualquer dos pais e sua prole, incluindo os adotivos, com igual dignidade da família (CF 226, §4º); e, o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, caput).
Sendo a afetividade como conceitua Paulo Luiz Netto Lobo,outra categoria que se consagrou no direito brasileiro de família “entendida como o liame específico que une duas pessoas em razão do parentesco ou de outra fonte constitutiva da relação de família. A afetividade familiar é, pois, distinta do vínculo de natureza obrigacional, ou patrimonial, ou societário. Na relação familiar não há fim econômico, cujas dimensões são sempre derivadas (por exemplo, dever de alimentos, ou regime matrimonial de bens), nem seus integrantes são sócios ou associados.”22
Dentre as várias formas de família consagradas hoje, há uma em que é expressamente prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente a afetividade: é a família ampliada, configurando-a. Mostrando-nos assim a importância deste princípio na configuração do que é e deve ser uma família.23
O direito converteu a afetividade em um princípio jurídico, conferindo-o, assim, força normativa, cominando deveres e obrigações aos membros da família, ainda que na realidade existencial entre eles tenha desaparecido o afeto. Sendo assim, pode haver desafeto entre pai e filho, mas o direito impõe o dever de afetividade; além dos fundamentos contidos nos artigos 226 e seguintes da Constituição, lembra o dever de solidariedade entre os membros da família (art. 3º, I, CF), reciprocamente entre pais e filho (art. 229) e todos em relação aos idosos (art. 230).
O afeto é o novel princípio do direito de família. Embora não esteja expresso no texto constitucional, decorre naturalmente da valorização constante da dignidade da pessoa através da externalização dos sentimentos em suas relações. A legislação infraconstitucional timidamente já começa a adotar o afeto como elemento da norma.24
O objeto principal do estudo deste trabalho é o que a quebra deste princípio tão importante acarreta e se, nesta situação, cabe uma responsabilização via indenização pecuniária de sua falta. O norte deste trabalho é o que esta privação pode acarretar na vida de um filho carente desta afetividade, que não diz respeito de forma sinônima ao simples afeto ou ao amor, sendo assim, tal princípio será estudado mais profundamente em capítulo próprio, devido a sua importância e base para todo nosso estudo.
Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros
Com a evolução e amplitude familiar ao longo dos anos e suas modificações, desaparece o chamado “pátrio poder” ou “poder marital”, ou seja, poder concedido ao homem (ao marido) como chefe de família e, dá-se a ambos os cônjuges os mesmos direitos, devendo “governar” conjuntamente sua família, e incumbindo ambos de todos os deveres e responsabilidades parentais; trazendo o princípio da igualdade jurídica entre cônjuges ou companheiros (também chamado de princípio da consagração do poder familiar) um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo por ambos.
Maria Helena Diniz, em seu estudo acerca do assunto, bem estabelece que “os cônjuges devem exercer conjuntamente os direitos e deveres relativos à sociedade conjugal, não podendo um cercear o exercício do direito do outro.”25
“O princípio da consagração do poder familiar, substituindo o marital e o paterno, no seio da família, é atualmente considerado poder-dever de dirigir a família e exercido conjuntamente por ambos os genitores.”26
Por este princípio conclui-se que o poder familiar, exercido por ambos os cônjuges ou companheiros é um poder-dever.
Princípio da igualdade entre os filhos
O princípio da igualdade entre os filhos está previsto no artigo 227, §6º, Constituição Federal de 1988 que dita terem os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, os mesmos direitos e qualificações, sendo proibida qualquer designação discriminatória relativa à filiação. Portanto, fica estabelecida uma igualdade absoluta entre todos os filhos, independentemente de sua origem, vetando-se a antiga e conhecida discriminação entre a filiação legítima e ilegítima.
Além da nossa Constituição, o Código Civil Brasileiro também reafirma o principio da igualdade entre os filhos:
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (CC)
No decreto lei 3.200/41 já se determinava, mesmo sendo de uma época com pensamento distinto e bastante suplantado, que cabe ao pai ou à mãe prestar ao filho que fosse reconhecido fora do lar, ou seja, o chamado peculiarmente de filho ilegítimo, IDÊNTICO TRATAMENTO ao que dispensar ao filho havido no casamento e correspondente à condição social em que viva. Pode-se assim observar que a ideia do princípio da absoluta igualdade entre os filhos já é existente na doutrina há muito tempo e só veio crescendo e ganhando força com o passar dos anos, onde a família tem recebido maior proteção e amplitude.
Apesar de a lei não admitir distinção entre os filhos legítimos, naturais e adotivos, vedando quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, na prática ainda vemos muitos pais discriminares filhos ilegítimos, ou seja, aqueles advindos de relações extraconjugais, o que nos dias de hoje tem crescido vultuosamente. Nestes casos enxergamos o maior número de abandonos morais e afetivos, trazendo-nos à ideia o importantíssimo PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL E DO PLANEJAMENTO FAMILIAR.
Princípio da Paternidade Responsável e do Planejamento Familiar
O planejamento familiar é decisão do casal, e deve ser fundado no princípio da dignidade da pessoa humana, gerando com ele, já que a família tem o livre direito de seu planejamento, o princípio da paternidade responsável, que, devido ao princípio citado da igualdade jurídica entre cônjuges e companheiros, compete a ambos os genitores, cônjuges ou companheiros.
Art. 226. § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (CF)
Este princípio também vem previsto pelo Código Civil, em seu artigo 1.565:
Art. 1.565. § 2º. O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.
Como podemos observar o planejamento familiar remete a um dever de paternidade responsável, ou seja, ao mesmo tempo em que se dá livre decisão ao casal, o mesmo deve ser responsável por estas, podendo planejar se quer ou não filhos e, decidindo por tê-los, não se esquecer de todos os deveres incumbidos. E, observa-se uma valorização do afeto neste princípio, pois ao lado da possibilidade de livre escolha para formação ou até a dissolução familiar do casal, está implícita a presença da afetividade.
A lei 9.263/9627 trata do planejamento familiar e o define como o “conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”.
O pai responsável acompanha o filho desde sua concepção, participa do parto, registra o filho, o embala no colo. Deve a Justiça procurar suavizar essas desigualdades e não acentuá-las ainda mais.28
Princípio do melhor interesse do menor
O princípio do melhor interesse do menor, chamado também de princípio do melhor interesse da criança prega que o Estado, a sociedade e a família devem dar absoluta prioridade aos direitos fundamentais e ao bem estar das crianças e adolescentes, devendo, em qualquer lide ou situação ponderar sempre o que será melhor para estes, dentro da dignidade da pessoa humana.
Este princípio coloca em destaque o companheirismo e o afeto, e está previsto no artigo 3º da Convenção sobre Direitos da Criança, que diz deverem “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.”
Encontramos ainda, no artigo 227 da Constituição Federal, mais um fundamento para o princípio do melhor interesse do menor, ao exibir o dever da família, Estado e sociedade, de garantir à criança "com absoluta prioridade" os direitos proferidos.
Sendo assim, pesando a fragilidade e vulnerabilidade dos menores como pessoa em formação, é necessário tratamento especial a estes e, deve-se SEMPRE levar em consideração seu interesse, considerando-o assim superior na necessidade de ponderação entre demais princípios.
Princípio da solidariedade
O princípio da solidariedade, previsto no art. 3º, inciso I da CF29 leva em conta o ideal de que os membros de uma mesma família devem amparar-se mutuamente, existindo uma responsabilidade material e moral que determina uma assistência, respeito e consideração recíprocos entre eles.
Este princípio também vem previsto no Código Civil, onde se prediz o poder de pedir alimentos uns aos outros.30
Maria Berenice Dias entende existir o princípio da solidariedade familiar; princípio este, que segundo ela, baseia-se na acepção comum da palavra, ou seja, compreende a própria fraternidade e a reciprocidade, sim a solidariedade que cada membro deve observar, afirmando ainda que este princípio tenha origem nos vínculos afetivos.31