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Responsabilidade parental: abandono afetivo

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24/04/2014 às 14:24
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5. DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A palavra “responsabilidade” significa a obrigação de assumir as consequências de suas atitudes, tem origem latina em “respondere” e “spondeo” que vinculava o devedor aos contratos verbais, no antigo Direito Romano70.

A expressão “responsabilidade civil” remete às consequências jurídicas da conduta praticada, está inserida nos direitos obrigacionais, ou seja, a prática de um ato ilícito gera uma obrigação, o dever de reparar aquele dano, indenizar a vítima lesada71.

A responsabilidade civil tem como princípio norteador o interesse em se restaurar o equilíbrio violado, conceitua-se como “a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal72”.

A etiologia da responsabilidade civil apresenta três requisitos: o ato ilícito, o dano e o nexo causal entre ambos. O Código Civil, em seu artigo 186, diz que comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. Sendo assim o dano pode ser tanto material, como moral e deve haver uma relação direta de causa e efeito entre o ato praticado e o dano.

Quando o agente causador do dano, com sua ação ou omissão, transgride uma lei ou ocasiona dano a um terceiro passa a surgir dois tipos de responsabilidade: a contratual e a extracontratual.

A distinção da responsabilidade contratual da extracontratual caracteriza-se pelo dever que foi violado: um dever oriundo de um contrato ou um dever geral de não causar dano a outrem. A Responsabilidade Contratual é aquela que nasce do descumprimento de um contrato, encontra-se expressa no artigo 389 do Código Civil, “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”, sendo assim, pressupõe um contrato válido entre as partes e seu descumprimento, ao menos culposo, gerando assim a responsabilização. Já a Responsabilidade Civil Extracontratual ou Aquiliana (Lex Aquillia), consta, como regra geral, do artigo 186 do mesmo diploma legal, do ato ilícito, como citado acima, e cominado com os artigos 18773 e 92774 para sua perfeita configuração.

A responsabilidade civil também se divide em objetiva ou subjetiva. A primeira se configura independente da culpa do agente causador do dano, bastando a demonstração do nexo causal entre o dano sofrido e ato do agente causador, para que surja o dever de indenizar. Já a responsabilidade subjetiva se dá quando o dano é praticado mediante culpa ou dolo do agente causador, ou seja, necessita que haja, pelo menos, culpa (elemento subjetivo), não sendo esta presumida, precisando comprová-la. Nosso Código Civil adotou a responsabilidade subjetiva como regra, possuindo como elementos a culpa e o dolo, exceto quando a lei descrever presunção de culpa, onde se admitirá prova em contrário, ou quando a lei delineia que há responsabilidade independente da existência ou não de culpa, onde estaremos diante da responsabilidade objetiva, já explicada.

É imperioso, que o ato comissivo ou omissivo do agente causador do dano seja voluntário, pois a conduta humana sempre tem que partir de uma vontade consciente (voluntária). O agente tem de ter necessário discernimento para ter a consciência daquilo que faz, por isso, não se reconhece a conduta com ausência do elemento volitivo.

5.1 DA APLICABILIDADE DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ABANDONO AFETIVO PARENTAL

Com o surgimento de provocações ao Poder Judiciário pleiteando indenizações por dano moral em casos de abandono filial-afetivo, a responsabilidade civil sai da esfera contratual e puramente obrigacional, para adentrar no direito de família brasileiro, buscando na indenização pecuniária uma forma de suprir o sofrimento e danos psicológicos causados por este abandono.

Embora haja na esfera penal previsões e sanções para crimes contra a família (título VII), o abandono afetivo não foi positivado ou mencionado. Erro ou esquecimento do legislador, não se sabe, mas sim que o abandono afetivo é tão prejudicial quanto o abandono material, ou mais, pois a deficiência material pode ser suprida com a dedicação do outro genitor, de avós ou parentes em seu labor, já o afeto não, porquanto corrói princípios morais que estão em desenvolvimento na personalidade daquele infante, daquele filho rejeitado.

O Estatuto da Criança e do Adolescente chega a prever pena de multa no caso de descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar75, mas trata-se de preceito de ordem administrativa, não excluindo as possíveis medidas criminais ou civis que possam advir do descumprimento destes deveres76. O rol das medidas sancionatórias relacionadas aos pais e responsáveis previstas no referido diploma legal é: a advertência, perda da guarda, destituição da tutela, perda e destituição do poder familiar; todas expressas no artigo 12977 do ECA.

Apesar de tais cominações legais administrativas78 e penais, que, ressaltando-se, não excluem a possibilidade de pretensões na esfera cível, o principio-dever-direito da afetividade não é expressamente regido, trazendo da prática muitas divergências. Provar um dano moral é algo complexo, concedendo ao juiz assim uma discricionariedade ampla, podendo deduzir-se não só de provas.

Rodolfo Pamplona Filho, baseado nos mandamentos de Wladimir Valler, elucida que em matéria de prova há três correntes distintas:

“Primeira: necessidade de atividade probatória, assim como ocorre com o dano patrimonial;

Segunda: sustenta a tese in re ipsa, segundo a qual o dano moral não precisa ser provado, sendo presumido pelo comportamento do agente;

Terceira: é denominada de intermediária, que se sustenta sobre a presunção formada na mente do juiz, ou seja, ele, na condição de homem, extrai dos fatos da causa a idéia de ocorrência ou não do acontecimento”79.

Sendo assim, o abandono filial-afetivo reiterado, habitual, caracterizando uma conduta omissiva, a ponto de privar o filho da convivência, ou mesmo uma conduta comissiva de desprezo e rejeição, que causa danos ao filho, constituindo inobservância aos deveres paternos e ao princípio da dignidade da pessoa humana é fato gerador a indenização, vez que preenche os requisitos iniciais da responsabilidade civil, baseado em uma conduta negligente do genitor causando o dano moral e ofendendo a personalidade desse filho, criança ou adolescente, em formação.

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka salienta que pode haver sim uma conexão direta entre o direito de família e a responsabilidade civil:

“A indenização por abandono afetivo, se for utilizada com parcimônia e bom senso, sem ser transformada em verdadeiro altar de vaidades e vinganças ou em fonte de lucro fácil, poderá converter-se em instrumento de extrema importância para a configuração de um Direito de Família mais consentâneo com a contemporaneidade, podendo desempenhar, inclusive, um importante papel pedagógico no seio das relações familiares”80.

A falta de afeto por parte de um ou ambos os pai traz, na maioria dos casos, um vazio a este filho, que nunca será suprido, mesmo que este possa conviver com avós, e outros familiares que tentem suprir esta deficiência. A tristeza que tal abandono pode trazer a um filho é imensurável, gerando muitas vezes, além dos inúmeros danos morais já citados, danos patrimoniais, na busca por um tratamento psicológico, entre outros. O dano em si é incalculável, sendo sua indenização pela via civil e pecuniária de caráter apenas satisfatório e até mesmo de prevenção, pois, se o legislador entendesse que tal indenização não traria algum tipo de benefício prático, não teria previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 249 multa pecuniária para o descumprimento de deveres inerentes a pessoa que escolheu ser pai ou mãe.

Há decisões de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul81 (como veremos em capítulo próprio) que têm acolhido a pretensão de filhos de abandono e rejeição por parte dos pais, onde alegam sofrerem transtornos psíquicos em razão da falta de afeto na infância e na juventude, não tendo bastado o pagamento de pensão alimentícia e o fornecimento dos meios de subsistência. Queixam-se estes do descaso, da indiferença e da rejeição dos pais, tendo obtido, em alguns casos, o reconhecimento judicial à indenização como compensação por tais danos morais, com o fundamento de que a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, o amor, o carinho, devendo o descaso entre pais e filhos ser punido severamente por constituir abandono moral grave. A mais recente decisão veio do Superior Tribunal de Justiça em 2012, também a favor de tal compensação.

O magistrado Mário Romano Maggioni, do Rio Grande do Sul, foi um dos primeiros juristas a sentenciar favoravelmente indenização ao abandono afetivo, conceituando brilhantemente a função paterna, assim dizendo:

"A função paterna abrange amar os filhos. Portanto, não basta ser pai biológico ou prestar alimentos ao filho. O sustento é apenas uma das parcelas da paternidade. É preciso ser pai na amplitude legal (sustento, guarda e educação). Quando o legislador atribuiu aos pais a função de educar os filhos, resta evidente que aos pais incumbe amar os filhos. Pai que não ama filho está não apenas desrespeitando função de ordem moral, mas principalmente de ordem legal, pois não está bem educando seu filho. (...) Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (artigo 22, da lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a presença do pai ajude no desenvolvimento da criança. (...) a ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém nascido, ou em desenvolvimento, violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam de pais que não lhes dedicam amor e carinho; assim também em relação aos criminosos."82

É claro que o dinheiro não possui a aptidão de extinguir a violência moral sofrida pelo filho. Porém, servirá como uma compensação, um alívio, podendo ser utilizado para atenuar os efeitos resultantes, como o financiamento de um tratamento psicológico; e ademais, imprescindivelmente, servirá para mostrar aos pais negligentes, desidiosos, que tratam a paternidade como algo casual, que esta conduta é vista como incorreta no ordenamento jurídico e na sociedade brasileira, que tem a família como sua base e merecedora de toda a proteção. A compensação pelo dano moral teria, assim, caráter dúplice: de pena e de cunho pedagógico.

A sociedade deve conscientizar-se de que o poder paternal, como preceitua Gonçalves Cunha, faz parte do estado das pessoas e por isso não pode ser alienado nem renunciado, delegado ou substabelecido. Qualquer convenção, em que o pai ou a mãe abdiquem desse poder, será nula83. As exceções, nos institutos da adoção e colocação em família substituta, existem, mas todas intermediadas pela Justiça da Infância e da Juventude e com a conveniência examinada pelo magistrado.

Com o ilustrado, é de se constatar que o abandono filial-afetivo preenche os pressupostos da responsabilidade civil, tornando-se caminho viável para se demandar uma reparação, uma resposta a tal ilícito, constituindo direito personalíssimo do filho “abandonado”, vigorando sobre o tema o princípio da imprescritibilidade84. Mas, não bastam os elementos básicos, já citados, para que a responsabilidade civil incida aos casos de abandono afetivo, mesmo a doutrina mais favorável é unânime em assegurar a necessidade imperiosa de cautela extrema do magistrado nestes casos, para que não se banalize a questão. Elementos específicos também se fazem necessários, como o evidente desamparo do genitor, desprezo, rejeição, desídia reiterada, praticada dolosamente; a situação deve evidenciar um verdadeiro abandono emocional, e não apenas uma fase vivida, um rancor sem fundamento.

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Assim, posiciona-se, Gonçalves:

“A questão é delicada, devendo os juízes ser cautelosos na análise de cada caso, para evitar que o Poder Judiciário seja usado, por mágoa ou por outro sentimento menos nobre, como instrumento de vingança contra pais ausentes ou negligentes no trato com os filhos. Somente casos especiais, em que fique cabalmente demonstrada a influência negativa do descaso dos pais na formação e no desenvolvimento dos filhos, com rejeição pública e humilhante, justifica o pedido de indenização por danos morais. Simples desamor e falta de afeto não bastam”85.

Percebe-se, de plano, que tal reparabilidade prega prudência, uma análise minuciosa, a fim de evitar uma espécie de patrimonialização do afeto, banalizando-se este tipo de demanda. Por assim ser, a doutrina e jurisprudência se dividem, entre a possibilidade ou impossibilidade da tese do dano afetivo, devido a repercussão social da medida.

Posicionando-se pela impossibilidade está Lopes: "Filio-me ao entendimento que a violação aos deveres familiares gera apenas as sanções no âmbito do direito de família, refletindo, evidentemente, no íntimo afetivo e psicológico da relação [...].”86

Também contrário a tutela jurisdicional da afetividade nas relações familiares está Rocha, que conclui que “enquanto o "afeto" da linguagem natural tem conotação positiva, referindo-se aos mais nobres sentimentos humanos, o "afeto" da linguagem filosófico-científica designa todas as afeições, todos os sentimentos, os mais elevados e os mais baixos. Incluem-se na noção de "afeto", no sentido filosófico-científico, o ódio, a inveja, o rancor e todos os sentimentos moralmente repudiados. (...) Uma vez que no sentido filosófico-científico "afeto" tem consonância com "sentimento", o Direito não pode ser chamado a protegê-lo incondicionalmente, uma vez que muitas de suas manifestações contrariam os valores fundamentais da ordem jurídica. Além disso, o Direito somente regula a conduta humana exteriorizada”87.

Muitos dos contrários à responsabilização civil do abandono afetivo alegam que tal descumprimento dos deveres parentais já tem punição prevista em lei, que seria a destituição do poder familiar88, já existindo a função punitiva desejada, não se compatibilizando, portanto, com a responsabilidade civil.


6. DA DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR

No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente89, quanto no Código Civil90. Assim, muitos juristas afirmam que a pena de destituição do poder familiar é a punição mais grave a ser imputada a um pai, sendo suficiente também para mostrar à sociedade a reprovabilidade da conduta do abandono, não sendo viável, portanto, a reparação civil pelo mesmo ato.

Com este entendimento a ex-Ministra Ellen Gracie do Supremo Tribunal Federal já se manifestou, quando do não conhecimento do Recurso Extraordinário n. 567.164, que versava sobre a responsabilidade civil por abandono afetivo: “O apelo extremo é inviável, pois esta Corte fixou o entendimento segundo o qual a análise sobre a indenização por danos morais limita-se ao âmbito de interpretação de matéria infraconstitucional, inatacável por recurso extraordinário. Conforme o ato contestado, a legislação pertinente prevê punição específica, ou seja, perda do poder familiar, nos casos de abandono do dever de guarda e educação dos filhos”91.

Por outro lado, entende-se no presente trabalho que, a indenização não visa apenas a punição do pai desidioso ou a conscientização da sociedade, mas também a tentativa de alívio ao sofrimento do filho, reparação daquele dano moral, físico, psicológico arcado, utilização da pecúnia para tratamentos psicológicos que se fizerem necessários, entre outros; não podendo-se perder de vista o princípio do melhor interesse da criança, e do que tal reparação pecuniária pode lhe favorecer.

Antes de adentrar especificamente na análise da questão da cominação dos institutos, vale a análise inicial do que consiste a destituição do poder familiar.

A destituição do poder familiar é espécie de extinção deste poder92, consiste na retirada do filho da guarda de seu genitor (es) que representa perigo para a integridade física ou mental, assim como ao desenvolvimento saudável daquele; é uma pena aplicada judicialmente ao genitor que castigar imoderadamente seu filho, deixá-lo em abandono, praticar atos contrários à moral e aos bons costumes, abusar reiteradamente de sua autoridade ou descumprir injustificadamente os deveres de sustento, guarda e educação destes. Tal sanção é aplicada aos pais pelo juiz, não só com intuito punitivo, mas para proteger o menor dos danos que aquele genitor pode estar lhe causando.

O Código Penal também prevê, como efeito da condenação, a perda do poder familiar para os crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra o filho93; assim como a Consolidação das Leis do Trabalho, previa aos pais que permitissem aos filhos trabalharem em locais nocivos à sua saúde ou exercerem atividades atentatórias à sua moral, mas tal previsão foi revogada no ano de 2000, por óbvia falta de competência do juízo trabalhista para tanto.

De acordo com o Ministério Público do Paraná, a destituição do poder familiar “trata-se de medida gravosa, antipática, mas tantas vezes necessária, que atinge os direitos mais elementares da pessoa humana: atinge o direito da personalidade (porque pode haver posterior adoção e até troca de nome da criança); atinge o Direito Natural da pessoa, da constituição de prole e de origem; atinge o direito dos pais de criarem e terem consigo os seus filhos (art. 384 e incs., CC); atinge o direito dos filhos de serem criados e educados no seio da sua família natural (art. 19, ECA). Enfim, a ação deve ser pensada, só utilizada como o último recurso (a ultima ratio, como dizem os penalistas) contra o mau desempenho (causa culposa) dos pais em relação aos seus filhos”94.

Sobre o tema, já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“Direito de Família. Destituição do poder familiar. Abandono do filho. Demonstração nos autos. Recurso improvido. O poder familiar dos pais é ônus que a sociedade organizada a eles atribui, em virtude da circunstância da parentalidade, no interesse dos filhos. O exercício do múnus não é livre, mas necessário no interesse de outrem. A perda do poder familiar é definitiva, devendo ser observado para sua decretação, por sua gravidade que o fato que a ensejar seja de tal magnitude que ponha em perigo permanente a segurança e a dignidade do filho”95.

Assim, compreendido o instituto da destituição do poder familiar e o abandono filial-afetivo, assevera-se que o princípio do melhor interesse da criança deve ser reconhecido em ambos e, deduz-se, que o abandono afetivo configura de maneira unânime uma conduta moralmente reprovável, com repercussão jurídica, aferível pela realização de estudos sociais.

6.1 DA DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR c/c REPARAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO

Conclui-se do sistema normativo e social que o abandono afetivo dos pais em relação aos filhos, constitui uma conduta antiética e até mesmo um ilícito. Apesar de a lei prever, como ultima ratio, a destituição do poder familiar, como forma de punir aquele genitor e retirar o filho infante daquele meio prejudicial, tal penalidade não atinge esferas que se busca alcançar com a responsabilização civil, sendo tal pretensão justa, mesmo que concomitantemente ou após a destituição do poder familiar.

O filho retirado da esfera do poder familiar daquele(s) genitor (es) que infringiu os deveres parentais passa a ter uma nova chance, ou de ser adotado por outra família que lhe dê o esperado ou, pelo menos, de não conviver mais com tais abusos e se ver livre de um ambiente corrosivo. Mas, tais efeitos práticos são ex nunc, ou seja, só produzirão efeitos e benefícios para o infante dali para frente, tudo que este filho passou até aquele momento não tem como se reaver, ingressando neste contexto a reparação civil, por todos os danos morais suportados, pelos que tornam-se irrecuperáveis e que nem o tempo tem o condão de repará-los, e, por fim, pelos gastos que este filho poderá ter com tentativas de tratamentos psicológicos, psiquiátricos, entre outros.

A destituição do poder familiar traz o distanciamento do genitor que está agindo nocivamente, trazendo prejuízos à formação do filho, extinguindo o poder familiar entre eles, mas não traz uma reparação pelos danos já causados, não salva o filho da falta de afeto e suas consequências na fase da vida em que está em formação, muito pelo contrário, os índices de crianças que não conseguem ser adotadas no Brasil são grandes, e a criança institucionalizada, na maioria expressiva das vezes, nunca terá a o afeto que precisa. A destituição e a indenização civil, portanto, tutelam bens diferentes, podendo coexistir. Não bastando a destituição do poder familiar para coibir, nem tutelar todo o dano causado, toda irresponsabilidade parental, carecendo e fazendo jus a o filho abandonado de mais.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VESENTINI, Cíntia. Responsabilidade parental: abandono afetivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3949, 24 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27826. Acesso em: 26 abr. 2024.

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