4. Conclusão
Ante todo o exposto, fica claro que é preciso reconhecer a existência de um microssistema normativo da reforma agrária e que seus institutos não podem ser interpretados a partir de parâmetros da processualística ordinária. As previsões do rito sumário, da imissão prévia na posse, do caráter preferencial e prejudicial da ação de desapropriação, são evidências de que o ordenamento jurídico fez uma ponderação de interesses em favor da destinação imediata de imóveis rurais descumpridores da função social, para a reforma agrária. É evidente que tal raciocínio não afasta o direito de acesso ao Judiciário que cabe aos proprietários, mas tal direito não pode implicar a paralisação abrupta da política pública estatal, como também não pode significar a concessão de nova chance para tornar o imóvel produtivo. Neste sentido, os atos expropriatórios só podem ser anulados se for demonstrado qualquer tipo de vício nulificante. Alterações posteriores no estado do imóvel não podem levar à invalidação da desapropriação, sob pena de se subverter a ordem jurídica. Os proprietários rurais submetidos à desapropriação-sanção não podem receber um tratamento privilegiado, escapando a regras processuais comuns a todos os demais atores jurídicos, pelo simples fato de terem seu direito de propriedade submetidos a restrição estatal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALFONSIN, Jacques Távora. O ACESSO À TERRA COMO CONTEÚDO DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS À ALIMENTAÇÃO E À MORADA. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 190
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Edições Podivm, 2007, p. 179
MASSUQUETO, Josely Trevisan, Comentário ao artigo 6º. In: Lei 8.629/93 comentado por Procuradores Federais. Org.Gilda Diniz dos Santos. Brasília: INCRA, 2011.p. 94
PUBLICAÇÕES DA ESCOLA DA AGU. Lei Complementar 76/93 comentada pela PFE/INCRA – Escola da Advocacia-Geral da União Ministro Victor Nunes Leal, Ano IV, n.º 20, Brasília: EAGU, 2012, p. 09
RECENA, Eliane de Albuquerque. apud TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO. 2ª Turma. Apelação Cível n.º 441897/PE. Relator: Desembargador Federal Francisco Barros Dias. Decisão unânime. Recife, 08.09.2009. DJ de 17.09.2009. Disponível em < http://www.trf5.jus.br/archive/2009/09/200583000053853_20090917.pdf>. Acesso em 19.02.2013
SILVA, Bruno Rodrigues Arruda e. NOTA TÉCNICA/CGA/PFE/INCRA/N.º 03/2009. In. SANTOS, Gilda Diniz dos (Org). Lei 8629/93 comentada por procuradores federais: uma contribuição da PFE/INCRA para o fortalecimento da reforma agrária e do direito agrário autônomo. Brasília: INCRA, 2011, pp. 280/299
Notas
1 “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. IMISSÃO NA POSSE. AÇÃO DECLARATÓRIA.
1. Havendo ação em curso para o fim específico de ser declarado como produtivo imóvel
desapropriado para fins de reforma agrária, inexiste direito líquido e certo do INCRA de se apossar, previamente, do bem, mediante o depósito de quantia apurada em procedimento avaliatório.
2. Aplicação do art. 265, IV, "a", do CPC.
3. Interpretação sistêmica da legislação aplicável à reforma agrária, que harmoniza-se com os princípios constitucionais que impõem respeito aos direitos e garantias da cidadania.
4. Recurso ordinário improvido.” (STJ – 1ª Turma. RMS 11765/PB. Rel. Min. José Delgado. Julgado em 23.10.2000) (grifamos)
2 Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
(...)
§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.
3 A esse respeito, vide importante decisão do STF:
“O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. - O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse contexto - enquanto sanção constitucional imponível ao descumprimento da função social da propriedade - reflete importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo Estado na ordem econômica e social. - Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico- -social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade. (grifamos) (STF - Plenário. ADI 2213-MC. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 04.04.2002)
4 MASSUQUETO, Josely Trevisan, Comentário ao artigo 6º. In: Lei 8.629/93 comentado por Procuradores Federais. Org.Gilda Diniz dos Santos. Brasília: INCRA, 2011.p. 94
5 PUBLICAÇÕES DA ESCOLA DA AGU. Lei Complementar 76/93 comentada pela PFE/INCRA – Escola da Advocacia-Geral da União Ministro Victor Nunes Leal, Ano IV, n.º 20, Brasília: EAGU, 2012, p. 09
6 ALFONSIN, Jacques Távora. O ACESSO À TERRA COMO CONTEÚDO DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS À ALIMENTAÇÃO E À MORADA. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 190
7 “Art. 18. As ações concernentes à desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, têm caráter preferencial e prejudicial em relação a outras ações referentes ao imóvel expropriando, e independem do pagamento de preparo ou de emolumentos.” (LC 76/93) (grifamos)
8 Cf SILVA, Bruno Rodrigues Arruda e. NOTA TÉCNICA/CGA/PFE/INCRA/N.º 03/2009. In. SANTOS, Gilda Diniz dos (Org). Lei 8629/93 comentada por procuradores federais: uma contribuição da PFE/INCRA para o fortalecimento da reforma agrária e do direito agrário autônomo. Brasília: INCRA, 2011, pp. 280/299.
9 “Art. 182. (...)
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.” (CF/88) (grifos do autor)
10 RECENA, Eliane de Albuquerque. apud TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO. 2ª Turma. Apelação Cível n.º 441897/PE. Relator: Desembargador Federal Francisco Barros Dias. Decisão unânime. Recife, 08.09.2009. DJ de 17.09.2009. Disponível em < http://www.trf5.jus.br/archive/2009/09/200583000053853_20090917.pdf>. Acesso em 19.02.2013.
11 Existem as chamadas perícias indiretas, voltadas para fatos pretéritos, baseadas em rastros e pistas deixadas no tempo.
‘Há porém, certas modalidades de perícias que, por seu resíduo histórico, se aproximam da prova testemunhal, embora desta ainda nitidamente se diferenciem. São as chamadas perícias retrospectivas ou indiretas. Por meio das mesmas se faz um exame técnico dos vestígios presentes de fatos passados, para se concluir acerca da prova desses fatos. Na doutrina há dupla natureza na função do perito. O perito percipiendi, que faz a verificação dos fatos existentes, e o perito deducendi, que interpreta os vestígios de fatos passados’
Moacyr Amaral Santos bem lembra que, normalmente, a perícia recai sobre fatos permanentes e atuais, mas os fatos transitórios e pretéritos que deixem rastros e vestígios, eventualmente, podem ser examinados e reconstituídos por peritos, de forma a tornarem-se atuais para o juiz da causa.” (DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Edições Podivm, 2007, p. 179) (grifamos)