I – DELIMITAÇÃO DO TEMA
Insolvência é a situação de fato de existência de passivo superior ao valor do patrimônio do devedor.1
Poderá ser ela civil (quando o insolvente não exercer atividade empresária – procedimento contemplado nos arts. 748/786-A do CPC) ou empresarial, situação em que a matéria será regulada pela lei de Falências e Recuperações Judiciais (lei 11.101/2005), ou ainda, pelo procedimento de liquidação extrajudicial (lei 6024/74). O insolvente empresário que não consiga exercer com sucesso uma forma de recuperar e garantir a manutenção do empreendimento será reputado falido.
Tais conceitos possuem íntima vinculação tanto com o Direito Material, quanto com o Direito Processual do Trabalho, pois a satisfação dos créditos de natureza alimentar/trabalhista representa a efetiva concretização da prestação jurisdicional obtida em abstrato, se possível, produzindo “a mesma situação que existiria se a lei não fosse descumprida”2
Por óbvio a satisfação mencionada no parágrafo anterior será mais difícil quanto menor for a capacidade de pagamento do devedor, capacidade essa que o insolvente sabidamente não possui.
É justamente acerca das dificuldades e características que cercam a antítese “satisfação/insolvência” que versa este trabalho.
II – DOS FUNDAMENTOS DA EXECUÇÃO COLETIVA – DA IGUALDADE DOS CREDORES DE MESMA NATUREZA PERANTE O DEVEDOR (PAR CONDICIO CREDITORUM)
Em regra o sistema jurídico brasileiro prestigia a busca individual da satisfação do crédito constante em título executivo (judicial ou extrajudicial).
Todavia, caso caracterizada a insolvência do devedor a via individual será substituída pela via coletiva, seja ela a insolvência civil (arts. 748/786-A do CPC), a falência (lei 11.101/2005) ou a liquidação extrajudicial (lei 6024/74).
Tal substituição possui tripla finalidade: a) ampliar o rol dos credores a serem satisfeitos (ainda que parcialmente); b) ampliar o rol dos bens a serem usados para a satisfação patrimonial; c) impedir a realização de negócios jurídicos por aqueles que não possuem meios de cumprir suas obrigações.3
Essa coletivização possui fundamento no princípio par condicio creditorum (tratamento igualitário dos credores) e no artigo 957 do CC.4
Contudo, e em coerência ao exposto no tópico anterior, é certo que o credor trabalhista possui privilégios em relação às demais classes de credores, razão pela qual ele não pode estar sujeito aos mesmos riscos que os credores civis estão expostos, daí surgindo a primeira das particularidades objeto desse estudo: o alargamento da responsabilidade patrimonial do devedor trabalhista.
III – DA NATUREZA ALIMENTAR DO CRÉDITO TRABALHISTA – DO ALARGAMENTO DOS LIMITES DA RESPONSABILIZAÇÃO PATRIMONIAL DO DEVEDOR NO PROCESSO DO TRABALHO COMO FORMA DE EVITAR O NÃO PAGAMENTO ADVINDO DA INSOLVÊNCIA
“Trabalhar e não receber” é o maior problema daquele que coloca à disposição de outrem suas aptidões, quer sejam elas físicas ou intelectuais. No caso da relação de trabalho subordinada, tal problema se torna ainda mais complexo, dada a evidente dependência econômica do empregado em relação ao empregador.
Ciente de tal aspecto e dos riscos que envolvem qualquer atividade empresarial, o legislador trabalhista foi pioneiro ao alargar o espectro de responsabilização patrimonial para além dos rígidos limites previstos na legislação civil. Corolário do exposto reside nos institutos do grupo econômico (art. 2º, §2º da CLT)5 e da sucessão trabalhista (arts. 10 e 448 da CLT)6.
Tal expansão da responsabilidade patrimonial objetivou diminuir os drásticos efeitos que a insolvência produz em qualquer relação jurídica, sendo certo que mecanismos semelhantes passaram a ser adotados posteriormente em outros ramos do Direito (art. 28 do CDC, arts. 50, 1003, parágrafo único, 1145, 1146 e 1148 do CC, etc)7.
Além disso, construções jurisprudenciais também se mostraram importantes na tarefa de impedir a frustração do crédito por força da insuficiência patrimonial, sendo expoente dessa forma de preenchimento de lacuna normativa a Súmula 331 do TST.8
Verifica-se, pois, que tanto a interpretação teleológica quanto lógico-sistemática do ordenamento jurídico trabalhista apontam para a expansão da responsabilização patrimonial como forma de impedir os deletérios efeitos que a insolvência produz.
Todavia, nem mesmo o arsenal normativo e jurisprudencial existente é capaz de impedir a ocorrência do fato de um devedor dispor de patrimônio insuficiente à satisfação dos seus diferentes credores. Passemos ao exame de situações práticas relacionadas ao processo do trabalho relacionado ao devedor insolvente.
IV – DOS EFEITOS DA DECRETAÇÃO DA INSOLVÊNCIA/FALÊNCIA/LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL EM RELAÇÃO AO PROCESSO DO TRABALHO
A competência material da Justiça do Trabalho para a fase de conhecimento e liquidação de créditos não é afetada pela existência de quaisquer das modalidades de execução coletiva. Apenas a satisfação do crédito será concretizada perante o chamado “Juízo Universal”. Não há, pois, que se falar em suspensão do processo do trabalho em virtude da decretação da falência de uma empresa, ou ainda, pelo deferimento da recuperação judicial da sociedade empresária.
Essa é a dicção expressa do artigo 6º, parágrafos 1º, 2º e 7º da lei 11.101/2005.9
Todavia, há expressiva corrente jurisprudencial em sentido contrário, ou seja, que crédito trabalhista pode ter até mesmo sua satisfação perante a Justiça do Trabalho, não se sujeitando, por conseguinte, à execução coletiva:
“Massa falida – Execução Trabalhista – Competência da Justiça do Trabalho – A execução trabalhista não está submetida ao juízo universal da falência. A competência é da justiça do trabalho. Os fundamentos legais para esse entendimento são os seguintes: primeiro, o art. 114 da Constituição da República, ao estabelecer a competência da Justiça do Trabalho, não faz nenhuma ressalva quanto à falência, ao contrário, diz que essa competência abrange os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças; segundo, o art. 877, da CLT, dispõe de forma expressa a competência do juiz ou presidente do tribunal para a execução das decisões que tiver conciliado ou julgado originariamente o dissídio; terceiro, o art. 24, § 2º, I, do DL n. 7.661/45, diz que não estão submetidos ao juízo falimentar as ações e execuções dos credores por título não sujeito a rateio, do que é exemplo os créditos de natureza trabalhista, por força do que diz o art. 186, do Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/66), que gozam de um super privilégio. Por último, a Lei 6830/80, por disposição expressa do art. 889, da CLT, tem aplicação no processo de execução trabalhista e o art. 29 dessa Lei, diz de modo claro que a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento”10
Entendimentos esses referendados pela Orientação Jurisprudencial nº 143 da SDI 1 do TST:
"EMPRESA EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. EXECUÇÃO. CRÉDITOS TRABALHISTAS. LEI Nº 6024/74. (Inserida em 27.11.98). A execução trabalhista deve prosseguir na Justiça do Trabalho mesmo após a decretação da liquidação extrajudicial. Lei 6.830/80, arts. 5º e 29º, aplicados supletivamente (CLT, ART. 889 E CF/1988, art. 114)."
Contudo, relativamente à fase de execução, filiamo-nos ao entendimento contrário, ou seja, aquele que determina a suspensão da execução movida em face do falido:
EMENTA: LEI 11.101/05 - LEITURA CONJUNTA E SISTEMÁTICA DO ARTIGO 6º C/C ARTIGO 52, INCISO III - SUSPENSÃO DOS FEITOS EM CURSO - INAPLICABILIDADE ÀS AÇÕES TRABALHISTAS EM FASE COGNITIVA, PREMATURA. Segundo ditames do artigo 6º, da Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, a decretação da falência, ou o processamento da recuperação judicial, suspende não só o curso da prescrição, como de "todas as ações e execuções em face do devedor (...)". Não obstante, do correlato artigo 52, inciso II, emerge patente a inaplicabilidade do disposto às demandas trabalhistas ainda em cognitiva fase, prematuras e cujo seguimento regular nada tem de ilegal, tampouco representa qualquer vulneração, nem dos direitos dos demais credores, tampouco do devedor. A salvaguarda ao seguimento normal das demandas que, em última e subjacente análise visam, em seu âmago, a satisfação de direito de caráter alimentar, é inclusive literal: "(...) ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º desta Lei (...)" disciplinando, por seu turno, o § 2º do artigo 6º em discussão, o permissivo atinente às ações de natureza trabalhista, "até a apuração do respectivo crédito". O que se conclui, então, numa leitura comparativa, conjunta, em interpretação sistemática como deve ser, é que a força atrativa do juízo universal - no que não difere, substancialmente, do antes consagrado pela revogada Lei de Falências - não alcança os processos trabalhistas em fase de conhecimento, subsistindo a competência desta Especializada para apreciar e julgar as reclamações ajuizadas em face da empresa falida, ex vi, ainda, da Súmula n. 227, do E. STF, atingindo, portanto, o efeito suspensivo disciplinado, apenas os feitos onde já iniciada a execução - ou em vias de - contra a empresa em recuperação judicial, assim como em face da massa falida, se já autorizada aquela, ou decretada essa. Portanto, ante o consignado no artigo 768 da Consolidação, por analogia, a execução seguirá os ditames da CLT até que o crédito seja liquidado (do mesmo modo que se fazia ao tempo da antiga Lei de Falência (artigo 24, §2º, II, do Decreto-lei n. 7.661/45), revogada pelo artigo 200 da Lei n. 11.101/2005) e, a partir daí, é que prosseguirá perante o juízo competente, mediante a devida habilitação ou inscrição no quadro-geral de credores (TRT/3ª Região – PROC: RO – 01443.2007.023.03.00-0 - Quarta Turma - DECISÃO: 05 11 2008 – Desembargador Relator: JÚLIO BERNARDO DO CARMO)11
Oportuno esclarecer, conforme melhor especificado em tópico subsequente, que a suspensão da execução diz respeito APENAS AO FALIDO, razão pela qual a busca patrimonial de terceiros eventuais responsáveis pode continuar a ser feita perante a Justiça do Trabalho.
V – DA POSSIBILIDADE DE SATISFAÇÃO DA EXECUÇÃO PERANTE A JUSTIÇA DO TRABALHO PARALELAMENTE À HABILITAÇÃO DO CRÉDITO EM EXECUÇÃO COLETIVA – DO CANCELAMENTO DA SÚMULA 205 DO TST – DA APLICAÇÃO DO ART. 275, PARÁGRAFO ÚNICO DO CC
Conforme exposto no tópico anterior, as reclamações trabalhistas não se suspendem pela superveniência da recuperação judicial, falência ou insolvência civil, devendo ter seu normal prosseguimento até que se proceda à liquidação do crédito.
Tal entendimento advém da aplicação conjunta da lei 11.101/2005 com o princípio par condicio creditorum.
Todavia, tal suspensão deve ser interpretada de forma restritiva, ou seja, deve somente atingir a execução dirigida em face do falido, não prejudicando medidas a serem adotadas na busca de patrimônio de eventuais outros devedores solidários, ainda que estes não tenham figurado no título executivo judicial.
Fundamenta-se o entendimento ora defendido no seguinte raciocínio: a) o grupo de empresas é considerado empregador único (Súmula 129 do TST) e seus integrantes respondem solidariamente pelo adimplemento de créditos trabalhistas (art. 2º, §2º da CLT); b) havendo solidariedade, poderá o credor acionar um, alguns ou todos os devedores solidários;12 c) a notória dificuldade de detecção de manobras societárias destinadas a dificultar o recebimento de um crédito muitas vezes só é detectada após a verificação do estado de insolvência do devedor originário; d) o cancelamento da Súmula 205 do TST13 possibilita interpretação contrária àquela contemplada no referido verbete.
O raciocínio acima exposto encontra respaldo doutrinário14 e jurisprudencial:
“Preliminar – Da nulidade processual. O fato de a empresa integrante do grupo econômico não ter participado do processo de conhecimento não impede sua inclusão na fase de execução. Tanto é assim, que a Súmula n. 205 do C. TST, que entendia em sentido contrário, foi cancelada.
(...)
MÉRITO
EMPRESA INTEGRANTE DE GRUPO ECONÔMICO. Constituição de grupo econômico comprovada por prova documental. Admite-se na melhor doutrina, a existência do grupo econômico, ainda que não haja hierarquia organizacional, mesmo que determinadas empresas não estejam sob o comando de uma outra, bastando que haja coordenação entre elas. No caso em pauta, o sócio que integrava o quadro societário da MASTERBUS TRANSPORTES, a empregadora, quando do contrato de trabalho do agravado, também integra o quadro societário da ora agravante. Mantenho.
Da existência do Juízo universal
A existência de grupo econômico implica responsabilidade solidária de todos os seus componentes, sendo totalmente descabido sujeitar o exequente ao infindável processo de arrecadação de bens no juízo universal falimentar em virtude da falência de um dos componentes do grupo. Há de se ter em conta que, dentre os direitos fundamentais do cidadão, se encontram os princípios da razoável duração do processo e da celeridade de sua tramitação, disposições contidas no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.
AGRAVO DE PETIÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.”15
Fundamental ressaltar que em respeito à probidade, à vedação ao enriquecimento sem causa, ou ainda, à boa-fé que deve nortear todas as relações jurídicas, ficará o credor obrigado a noticiar ao Juízo Universal o recebimento do crédito, sob pena de se sujeitar, em caso de pagamento indevido, à devolução em dobro prevista no artigo 940 do CC, sem prejuízo de eventuais outros danos causados à massa Falida.
VI – DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – DA POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO EM FACE DO SÓCIOS DESPROVIDOS DE RESPONSABILIDADE ILIMITADA – APLICAÇÃO DO ARTIGO 81 DA LEI 11.101/2005
A execução trabalhista também pode prosseguir na busca de bens particulares dos sócios integrantes da sociedade insolvente, bastando, para tanto, que o credor demonstre a presença dos requisitos contemplados no artigo 50 do CC, demonstração essa que pode ser feita no curso da fase de execução, pois ausente qualquer indicação do momento processual em que se faz necessário o pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
Acolhida a desconsideração, basta ao credor verificar se os sócios atingidos pela medida são limitada (regra) ou ilimitadamente responsáveis (exceção) pelas dívidas contraídas pela sociedade. Essa distinção tem relevância na medida em que o artigo 81 da lei 11.101/2005 dispõe que “a decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem.”
Segundo Fabio Ulhoa Coelho16, são ilimitadamente responsáveis os sócios de sociedade em nome coletivo, comandita simples (em relação ao comanditado) e por ações (em relação ao acionista-diretor). Logo, todas as demais espécies de sócios estariam “livres” para ser atingidas pela execução trabalhista, pois não seriam tecnicamente falidos.17
Evidente que tal manobra encontrará forte resistência dos sócios que venham a ter seus patrimônios vinculados à execução trabalhista, sobretudo por entenderem ser da Justiça Comum a competência material para decidir questões vinculadas às obrigações deixadas pela massa. Felizmente, esse não foi o entendimento do STJ ao apreciar a matéria em conflito de competência:
“AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CORREÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS. IMPOSSIBILIDADE. EXECUÇÃO TRABALHISTA. FALÊNCIA DA EXECUTADA. BENS DOS SÓCIOS.
(...)
2. O juízo da execução trabalhista deve observar a competência exclusiva e absoluta do juízo falimentar quando o exeqüente perseguir patrimônio da massa
falida (arrecadado ou a arrecadar). Esse fato não o impede, porém, de autorizar, nas hipóteses legais, constrições sobre bens estranhos à massa como são, de ordinário, os bens dos sócios de responsabilidade limitada.
3. Essa regra vale especialmente quando tais sócios são demandados, em nome próprio, juntamente com a falida, na reclamação trabalhista, e contra eles é direcionada a pretensão do exeqüente. Nessa situação, a suspensão automática decorrente da decretação da falência não atinge todas as partes reclamadas/executadas. Atinge apenas a falida. A lide trabalhista permanece em curso em relação aos demais reclamados/executados (sócios), já que foram demandados em nome próprio.
4. Se a execução trabalhista promovida contra sociedade falida foi redirecionada para atingir bens dos sócios, não há conflito de competência entre a Justiça especializada e o juízo falimentar - eis que o patrimônio da falida quedou-se livre de constrição. Precedentes.
5. Não cabe conflito de competência quando o sócio de responsabilidade limitada da falida pretende apenas livrar seu patrimônio pessoal de medidas constritivas determinadas pelo juízo trabalhista, ainda que sob o pretexto de preservar a igualdade entre os credores habilitados na falência.”18
Evidente, pois, a possibilidade de busca patrimonial do sócio não atingido pelos efeitos da falência.
VII – DA TORMENTOSA QUESTÃO DA SUCESSÃO DO FALIDO POR FORÇA DA AQUISIÇÃO DE ATIVOS EM PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
São notórios os avanços promovidos pela lei 11.101/2005 em relação à legislação falimentar revogada (decreto 7.661/1945), em especial no tocante à ampliação de formas de composição das dívidas e dos instrumentos capazes de ensejar a continuidade da atividade empresarial.
Apesar do inegável sucesso do indigitado diploma legal, sua convivência com o Direito Material e Processual do Trabalho não tem se mostrado harmônica.
Para os que defendem a aplicação irrestrita da “nova lei”, as disposições de direito material e processual constantes na CLT devem se submeter aos ditames do que vier a ser aprovado no âmbito do procedimento de recuperação judicial. Para aqueles que advogam contra essa tese, as “modernidades” previstas no novo diploma falimentar nada mais são do que uma forma de “fraudar direitos trabalhistas”, atitude essa que não resiste à aplicação do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III da CF) e ao artigo 9º da CLT.
Além disso, há ainda a questão da competência material, cuja solução envolve não apenas aspectos técnicos, mas também de Política Judiciária, para não dizer, em última análise, aspectos de “Poder”, na mais pura acepção desta palavra.
Prevaleceu, após intensa batalha judicial, o entendimento de que compete à Justiça Comum a decisão acerca da existência (ou não) de sucessão empresarial na hipótese de aquisição de acervo no bojo de processo de falência/recuperação judicial.19
Também prevaleceu o entendimento de serem constitucionais os artigos 60 parágrafo único, 141, II e §2º da lei 11.101/2005, conforme se depreende de julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº3934/DF:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, c, E 141, II, DA LEI 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 1º, III E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE.
I - Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial.
II - Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão de créditos trabalhistas. III - Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários.
IV - Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho.
V - Ação direta julgada improcedente.”
Triunfou, portanto, o entendimento de serem constitucionais as normas que estipularam não haver sucessão trabalhista para os casos de aquisição de ativos no bojo de processos de falência e/ou recuperação judicial. Prestigiou-se, desta forma, o pragmatismo dos “comercialistas”, para quem a eficácia da aquisição “em bloco” dos ativos do falido somente desperta interesse se vier desacompanhado das obrigações e dos ônus que possivelmente levaram o antigo proprietário a ter dificuldades financeiras.20
Contudo, vários autores da seara jurídica trabalhista já passaram a aceitar a idéia, por entender que a solução encontrada pela lei 11.101/2005 é “menos ruim” que as conseqüências decorrentes da total impossibilidade de venda de ativos. Nesse sentido, interessante argumentação de Marcelo Papaléo Souza, Juiz do Trabalho do TRT da 4ª Região21, para quem a antinomia normativa existente entre o artigo 60, parágrafo único e os artigos 10º e 448 da CLT foi resolvida pelo STF com fulcro no princípio da proporcionalidade. Em outras palavras, os sacrifícios decorrentes da impossibilidade de receber a integralidade dos créditos do “sucessor” justificam a manutenção parcial de empregos e a obtenção de maiores recursos para a comunidade de credores abrangidos pela execução coletiva.
Mesmo assim, há, ainda, na Justiça do Trabalho, quem continue a resistir a tal interpretação, reputando que a especificidade dos artigos 10 e 448 da CLT suplanta a permissividade do artigo 60, parágrafo único e artigo 141, II da lei 11.101/2005.22
Vale esclarecer que a sucessão prestigiada pela lei 11.101/2005 não se restringe à impossibilidade de cobrança de eventuais créditos trabalhistas, valendo, também para as hipóteses de alteração não benéfica do contrato de trabalho.
Essa é a exegese do §2º do art. 141 da lei 11.101/2005, dispositivo que teria revogado as exigências do artigo 468 da CLT, possibilitando que o adquirente da unidade produtiva pactue com os empregados nela lotados “novos contratos de trabalho”, desvinculados dos direitos e exigências constantes do contrato anterior.23