23 Cargo de Professor. Dedicação Exclusiva. Acumulo. Proibição. Crítica.
A jurisprudência tem assentado que o professor submetido ao regime de dedicação exclusiva é impedido de exercer outra atividade remunerada.
O que seria o regime de dedicação exclusiva?
Poderíamos ter três ideias sobre o tema: a) a de que significaria que o servidor não poderia ter qualquer outro cargo, emprego ou função pública; b) a de que o servidor deve ficar a disposição da Administração, ainda que ultrapasse a carga horária de quarenta horas semanais; c) a de que o servidor deve ficar a disposição até o limite quarenta horas semanais (posição que adotamos).
A primeira ideia configuraria prisão funcional do servidor e lesão à garantia do exercício da profissão, ou mesmo da viabilidade constitucional de acúmulo. Dessa forma, nos casos permitidos constitucionalmente, como do cargo de professor, se concluir que a dedicação exclusiva proibiria o direito ao acúmulo garantido constitucionalmente é o mesmo que dizer que há incoerência no sistema. Como se pode permitir e não permitir ao mesmo tempo?
Se a ideia for a de que o servidor ficará a disposição da Administração, ainda que ultrapassasse a carga horária de quarenta horas semanais, diríamos que há algo errado, pois proíbe-se, em um mesmo cargo, jornada superior a quarenta horas. Se ultrapassar, a dedicação exclusiva deverá compreender as horas extras a que fizerem jus os servidores. Diante tal fato, não poderíamos aceitar a jornada superior, num mesmo cargo, a quarenta horas semanais.
Adotamos o terceiro posicionamento pela limitação máxima estipulada de quarenta horas semanais para o exercício de cargo público. Para nós, a denominada dedicação exclusiva limita-se às quarenta horas semanais.
A dedicação exclusiva, para nós, diferencia-se do contrato exclusivo, que se refere à impossibilidade de o professor, por exemplo, não poder contratar com outra instituição de ensino.
Se esse for o posicionamento adotado, infelizmente e efetivamente o professor ficaria limitado ao vínculo e, logo, não poderia exercer outro cargo ou emprego de professor.
Vejamos:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. REGIME DE TRABALHO. DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. EXERCÍCIO DE OUTRA ATIVIDADE REMUNERADA. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ AFASTADA. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. ART. 46 DA LEI N.º 8.112/90. APELAÇÃO PROVIDA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. Nos termos do Decreto n° 94.664, de 23 de julho de 1987, que aprovou o Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos, de que trata a Lei nº 7.596, de 10 de abril de 1987, o professor de carreira do Magistério de 1º e 2º Graus, submetido ao regime de dedicação exclusiva, é impedido de exercer outra atividade remunerada, seja ela pública ou privada. 2. Caso contrário, haverá desrespeito à norma contratual de dedicação exclusiva a que se submeteu espontaneamente. Não se trata de proibição de acumulação de cargos, prevista no art. 37, XVI, da Constituição Federal, mas de impedimento funcional legalmente previsto. 3. Reconhecida como ilegal a acumulação de cargo de magistério, sob o regime de dedicação exclusiva, com outro vínculo empregatício, é devida a reposição ao erário dos valores percebidos indevidamente, é o que determina o art. 46 da Lei nº 8.112/90. Precedentes. 4. Apelação da União e remessa oficial providas para denegar a segurança.
O art. 14, I, do Decreto nº 94.664/87, estabelece, que o professor de carreira do Magistério será submetido a um dos seguintes regimes de trabalho: I – dedicação exclusiva, com obrigação de prestar 40 (quarenta) horas semanais de trabalho em 2 (dois) turnos diários, completos e impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada.
Somos totalmente contrários a essa decisão tendo em vista que são atos infraconstitucionais e infralegais que estão fazendo ressalvas e exceções não determinadas constitucionalmente. Se adotarmos tal posicionamento, abriremos ao legislador ou ao executivo a feitura de atos normativos que elenquem outras exceções constitucionais de proibição e permissão de acúmulo. Sem contar na burla à questão da jornada máxima permitida de quarenta horas por cargo. Não entendemos como ato infralegal inferior e anterior á Constituição pode prevalecer sobre o permissivo estabelecido no inciso XVI do art. 37 da Lei Fundamental.
24.Cumulação. Professor e Procurador de Estado. Possibilidade
Interessante decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que possibilitou o acúmulo dos cargos de Procurador do Estado e de Professor Universitário, ambos com a jornada de quarenta horas semanais. Vejamos:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. PÚBLICOS. PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E PROCURADOR DO ESTADO. POSSIBILIDADE CONDICIONADA À COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. ART. 37, XVI DA CF C/C ART. 118, §2°, DA LEI 8.112/90. SENTENÇA MANTIDA. I. Posse no cargo de Professor Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, submetido à jornada de 40 horas semanais acumulando-o com o cargo de Procurador do Estado, de natureza técnico-científica, com a mesma jornada de trabalho. II. Não havendo norma legal regulamentando a carga horária passível de acumulação, não pode a garantia constitucional ser afastada por mera interpretação da Administração, em parecer interno. III. A acumulação de cargos públicos é condicionada à compatibilidade de horários, nos termos do art. 37, XVI da CF e do art. 118, § 2°, da Lei 8.112/90, aplicável no âmbito federal. IV. Fixado o fundamento do ato administrativo exclusivamente sobre o total da carga horária semanal, não cabe discutir ou exigir comprovação de compatibilidade de horários, aspecto não ventilado no ato administrativo impugnado. V. Comprovado, outrossim, nos autos a compatibilidade de horários. VI. Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença mantida.”
25.Acumulação ilegal e reposição ao erário
Opinativamente a reposição ao erário por acumulação ilegal somente será devida se for comprovada má-fé do servidor em devido processo legal.
O Estado não pode enriquecer em detrimento do labor do agente público que teve dispêndio de tempo e esforço físico e mental.
Assim, comprovada a boa fé e a compatibilidade de horário, não há que se falar em reposição ao erário.
Contudo, advindo a ilegalidade do acúmulo, também, do cunho subjetivo do agente, que tenha agido de má-fé, deverá haver reposição na forma estabelecida no art. 46 da Lei 8.112/90. Para isso, ressaltamos, a Administração deve comprovar a má-fé do servidor, pois esta não se presume.
O Parecer nº 145/98 da Advocacia da União corrobora nosso entendimento. No item 23 do Parecer, salientou que: “Com o objetivo maior de estabelecer rito processual permissivo da apuração deveras ágil dos casos de acumulação de cargos, o art. 1° da Lei n. 9.527, de 1997, inovou a ordem disciplinar e, no tópico relativo à acumulação (art. 133 da Lei n. 8.112), quanto ao detentor da titularidade inconstitucional de cargos, empregos e funções, dentre outros ângulos: a) facultou a escolha por um dos cargos, a fim de proporcionar a regularização da situação funcional com a agilidade desejada e independentemente da instauração de processo disciplinar; e b) silenciou no respeitante à devolução da importância percebida durante a comprovada acumulação de má fé, assim tornando-a inexigível, em face da conseqüência imediata do princípio da legalidade, que restringe a atuação do administrador público de modo a somente fazer o que a lei permite. Houve evolução legislativa no regramento do instituto, elidindo a reposição dos estipêndios pagos, às vezes por longos anos, em virtude da prestação de serviços, com o que o Estado fica impedido de locupletar-se com o trabalho de seus agentes administrativos.
26.Acúmulo de Cargos em locais distantes
A Administração deverá verificar efetivamente a assiduidade e a eficiência do servidor que cumular cargos legalmente, mas que os exerce em órgão ou entidades localizados em lugares distantes.
Em determinados entes federativos a cumulação só é permitida se os locais forem bastantes próximos, como os Municípios limítrofes.
Para nós o empecilho deve ser visto no caso concreto, verificando o prejuízo efetivamente ocasionado pela distância entre os órgãos, entidades ou entes federativos.
Ressaltamos que apesar da Lei Fundamental nada se referir à distância, poderíamos incluir esse requisito como viés da própria compatibilidade de horário.
27. Acúmulo de cargos e Lei de Improbidade
Como salientamos, em regra, a cumulação de cargos, empregos e funções é vedada. Tem-se, configurado o Princípio da Proibição da Acumulação, como regra.
Tratando-se de um princípio de natureza administrativa e arraigado constitucionalmente, poderíamos pensar que a conduta do acúmulo ilegal seria ato de improbidade administrativa, pois atentaria contra os princípios da Administração Pública e, consequentemente, seria enquadrada como ato tipificado no artigo 11, caput, da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).
Entendemos que, para se concluir pela acumulação ilegal para fins de improbidade administrativa, bem como de demissão em processo administrativo disciplinar, indispensável a comprovação da má-fé do servidor público, comprovada em devido processo legal.
O Superior Tribunal de Justiça tem verificado a efetiva prestação do serviço e a boa fé do servidor para decidir. Significa que se o servidor prestou o serviço de boa fé não há de se falar em improbidade administrativa. Dessa forma, conforme o STJ: “ Na hipótese de acumulação de cargos, se consignada a efetiva prestação de serviço público, o valor irrisório da contraprestação paga ao profissional e a boa-fé do contratado, há de se afastar a violação do art. 11 da Lei n. 8.429/1992. Isso se dá sobretudo quando as premissas fáticas do acórdão recorrido evidenciam a ocorrência de simples irregularidade e inexistência de desvio ético ou inabilitação moral para o exercício do múnus público. (Precedente: REsp 996.791/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 8.6.2010, DJe 27.4.2011.)”
Agindo de boa fé e havendo compatibilidade horário, não se pode punir o servidor com a demissão e nem por improbidade administrativa.
A solução é encontrada no art. 133 da Lei nº 8.112/90, que estabelece a notificação previa do servidor para optar entre os cargos ou mesmo pela redução da jornada com redução proporcional (em se tratando de casos cuja cumulação seja viável constitucionalmente)
O §5º, do art. 133 da Lei 8.112/90 determina que “a opção pelo servidor até o último dia de prazo para defesa configurará sua boa-fé, hipótese em que se converterá automaticamente em pedido de exoneração do outro cargo.
Dessa maneira podemos concluir o seguinte: não se configurará ato de improbidade administrativa a cumulação ilegal de boa-fé e efetivamente laborada. Conquanto a acumulação seja ilegal ferindo o princípio da legalidade e o da proibição da cumulação, improbidade não há tendo em vista não haver prejuízo ao erário nem enriquecimento ilícito. O servidor percebeu valores, mas laborou para isso.
Conclusão.
Entendo, particularmente, que a proibição da cumulatividade deve ser relacionada às fontes de custeio.
Havendo compatibilidade de horário e permissivo constitucional o servidor contribuirá para a mesma fonte e poderá perceber dois benefícios previdenciários.
Não pode ultrapassar dois proventos, duas remunerações, ou um provento e uma remuneração, vinculados a uma mesma fonte.
Desde que haja compatibilidade de horário, não vemos óbices para a aquisição de três proventos, duas de uma mesma fonte de custeio (regime próprio, por exemplo, quando permitido) e uma de outra fonte (RGPS).
Seria o exemplo de uma enfermeira que tivesse dois vínculos de vinte horas com o Estado e um vínculo privado em hospital particular de vinte horas como empregada, contratada pelo Regime Geral de Previdência Social.
Além disso, ressaltamos que a jornada máxima de sessenta horas semanais determinada em Parecer da Advocacia Geral da União não pode ter status de lei, devendo o administrador se valer de juízo valorativo de análise da eficiência nos serviços e não na carga horária. Não se pode presumir deficiência no exercício de um ou outro cargo com a mera análise objetiva de quantidade de hora.
Vejamos decisão neste sentido do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
“HEMOTERAPIA. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIO. GARANTIA CONSTITUCIONAL. [...] 3. O impetrante é servidor público da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, no cargo de Técnico em Hemoterapia, cumprindo a carga horária de 24 (vinte e quatro) horas semanais. O impetrante prestou concurso público do Hospital das Forças Armadas e foi aprovado para o cargo de Técnico em Hemoterapia, com jornada de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais, nos termos do Edital n. 1/2004 - HFA, datado de 16.09.2004. No entanto, afirma a União em seu recurso de apelação, que o Parecer GQ 145 da Advocacia Geral da União, de 30 de março de 1998, e a orientação contida no Oficio-Circular nº 10, de 26 de fevereiro de 2002, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão limitam a carga horária de trabalho no âmbito federal no total de 60 (sessenta) horas semanais. 4. Falta respaldo jurídico ao entendimento que considera ilícita a acumulação de cargos apenas por totalizarem uma jornada de trabalho superior a sessenta horas semanais. Ora, tanto a Constituição Federal, em seu art. 37, XVI, como a Lei 8.112/90, em seu art. 118, § 2°, condicionam a acumulação à compatibilidade de horários, não fazendo qualquer referência à carga horária. Nestes termos, desde que comprovada a compatibilidade de horários, como de fato ocorreu no caso em analise, não há que se falar em limitação da jornada de trabalho, sendo que entendimento contrário implicaria, sem respaldo legal, criar outro requisito para cumulação de cargos. O Parecer GQ-145 da AGU, de 30.08.98, não tem força normativa que possa preponderar sobre a garantia constitucional. Precedentes dos Tribunais Regionais Federais. 5. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF 1ª Região, AC 2005.34.00.004019-5/DF, Des. Fed. Antônio Sávio de Oliveira Chaves, Primeira Turma, e-DJF1 25.11.2008).
Dessa forma o Parecer nº GQ – 145/1998 da AGU que limitou a carga máxima semanal de labor em sessenta horas, não pode ser levado a efeito como lei, que possui a característica da abstração e generalidade, mas como parâmetro interpretativo. Ato administrativo dessa natureza não tem o condão de obrigar toda a Administração Pública. A limitação ou determinação máxima da jornada de trabalho semanal é regra que deve ser ventilada por lei de iniciativa do Poder competente e formalizada pelo devido processo legislativo. Afinal, é a observância do Princípio da Legalidade.