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A instituição da conciliação e o poder judiciário

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A Política Judiciária Nacional tem por escopo a utilização de meios alternativos, no âmbito do Poder Judiciário e sob sua fiscalização, para que haja mudança da mentalidade dos operadores do Direito e das próprias partes, visando sempre a pacificação social.

"O bom juiz não precisa julgar; sua autoridade seria bastante para conciliar os litigantes."

Carlos Drummond de Andrade

Resumo: O presente trabalho traz como objeto de estudo a aplicação dos meios alternativos de resolução de conflitos pelo Poder Judiciário, já que é fundamental a revolução na prestação jurisdicional com incentivo à cultura da pacificação. No primeiro capitulo da monografia é feito um breve estudo histórico dos conflitos, assim como os primórdios dos meios de composição, sendo que no segundo capitulo são trazidos detalhes sobre o Poder Judiciário Brasileiro importantes para os pontos teóricos posteriormente expostos. No terceiro capítulo tem inicio uma parte do trabalho mais voltada aos meios alternativos de solução de conflitos, com seus aspectos jurídicos e psicológicos, sua repercussão no mundo e nos diversos ramos do Direito. Em seguida é feita uma analise do Conselho Nacional de Justiça, do Movimento pela Conciliação e da Semana Nacional de Conciliação, assim como da Resolução nº 125. No penúltimo capítulo são ponderadas as vantagens e desvantagens das soluções alternativas de conflitos, visando uma melhor aplicação desses métodos. Por fim, a conclusão, onde a partir dos dados e conceitos anteriormente expostos se chega a síntese de que o objetivo dos meios alternativos é fazer com seja disseminada a cultura de gerenciar os conflitos e que o cidadão não terceirize tal resolução ao Estado.

Palavras-chave: Conflito, Meios alternativos de solução de controvérsias, Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça.

Sumário: INTRODUÇÃO. Cap. 1 – O CONFLITO. 1.1 Origem. 1.2. Conflitos e as formas de solução. 1.3. Meios de composição. 1.3.1. Autotutela. 1.3.2. Autocomposição. 1.3.3 Heterocomposição. Cap. 2 – PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO. 2.1. História. 2.2. Crise da Justiça. Cap. 3 – MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS. 3.1. Aspectos Jurídicos e Psicológicos. 3.1.1. Movimento de Acesso à Justiça. 3.1.2. Justiça Conciliativa X Modelo Contencioso. 3.1.3. Pacificação Social. 3.2. Direito Comparado: A solução alternativa dos conflitos pelo mundo. 3.2.1. Argentina. 3.2.2. Estados Unidos da América. 3.2.3. França. 3.2.4. Espanha. 3.2.5. Ásia. 3.2.6. Alemanha. 3.2.7. Portugal. 3.2.8. Grécia. 3.2.9. Inglaterra. 3.2.10. Itália. 3.2.11. Brasil. 3.3. Meios de resolução alternativa de conflito nos diferentes ramos do Direito. 3.3.1. Direito Público. 3.3.2. Direito de Família. 3.3.2.1. Divórcio. 3.3.2.2. Guarda dos Filhos. 3.3.2.3. Alimentos. 3.3.2.4. Pensão do ex-cônjuge. 3.3.2.5. Investigação de Paternidade. 3.3.3. Direito Internacional. 3.3.4. Direito Empresarial. 3.3.5. Direito Penal.3.3.6. Direito Civil. 3.3.7. Direito do Trabalho. Cap. 4 – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, MOVIMENTO PELA CONCILIAÇÃO E A SEMANA NACIONAL DE CONCILIAÇÃO. Cap. 5 – RESOLUÇÃO Nº 125 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.5.1. Inteligência, Centralização de serviços e Capacitação.5.2. Análise da Resolução nº 125.Cap. 6 – VANTAGENS E DESVANTAGENS DO ACESSO À JUSTIÇA POR MEIOS ALTERNATIVOS. 6.1. Vantagens. 6.2. Desvantagens. CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA. ANEXO – Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça


INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi proposto tendo em vista a importante relevância de se ter uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses que ocorrem na sociedade.

O mecanismo predominantemente utilizado pelo nosso Judiciário é o da solução adjudicada dos conflitos, que se dá por meio de sentença do juiz, gerando assim a chamada “cultura da sentença” e consequentemente um aumento da quantidade de recursos, acarretando um congestionamento nas instâncias ordinárias e também nos Tribunais Superiores e na Suprema Corte.

É lição do Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça da São Paulo e Professos-Doutor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Kazuo Watanabe que:

“O ‘princípio de acesso à justiça’, inscrito no n. XXXV do art 5º da Constituição Federal, não assegura apenas acesso formal aos órgãos judiciários, e, sim, um acesso qualificado que propicie aos indivíduos o ‘acesso à ordem jurídica justa’, no sentido de que cabe a todos que tenham qualquer problema jurídico, não necessariamente um conflito de interesses, uma atenção por parte do Poder Público, em especial do Poder Judiciário. (...) O objetivo primordial que se busca com a instituição de semelhante política pública é a solução mais adequada dos conflitos de interesses, pela participação decisiva de ambas as partes na busca do resultado que satisfaça seus interesses.”1

São patentes as transformações sofridas pelo mundo moderno, mormente nas últimas duas décadas. A globalização, a facilidade da comunicação e ampla disseminação da notícia, as transformações industriais e tecnológicas exigem rápida e efetiva solução para os conflitos de interesses. Nesse contexto, diz Maria Inês Corrêa da Cerqueira César Targa:

“(...) o aumento da litigiosidade, no Brasil, determinou o insustentável crescimento de ações judiciais, sem que, a par disso, houvesse aparelhamento adequado dos órgãos jurisdicionais já existentes e crescimento, proporcional à demanda, de seu número e de Juízes para

neles atuar. A incapacidade do Judiciário de ministrar justiça em pequeno espaço de tempo tornou-se fator de instabilidade social. Em decorrência do quadro acima descrito foi necessária a adoção de alternativas concretas à solução dos litígios. (...) Por outro lado, a autocomposição dos litígios, a solução buscada pelas partes envolvidas nos conflitos, passou a ser incentivada e também regulamentada.”2

Não é cultura do povo brasileiro a busca pelas formas de composição de conflitos, estando enraizada na nossa tradição a busca pelo Poder Judiciário. Todavia, outros países já adotam de forma costumeira as formas alternativas de solução de conflitos, implementando melhorias do desempenho do instituto, tanto na consecução de um número maior de acordos, quanto na evolução da qualidade desses acordos, acarretando a verdadeira conciliação das partes em conflitos.

A sociedade brasileira vive grandes transformações e estas têm ensejado consideráveis desigualdades entre as pessoas. As pessoas tornam-se individualistas, e a comunicação entre elas resta dificultada. Ao surgirem adversidades, antes da tentativa de resolução através do diálogo, da pacificação da controvérsia por meio da comunicação entre as pessoas, procura-se um terceiro, atribuindo-lhe a responsabilidade de decidir sobre o conflito.

Destarte, é imperioso o estabelecimento pelo próprio Poder Judiciário de uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses, estimulando e mesmo induzindo a uma ampla utilização, em nível nacional, dos meios consensuais de solução de conflitos.

Estabelecer essa política é função do Conselho Nacional de Justiça, que por sua vez, vem entendendo que lhe cabe fixar a implementação de diretrizes nacionais para nortear a atuação institucional de todos os órgãos do Poder Judiciário, tendo em vista sua unicidade.

Disso tudo, conclui-se que cabe ao Poder Judiciário, através do Conselho Nacional de Justiça, organizar os serviços de tratamento de conflitos por todos os mecanismos adequados, e não apenas por meio da adjudicação de solução estatal em processos contenciosos, cabendo-lhe em especial institucionalizar, em caráter permanente, os meios consensuais de solução de conflitos de interesses, como a mediação e a conciliação.

Desse modo, o que se pretende com a presente pesquisa é, primeiramente, mostrar a evolução legislativa pertinente às técnicas de resolução alternativa de conflitos e, após, discutir e demonstrar que diante dos princípios que regem o Direito Constitucional e o Direito Processual Civil, tais resoluções alternativas tendem a corroborar para uma justiça célere e eficaz, devendo sim, estas técnicas receberem uma proteção especial do ordenamento jurídico.


Capítulo 1 – O CONFLITO

1.1 - Origem

A palavra conflito é originada do latim conflictus. Tal instituto é inerente dos seres humanos que entram em conflitos externos, que nos primórdios era principalmente visando sua sobrevivência, e conflitos internos, que são oriundos do arquivo de conceitos, princípios e sentimentos de cada um3. Com a evolução o ser humano passou a entender suas vontades e a resolver seus próprios conflitos sem utilizar a luta armada nem a conhecida “justiça com as próprias mãos”. A busca pela paz social levou o homem a administrar o conflito e buscar formas de evitá-lo, contorna-lo e resolvê-lo, segundo Aristóteles, o homem faz justiça e busca a harmonia na terra.

Diante desse quadro, qual seria a função do Direito? Quando um dos envolvidos quer satisfazer seu interesse, porém a outra parte não permite, surge a pretensão. O Direito, então, se impõe aos desajustes e reequilibra o poder dos indivíduos, propiciando assim a pacificação social, sendo uma das maneiras mais conhecidas e desenvolvidas pelo homem. Com isso se chega à definição clássica de lide apresentada por Francesco Carnelutti: conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.

Ao longo da história diversas teorias foram desenvolvidas, como Karl Marx e suas reflexões sobre o conflito social que acabou por influenciar países como Alemanha, Inglaterra e a própria América. Recentemente, os estudos referentes ao conflito tem um enfoque sócio-psicológico, ampliando o estudo das alternativas de solução dos conflitos. O conflito não envolve apenas o aspecto jurídico, mas também sociológico, psicológico e filosófico. Para o professor da Universidade do México, Luis Octavio Vado Grajales, os meios alternativos são uma forma de resolver conflitos humanos e um tema que tem tanto a ver com o Direito quanto com a Psicologia4.

A interdisciplinaridade considera os fenômenos a partir de uma visão holística, e teve início na França em 1970 através da proposta de um rompimento das especificações e do enfoque limitado a um ou poucos prismas do objeto a ser analisado, proporcionando, assim, uma evolução da Ciência de uma forma geral.

1.2 – Conflitos e as formas de solução

Os conflitos podem, a primeira vista, serem considerados como situações negativas, porém como definiu Deutsch Morton:

“O conflito é simplesmente a manifestação ou instrumento de mudanças. Reflete o período transacional entre tipos de cultura e a derrocada de normas e valores cristalizados; constitui um conjunto de fases de cristalização e desintegração de congruências entre expectativas e gratificações; é um processo político através do qual um status quo é testado ou alterado; ou constitui um fenômeno cíclico.”

O conflito é fator de conhecimento e evolução. Existem dificuldades inerentes dos conflitos como os fatores pessoais e psíquicos que podem anteparar a atuação estatal eficaz na extinção das controvérsias.

Conforme Jandt5, a disputa tem como principais funções:

  1. estabelecer os limites dos grupos na medida em que fortalece a coesão e a separatividade;

  2. reduz a tensão e permite a manutenção da interação social sob pressão;

  3. clareia objetivos;

  4. resulta no estabelecimento de normas;

  5. sem ele, as relações se acomodam e resultam em subordinação ao invés de entendimento.

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Ainda podemos dividir a grosso modo os benefícios do conflito em duas esferas. Na pessoal, serve como estímulo do processo de autoconhecimento do homem. Já na esfera social o benefício é ainda maior, pois ajuda na criação e reutilização das leis. Entretanto, o conflito pode se tornar nocivo quando os meios para resolução destes são errôneos.

Para o Desembargador Marco Aurélio Gastaldi Buzzi:

“sistemas próprios para solução de conflitos menos complexos, de contendas mais singelas, põem ser contemplados desde remotos períodos da nossa história até a atualidade, assim está na passagem bíblica de Jacó e Labão, bem como nos encargos atribuídos a Moisés, na destacada valorização que os Romanos davam à conciliação, observando a edificação do templo dedicado à deusa Concórdia sempre ao lado do prédio do Fórum, bem assim colhem-se notícias entre os povos chineses, persas, helênicos, cartagineses, germanos, anglo-saxões, indo-europeus, até os nossos dias, valendo citar o modelo de solução de controvérsias adota pelos pragmáticos Mongóis, temíveis guerreiros das estepes, conhecidos pelo grande poder de mobilidade, os quais, ante querelas internas, observavam as deliberações adotadas pelo Kurultai, pequeno conselho formado por voluntários, dotados de formação, e de oficiais dos exércitos.”6

O processo judicial clássico é uma das mais importantes conquistas do Estado Democrático de Direito, todavia, os conflitos simples podem e devem ser resolvidos de modo também simples, valendo-se dos meios alternativos de solução de conflitos como negociação, mediação, conciliação etc, já que a decisão judicial abafa o conflito por um decisão coercitiva, concluindo o processo chamado de “intramuros” por Eliana Riberti Nazareth7, mas não modifica significativamente a sociedade para que possa evoluir.

1.3 – Meios de composição

Importante analisar os mecanismos de composição de forma detalhada para que sejam aplicados de forma eficiente conforma cada conflito social.

1.3.1 – Autotutela

Neste mecanismo a disputa é solucionada pelas próprias partes. Segundo Moacyr dos Santos, “é a forma primitiva, e ainda não totalmente extinta, de solução dos conflitos de interesses individuais ou coletivos.”8 Seria a conhecida e mal vista “justiça com a próprias mãos” que por ser a primeira forma de solução encontrada pelo homem é considerada primitiva, pois não causa o efeito de justiça mas sim de subordinação entre o mais forte e o mais fraco. Segundo Chiovenda a autotutela é uma atividade “meramente privada, movida por impulsos e intenções particulares e egoísticos, embora consentidos e moderados pelo Estado”9.

1.3.2 – Autocomposição

Conforme Ada Pellegrini Grinover durante um longo período, a heterocomposição e a autocomposição foram considerados instrumentos próprios das sociedades primitivas e tribais, enquanto o “processo” jurisdicional representava insuperável conquista da civilização, ressurge hoje o interesse pelas vias alternativas ao processo, capazes de evita-lo ou encurta-lo, conquanto não o excluam necessariamente10.

A autocomposição é uma das formas de resolução de conflito em que as partes buscam a solução conciliativa através de uma “multiplicidade de instrumentos”11, e o terceiro atua apenas como auxiliador das partes. A busca pelo consenso e pelos meios alternativos de solução de conflitos é a tônica do Poder Judiciário uma vez que é extremamente vantajoso que as partes se comuniquem e conjuntamente superem não só o litígio, mas também restabeleçam a relação pessoal ou profissional.

Como preceitua Rodolfo de Camargo Mancuso, a autocomposição pode manifestar-se “no plano pré-processual ou no plano judiciário, conciliando-se as partes”12. A autocomposição se divide basicamente na composição feita pelas partes, sem a intervenção de um terceiro, chamada de autocomposição direta, que se divide em negociação e transação. Temos a autocomposição mediada ou assistida que se aquinhoa na composição em que as partes são auxiliadas por um facilitador neutro, ou seja, que não propõe alternativas, estamos diante de uma mediação, e, quando a composição tem a participação de um terceiro que interfere ativamente de forma imparcial propondo opções para a celebração do acordo, opera-se a conciliação.

A neutralidade ou a imparcialidade não são absolutas já que os terceiro tem valores pessoais que influenciarão na sua atividade, mesmo que ele se esforce para agir de modo neutro.

Alexandre Araújo Costa ressalta que a imparcialidade do terceiro não é uma exigência lógica, mas ética, somente fazendo sentido dentro de uma perspectiva que valorize a subjetividade das pessoas e que considere legítimo apenas o acordo que é realizado por uma vontade livremente expressada, o que implica a ausência de pressões externas, como ameaças, subornos ou pressões13.

Em síntese, em todas as formas de autocomposição o conflito é solucionado pelas partes e a existência do terceiro (mediador/conciliador) serve apenas como um facilitador para que as partes reorganizem suas posições sem deixarem-se levar pelas emoções.

1.3.3 – Heterocomposição

Tal mecanismo ocorre quando um terceiro, alheio ao conflito, define a solução, sendo que esta terá caráter impositivo em relação às partes.

A heterotutela se divide em duas vias: arbitragem, em que o terceiro escolhido pelas partes decide o impasse; e jurisdicional, no qual há a provocação do Poder Judiciário por uma das partes e o terceiro (autoridade estatal investida de poder coercitivo) impõe uma decisão.

Contudo, Ada Pellegrine Grinover conclui que “o instrumento de heterocomposição, embora apresente altos méritos, sendo mais adequada do que o processo para um determinado grupo de controvérsias, ainda é um método adversarial, em que a decisão é imposta as partes”14.

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Sobre a autora
Daniela Germano Moura de Quadros

Advogada - formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ganhadora do III Prêmio Conciliar é Legal do Conselho Nacional de Justiça. Pós-Graduanda em Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito - EPD

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUADROS, Daniela Germano Moura. A instituição da conciliação e o poder judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3964, 9 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28149. Acesso em: 18 abr. 2024.

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