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Fontes formais do processo administrativo e judicial

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Resumo:


  • O processo é um instrumento disponibilizado pelo Estado para solucionar conflitos de interesses na sociedade, evitando a autotutela e garantindo a ordem social.

  • As fontes do direito processual incluem a lei, o costume, a jurisprudência, os princípios gerais do direito e, em alguns casos, o negócio jurídico processual.

  • A jurisprudência e os princípios gerais do direito são fundamentais para a harmonia do ordenamento jurídico e podem influenciar a criação de normas processuais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. FONTES ABSTRATAS E FONTES CONCRETAS DO PROCESSO

É importante que se faça a distinção conceitual entre fontes abstratas e fontes concretas do processo.

Conforme sejam apreciadas em seu aspecto genérico ou particular, as fontes das normas processuais no direito brasileiro podem ser encaradas em abstrato ou em concreto.

As fontes abstratas da norma processual são as mesmas do direito em geral, ou seja, os fatos que dão a uma regra o caráter de direito positivo e obrigatório.

Por seu lado, as fontes concretas da norma processual são aquelas através das quais as fontes legislativas já examinadas em abstrato efetivamente atuam. Ex. Código de Processo Administrativo, Lei de Processo Administrativo.

É por meio das fontes concretas que as fontes abstratas são aplicadas. Aquelas são o canal de concretização destas.


6. FONTES FORMAIS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO E JUDICIAL

Preliminarmente ao estudo das fontes formais do processo administrativo, é preciso indagar a respeito da existência jurídica do processo administrativo.

O ordenamento jurídico brasileiro contemplou o instituto do processo administrativo.

Sem dúvida. A previsão da existência de um processo administrativo está na própria Constituição da República, que em seu art. 5º, LV, dispõe:

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

É importante notar que a leitura atenta do citado dispositivo constitucional revela a existência de dois tipos de processo: o judicial e o administrativo. E em ambos são assegurados o contraditório e a ampla defesa.

Imperiosa é a reprodução dos ensinamentos de Wagner Balera11, para a correta compreensão do tema:

“A litigiosidade, está definida, pela Constituição de 1988, como marco fundamental no trato da matéria atinente ao processo administrativo.

(...)

Tanto que caracterizado o litígio, outra é a dimensão do processo administrativo. Antes, exercício de função administrativa, é modo de produção de despacho por ato de autoridade própria do Estado. Depois, configurado sob a garantia do contraditório, é o instrumental que instaura ambiente processual diferente dentro no qual a controvérsia encontrará decisão jurídica.

O constituinte prefigurou novo regime jurídico para a matéria relativa ao processo administrativo.

É certo que, na Lei Fundamental de 1988, não se chegou ao extremo da ousadia que caracterizou o trato da matéria pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977.

Aquela Emenda predeterminava que se instituísse um contencioso administrativo, com atribuições jurídicas equivalentes ao primeiro grau de jurisdição.

Com aquela configuração, seria necessária a reestruturação global do sistema jurisdicional brasileiro.

Mas é indubitável que a Constituição de 1988 conferiu juridicidade especial a determinada parcela da função administrativa”.

Cabe especular, sob outra óptica, se o processo administrativo existe apenas em decorrência de previsão legal ou constitucional.

Em verdade, é instrumento ínsito um Estado Democrático de Direito.

O agigantamento do Estado com o conseqüente aumento da interferência na vida privada das pessoas, exige, naturalmente, um instrumento capaz de garantir os efetivos direitos fundamentais da pessoa humana.

Vale lembrar, a esse respeito, as lições de Celso Antonio Bandeira de Mello12:

“Diante deste fenômeno do agigantamento do Estado e, mais do que isto, do agigantamento da Administração, que passou a intervir avassaladoramente na vida de cada cidadão, a resposta adequada e natural para impedir-lhe o amesquinhamento e buscar preservar, o quanto possível, o equilíbrio entre ambos teria de ser o asseguramento da presença do administrado no circuito formativo das decisões administrativas que irão atingi-lo. Com isto também se enseja maior descortino para as atuações da Administração, pois esta agirá informada, também, pela perspectiva para avaliação mais completa do assunto que esteja em causa.

Uma vez que a “vontade” administrativa do Estado é formada na seqüência que se denomina “procedimento administrativo”, discipliná-lo é o meio idôneo para mantê-la sob controle. Assim, antes que desemboque em sua conclusão final – antes, pois, de se fazer eventualmente gravosa a alguém -, pode-se zelar por seu correto e prudente encaminhamento”.

Pode-se afirmar, então, que a existência do processo administrativo, antes mesmo de sua previsibilidade em lei, decorre do próprio direito humano de ser ouvido, uma vez que em uma verdadeira democracia não é juridicamente sustentável que o Estado interfira na vida das pessoas, impondo condicionamentos e sanções, sem antes garantir-lhes o direito de audiência e defesa. E assim, ainda que de forma rudimentar, estaremos presente de um processo administrativo.

Cumpre esclarecer que a classificação doutrinária a respeito das fontes formais do direito não é unânime. Muitos doutrinadores não aceitam a classificação da jurisprudência, os princípios gerais do direito e o negócio jurídico como fonte formal do direito.

No presente estudo demonstraremos que, em que pese a resistência de algumas correntes doutrinárias, são fontes formais do direito a lei, o costume, a jurisprudência, os princípios gerais do direito e o negócio jurídico.

E após, esse enfoque, procuraremos demonstrar se tais fontes formais podem ser consideradas fontes do direito processual.


7. A LEI

Conforme dizia Montesquieu, as leis são as relações necessárias que decorrem da natureza das coisas.

Afirma André Franco Montoro13 que “nas sociedades modernas, a lei é indiscutivelmente a mais importante das fontes formais da ordem jurídica. Ela é a forma ordinária e fundamental da expressão do direito.”.

É ela que fixa as linhas fundamentais no sistema jurídico e serve de base para a solução da maior parte dos problemas do direito.

É essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, afirma o preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Cabe ressalvar que a Lei apresenta um duplo sentido. O primeiro, compreende toda norma geral de conduta que define e disciplina as relações de fato incidentes no direito e cuja observância o poder do Estado impõe coercitivamente, como são as normas legislativas, as costumeiras e as demais, ditadas por outras fontes do direito, quando admitidas pelo legislador. O segundo, mais restritivo, que se refere à Lei em sentido próprio e formal.

A Lei, tomada em seu sentido estrito e próprio, é apenas a norma jurídica aprovada regularmente pelo Poder Legislativo.

Nesse segundo sentido, mais preciso, é a lei a norma geral de direito formulada e promulgada, por modo autêntico, pelo órgão constitucionalmente competente.

Tem aplicação aqui o princípio do devido processo legal, que adquire o aspecto do substantive due process of law, muito claramente definido por Eduardo Garcia de Enterría14:

“Quanto ao conteúdo das leis, a que o princípio da lelgalidade remete, fica também claro que não é tampouco válido qualquer conteúdo (dura lex, sed lex), não é qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas somente aqueles que se produzem ‘dentro da Constituição’ e especialmente de acordo com sua ‘vontade de valores que, com toda explicitude, expressem e, principalmente, que não atentem, mas que pelo contrário sirvam aos direitos fundamentais”.

Então, podemos definir a Lei como uma regra de direito geral, abstrata e permanente, proclamada obrigatória pela vontade da autoridade competente e expressa numa fórmula escrita.

Três elementos integram esse conceito.

1) Elemento material: que é o conteúdo da lei, expressando regra de direito geral, abstrata e permanente;

Isso significa que é uma regra estabelecida não visando uma situação individual, mas de todos os casos da mesma espécie. Ela pode ser mais ou menos geral, mas dentro de seu campo, ela se aplica igualmente a todos os casos ocorrentes.

Essa característica liga-se à finalidade da lei, que é o bem comum.

A lei disciplina uma situação jurídica abstrata, isto é, separada das circunstâncias variáveis em que ela se apresenta em cada caso concreto. Pode-se dizer que a lei é “impessoal”.

Esse caráter de impessoalidade desautoriza a produção de leis com efeitos concretos.

Mas deve se atentar para o fato de que mesmo que sejam determináveis os destinatários da lei não significa, necessariamente, que se opera individualização suficiente para tê-la por norma de efeitos concretos. Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 356/97, ARTIGOS 1º E 2º. TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO AO TRANSPORTE ESCOLAR VINCULADO À COOPERATIVA DO MUNICÍPIO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DE MULTA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DO IPVA. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E À DO DISTRITO FEDERAL. TRATAMENTO DESIGUAL A CONTRIBUINTES QUE SE ENCONTRAM NA MESMA ATIVIDADE ECONÔMICA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Norma de efeitos concretos. Impossibilidade de conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade. Alegação improcedente. O fato de serem determináveis os destinatários da lei não significa, necessariamente, que se opera individualização suficiente para tê-la por norma de efeitos concretos. Preliminar rejeitada. 2. Lei Estadual 356/97. Cancelamento de multa e isenção do pagamento do IPVA. Matéria afeta à competência dos Estados e à do Distrito Federal. Benefício fiscal concedido exclusivamente àqueles filiados à Cooperativa de Transportes Escolares do Município de Macapá. Inconstitucionalidade. A Constituição Federal outorga aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores e para conceder isenção, mas, ao mesmo tempo, proíbe o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem na mesma situação econômica. Observância aos princípios da igualdade, da isonomia e da liberdade de associação. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (STF - Tribunal Pleno - ADI 1655 / AP - Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA – J. 03/03/2004 - DJ 02-04-2004 PP-00008, EMENT VOL-02146-01 PP-00156)

Mas o Supremo Tribunal Federal não aceita o controle concentrado de lei de efeitos concretos justamente por faltar a esta o elemento da abstração e generalidade, conforme se depreende dos julgamentos abaixo transcritos:

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CONSTITUCIONAL. LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS. VINCULAÇÃO DE PERCENTUAIS A PROGRAMAS. PREVISÃO DA INCLUSÃO OBRIGATÓRIA DE INVESTIMENTOS NÃO EXECUTADOS DO ORÇAMENTO ANTERIOR NO NOVO. EFEITOS CONCRETOS. NÃO SE CONHECE DE AÇÃO QUANTO A LEI DESTA NATUREZA. SALVO QUANDO ESTABELECER NORMA GERAL E ABSTRATA. AÇÃO NÃO CONHECIDA. (STF - Tribunal Pleno - ADI 2100 / RS - Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA – j. 17/12/1999 - Publicação: DJ 01-06-2001 PP-00076 EMENT VOL-02033-02 PP-00238)

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COM EFEITO CONCRETO. LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS: Lei 10.266, de 2001. I. - Leis com efeitos concretos, assim atos administrativos em sentido material: não se admite o seu controle em abstrato, ou no controle concentrado de constitucionalidade. II. - Lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e destinatários certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado. III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida. (STF - Tribunal Pleno - ADI-MC 2484 / DF - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO – j. 19/12/2001 - Publicação DJ 14-11-2003 PP-00011 EMENT VOL-02132-13 PP-02452)

O elemento de ser permanente significa que a Lei tem continuidade no tempo e se aplica indefinidamente aos casos ocorrentes, enquanto não for revogada ou não se esgotar o tempo de sua vigência.

2) Elemento formal: a vontade do legislador.

Qual é o órgão ou autoridade competente para exercer o poder de declarar o preceito contido da lei obrigatório? Quem é o legislador?

Isso depende do regime político. Nas democracias modernas, a Constituição confere em geral o poder de legislar a uma assembléia eleita pelo povo, com a participação do Chefe do Governo.

3) Elemento instrumental: a fórmula escrita.

Por ser escrita, distingue-se a lei do “costume jurídico”.

Quando falamos no processo de produção da Lei não podemos deixar de falar à temática de sucessão de leis no tempo e à necessidade de assegurar o valor da segurança jurídica.

Consiste a segurança jurídica, ensina Jorge Reinaldo Vanossi15, “no conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida.”.

Se a lei revogada produziu efeitos em favor de um sujeito, diz-se que ela criou situação jurídica subjetiva, que poderá caracterizar-se como um direito subjetivo. Quando essa situação ocorrer, e não estivermos diante de um simples interesse, um direito condicionado ou latente, podemos dizer que o direito passou a integrar o patrimônio da pessoa.

A lei, quando trata do direito material e, portanto, disciplina os bens jurídicos apreensíveis pelo homem, possui a proteção constitucional do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico prefeito e à coisa julgada, inscritos no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República.

Mas quando trata de direito processual a disciplina é outra. As regras de processo não se constituem em direitos subjetivos públicos, porque sua essência é a de regras de conduta. Assim, eventual lei revogadora de norma processual aplica-se aos processos em curso, atingidos todos os atos processuais futuros. Os já praticados, terão sua validade verificada em função da legislação revogada, uma vez tratarem-se de atos jurídicos, em tese, perfeitos.


8. O COSTUME

O costume é a mais antiga das fontes do direito.

Grande parte dos usos e costumes das sociedades primitivas está ligada à religião. Esse estudo pode ser feito em uma obra clássica sobre a matéria, que é A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges. Esse grande historiador francês mostrou como as mais importantes regras jurídicas relativas ao patrimônio, à propriedade e ao contrato estavam ligadas a elementos de ordem religiosa, como o culto dos mortos.

Costume é a norma jurídica que resulta de uma prática geral constante e prolongada, observada com a convicção de que é juridicamente obrigatória.

Ou ainda, como ensina Vicente Ráo16, é “a regra de conduta criada espontaneamente pela consciência comum do povo, que a observa por modo constante e uniforme e sob a convicção de corresponder a uma necessidade jurídica”.

Sua principal característica é ser criado espontaneamente pela consciência comum do povo e não editada pelo poder público.

Elementos:

a) Elemento externo, ou seja, o uso. Ele precisa ser praticado por longo tempo, de forma constante e geral, aplicando-se a todos os casos compreendidos naquela espécie.

b) Elemento interno ou psicológico: é necessária a convicção de que ele é obrigatório, de que constitui uma regra ou preceito correspondente a uma necessidade jurídica.

Espécies:

  • segundo a lei;

  • na falta da lei;

  • contra a lei.

No primeiro caso, o costume é segundo à lei quando esta a ele se reporta expressamente. Ex.: O código civil de 1916 dizia que o locatário era obrigado a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar.

No segundo caso, quando intervém na falta ou na omissão da lei. Tem caráter supletivo das lacunas deixadas pela lei.

O terceiro ocorre quando o costume contraria o que dispõe a lei.

A doutrina e a jurisprudência são pacíficas em aceitar o costume segundo a lei e na falta da lei, mas é extremamente controvertida a aceitação do costume contra a lei.

A questão é saber se o costume pode ser considerado fonte das normas de processo, tendo em vista que, quando tratamos dessa matéria, estamos diante de um típico direito público.

Para responder a esse questionamento, é preciso fazer uma análise prévia de dois princípios comuns ao processo administrativo e judicial.

O primeiro, é o princípio da legalidade. Tal princípio pode ser visto a partir de dois primas, quando analisado sob a óptica de seu elemento subjetivo.

Com relação aos administrados, nossa Constituição da República garante, por meio de seu artigo 5º, V, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.

Logo, prima facie, somente a lei é que poderá impor ou restringir comportamentos processuais aos litigantes em processo.

Ninguém poderá ser compelido a adotar determinado comportamento processual sem antes conhecer as regras previamente estabelecidas, sob pena de ofensa ao valor supremo da segurança jurídica.

Pela óptica da Administração Pública, esta por sua vez, só poderá agir se a lei assim o autorizar, conforme vaticina o art. 37 do Texto Maior.

Então, a atuação processual da Administração Pública estará necessariamente jungida aos comandos normativos estabelecidos pela Lei.

Ao tratar do processo administrativo, esclarece Wagner Balera17 que aquele “é o modo de acesso de que se vale o interessado para, recorrendo ao Poder Público, obter o seu quinhão de amparo previdenciário. Tanto que acionada, à Administração cabe mobilizar, de pronto (ex officio), o instrumental formal apto a dar resposta ao pleito do beneficiário. Tudo com base nas normas legais.”.

Celso Antonio Bandeira de Melo18, ao comentar o princípio da legalidade como um princípio capital para a configuração do regime jurídico administrativo, afirma que “o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro.

Michel Stassinopoulos, em fórmula sintética e feliz, esclarece que, além de não poder atuar contra legem ou praeter legem, a Administração só pode agir secundum legem. Aliás, no mesmo sentido é a observação de Alessi, ao averbar que a função administrativa se subordina à legislativa não apenas porque a lei pode estabelecer proibições e vedações à Administração, mas também porque esta só pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriza. Afonso Rodrigues Queiró afirma que a Administração “é longa manus do legislador” e que “a atividade administrativa é atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais”.

O segundo princípio a que estão submetidos o processo judicial e administrativo é o princípio do devido processo legal.

Tecnicamente, poder-se-ia dizer que o princípio da legalidade deriva ou mesmo encontra-se inserido no princípio do devido processo legal, uma vez que a expressão “legal”, conjugada com a expressão “devido”, revela a condição jurídica de que toda norma processual deve ter sua previsão fundada na lei.

É por meio dele, que o indivíduo tem protegido, no âmbito do processo administrativo ou judicial, sua liberdade e seus bens.

Vale lembrar aqui, a lição de Alexandre de Morais19, que preleciona que “o devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).”.

Outro não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, conforme se depreende do aresto abaixo transcrito:

"Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV, do art. 5º, respectivamente. (...) Due process of law, com conteúdo substantivo — substantive due process — constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual — procedural due process — garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa." (ADI 1.511-MC, voto do Min. Carlos Velloso, DJ 06/06/03)

Mesmo naqueles processos onde o princípio da informalidade e da instrumentalidade da formas está mais presente, não se pode deixar de ter em mente o princípio do devido processo legal.

A informalidade de um procedimento, não pode, com efeito, afastar as regras processuais vigentes. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

“Conforme decidido pela Segunda Turma desta Corte, no julgamento do AI 335.076-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, unânime, DJ de 07/02/2003, o fato de os juizados especiais cíveis e criminais atenderem aos princípios da celeridade e da economia processual não pode provocar o desrespeito aos postulados da ampla defesa e do devido processo legal. No presente processo, os recorrentes ficaram impedidos de produzir prova em audiência e de inquirir a testemunha arrolada, porque não foram intimados para esse ato processual de essencial para a apuração da verdade. O dano sofrido é inquestionável, pois o pedido deduzido pela recorrida foi julgado procedente.” (RE 260.776, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 16/09/05)

Wagner Balera20, ensina que “por intermédio de esquema processual legalmente prefixado (e, por isso, devido) o Estado definirá o quantitativo de bem-estar a ser concedido (e nessa medida, devido) ao beneficiário da seguridade social”.

Posto isso, a princípio é possível afirmar que o costume não pode ser considerado fonte formal do processo administrativo ou judicial, seja porque naquele existe a obrigatoriedade da Administração Pública conduzir-se no estrito cumprimento da legalidade, seja porque neste, os administrados não podem se submeter à normas que não tenham emanado do Poder Legislativo.

No entanto, esse posicionamento não é unânime na doutrina e jurisprudência pátria.

Sem dúvida, não se pode esquecer da praxe forense ou da praxe administrativa. A doutrina não nega que o costume possa ser visto como fonte formal do direito administrativo.

A esse respeito, cabe invocar as lições de Hely Lopes Meirelles21 :

“O costume tem perdido muito de sua importância na construção do Direito, desde a Lei da Boa Razão (1769), que desautorizou seu acolhimento quando contrário à lei, até a promulgação de nosso Código Civil (1916), que declarou revogados os “usos e costumes concernentes às matérias de Direito Civil” por ele reguladas (art. 1.807). Persiste, entretanto, e com grande prestígio, no Direito Comercial, que o admite expressamente desde que secundum legem (CComercial, arts. 130 e 133).

No Direito Administrativo Brasileiro o costume exerce ainda influência, em razão da deficiência da legislação. A prática administrativa vem suprimento o texto escrito, e, sedimentada na consciência dos administradores e administrados, a praxe burocrática passa a suprir a lei, ou atua como elemento informativo da doutrina”

Vejamos um exemplo ilustrativo da jurisprudência aceitando o costume como fonte do direito administrativo:

FUNCIONÁRIO PÚBLICO MUNICIPAL – Procedimento administrativo – Portaria exoneratória – Invalidação – Necessidade – Médico – Exercício irregular de sua atividade profissional – Atendimento de pacientes particulares em dia e horário normal de trabalho na rede pública – Constatação da prática costumeira do “dia cirúrgico” por outros funcionários – Prática de um costume que pode ser errado, mas que se incorporou à rotina administrativa da prefeitura – Reconhecimento – Alegação da municipalidade de que uma irregularidade não se converte em regularidade se praticada por mais de um funcionário – Inadmissibilidade – Existência de um projeto de lei elaborado para regularizar a situação – Recurso provido. (Apelação Cível n. 339.563-5/4-00 – São Sebastião – 1ª Câmara de Direito Público – Relator: Renato Nalini – 28.3.2006 – V.U. – voto n. 10.877) MCGAS

O costume contra legem ocorre em duas situações: quando o costume simplesmente suprime a lei, que fica letra morta, ou no costume ab-rogatório, que cria uma nova regra.

Um dos problemas do reconhecimento do costume como fonte formal de formação das regras de processo, administrativo ou judicial, está justamente na falta de segurança jurídica.

A preclusão, por seu lado, pode ser um elemento impeditivo na aceitação do costume como fonte formal do processo, justamente porque a parte contrária sempre buscará seu reconhecimento como tática de atuação processual.

O costume, então, deve ser aceito como formador das regras de processo quando vier para prestigiar a boa-fé dos postulantes.

A jurisprudência, por seu lado, nos traz ricos ensinamentos a respeito da possibilidade de aplicação do costume, ou práxis judicial, como flexibilizadora e modificadora das regras de processo. Vejamos alguns exemplos:

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. PREPARO. PRAXE FORENSE EM COMARCA DO INTERIOR. REMESSA DAS CUSTAS VIA CHEQUE. RECEBIMENTO PELO CARTÓRIO ANTES DE VENCIDO O PRAZO. RECOLHIMENTO BANCÁRIO TARDIO. DESERÇÃO AFASTADA.

I. Confirmada a existência de praxe em comarca do interior do Estado, que aceitava o recebimento de custas mediante envio de cheque pelo correio, documento que chegou ao cartório muito tempo antes do término do prazo legal para o preparo, a tardia conclusão da petição ao Juízo e o intempestivo pagamento, pelo serventuário, perante a agência bancária, elidem a aplicação da pena de deserção pelo Tribunal a quo.

II. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – 4ª T. - REsp 57134 / RS – Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR - j. 10/10/2000 – Fonte: DJ 12.02.2001 p. 116, RSTJ vol. 157 p. 386).

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. COMARCA DO INTERIOR. PAGAMENTO ADMITIDO COMO PRAXE PERANTE A CONTADORIA DO JUÍZO, NO MESMO DIA DA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. DESERÇÃO AFASTADA. CPC, ART. 511. LEI N. 8.950/94.

I. Nos termos do art. 511 do CPC, na redação que lhe deu a Lei n. 8.950/94, o preparo da apelação deve ser comprovado no ato da sua interposição.

II. Caso, todavia, em que respaldada por praxe adotada em Comarca do interior do Estado do Espírito Santo, que admitia a efetivação do pagamento, desde que no mesmo dia, junto à Contadoria do Juízo, é de se relevar, excepcionalmente, a deserção aplicada pelo Tribunal a quo.

III. Recurso especial conhecido e provido, para determinar a apreciação da apelação pela Corte de 2º grau. (STJ – 4ª T. REsp 138775 / - Relator(a) Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR – J. 24/08/1999 – Fonte DJ 28.02.2000 p. 86).

Outra hipótese que a jurisprudência considera a praxe forense como fonte do direito, é a hipótese relativa aos índices de atualização monetária:

AGRAVO DITO REGIMENTAL. INDENIZAÇÃO POR CONSTRUÇÕES, NO VALOR MÉDIO DOS LAUDOS APRESENTADOS, A SER ATUALIZADO "SEGUNDO OS CRITÉRIOS ADOTADOS PELA PRAXE FORENSE".

ARESTO QUE NÃO CONTRARIA OS ARTS., 516 E 547 DO CÓDIGO CIVIL, NEM O ART. 5. DA LICC, QUE APENAS ESTABELECE REGRA PROGRAMÁTICA PARA ADEQUADA EXEGESE DAS LEIS. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STJ - 4ª T - AgRg no Ag 17380 / RS - Relator Ministro ATHOS CARNEIRO j. 18/05/1992 – Fonte DJ 08.06.1992 p. 8622).

Em outra situação, o Superior Tribunal de Justiça considerou válido o costume de remeter os autos ao Ministério Público para ser intimado de sentenças ou notificações, sendo tal praxe de observância obrigatória, sob pena de reconhecimento de nulidade do processo:

Correição parcial.

1. Decisão de tribunal que não toma conhecimento de correição, sob fundamento de inexistência de norma legal que prescreve a remessa de autos ao Ministério Público quando de intimações de sentenças ou de notificações.

2. Ministério Público. Existência de normas legais expressas (art. 800, parágrafos 2º. e 4º., do CPP) impositivas da remessa dos autos ao Ministério Público, quando das intimações, aplicáveis aos prazos dos arts. 499 e 500 e extensivas a intimação das sentenças segundo antiga praxe forense. (STJ – 5ª T. - RMS 1226 / DF - Relator(a) Ministro ASSIS TOLEDO – j. 30/10/1991 – Fonte DJ 06.04.1992 p. 4503 - LEXSTJ vol. 36 p. 310 - RSTJ vol. 43 p. 162)

Vejamos outro exemplo de como a praxe forense é capaz de criar direitos processuais às partes:

Habeas Corpus - Processo - Impetração buscando a anulação do trânsito em julgado de sentença condenatória e a devolução do prazo para apelar - Intimação da paciente, solta, sem a apresentação, pelo oficial de justiça, do "termo de recurso" - Mandado de intimação que não traz no seu bojo advertência, clara, do direito a recurso e o seu respectivo prazo - Intimação deficiente, violadora do direito à ampla defesa - Termo de recurso - Expediente não previsto na legislação processual, mas que constitui praxe forense não restrita a réu preso. (TJSP - Habeas Corpus n. 294.633-3 - São Paulo - 4ª Câmara Criminal - Relator: Passos de Freitas - 05.10.99 - V.U.).

Mais interessante é o caso ilustrado pelo julgamento da primeira turma do Superior Tribunal de Justiça, na qual o relator, além de entender que a praxe forense pode ser considerada fonte formal do direito, acaba por influenciar as modificações legislativas no Código de Processo Civil. Diz o acórdão:

AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE ADMITIU A AUTENTICAÇÃO DE PEÇAS POR DECLARAÇÃO DO ADVOGADO, CONFERINDO-LHE PRAZO NA FORMA DA NOVEL REDAÇÃO DO ART. 544 COM A DICÇÃO QUE LHE DEU A Lei 10.352/01. DEFEITO SANÁVEL. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. A JURISPRUDÊNCIA E AS FONTES FORMAIS DO DIREITO. PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE.

I - O Direito Processual Civil adota o princípio da instrumentalidade das formas à luz da constatação de que o processo é meio para a realização do direito objetivo-material. Em conseqüência, a política de nulidades do CPC é voltada para a sanação dos atos não prejudiciais aos fins de justiça de processo, repudiando o fetichismo das formas.

II - Deveras, inspirado por esse princípio e influenciado pela práxis, o legislador empreendeu reforma no § 1º do Art. 544 do CPC, permitindo ao advogado declarar autenticas a peças acostadas ao agravo.

III - Em conseqüência, é lícito, antes do julgamento do recurso, já em vigor o novel diploma, instar-se o advogado a declarar a autenticidade das peças ao invés de não conhecer do recurso por formalidade hoje repudiada por norma legal expressa.

IV - Inaplicabilidade da regra tempus regit actum, tanto mais que a jurisprudência não é fonte formal do direito, tornando-se insubsistente ao exsurgimento de novel legislação que infirme o seu conteúdo.

V - Despacho que admitiu a declaração de autenticação das peças pelo advogado.

VI - Descabe ao STJ examinar questão de natureza constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, porquanto enfrentá-la significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao colendo STF, a competência traçada para este Tribunal restringe-se unicamente à uniformização da legislação infraconstitucional.

VII - Agravo regimental desprovido. (STJ – 1ª T - AgRg no Ag 450459 / SP - Relator(a) Ministro LUIZ FUX - j. 11/03/2003 – Fonte DJ 31.03.2003 p. 158)

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Sobre o autor
Marcelo Cavaletti de Souza Cruz

Procurador Federal. Mestrando em Direito Previdenciário pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Marcelo Cavaletti Souza. Fontes formais do processo administrativo e judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3963, 8 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28182. Acesso em: 22 dez. 2024.

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