Artigo Destaque dos editores

Fontes formais do processo administrativo e judicial

Exibindo página 3 de 4
Leia nesta página:

9. A JURISPRUDÊNCIA

Em sentido estrito, jurisprudência é o conjunto uniforme e constante das decisões judiciais sobre casos semelhantes.

Com efeito, é o conjunto de decisões proferidas por um tribunal, reiteradamente e de forma a construir uma diretriz de solução para os casos futuros e iguais.

Alguns autores criticam a classificação da jurisprudência como fonte formal do direito, sob o argumento de que por mais reiterada que seja, a jurisprudência não constitui norma imperativa como fonte formal do direito positivo.

A jurisprudência administrativa integra o rol das fontes do direito diante de seu caráter eminentemente normativo.

Mas para se falar em jurisprudência administrativa é preciso que se reconheça a existência da jurisdição administrativa.

A justiça administrativa pode ser definida como um sistema de mecanismos e de formas ou processos destinados à resolução das controvérsias nascidas de relações jurídicas administrativas.

De forma geral, é possível distinguir três modelos básicos de organização, tomando-se como critério os órgãos aos quais se atribui a competência para decidir:

  • Modelo Administrativista – a decisão final dos litígios administrativos compete aos órgãos superiores da Administração ativa. Nesse sentido, entende-se que a tarefa de julgar a administração é ainda administrar.

  • Modelo Judicialista – a decisão das questões jurídicas administrativas cabe a tribunais integrados ao Poder Judiciário, sejam comuns ou especializados em razão da matéria.

  • Modelo Judiciarista ou quase-judicialista - a resolução dos litígios relativos à Administração cabe a autoridades “judiciárias”, contudo integrando órgãos administrativos independentes, alheios à orgânica dos tribunais comuns, também chamados Tribunais Administrativos.

Conforme dito no início deste trabalho a existência do processo administrativo é expressamente reconhecida por nosso ordenamento jurídico.

A idéia de que o Poder Executivo, dentro de nosso ordenamento jurídico, tem o “poder-dever” de exercer a função atípica de julgar – aplicando as normas gerais e abstratas, positivando o Direito, introduzindo no sistema jurídico outras normas, individuais e concretas com o fito e na função de dirimir situações que encerram conflitos concretos de interesses – confirma-se no próprio plano do Direito Constitucional posto.

É por meio da função estatal Executiva que o Estado revela parcela significativa de sua força, por abrigar a maior parte da máquina burocrática, tutelando os mais diferentes interesses, sobretudo o público.

A Administração atua, no mundo fenomênico, por intermédio de atos administrativos, quase sempre no bojo de processos administrativos.

O processo administrativo, por sua vez, pode ser visto como um conjunto sistemático de atos dos órgãos públicos que regulam as relações jurídicas da Administração consigo mesma, com outras entidades estatais e com os administrados, pessoas físicas e jurídicas.

E assim, inegável que as decisões emanadas da jurisdição administrativa constituem-se de fontes do direito processual.

Mas quando abordamos o tema da jurisprudência como fonte do direito, sempre nos deparamos com o problema das relações entre a jurisprudência e a lei.

Para Vicente Ráo22, a jurisprudência, “por maior que seja a influência dos precedentes judiciais, jamais eles adquirem o valor de uma norma obrigatória e universal, podendo, quando muito, propiciar reformas ou inovações legislativas, como também pode fazer a ciência jurídica.

É certo que se discute se pode ou não o juiz, no desenvolvimento de sua função interpretativa, criar normas jurídicas e exercer, dessarte, certa atividade criadora do direito. A questão assume importância maior, quando o juiz se encontra em face da lei omissa ou lacuna e, apesar disto, precisa, deve, necessariamente, julgar o caso concreto. Mas, o que é certo é que ao juiz nenhuma outra função incumbe além da de aplicar as leis existentes, que ele não pode alterar nem substituir. E se a lei apresenta lacunas ou omissões, não lhe é lícito criar novas normas, bastando socorrer-se da analogia e dos princípios gerais de direito, o que significa, em última análise, que a norma assim extraída já se achava subentendida ou admitida nas normas expressas legislativas, não se podendo qualificar, por isso, como nova norma jurídica.”.

No entanto, Miguel Reale23 discorda desse posicionamento, prelecionando que “a jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica, estabelecendo normas que não se contêm estritamente na lei, mas resultam de uma construção obtida graças à conexão de dispositivos, até então considerados separadamente, ou, ao contrário, mediante a separação de preceitos por largo tempo unidos entre si. Nessas oportunidades, o juiz compõe, para o caso concreto, uma norma que vem completar o sistema objetivo do Direito.

Mais acentuada é ainda a produção normativa da jurisprudência nos casos em que ao juiz cabe decidir por eqüidade, aplicando a norma que estabeleceria se fosse legislador, tal como se lia no tão decantado art. 114 do revogado Código de Processo Civil de 1939. A nosso ver, o juiz constitui norma para o caso concreto toda vez que houver lacuna na lei, assim como nos casos em que lhe couber julgar por eqüidade.

Criando ou não Direito novo, com base nas normas vigentes, o certo é que a jurisdição é uma das forças determinantes da experiência jurídica, tendo razão Tullio Ascarelli quando afirma que, se os precedentes jurisprudenciais não exercem, nos países de tradição romanística, o papel por eles desempenhado na experiência do common law, nem por isso é secundária a sua importância. Pode mesmo dizer-se que o seu alcance aumenta dia a dia, como decorrência da pletora legislativa e pela necessidade de ajustar as normas legais cada vez mais genéricas ou tipológicas, como modelos normativos abertos (standards) às peculiaridades das relações sociais.”.

Cabe lembrar aqui o fenômeno dos processos informais de mudança da legislação.

É certo que as leis possuem uma característica de estabilidade, uma vez que não são casuísticas.

Mas esse caráter de estabilidade não significa sua imutabilidade.

Esta pode ocorrer de suas maneiras. Pelo processo formal, que obedece ao devido processo legislativo e invoca as hipóteses e ritos de modificação da legislação.

Mas não podemos esquecer os processos informais de mudança da legislação, inclusive constitucional.

Lembra J.H. Meirelles Teixeira24 que “seria errôneo, entretanto, e mesmo ingênuo, pensar-se que as Constituições rígidas somente pudessem sofrer alterações através de técnicas jurídicas expressa e previamente estabelecidas, e que o impacto da evolução política e social somente pudesse atuar sobre elas através desses canais, e que a vida deveria necessariamente acomodar-se, em seu eterno fluxo de progresso, dobrando-se com docilidade ao sabor dessas fórmulas e apenas ao juízo de políticos e legisladores”.

As mutações constitucionais, diferentemente dos processos formais de reforma da constituição, ensina Anna Cândida da Cunha Ferraz25, consistem “na alteração, não da letra ou do texto expresso, mas do significado, do sentido e do alcance das disposições constitucionais, através ora da interpretação judicial, ora dos costumes, ora das leis, alterações essas que, em geral, se processam lentamente, e só se tornam claramente perceptíveis quando se compara o entendimento atribuído às cláusulas constitucionais em momentos diferentes, cronologicamente afastados um do outro, ou em épocas distintas e diante de circunstâncias diversas.”.

Face ao exposto, a nosso ver, a jurisprudência pode ser considerada fonte formal de produção das normas do processo administrativo e judicial.


10. OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

Os princípios gerais do direito são os fundamentos que servem de base para a criação do direito de cujas normas os referidos princípios podem ser inferidos.

São os pressupostos lógicos do ordenamento jurídico, do qual, por abstração, devem ser induzidos.

Seu caráter é de uma norma supra-estatal.

Os princípios gerais zelam pela harmonia do ordenamento jurídico.

E quando falamos em harmonia sistêmica, não podemos deixar de reproduzir as lições de Del Vecchio26:

“A harmonia das diversas partes componentes do sistema deve ser experimentada e confirmada a cada instante, aproximando-se as regras particulares entre si e relacionando-as com os princípios gerais a que se prendem. Só assim poderá o jurista compreender o espírito do sistema e observá-lo em suas aplicações particulares, evitando os erros que se produziriam se ele se contentasse em considerar, por um modo geral, apenas esta ou aquela regra em si mesma. O jurista e, especialmente, o juiz, devem tanto quanto possível, dominar e, por assim dizer, reviver o inteiro sistema, compenetrando-se de sua unidade espiritual, desde os princípios remotos e subentendidos, até as mínimas disposições de detalhe, como se fossem autores do todo”.

Para Carnelutti os princípios gerais do direito não são algo que exista fora, senão dentro do próprio direito escrito, já que derivam das normas estabelecidas. Encontram-se dentro do direito escrito como o álcool no vinho: são o espírito ou a essência da lei.

Cabe advertir que alguns autores entendem que os princípios gerais do direito não se enquadram na categoria das fontes formais do direito, mas sim como fontes materiais.

Mas o que pode ser considerado princípio geral do direito?

A esse respeito existem diversas opiniões doutrinárias. Vicente Ráo27, enumera as principais classificações:

a) os princípios gerais do direito correspondem aos do direito natural (Brunetti, Del Vecchio e outros);

b) são princípios que se equiparam aos editados pela equidade (Borsari, Giorgi etc.);

c) são os que decorrem da natureza das coisas (Geny, Espínola etc.);

d) são os de caráter universal, ditados pela ciência e pela filosofia do direito (Bianchi, Pacchioni, Beviláqua etc).

e) são, para cada povo, os resultantes de seu sistema jurídico (ex.: art. 12 do Código Civil Italiano; Fadda e Bensa, nota ao § 23, v. I, das Pandectas de Windscheid etc.).

Entendemos que quando tratamos de princípios gerais do direito como fonte formal do processo administrativo e judicial, a posição mais acertada é aquela que considera seu caráter universal.

Nesse sentido, seguimos os ensinamentos de Clóvis Beviláqua, que ao comentar a lei civil brasileira, diz: “Não se trata, como pretendem alguns, dos princípios gerais de direito nacional, mas sim, dos elementos fundamentais da cultura jurídica humana em nossos dias; das idéias e princípios sobre os quais assenta a concepção jurídica dominante; as induções e generalizações da ciência do direito e dos preceitos da técnica”.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

11. O NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL

Alguns doutrinadores entendem que o negócio jurídico processual pode ser considerado como fonte formal do direito.

No entanto, conforme lembram Antonio Carlos de Araújo e Cintra e outros28 “há na doutrina forte tendência a negar a existência dos negócios jurídicos processuais; a alegação é a de que a vontade dos sujeitos processuais não determina os efeitos do ato que praticam (os autos processuais são voluntários, mas apenas no sentido de que sua celebração depende da vontade; o sujeito processual limita-se a escolher entre praticar ou não o ato, não lhe deixando a lei margem de discricionariedade na escolha dos efeitos do ato”.

No entanto, Miguel Reale29, atento à sua teoria dos modelos jurídicos alhures citada, entende ser possível a classificação do negócio jurídico como fonte formal do direito.

“Esclarecido que a doutrina não é propriamente uma fonte do Direito, cumpre salientar a importância do poder negocial como força geradora de normas jurídicas.

Os que ministram noções básicas de Direito nem sempre dão o devido relevo a essa fonte de Direito, mesmo após terem admitido que a experiência jurídica não é disciplinada somente por normas legais ou leis, de caráter genérico, mas também por normas particulares e individualizadas'.

Entre as normas particulares, assim chamadas por só ligarem os participantes da relação jurídica, estão as normas negociais e, dentre estas, por sua fundamental importância, as normas contratuais, comumente denominadas cláusulas contratuais.

Essa espécie de normas resulta do fato de que, qualquer que seja o ordenamento jurídico vigente, será sempre necessário reconhecer, pela natureza mesma das coisas, que o homem é um ser capaz de direitos e obrigações e, notadamente, com o poder de estipular negócios para a realização de fins lícitos, graças a acordo de vontades. Mesmo nos países socialistas, que restringem a livre disponibilidade pessoal dos bens econômicos, transferindo para o Estado iniciativas antes conferidas aos indivíduos, mesmo nas Nações, em suma, onde se operou "a socialização dos bens de produção", é reconhecida uma esfera de ação privada, na qual se respeita o poder de disposição de cada ser humano.

Reconhece-se, em última análise, como uma conquista impostergável da civilização o que, técnica e tradicionalmente, se denomina autonomia da vontade, isto é, o poder que tem cada homem de ser, de agir e de omitir-se nos limites das leis em vigor, tendo por fim alcançar algo de seu interesse e que, situado no âmbito da relação jurídica, se denomina bem jurídico. Pode este ser, quanto ao conteúdo, de natureza econômica, estética, religiosa, de comodidade social, de recreação etc., pois o Direito é sincrônico com todas as formas de vida social.

Pouco importa o fato de que o poder negocial, que é uma das explicações ou exteriorizações fundamentais da autonomia da vontade, seja um poder sujeito aos limites da lei, pois um raciocínio desse tipo obrigar-nos-ia a concluir pela tese extremada segundo a qual tão-somente a lei constitucional seria fonte de Direito...

O fato é que, por assim terem livremente convencionado, homens e grupos dão nascimento a formas ou modelos jurídicos de ação, que os vinculam à prática dos direitos e deveres avençados. Essas avenças geralmente se ajustam a modelos legais previstos nos Códigos ou em leis complementares, mas nada impede que as partes constituam estruturas negociais atípicas, isto é, não correspondentes aos tipos normativos elaborados pelo legislador. Muito freqüente é, outrossim, a combinação de dois ou mais modelos normativos, bem como modificações nos esquemas consagrados nas leis, a fim de melhor atender às múltiplas e imprevistas exigências da vida contemporânea, tanto no plano interno, como no internacional.”.

A existência do negócio jurídico processual como fonte do direito estaria baseada nas normas dispositivas do direito material e processual, como por exemplo, a eleição de foro, a convenção sobre a distribuição do ônus da prova, a suspensão convencional do processo.

Dessa forma, entendemos como correta a classificação do negócio jurídico processual como fonte formal do direito processual à luz da teoria dos modelos jurídicos.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Marcelo Cavaletti de Souza Cruz

Procurador Federal. Mestrando em Direito Previdenciário pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Marcelo Cavaletti Souza. Fontes formais do processo administrativo e judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3963, 8 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28182. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos