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A ação popular constitucional

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A ação popular é um instituto de direito constitucional processual voltado a garantir a participação política do cidadão no seio da administração estatal, sendo tipicamente uma forma de realização da democracia direta.

1 Breve histórico da ação popular.

Como a grande maioria dos instrumentos jurídicos relacionados ao sistema de direito que possui por base a filiação romano-germânica, a ação popular encontra resquício de fundação no Direito Romano. Trata-se de um manejo processual legado ao cidadão não em termos uti singuli, mas sim uti universi. Ou seja, o seu respectivo autor, no litígio processual, não busca satisfazer um interesse seu, mas da coletividade.

Pela doutrina de Corrêa Telles, as ações populares são aquelas que podem ser intentadas por qualquer pessoa do povo, para conservação ou defesa das coisas públicas1. Mais ou menos com esse sentido, às vezes envolvendo interesse imediato do autor, mas sempre com fundamento em um interesse público relevante, cabia, no Direito Romano, o exercício de ação popular contra o violador de sepultura ou outra res sacrae; contra quem atirasse objetos em via pública; contra quem mantivesse, em situação de risco, objetos em sacada ou beira de telhado; contra quem adulterasse o edito do pretor; além de outras espécies2.

A marca da ação popular, desde os primórdios dos tempos jurídicos, era a necessidade de satisfação/preservação do interesse público, consoante anota José Afonso da Silva: “Sempre que houvesse um interesse público, e fosse atribuída a ação cuivis e populo, aí se configuraria a ação popular, estivesse o direito público mesclado ou confundido com o interesse privado, ou fosse simplesmente público”3.

O remédio jurídico ora tratado, como já pôde ser percebido, nunca se prestou a remediar uma satisfação meramente individual, sendo constantes os exemplos de previsões normativas em sentido justamente contrário, nas palavras de Paulo Medina:

CORRÊA TELLES apontava como exemplos de ação popular, no regime das Ordenações, o da ação que qualquer pessoa do povo podia promover contra quem houvesse usurpado terreno baldio ou iniciado construção prejudicial a um lugar público, “como a rua, rio, etc.” Da mesma natureza era a ação que a primeira Constituição brasileira, de 1824, instituía para os casos de “suborno, peita, peculato e concussão” imputados a Juízes e oficiais de justiça, com o nomen iuris específico de ação popular e que poderia “ser intentada dentro de ano e dia pelo próprio queixoso ou por qualquer do povo” (art. 157).4

Vê-se que a própria Constituição Imperial, outorgada por excelência, já continha a previsão desta modalidade processual de cunho hodiernamente democrático. Para o professor Arruda Alvim, este era o único texto legal brasileiro do século XIX em que se previa a ação popular. Tal era a sua originalidade que chegou a conviver com os textos romanos, à época vigentes no Brasil em decorrências das Ordenações5.

Numa guinada de retrocesso, a primeira Constituição republicana (1891) não previu em seu texto a ação popular. Apenas em 1934, com o advento do segundo texto constitucional da era democrática, foi que tal instrumento jurídico-processual recebeu o tratamento adequado e similar ao ora lhe declinado, precisamente em seu art. 113, inciso 386.

Nada obstante o célebre intento do legislador constitucional de 1934, a verdade é que a brevidade de duração do referido monumento jurídico acabou por suprimir as possibilidade de utilização da ação popular naquela época. Logo em seguida, com o surgimento do Estado Novo em 1937, foi tal actio novamente extirpada do cenário jurídico brasileiro, o que gerou outro retrocesso jurídico de considerável proporção.

Rodolfo de Camargo Mancuso é capaz de bem esboçar o tema:

Os pálidos encômios com que a ação popular veio recepcionada pela inteligência jurídica nacional não foram, porém, suficientes para que ela sobrevivesse ao advento do Estado Novo e assim foi que, decorridos cerca de três anos da sua fugaz existência, não resistiu ela ao tacão da ditadura que se veio a instalar, acabando suprimida na Carta outorgada em 1937.7

Em 1946, após o desfazimento do período ditatorial, o novo estatuto jurídico do poder político voltou a prever a ação popular, desta vez alargando a sua hipótese de incidência. De acordo com o art. 141, § 38, do novel texto constitucional: “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista”. Ou seja, a partir de então, os atos dos entes autárquicos e das sociedades de economia mista passaram a ser sindicáveis via o referido writ.

Quanto ao novo texto constitucional, destacou José Afonso da Silva:

Finalmente, do plenário saiu a ação popular na forma prevista no § 38 do Art. 141 da Constituição de 1946. Incluíram-se, no âmbito de controle da ação popular, também os atos lesivos ao patrimônio das autarquias e das sociedades de economia mista, o que não ocorria no regime da Constituição de 1934. Atendeu-se assim, ao processo evolutivo da Administração Pública, que, naquele tempo, se descentralizava por meio de entidades autárquicas, bem como ao fenômeno do intervencionismo estatal através de empresas públicas e das sociedades de economia mista.8

Daí até então, jamais a ação popular voltou a ser objeto de supressão constitucional. Pelo contrário, os textos de 1967, 1969 e 1988 foram responsáveis por enaltecer o caráter já amplo do referido instrumento processual, culminando com a Constituição Cidadã, a qual assegurou a tutela plena das liberdades e ampliou sobremaneira o campo de atuação do referido instituto.

É de se frisar que a ação popular está umbilicalmente ligada com a noção democrática do Estado Brasileiro, o que se verá a seguir.


2 Fundamento constitucional do instrumento processual popular: participação ativa na construção da democracia.

Como já se deixou claro nas linhas anteriores, a ação popular possui previsão expressa na dicção constitucional, precisamente no art. 5º, LXXIII, da Carta Maior. Esta catalogação foi trazida desde a Constituição Imperial, com exceção dos textos de 1981 e 1937. Simboliza a ação popular, em suma, o instrumento efetivo de participação do cidadão na fiscalização da coisa pública (inclusive da possível violação dos princípios sensíveis da Administração Pública).

Nesta senda, é claro o teor da norma mencionada no parágrafo antecedente:

Art. 5º. (...).

LXXIII – Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Segundo a lição de Fábio Medina9, a ação popular tem o destaque de não ser apenas uma forma de garantia dos direitos fundamentais, mas também, antes de tudo, importante instrumento de participação política do cidadão para a defesa do patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico-cultural. São a estes bens que se consagra a actio referenciada.

O writ disceptado tem por fundamento mais básico, no entanto, a previsão constante nos Princípios Fundamentais do atual texto constitucional, em específico o art. 1º, parágrafo único, do referido monumento jurídico10. Isso porque tal expediente processual representa uma das maneiras mais basilares pela qual o cidadão pode interferir na condução da coisa pública, mormente levando-se em consideração a sua exclusividade no que diz respeito à utilização da ação em tela.

Diz Paulo Hamilton Siqueira Júnior: “A ação popular é o instrumento de direito processual constitucional colocado à disposição do cidadão como meio para sua efetiva participação política e tem por finalidade a defesa da cidadania”11. Vê-se que o remédio jurídico tratado está umbilicalmente ligado com o sistema democrático instalado no país a partir da promulgação da Constituição Cidadã.

Quem traz essa ideia de forma cristalina é o provecto Hely Lopes Meirelles:

Ação popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contrato administrativos – ou a este equiparados – ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual ou municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos.12

De forma alguma difere das noções supraditas a intelecção de Pedro da Silva Dinamarco13, para quem trata-se a ação popular de um instituto processual civil outorgado a qualquer cidadão como garantia político-constitucional (ou remédio constitucional) para a defesa do interesse da coletividade, mediante a provocação do controle jurisdicional corretivo de atos lesivos do patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.

Não se nega, neste ensejo, que existem outros manejos processuais capazes de salvaguardar e proteger os princípios constitucionais responsáveis por reger a Administração Pública. O diferencial da ação popular, contudo, está na exclusividade de sua titularidade em favor do cidadão, o que mostra o seu elo umbilical com o princípio democrático. Diz-se isso porque tanto a Ação Civil Pública comum quanto aquela que busca reprimir o ato de improbidade administrativa são de titularidade do órgão ministerial ou dos entes afetados (ver Leis 7.347/85 e 8.429/92).

A legitimação exclusiva do cidadão para a propositura da ação popular consubstancia, no plano do Direito Constitucional, a concretização de um direito político positivo ou “um poder de natureza essencialmente política. (...). Manifestação direta da soberania popular consubstanciada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição: (...)”14, segundo José Afonso da Silva.

Na mesma toada, ensina Alexandre de Moraes:

A ação popular, juntamente com o direito de sufrágio, direito de voto em eleições, plebiscitos e referendos, e ainda a iniciativa popular da lei e o direito de organização e participação de partidos políticos, constituem formas de exercícios da soberania popular (CF, arts. 1ª e 14), pela qual, na presente hipótese, permite-se ao povo, diretamente, exercer a função fiscalizatória do Poder Público, com base no princípio da legalidade dos atos administrativos e no conceito de que as res pública (República) é patrimônio do povo.15

É de clareza solar, portanto, que o fundamento constitucional da ação popular resta encravado no princípio democrático e no da soberania popular. Como todo poder emana do povo, ente este cuja atuação se dá direta e indiretamente, ao cidadão é declinada a possibilidade de intervir no rumo da Administração Pública para fins corretivos/reparatórios, desde que verificada a hipótese de violação aos seus princípios vetores (legalidade, moralidade, etc.).


3 Objeto da ação popular.

Como se deixa pressuposto pelo próprio teor do art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal, o objetivo do manejo da ação popular é a anulação do ato administrativo capaz de violar os princípios da regularidade da administração, especialmente os encartados no art. 3716 do referido texto. Pode-se bifurcar isso da seguinte maneira: A) o objeto imediato do writ é a anulação do ato irregular; e B) o objeto mediato consiste na proteção do princípio administrativo defendido levantado como violado pelo respectivo autor da ação.

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O instrumento processual analisado pode servir para invalidar a lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. O seu objeto é o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público. Muito bem anotou Hely Lopes Meirelles: “Os direitos pleiteáveis na ação popular são de caráter cívico-administrativo, tendentes a repor a Administração nos limites da legalidade e a restaurar o patrimônio público do desfalque sofrido”17.

O que importa para o objeto da ação popular são os efeitos do ato que se intenciona anular. Assim sendo, até mesmo aquelas ações cuja volição direta do autor não sejam no sentido de lesionar o patrimônio administrativo, mas que teve tal resultado indiretamente, são sindicáveis via actio popular. A intenção do agente não importa neste aspecto. É até mesmo desimportante se a lesividade é consequência direta ou indireta da ilegalidade ou arbitrariedade. Ou seja, qualquer resquício de ato administrativo lesivo/ilegal é passível de correção pela via ora tratada.

Também importa frisar que a lesividade corrigida via ação popular prescinde do desfalque patrimonial em si, bastando que reste comprovada a ilegalidade e a malferição ao princípio constitucional da moralidade, novidade esta trazida pelo atual texto constitucional. Eis a explanação de Paulo Hamilton Siqueira Júnior:

A lesão ao patrimônio público não é apenas financeira ou econômica, admitindo-se a lesão não econômica, moral, cívica ou cultural, na medida em que o texto constitucional afirma que a ação popular visa anular também ato lesivo à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. “Enquanto a sua finalidade, no passado, era simplesmente patrimonial, visando à anulação de atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas, o constituinte de 1988 admitiu sua utilização também em relação a valores não econômicos, como a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural, mantendo-se sempre a exigência de ilegalidade. Assim, exige-se o binômio ilegalidade-lesividade para a propositura da ação, dando-se tão somente sentido mais amplo à lesividade, que pode não importar prejuízo patrimonial, mas a lesão a outros valores, protegidos pela Constituição”. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal entendeu que “para o cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem sua prática ou por se desviar dos princípios que norteiam a Administração Pública, dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, norma esta que abarca não só o patrimônio moral, o cultural e o histórico.18

Pela leitura já esboçada, percebe-se que a tutela da moralidade administrativa é a grande novidade trazida pela Constituição Federal ao tema da ação popular. Feito em total sintonia com o art. 37 da Lei Maior, o inciso que versa sobre o instrumento processual em liça estabelece claramente a necessidade de observância da moral quanto à consecução dos atos administrativos. Ações que impliquem em resultados danosos ou prejuízos ao patrimônio público, ainda que formalmente sedimentadas em Lei, podem ser sindicalizadas através da ação popular.

A moralidade administrativa não passa da regra da boa administração. É uma forma de gerenciar a coisa pública de maneira a não gerar prejuízos ou de forma que a sua utilização venha a prejudicar alguém em específico por má-fé. Segundo o francês Maurice Hariou, falando acerca dos precedentes produzidos pelo Conselho de Estado francês: “A jurisprudência anulava atos que não tinham nada de ilegalidade, mas que eram contrários à moralidade administrativa, isto é, a certas regras de boa administração, da administração orientada no sentido só do interesse público”19. A moralidade não necessariamente resta ungida com a legalidade.

Sobre a moralidade administrativa, dissertou Celso Antônio Bandeira de Mello:

(...) de acordo com ele, a administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada à invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição.20

Nesse campo, faz-se necessário lembrar a lição de José Carlos Barbosa Moreira21, o qual adverte que não basta ao autor popular a comprovação de que o ato sindicado viola tão somente a moralidade administrativa, sem que afete, por igual, qualquer tipo de norma (ainda que em sentido lato). É preciso, segundo o mencionado professor, que a sindicalização consiga conjugar no ato guerreado a imoralidade e a ilegalidade, sob pena de se cair num subjetivismo extremado e indesejado.

Para grande parte da doutrina, permitir-se que o Poder Judiciário se imiscua na sindicância de atos administrativos não eivados de ilegalidade, mas tão somente de “imoralidade”, ensejaria um agigantamento indevido da atividade fiscalizatória jurisdicional. Atos discricionários, típicos da atividade administrativa, passariam depender do crivo de um Poder não afeto a tal tipo de situação e bem menos dinâmico, o que engessaria a atividade do Poder Executivo.

Quem endossa este pensamento é o professor Fábio Medina:

As considerações precedentes em torno da moralidade administrativa, como objeto de tutela pela ação popular, já deixaram entrever a feição especial da causa petendi, nessa ação. Para a sua configuração plena, é mister que o ato impugnado, além de causar dano a um dos bens e valores que a ação visa a proteger, ofenda a letra ou o espírito de disposição legal de qualquer natureza. O binômio ilegalidade-lesividade há de estar presente, para que o ato possa ser anulado por via da ação popular. Sem que se alegue vício de legalidade, suscetível de ensejar a anulação do ato, não se configurará a primeira das condições da ação – a possibilidade jurídica do pedido – e o autor dela será julgado carecedor. Sem a efetiva ocorrência da ilegalidade invocada e a prova da lesão que dela decorra, o pedido será julgado improcedente, ressalvada, nesse último caso, a possibilidade de aplicação do disposto no art. 18 da Lei n.º 4.717/65.22

Qualquer ato administrativo pode ser sindicalizado via ação popular, mas aqueles previstos no art. 4º da Lei n.º 4.717/65 são presumivelmente ilegais/imorais.

Por último, é de bom alvitre salientar a utilização cada vez maior da ação popular para os mais diversos fins. A promoção pessoal das autoridades públicas, vedada pelo art. 37, § 1º, da Constituição Federal, já foi objeto de análise via sindicância cidadã23. Os aumentos irregulares dos subsídios de prefeitos e vice-prefeitos, realizados em dissonância do texto constitucional, também já sofreram a reprimenda via o referido writ24. Como último exemplo, pode-se citar a utilização do aludido instrumento como maneira de garantir a competitividade dos certames licitatórios25.


4 Sujeitos da relação processual.

Para a propositura da ação popular, é necessário que o indivíduo esteja em pleno gozo dos seus direitos políticos. Na dicção do texto constitucional: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe” (Constituição Federal, art. 5º, LXXIII). A prova dessa qualidade de cidadão dá-se, de acordo com o art. 1º, § 3º, da Lei n.º 4.717/65, com a exibição do título de eleitor.

Com isso, pode-se afirmar desde já que existem algumas classes de pessoas que restam incapazes de promover o remédio constitucional tratado. As pessoas jurídicas, segundo o teor do Enunciado n.º 365 da Súmula da Jurisprudência Dominante do Supremo Tribunal Federal, não podem manejar tal actio: “Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular”26. Tal posicionamento, apesar de já ter recebido algumas críticas severas da doutrina especializada27, vem sendo aplicado sem maiores perturbações28. Do mesmo modo, aqueles que perderam o vínculo jurídico com o Estado brasileiro (com a consequente perda da cidadania), nos termos do art. 12, § 4º, da Constituição Federal, e os que não podem exercer a cidadania, consoante o art. 15 também da Lei Maior, estão impossibilitados de utilizar tal instrumento jurídico.

Como inclusive realçado em item anterior, a utilização da ação popular pelo cidadão consagra a efetiva participação do mesmo na vida política ativa do Estado, pois, assim como através do voto, deste modo o popular encontra-se fiscalizando e gerindo a coisa pública, ainda que de forma externa. Sobre o tema, interessante é a lição de Paulo Hamilton Siqueira Júnior:

O exercício da cidadania configura-se como um dos desdobramentos do Estado Democrático e Social de Direito, constituindo princípio fundamental da República Federativa do Brasil. A cidadania credencia o cidadão a participar da vida efetiva do Estado como partícipe da sociedade política. O cidadão passa a ser pessoa integrada na vida estatal. A cidadania é esse efetivo exercício político. O exercício da cidadania é mais amplo que o simples exercício dos direitos políticos, entretanto, aquele pressupõe a existência deste. Assim, só o titular dos direitos políticos pode exercer a cidadania plena.29

O órgão do Ministério Público não pode ingressar com ação popular, pois não se constitui ele em cidadão. Para promover fiscalização equiparada, o parquet dispõe da Ação Civil Pública (Constituição Federal, art. 129, III). Nada obstante, a sua participação no writ estudado é imprescindível, na função de custos legis (Lei n.º 4.717/65, art. 6º § 4º), cabendo-lhe inclusive assumir o lugar da parte autora, em caso de desistência desta última (Lei n.º 4.717/65, art. 9º), ou promover, no prazo legal, a execução da sentença condenatória (Lei n.º 4.717/65, art. 16).

A atuação do Ministério Público tem por intuito tornar ao máximo ampla a possibilidade de fiscalização e apuração probatória30. Para tanto, dispõe ele da faculdade de “apressar a produção da prova” (Lei n.º 4.717/65, art. 6º, § 4º). Não pode o mesmo, por igual, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores. Apesar disso, dada a sua independência funcional (Constituição Federal, art. 129, § 1º), o parquet, após a apuração de todas as provas nos autos, pode muito bem opinar pela carência de ação ou pela improcedência do pedido autoral. O que não se admite é apenas que, antes da instrução probatória exaustiva, o Ministério Público possa solicitar a improcedência da pretensão popular.

A legitimidade passiva para a ação popular é a mais ampla possível, em tal polo devendo ser colocada a entidade jurídica afetada pelo suposto ato ilícito e todas as pessoas que porventura influenciaram para a ocorrência do dano, ou dele se beneficiaram (Lei n.º 4.717/65, arts. 1º e 6º). Por exemplo, ainda que o gestor titular da pasta executiva não seja o ordenador direto do ato guerreado, ele poderá ser demandado neste writ, quando um subordinado seu agir ilicitamente. Veja-se:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO POPULAR – REMESSA EX OFFICIO – INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL – PEDIDO GENÉRICO – CARÊNCIA DE AÇÃO – INTERESSE PROCESSUAL – ILEGITIMIDADE ATIVA – ILEGITIMIDADE PASSIVA – LITIGANCIA DE MÁ-FÉ – INOCORRÊNCIA – PRESSUPOSTOS DA AÇÃO POPULAR.

1 - Se da petição inicial extrai-se que o autor aduziu seus pedidos de forma certa e determinada não há falar em pedido genérico;

2 - Em relação aos pedidos cabíveis em ação popular, comprovando a condição de cidadão, e vinda a Juízo buscar direito que entendeu lesado, possui o autor legitimidade e interesse;

3 - O gestor maior do Poder Executivo é legitimo para figurar no polo passivo da demanda popular quando os atos são praticados por um agente produto de uma relação de subordinação no exercício de um cargo, delegado pelo Chefe do Executivo Estadual, assim como a regra estatuída no artigo 1º da Lei nº 4717/65 é claro ao estabelecer que "para instruir a inicial, o cidadão poderá requerer às entidades a que se refere este artigo, as certidões e informações que julgar necessárias, bastando para isso indicar a finalidade das mesmas;".

4 - Não se pode condenar o autor popular por litigância de má-fé, porque não restou demonstrado que ajuizou a ação com finalidade de perseguição política, mas tão-somente, no legítimo interesse público, no exercício da cidadania;

5 - Somente é possível a procedência da ação popular quando estiver comprovado o binômio ilegalidade/lesividade, sem os quais improcede a demanda;

6 - Pessoas incluídas na sentença sem a condição de partes ou terceiros interessadas, devem obrigatoriamente ser excluídas da sentença Ex Officio;

7 - Remessa parcialmente provida.31 (Destaque do autor)

Por mais que a lei específica da ação popular não preveja expressamente, qualquer do povo, tendo interesse na causa, pode nela ingressar como assistente tanto do autor como do réu (Código de Processo Civil, art. 50). Isso é comum nos casos de beneficiários indiretos que, com a eventual procedência da ação, possam vir a ter uma ação regressiva contra si ajuizada, como ilustra o art. 11 da Lei n.º 4.717/6532.

Para finalizar o presente tópico, importa realçar a autorização especial delegada pela Lei n.º 4.717/65 ao ente público demandado consistente na possibilidade de abster-se de contestar o pedido inicial, ou, mesmo o fazendo, passar a atuar ao lado do respectivo autor, desde que isso se afigure interessante à preservação do interesse público (art. 6º, § 3º). Não se trata, aqui, de uma “rendição sem luta”, mas sim da busca pela preservação de interesses bem maiores que o próprio anseio particular de determinada pessoa33.

Neste último caso, é interessante que o próprio ente, de per si, promova a anulação do ato considerado lesivo à moralidade administrativa, conforme autorizam os Enunciados 346 e 473 da Súmula da Jurisprudência Dominante do Pretório Excelso34. A partir de então, terá ele legitimidade formal e moral para igualmente sindicar e combater, lado a lado do autor popular, o eventual ato antijurídico empreendido com utilização indevida da coisa pública.

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Sobre o autor
Ulisses Levy Silvério dos Reis

Estudante de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Ulisses Levy Silvério. A ação popular constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3969, 14 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28396. Acesso em: 22 nov. 2024.

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