Recentemente, nas inúmeras e extensas sessões de julgamento da Ação Penal nº 470 (“Processo do Mensalão”), veio à baila um aparente conflito de normas constitucionais, quais sejam, os artigos 15, inciso III, e 55, VI e § 2º.
De início, vejamos o que dispõem as regras mencionadas:
“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(...)
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
(...)
Seção VDOS DEPUTADOS E DOS SENADORES
(...)
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
(...)
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
(...)
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013)
§ 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.”
Realmente, parece haver um conflito entre o comando do artigo 15, inciso III, que estabelece a suspensão dos direitos políticos nos casos de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, e a regra do § 2º do artigo 55, que delega à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal a decisão sobre a perda do mandato de deputados federais e senadores que sofrerem condenação criminal transitada em julgado.
Por se tratarem de dispositivos oriundos do Poder Constituinte Originário, não há que se cogitar de inconstitucionalidade, devendo ser obtida, por meio dos diversos métodos de hermenêutica, interpretação que harmonize a aplicação dos dois preceitos.
A polêmica consiste em se a perda do mandato é consequência automática da sentença penal condenatória, ou se cabe à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal deliberar sobre isso no que toca aos seus membros.
Em verdade, não há incongruência, vez que o preceito do artigo 15, III, é geral e dirigido a todos os detentores de direitos políticos, enquanto o § 2º do artigo 55 irradia efeitos apenas para os deputados federais e senadores. Vale observar que isso também deve ser aplicado para os deputados estaduais, cabendo às Assembleias Legislativas a deliberação sobre a perda do mandato, por força do contido no § 1º do artigo 27 da Lex Major (“Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas”).
Nessa esteira, assenta-se a maior parte de nossos doutrinadores.
O constitucionalista Pedro Lenza sustenta que “a referida prerrogativa do art. 55, § 2º, seria especial e prevaleceria sobre a regra geral do art. 15, III, que, por sua vez, inegavelmente seria aplicada ao final do mandato, quando, então, se ainda não cassados, os condenados parlamentares se tornariam inelegíveis, aplicando-se a lei da ficha limpa (LC n. 135/2010)” (Direito Constitucional Esquematizado / Pedro Lenza. – 17. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2013).
Não é outro o entendimento de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, que ensinam que “as disposições do art. 55, inciso VI, e § 2º, consubstanciam regra especial, que representa uma exceção à disciplina geral da matéria, estabelecida no art. 15, inciso III, da Carta Política. Com isso, temos que, em se tratando dos congressistas, a condenação criminal transitada em julgado não causará, por si, a suspensão dos seus direitos políticos, haja vista que a perda do mandado dependerá, ainda, de ulterior decisão política da Casa Legislativa, por voto da maioria absoluta dos seus membros, em escrutínio secreto. A suspensão dos direitos políticos do parlamentar, vale repisar, só ocorrerá se a perda do mandado vier a ser decidida pela Casa Legislativa a que pertence. Por essa razão – inexistência da suspensão automática dos direitos políticos do congressista condenado criminalmente em sentença transitada em julgado -, é possível que o congressista, mesmo condenado criminalmente em decisão definitiva do Poder Judiciário, permaneça no regular desempenho de suas atribuições congressuais até o término do mandato, desde que a Casa Legislativa não decida pela perda do mandato, na forma do §2º do art. 55 da Constituição” (Direito Constitucional descomplicado. 8. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO: 2012).
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Martins Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco trataram a questão de forma sucinta e objetiva, também considerando que “a perda do mandato deve ser votada pela Casa parlamentar nos casos compreendidos nos incisos I, II (falta de decoro) e VI (sentença criminal transitada em julgado) do art. 55 da CF. Nos casos de extinção do mandato (III – ausência, IV – perda ou suspensão dos direitos políticos, e V – por decreto da Justiça Eleitoral) há apenas a declaração do acontecimento pela Mesa” (Curso de Direito Constitucional – 4. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009).
Para Marcelo Novelino, “nos casos de inobservância das incompatibilidades, de procedimento incompatível com o decoro parlamentar ou de condenação criminal em sentença transitada em julgado (CF, art. 55, I, II e VI), a cassação do mandato será decidida pela maioria absoluta dos Membros da Câmara ou do Senado, em escrutínio secreto (CF, art. 55, § 2º)”. Salienta, finalmente, que “na hipótese de questionamento do ato perante o Judiciário pelo parlamentar que perdeu o mandato, caberá ao STF apenas a análise da observância das garantias formais, sendo inviável qualquer controle sobre o mérito da acusação, por se tratar de questão interna corporis” (Direito Constitucional – 6. ed. rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012).
Demonstrada a posição doutrinária sobre o tema, passemos a analisar o que pensa o Supremo Tribunal Federal.
A jurisprudência da nossa Corte Constitucional costumava caminhar na mesma direção da doutrina, conforme se percebe nos seguintes julgados:
“Observadas as formalidades constitucionalmente enunciadas, a decisão, da Câmara ou do Senado Federal, poderá ser discutível, poderá ser injusta, poderá ser desacertada, mas será definitiva e irrecorrível; será insuscetível de revisão judicial. Porque a Constituição deu à Câmara e só à Câmara, ao Senado e só ao Senado, a competência para decidir algo que à Câmara e ao Senado diz respeito” (trecho do voto do Min. Paulo Brossard no MS 21.443/DF, j. 22.04.1992, retirado de Direito Constitucional Esquematizado / Pedro Lenza. – 17. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2013).
“A relação de antinomia referida constitui, no plano do sistema normativo consagrado pelo novo ordenamento constitucional, situação de conflituosidade meramente aparente.
O vínculo de incongruência normativa entre o art. 15, III, e o art. 55, § 2º, ambos da Constituição, ressaltado no debate desta causa, subsume-se, no caso, ao conceito teórico das antinomias solúveis ou aparentes, na medida em que a alegada situação de antagonismo é facilmente dirimível pela aplicação do critério da especialidade, resolvendo-se o aparente conflito, desse modo – e tal como acentuado pelo Relator – em favor da própria independência do exercício, pelo parlamentar federal, de seu ofício legislativo. É que o congressista, enquanto perdurar o seu mandato, só poderá ser deste excepcionalmente privado, em ocorrendo condenação penal transitada em julgado, por efeito exclusivo de deliberação tomada pelo voto secreto e pela maioria absoluta dos membros de sua própria Casa legislativa.” (trecho do voto do Min. Celso de Mello no RE 179.502, j. 31.05.1995).
“Perda dos direitos políticos: consequência da existência da coisa julgada. A Câmara de Vereadores não tem competência para iniciar e decidir sobre a perda de mandato de prefeito eleito. Basta uma comunicação à Câmara de Vereadores, extraída nos autos do processo criminal. Recebida a comunicação, o presidente da Câmara de Vereadores, de imediato, declarará a extinção do mandato do prefeito, assumindo o cargo o vice-prefeito, salvo se, por outro motivo, não possa exercer a função. Não cabe ao presidente da Câmara de Vereadores outra conduta senão a declaração da extinção do mandato.” (RE 225.019, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 8-9-1999, Plenário, DJ de 26-11-1999.)
"À incidência da regra do art. 15, III, da Constituição, sobre os condenados na sua vigência, não cabe opor a circunstância de ser o fato criminoso anterior à promulgação dela a fim de invocar a garantia da irretroatividade da lei penal mais severa: cuidando-se de norma originária da Constituição, obviamente não lhe são oponíveis as limitações materiais que nela se impuseram ao poder de reforma constitucional. Da suspensão de direitos políticos – efeito da condenação criminal transitada em julgado, ressalvada a hipótese excepcional do art. 55, § 2º, da Constituição, resulta por si mesma a perda do mandato eletivo ou do cargo do agente político." (RE 418.876, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 30-3-2004, Primeira Turma, DJ de 4-6-2004.)
Entrementes, no julgamento da Ação Penal nº 470 (“mensalão”), os atuais Ministros da Corte Suprema alteraram tal posicionamento e decidiram pela perda automática do mandato como consequência da sentença penal condenatória, sem possibilidade de deliberação pela respectiva casa legislativa, consoante ementa abaixo reproduzida (destacamos):
"O STF recebeu do Poder Constituinte originário a competência para processar e julgar os parlamentares federais acusados da prática de infrações penais comuns. Como consequência, é ao STF que compete a aplicação das penas cominadas em lei, em caso de condenação. A perda do mandato eletivo é uma pena acessória da pena principal (privativa de liberdade ou restritiva de direitos), e deve ser decretada pelo órgão que exerce a função jurisdicional, como um dos efeitos da condenação, quando presentes os requisitos legais para tanto. Diferentemente da Carta outorgada de 1969, nos termos da qual as hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos deveriam ser disciplinadas por lei complementar (art. 149, § 3º), o que atribuía eficácia contida ao mencionado dispositivo constitucional, a atual Constituição estabeleceu os casos de perda ou suspensão dos direitos políticos em norma de eficácia plena (art. 15, III). Em consequência, o condenado criminalmente, por decisão transitada em julgado, tem seus direitos políticos suspensos pelo tempo que durarem os efeitos da condenação. A previsão contida no art. 92, I e II, do CP, é reflexo direto do disposto no art. 15, III, da CF. Assim, uma vez condenado criminalmente um réu detentor de mandato eletivo, caberá ao Poder Judiciário decidir, em definitivo, sobre a perda do mandato. Não cabe ao Poder Legislativo deliberar sobre aspectos de decisão condenatória criminal, emanada do Poder Judiciário, proferida em detrimento de membro do Congresso Nacional. A Constituição não submete a decisão do Poder Judiciário à complementação por ato de qualquer outro órgão ou Poder da República. Não há sentença jurisdicional cuja legitimidade ou eficácia esteja condicionada à aprovação pelos órgãos do Poder Político. A sentença condenatória não é a revelação do parecer de umas das projeções do poder estatal, mas a manifestação integral e completa da instância constitucionalmente competente para sancionar, em caráter definitivo, as ações típicas, antijurídicas e culpáveis. Entendimento que se extrai do art. 15, III, c/c o art. 55, IV, § 3º, ambos da CR. Afastada a incidência do § 2º do art. 55 da Lei Maior, quando a perda do mandato parlamentar for decretada pelo Poder Judiciário, como um dos efeitos da condenação criminal transitada em julgado. Ao Poder Legislativo cabe, apenas, dar fiel execução à decisão da Justiça e declarar a perda do mandato, na forma preconizada na decisão jurisdicional. Repugna à nossa Constituição o exercício do mandato parlamentar quando recaia, sobre o seu titular, a reprovação penal definitiva do Estado, suspendendo-lhe o exercício de direitos políticos e decretando-lhe a perda do mandato eletivo. A perda dos direitos políticos é ‘consequência da existência da coisa julgada’. Consequentemente, não cabe ao Poder Legislativo ‘outra conduta senão a declaração da extinção do mandato’ (RE 225.019, rel. min. Nelson Jobim). Conclusão de ordem ética consolidada a partir de precedentes do STF e extraída da CF e das leis que regem o exercício do poder político-representativo, a conferir encadeamento lógico e substância material à decisão no sentido da decretação da perda do mandato eletivo. Conclusão que também se constrói a partir da lógica sistemática da Constituição, que enuncia a cidadania, a capacidade para o exercício de direitos políticos e o preenchimento pleno das condições de elegibilidade como pressupostos sucessivos para a participação completa na formação da vontade e na condução da vida política do Estado. No caso, os réus parlamentares foram condenados pela prática, entre outros, de crimes contra a administração Pública. Conduta juridicamente incompatível com os deveres inerentes ao cargo. Circunstâncias que impõem a perda do mandato como medida adequada, necessária e proporcional. Decretada a suspensão dos direitos políticos de todos os réus, nos termos do art. 15, III, da CF." (AP 470, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17-12-2012, Plenário, DJE de 22-4-2013.)
Importante observar que tal decisum foi tomado sem a composição integral do Tribunal, tendo votado apenas nove ministros, cinco a favor e quatro contra a mudança da tese.
Meses depois, com a presença de dois novos ministros e preenchidas todas as onze cadeiras, o STF julgou a Ação Penal 565/RO nos seguintes termos (destacamos):
“O Plenário condenou senador (prefeito à época dos fatos delituosos), bem assim o presidente e o vice-presidente de comissão de licitação municipal, pela prática do crime descrito no art. 90 da Lei 8.666/1993 (...) à pena de 4 anos, 8 meses e 26 dias de detenção em regime inicial semiaberto. Fixou-se, por maioria, multa de R$ 201.817,05 ao detentor de cargo político e de R$ 134.544,07 aos demais apenados, valores a serem revertidos aos cofres do Município. Determinou-se – caso estejam em exercício – a perda de cargo, emprego ou função pública dos dois últimos réus. Entendeu-se, em votação majoritária, competir ao Senado Federal deliberar sobre a eventual perda do mandato parlamentar do ex-prefeito (CF, art. 55, VI e § 2º). (...) Relativamente ao atual mandato de senador da República, decidiu-se, por maioria, competir à respectiva Casa Legislativa deliberar sobre sua eventual perda (...). A relatora e o revisor, no que foram seguidos pela min. Rosa Weber, reiteraram o que externado sobre o tema na apreciação da AP 470/MG. O revisor observou que, se, por ocasião do trânsito em julgado, o congressista ainda estivesse no exercício do cargo parlamentar, dever-se-ia oficiar à Mesa Diretiva do Senado Federal para fins de deliberação a esse respeito. O min. Roberto Barroso pontuou haver obstáculo intransponível na literalidade do § 2º do art. 55 da CF. O min. Teori Zavascki realçou que a condenação criminal transitada em julgado conteria como efeito secundário, natural e necessário, a suspensão dos direitos políticos, que independeria de declaração. De outro passo, ela não geraria, necessária e naturalmente, a perda de cargo público. Avaliou que, no caso específico dos parlamentares, essa consequência não se estabeleceria. No entanto, isso não dispensaria o congressista de cumprir a pena. O min. Ricardo Lewandowski concluiu que o aludido dispositivo estaria intimamente conectado com a separação dos Poderes. (AP 565, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-8-2013, Plenário, Informativo 714.).
De tal sorte, após ter firmado entendimento em 17 de dezembro de 2012, com a participação de somente nove julgadores, no sentido da desnecessidade de deliberação da Câmara dos Deputados ou Senado Federal para a perda do mandado, o STF, agora com sua composição completa, voltou a decidir no sentido da imprescindibilidade da perda do mandato ser decidida pela casa legislativa a que pertence o parlamentar (6 x 4).
Não obstante, a intensificar a polêmica acerca da aplicação do § 2º do artigo 55 da CF/88 é a decisão monocrática do Min. Roberto Barroso no Mandado de Segurança 32.326/DF, proferida em 2 de setembro de 2013, que deferiu medida liminar para suspender a deliberação da Câmara dos Deputados que não cassou o Deputado Federal Natan Donadon, que se encontrava privado de sua liberdade em razão de condenação pelo STF na Ação Penal 365/RO, transitada em julgado em 26 de junho de 2013. Eis a ementa da decisão no mandamus:
“MANDADO DE SEGURANÇA. CONDENAÇÃO CRIMINAL DEFINITIVA DE PARLAMENTAR. RECLUSÃO EM REGIME INICIAL FECHADO POR TEMPO SUPERIOR AO QUE RESTA DE MANDATO. HIPÓTESE DE DECLARAÇÃO DE PERDA DO MANDATO PELA MESA (CF, ART. 55, § 3º).
1. A Constituição prevê, como regra geral, que cabe a cada uma das Casas do Congresso Nacional, respectivamente, a decisão sobre a perda do mandato de Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal transitada em julgado.
2. Esta regra geral, no entanto, não se aplica em caso de condenação em regime inicial fechado, que deva perdurar por tempo superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar. Em tal situação, a perda do mandato se dá automaticamente, por força da impossibilidade jurídica e fática de seu exercício.
3. Como consequência, quando se tratar de Deputado cujo prazo de prisão em regime fechado exceda o período que falta para a conclusão de seu mandato, a perda se dá como resultado direto e inexorável da condenação, sendo a decisão da Câmara dos Deputados vinculada e declaratória.
4. Liminar concedida para suspender a deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados na Representação nº 20, de 21.08.2013.”
Vale frisar que, nos autos da AP 365, o “Guardião da Constituição” reafirmou a tese vencida nos autos da AP 470 e vencedora na AP 565, no sentido de que a perda do mandato depende, sim, da deliberação da respectiva casa do Congresso, mas que a prisão pode ser executada sem qualquer ingerência do Legislativo.
Não obstante o referido Mandado de Segurança tenha sido extinto ante a perda superveniente de objeto, porquanto a Câmara dos Deputados cassou o mandado do aludido Parlamentar, como se depreende da decisão monocrática abaixo colacionada, proferida em 19/03/2014, a celeuma jurisprudencial acerca da possibilidade dos magistrados decretarem a perda do mandato em função de sentença penal condenatória sinaliza ainda não ter fim:
“MANDADO DE SEGURANÇA. MANDATO PARLAMENTAR. PERDA DE OBJETO. 1. Declarada a perda do mandato parlamentar por deliberação posterior ao ajuizamento, fica prejudicado mandado de segurança que havia sido impetrado com este fim. 2. Perda de objeto reconhecida.
1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado pelo Deputado Federal Carlos Sampaio contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados. Requer o impetrante, em síntese, que “seja declarada a perda do mandato do deputado [Natan] Donadon”.
2. A medida liminar foi deferida para suspender os efeitos da deliberação da Câmara dos Deputados que mantivera o mandato, sem, no entanto, declarar a sua perda, até o julgamento definitivo da causa.
3. O Presidente da Câmara dos Deputados prestou informações nas quais defendeu a inexistência de direito líquido e certo.
4. Intimado como litisconsorte passivo necessário, Natan Donadon apresentou resposta e requereu a denegação da segurança.
5. A Procuradoria-Geral da República opinou pela concessão da segurança, por entender que, ao apreciar questão de ordem relativa à possibilidade efetivar-se a prisão de parlamentar, o Supremo Tribunal Federal decretou a perda do mandato de Natan Donadon.
6. Sobreveio informação do Presidente da Câmara dos Deputados, dando conta de que foi editada a Resolução nº 53, de 12.02.2014, que declarou a perda do mandato de Natan Donadon.
7. É o relatório. Decido.
8. A hipótese é de perda do objeto.
9. Isto porque a superveniente perda do mandato, levada a efeito por deliberação posterior ao ajuizamento, esvaziou o objetivo do presente mandado de segurança, que havia sido impetrado com este fim. Assim, a Resolução nº 53/2014 tornou superada a anterior deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados que havia mantido o mandato.
10. Nesse sentido é a jurisprudência pacífica do Tribunal:
“MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO. CONTINUIDADE NO CERTAME SUB JUDICE. SUPERVENIÊNCIA DE APROVAÇÃO DO IMPETRANTE NO CONCURSO SUBSEQUENTE E POSSE NO CARGO (4º CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NO CARGO DE DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO). MUDANÇA DO QUADRO FÁTICO-PROBATÓRIO. MANDADO DE SEGURANÇA PREJUDICADO, POR PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO.” (MS 28.000, Rel. Min. Cármen Lúcia)
“MANDADO DE SEGURANÇA - PERDA DE OBJETO - DEVOLUÇÃO DE PROCESSO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. Uma vez alcançado o objeto do mandado de segurança - a devolução dos processos pelo Ministério Público -, tem-se o prejuízo da impetração. As providências junto a Conselhos - Nacional de Justiça e Nacional do Ministério Público - devem ser adotadas por aquele que se diga prejudicado.” (MS 27.923 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio)
11. Por fim, registre-se que o deferimento da medida liminar permitiu que o Poder Legislativo fizesse um novo exame da matéria, já à luz dos elementos constitucionais que tornavam inviável, no caso, a manutenção do mandato parlamentar. Nessa nova oportunidade, a Câmara dos Deputados determinou a perda do mandato pela expressiva maioria de 467 votos favoráveis e nenhum voto contrário, computando-se uma abstenção. Esse tipo de diálogo institucional demonstra que a relação entre o Poder Legislativo e o Supremo Tribunal Federal pode ser marcada por saudável complementariedade, em benefício da efetiva concretização das exigências constitucionais.
12. Diante do exposto, com base no art. 38 da Lei nº 8.038/1990, julgo prejudicado o presente mandado de segurança.
13. Retire-se o feito de pauta.”
Portanto, como se vê, o conflito entre os preceitos dos artigos 15, III, e 55, § 3º, apesar de ser apenas aparente, admite soluções interpretativas diversas, que ainda depende de pacificação jurisprudencial, que certamente se modificará em consonância com a composição do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, a quem incumbe definir os litígios envolvendo inclusive os diversos Poderes da República, o que deve ser feito com muita cautela, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes.
Referências:
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado / Pedro Lenza. – 17. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2013.
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 8. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO: 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Martins e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional – 4. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional – 6. ed. rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012.