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Uma falsa informação na internet e um crime bárbaro: o direito e a lei

16/05/2014 às 09:25
Leia nesta página:

É chegado o momento de uma reflexão sobre a importância da proteção à integridade psicofísica diante de falsas informações e rumores maliciosamente divulgados pela e na velocidade da internet.

Já preconizava Erich Schimidt que “A Internet é a primeira coisa que a humanidade construiu e que a humanidade não entende”. Diante do episódio de linchamento  no Guarujá, São Paulo, Brasil, ocorrido em 05 de maio de 2014, motivado por uma postagem inverídica em uma página no Facebook, muito se discute sobre as consequências jurídicas de postagens inconsequentes na Rede.

O Advogado da família da vítima pretende processar o criador da página “Guarujá Alerta” e fazer com que também responda pelas consequências do ato. De qualquer modo, no caso, se realmente a vítima tivesse sido identificada na postagem na Internet, ocorreria mais do que um mero abuso no direito de informar, mas nítido crime de calúnia, previsto no art. 138 do Código Penal, atribuindo-se a uma inocente prática criminosa. Já pelos comentários, o mantenedor também pode vir a ser responsabilizado, eis que no Brasil, já se entendeu que a Internet está sujeita à Lei de Imprensa, 5250/1967, mesmo tendo tal lei sido criada antes da rede mundial de computadores. [1]

Muitas pessoas compartilharam a falsa informação e de certo modo potencializaram a ofensa, sendo passíveis de responsabilização. No Brasil, já existem julgados que condenaram pessoas por compartilharem e curtirem posts caluniadores na Internet. [2]

O uso de redes sociais de forma irresponsável para prejudicar a reputação, a honra de pessoas e a imagem de empresas vem aumentando constantemente no Brasil e a situação se agrava em período eleitoral. Muitos usuários da Internet perdem a noção das consequências de tais postagens, como no evento envolvendo Fabiane, que culminou com seu linchamento.  No Brasil, recentemente, o boato do fim de um programa social deu muito trabalho ao Governo e à Policia Federal. [3]

Muito comum também a “falsa reclamação de consumidor” onde um fato é inventado, como a “sujeira do estabelecimento”, “objetos encontrados nos produtos” ou mesmo o “péssimo atendimento”, tudo para prejudicar a empresa. Repita-se, fatos que nunca existiram. Na grande maioria dos casos, trata-se de um concorrente sem escrúpulos, amparado pela falsa sensação de anonimato da Internet, tentando prejudicar seu competidor.

Em tempos de Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014, a Liberdade de Expressão, direito arduamente buscado pelos defensores da Lei e todos os cidadãos, não pode servir de base para libertinagem e ofensa a direitos de outras pessoas.

Na China, criar e espalhar boatos online pode caracterizar crime de tumulto com pena de um ano e seis meses. Já existe, igualmente, legislação que pune o falso boato viral na Internet com pena de até três anos. [4] Já nos Estados Unidos,  pela Exchange Act de 1934, pessoas podem ser condenadas por postarem ou anunciarem a falsa aquisição corporativa de uma empresa por outra, o que poderia abalar o mercado. São os chamados delitos de “stock manipulation”, classificados por muitos autores como crimes computacionais. [5]

O Brasil também tem lei sobre a divulgação de falsas informações, mas especificamente para o sistema financeiro. Aqui, criar boatos capazes de abalar o mercado é crime financeiro, nos termos da Lei 7.492 de 1986, com uma pena que pode chegar de 2 a 6 anos de reclusão e multa. Em 1999, um caso célebre envolvendo a Internet e boatos no mercado financeiro fora enfrentado pela Polícia.[6]

No Brasil, também se protegem as pessoas jurídicas das falsas informações, pelo crime de concorrência desleal, previsto no art. 195, inc. I, da Lei 9279/1996. Pela lei, comete crime de concorrência desleal quem publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem e quem presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem. A pena é a detenção de 3 meses a 1 ano.

Como visto, protegemos o sistema financeiro, protegemos empresas e muitas vezes o governo de falsas informações com penas de detenção e reclusão, mas não somos capazes de proteger a integridade física e psicológica de seres humanos, prejudicados, igualmente, pela falta de qualidade das informações ou mesmo por falsas informações disseminadas na rede.

Isto porque aqui, não sendo identificada a caracterização de outro crime na postagem falsa (como calúnia, injúria ou difamação),  nos termos da  Lei de Contravenções Penais, o ato de provocar alarme, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou de praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto é considerado uma mera contravenção, porém com uma pena caricata, prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa. Ou seja, para punir o lançador de uma informação inverídica que gere graves consequências a pessoas, como a revolta de populares, autoridades precisam averiguar se a informação era capaz de produzir tumulto ou pânico e ainda assim, caso constatados os itens necessários, o infrator não sentirá as consequências de seus atos na seara criminal, pois certamente resultara de pagamento de alguma prestação pecuniária singela e quase que simbólica.

Neste contexto, é fato, é chegado o momento de uma reflexão sobre a importância da proteção à integridade psicofísica diante de falsas informações e “rumores” maliciosamente divulgados pela e na velocidade da Internet. Receamos, infelizmente, que os mantenedores da página no Facebook, responsáveis pela postagem que  motivou o linchamento, não sofram nenhuma consequência prática na seara penal, restando às famílias a provável reparação civil pela subtração abrupta e covarde de um ser humano, cujos sujeitos ativos agiram acreditando em uma informação absolutamente distorcida. De qualquer modo, a culpa não é da Internet, mas de quem a usa com másfinalidades e principalmente, de quem acredita (e age) com base em tudo que é postado, por qualquer um, em tal ambiente.  

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REFERÊNCIAS

[1] http://www.conjur.com.br/2006-nov-22/justica_internet_sujeita_lei_imprensa

[2]http://josemilagre.com.br/blog/2013/12/07/mulheres-condenadas-por-curtir-e-compartilhar-posts/

[3] http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-07-12/pf-diz-que-boatos-sobre-fim-do-bolsa-familia-foram-espontaneos-e-descarta-crime

[4] http://www.thewire.com/technology/2013/09/viral-online-rumors-are-now-illegal-china/69203/

[5] http://www.bu.edu/law/central/jd/organizations/journals/scitech/volume6/ishman.pdf

[6] http://www.istoe.com.br/reportagens/28943_VINGANCA+VIRTUAL+ 

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Sobre o autor
José Antonio Milagre

Advogado, Perito em Informática, Vice-Presidente da Comissão Estadual de Informática Jurídica e Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB SP; Mestrando em Ciência da Informação pela UNESP, Professor convidado do MBA em Direito Eletrônico da Escola Paulista de Direito e Professor da Escola Superior da Advocacia - ESA SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MILAGRE, José Antonio. Uma falsa informação na internet e um crime bárbaro: o direito e a lei. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3971, 16 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28493. Acesso em: 21 nov. 2024.

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