A executoriedade das decisões da Justiça Desportiva no juízo cível

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15/05/2014 às 08:01
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O presente estudo trata da possibilidade da execução (no sentido amplo da palavra), na esfera do Juízo Cível (Justiça Comum), das decisões proferidas no âmbito da Justiça Desportiva, quando esta não possuir mais a coercibilidade para executá-las.

A EXECUTORIEDADE DAS DECISÕES DA JUSTIÇA DESPORTIVA NO JUÍZO CÍVEL

                                                Marcos Roberto Banhara [1]

Sumário

1. Introdução; 2. Conceito de Justiça Desportiva; 3. Previsão Constitucional; 4. Normas infraconstitucionais; 5. Procedimentos; 6. Processo na Justiça Desportiva; 7. Possibilidade de manejo na esfera cível; 8. Executoriedade; 9. Prescrição e Decadência; 10. Espécies; 11. Execução; 12. Monitório; 13. Conhecimento; 14. Defesa; 15. Conclusão; 16. Referências das fontes citadas; 17. Referências das fontes pesquisadas.

           Resumo

            O presente estudo trata da possibilidade da execução (no sentido amplo da palavra), na esfera do Juízo Cível (Justiça Comum), das decisões proferidas no âmbito da Justiça Desportiva, quando esta não possuir mais a coercibilidade para executá-las.

           1. Introdução

            A pesquisa foi desenvolvida tendo por base a seguinte hipótese: ocorrendo decisão definitiva, no âmbito da Justiça Desportiva, com a aplicação de pena cominatória a uma associação de prática desportiva, por exemplo, e necessitando a entidade de administração do desporto à qual o referido órgão da Justiça Desportiva tem vinculação, executar a decisão, porém, impossibilitada de cumpri-la, por não possuir mais as condições de coercibilidade frente à apenada, tendo em vista que a associação sancionada não mais participa de seus campeonatos, ou mesmo estando desfiliada ou licenciada, poderia ela, então, recorrer ao Poder Judiciário para obter o cumprimento?

2. Conceito de Justiça Desportiva

            Como é cediço, no Brasil, o esporte ocupa lugar de destaque na sociedade, notadamente na modalidade de futebol de campo, onde, reconhecidamente, o País é referência mundial, e realiza, desde o início do século, inúmeros campeonatos, através das entidades de administração, envolvendo diversas associações desportivas.

            Com a realização de tais campeonatos, e das partidas que os compõem, segundo o comentário do saudoso Marcílio Ramos Krieger [BRASIL. Ministério do Esporte. Código Brasileiro de Justiça Desportiva, 2004, p. 80], surgem duas espécies de infrações: às das regras do jogo, que são as violações às regras e normas específicas de cada modalidade, emanadas das entidades internacionais e nacionais, que impedem o desenvolvimento do desporto formal durante a partida, como por exemplo, praticar ato desleal ou hostil, e às normas desportivas em geral (ou transgressão à conduta desportiva), que são as demais violações, por ação e omissão, à disciplina e a organização do desporto, como por exemplo, incluir na equipe, atleta em situação irregular para participar de partida.

Assim, ocorrendo a infração, ainda segundo Krieger [ob. cit, p. 79], surge o direito e o dever de punir da Justiça Desportiva, que através dos órgãos competentes e obedecidas as prescrições legais específicas[2], reprime estas atitudes antijurídicas, por parte de quem as tenha praticado.

Schmitt [2007, p. 59], conceitua a Justiça Desportiva como sendo:

            [...] o conjunto de instâncias desportivas autônomas e independentes, consideradas órgãos judicantes que funcionam junto a entidades dotadas de personalidade jurídica de direito público ou privado, com atribuições de dirimir os conflitos de natureza desportiva e de competência limitada ao processo e julgamento de infrações disciplinares e procedimentos especiais definidos em códigos desportivos.

            E o mesmo Schmitt [2010], sintetiza ainda, que a Justiça Desportiva é um meio alternativo de solução de conflitos de interesses, porque não é vinculado ao Poder Judiciário (tendo em vista que os seus órgãos possuem prerrogativas e atribuições contidas na Constituição)[3], não recebendo também o mesmo tratamento da arbitragem contratual, e apesar da doutrina mencionar que se constituiria em uma instância administrativa (apenas para diferenciá-la da instância jurisdicional), apenas exerce sua atividade no âmbito privado.

Serve como parâmetro o seguinte julgado do colendo Superior Tribunal de Justiça, assim ementado:

            CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA - NATUREZA JURÍDICA - INOCORRÊNCIA DE CONFLITO.

1. Tribunal de Justiça Desportiva não se constitui em autoridade administrativa e muito menos judiciária, não se enquadrando a hipótese em estudo no art. 105, I, g, da CF/88.

2. Conflito não conhecido. [CA nº 1996.00.57234-8 / SP]

            Reale [1999, p. 77], define a Justiça Desportiva como uma das ordenações jurídicas não estatais, considerando que “[...] na realidade, existe Direito também em outros grupos, em outras instituições, que não o Estado”.

Portanto, cabe ainda afirmar, que ao contrário de que se possa imaginar[4], e ainda, segundo Lenza [2009, p. 831], decorrente de regra anterior, prevista na Constituição de 1967, e no art. 29 da revogada Lei nº 6.354/76[5], a Justiça Desportiva não é competente para apreciar e julgar questões trabalhistas que decorram de contrato formal de trabalho entre o atleta e o clube (associação), mas sim a Justiça do Trabalho, na forma do art. 114, I, e art. 217, § 1º, da CF/88.

           3. Previsão constitucional

            A Constituição Federal (CF/88), inovando em relação as suas antecessoras, dispôs expressamente no seu Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo III (Da Educação, da Cultura e do Desporto), na Seção III, sobre o Desporto, e por conseqüência, sobre a Justiça Desportiva, constando do seu art. 217 o seguinte:

            Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados:

            I -  a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;[6]

            II -  a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

            III -  o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional;

            IV -  a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

            § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

            § 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

            § 3º O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social. [Brasil, Senado Federal, 2010].

            Conforme o entendimento de Da Silva [1997, p. 806], a CF/88 elevou o desporto ao âmbito do direito social, pois impôs ao Estado, o dever de fomentar as práticas desportivas.

            Mas, conforme Lenza [2009, p. 828], “Se, por um lado, o papel do Estado é de fomento, por outro, o papel de prestação foi atribuído às entidades desportivas dirigentes e associações com autonomia para a sua organização e funcionamento (art. 217, I), significando importante desdobramento da regras contidas nos arts. 5º, XVII, e 8º da CF/88” [grifos no original].

Como já anteriormente frisado, apesar de prevê-la e garantir sua autonomia, a CF/88 deixou a Justiça Desportiva fora do organismo do Poder Judiciário, expresso em seu art. 92, mas por outro lado, conforme explanado por Lenza [2009, p. 830], “estabeleceu verdadeira condição de procedibilidade para a apreciação jurisdicional das questões relativas à disciplina e às competições desportivas, uma vez que o Poder Judiciário só admitirá ações de tal natureza, após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva, que terá o prazo máximo de 60 dias, contados da instauração do processo administrativo, para proferir a decisão final” [grifos no original].

            Trata-se, no entendimento de Lenza [2009, p. 830], “(...) da instauração da denominada instância administrativa de curso forçado[7], ao se instituir tal processo desportivo anterior, porém, não buscou condicionar o ingresso em juízo às partes envolvidas, em todas as questões de âmbito desportivo, mas apenas quanto à disciplina e às competições esportivas promovidas pelas entidades desportivas dirigentes.

            Pode indagar-se o porquê de ser tão veementemente expresso na CF/88, no seu art. 217, § 1º, de que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva, mas Canotilho [2006, p. 53], ao expressar o conceito histórico de Constituição[8], remete-nos a pesquisar a (des)organização do desporto brasileiro na elaboração dos campeonatos, notadamente na modalidade futebol de campo, nos anos anteriores à promulgação da CF/88[9], que conferiu o devido  valor à Justiça Desportiva.

            Cumpre salientar que, neste Estudo, apenas se discorre sobre as entidades privadas de administração do desporto, mas a título de ilustração, ressaltamos que, na forma do art. 24, IX e art. 30, I da CF/88, os Estados e Municípios, respectivamente, podem criar os seus sistemas desportivos, através da Administração Direta ou Indireta, como por exemplo, via autarquia de cunho desportivo, e seu respectivo órgão da Justiça Desportiva, ficando a discussão, porém, se estes entes administrativos estariam sob a égide do art. 217 ou do art. 37 da CF/88, ou, ainda, de ambos.

           4. Normas infraconstitucionais

            Conforme já descrito no item precedente, Da Silva [2000, p. 819], a Constituição impôs ao Estado o dever de fomentar as práticas desportivas, tanto formais quanto informais, em atenção ao já transcrito art. 217 da CF/88, elevando o desporto ao nível de direito social, resguardado na seara infraconstitucional, pela Justiça Desportiva.

            Aidar [2000, P. 18] explana que foi apenas no ano de 1941, em 14 de abril, através do Decreto-Lei nº 3.199, que se instituiu a primeira norma regulamentadora da Justiça Desportiva no Brasil.

            A norma infraconstitucional que rege atualmente o desporto brasileiro, é a Lei n. 9.615/98 (conhecida como “Lei Pelé”), que no seu artigo 1º reza:

            Art. 1º O desporto brasileiro abrange práticas formais e não-formais e obedece às normas gerais desta Lei, inspirado nos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito.

§ 1º A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.

§ 2º A prática desportiva não-formal é caracterizada pela liberdade lúdica de seus praticantes. [BRASIL. Ministério do Esporte. Código Brasileiro de Justiça Desportiva, 2004, p. 212].

            Há o Sistema Brasileiro do Desporto, estatal e de âmbito federal, que atua como gerenciador, tendo por objetivo garantir a prática desportiva regular e melhorar-lhe o padrão de qualidade, conforme a previsão do artigo 4º da Lei Pelé, que inclusive considera a organização desportiva do País, como “patrimônio cultural”:

            Art. 4º O Sistema Brasileiro do Desporto compreende:

            I - o Ministério do Esporte;[10]

            II -  [11]

            III - o Conselho Nacional do Esporte - CNE; [12]

            IV - o sistema nacional do desporto e os sistemas de desporto dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, organizados de forma autônoma e em regime de colaboração, integrados por vínculos de natureza técnica específicos de cada modalidade desportiva.

            § 1º O Sistema Brasileiro do Desporto tem por objetivo garantir a prática desportiva regular e melhorar-lhe o padrão de qualidade.

            § 2º A organização desportiva do País, fundada na liberdade de associação, integra o patrimônio cultural brasileiro e é considerada de elevado interesse social, inclusive para os fins do disposto nos incisos I e III do art. 5o da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993. [13]      

            § 3º Poderão ser incluídas no Sistema Brasileiro de Desporto as pessoas jurídicas que desenvolvam práticas não-formais, promovam a cultura e as ciências do desporto e formem e aprimorem especialistas. (grifamos) [BRASIL. Ministério do Esporte. Código Brasileiro de Justiça Desportiva, 2004, p. 214/215].

            Já o Sistema Nacional do Desporto, como antes observado, está compreendido no Sistema Brasileiro do Desporto, compondo-se na forma do seu art. 13, caput e parágrafo único, definindo o art. 16, caput, o que é entidade de administração do desporto[14], e o que são entidades de prática desportiva[15]:

            Art. 13. O Sistema Nacional do Desporto tem por finalidade promover e aprimorar as práticas desportivas de rendimento.

            Parágrafo único. O Sistema Nacional do Desporto congrega as pessoas físicas e jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, encarregadas da coordenação, administração, normalização, apoio e prática do desporto, bem como as incumbidas da Justiça Desportiva e, especialmente:

            I - o Comitê Olímpico Brasileiro-COB;

            II - o Comitê Paraolímpico Brasileiro;

            III - as entidades nacionais de administração do desporto;

            IV - as entidades regionais de administração do desporto;

            V - as ligas regionais e nacionais;

            VI - as entidades de prática desportiva filiadas ou não àquelas referidas nos incisos anteriores.

            [...]

            Art. 16. As entidades de prática desportiva e as entidades nacionais de administração do desporto, bem como as ligas de que trata o art. 20, são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo, e terão as competências definidas em seus estatutos.

§ 1º As entidades nacionais de administração do desporto poderão filiar, nos termos de seus estatutos, entidades regionais de administração e entidades de prática desportiva.

[...] [BRASIL. Ministério do Esporte. Código Brasileiro de Justiça Desportiva, 2004, p. 218/219].

            A Lei Pelé ainda prevê para as entidades de administração do desporto, congregadas no Sistema Nacional do Desporto, a obrigatoriedade da constituição da Justiça Desportiva. Confira-se:

            Art. 23. Os estatutos das entidades de administração do desporto, elaborados de conformidade com esta Lei, deverão obrigatoriamente regulamentar, no mínimo:

            I - instituição do Tribunal de Justiça Desportiva, nos termos desta Lei;

[...]. [BRASIL. Ministério do Esporte. Código Brasileiro de Justiça Desportiva, 2004, p. 221/222].

            E conforme anteriormente anotado, por força de competência prevista constitucionalmente (art. 24, IX e art. 30, I), a Lei Pelé estatui que Estados, Distrito Federal e Municípios também possam constituir os seus próprios sistemas, a teor da redação do seu artigo 25:

            Art. 25. Os Estados e o Distrito Federal constituirão seus próprios sistemas, respeitadas as normas estabelecidas nesta Lei e a observância do processo eleitoral.

Parágrafo único. Aos Municípios é facultado constituir sistemas próprios, observadas as disposições desta Lei e as contidas na legislação do respectivo Estado. [BRASIL. Ministério do Esporte. Código Brasileiro de Justiça Desportiva, 2004, p. 222].

            Os artigos 49 a 53 da Lei Pelé regulam a Justiça Desportiva, suas penas, e sua autonomia frente às entidades de administração do desporto, da seguinte forma:

            Art. 49. A Justiça Desportiva a que se referem os §§ 1.º e 2.º do art. 217 da Constituição Federal e o art. 33 da Lei n.º 8.028, de 12 de abril de 1990, regula-se pelas disposições deste Capítulo.

            Art. 50. A organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, serão definidas em Códigos Desportivos, facultando-se às ligas constituir seus próprios órgãos judicantes desportivos, com atuação restrita às suas competições.[16]

§ 1º As transgressões relativas à disciplina e às competições desportivas sujeitam o infrator a:

I — advertência;

II — eliminação;

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III — exclusão de campeonato ou torneio;

IV — indenização;

V — interdição de praça de desportos;

VI — multa;

VII — perda do mando do campo;

VIII — perda de pontos;

IX — perda de renda;

X — suspensão por partida;

XI — suspensão por prazo.

§ 2º As penas disciplinares não serão aplicadas aos menores de quatorze anos.

§ 3º As penas pecuniárias não serão aplicadas a atletas não-profissionais.

§ 4º Compete às entidades de administração do desporto promover o custeio do funcionamento dos órgãos da Justiça Desportiva que funcionem junto a si. [17]

Art. 51. O disposto nesta Lei sobre Justiça Desportiva não se aplica aos Comitês Olímpico e Paraolímpico Brasileiros.

Art. 52. Os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, compondo-se do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades nacionais de administração do desporto; dos Tribunais de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do desporto, e das Comissões Disciplinares, com competência para processar e julgar as questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a ampla defesa e o contraditório. [18]

§ 1º Sem prejuízo do disposto neste artigo, as decisões finais dos Tribunais de Justiça Desportiva são impugnáveis nos termos gerais do direito, respeitados os pressupostos processuais estabelecidos nos §§ 1.º e 2.º do art. 217 da Constituição Federal.

§ 2º O recurso ao Poder Judiciário não prejudicará os efeitos desportivos validamente produzidos em conseqüência da decisão proferida pelos Tribunais de Justiça Desportiva.

Art. 53. Junto ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, para julgamento envolvendo competições interestaduais ou nacionais, e aos Tribunais de Justiça Desportiva, funcionarão tantas Comissões Disciplinares quantas se fizerem necessárias, compostas cada qual de 5 (cinco) membros que não pertençam aos referidos órgãos judicantes e que por estes serão indicados. [19]

§ 1º [20]

§ 2º A Comissão Disciplinar aplicará sanções em procedimento sumário, assegurados a ampla defesa e o contraditório.

§ 3º Das decisões da Comissão Disciplinar caberá recurso ao Tribunal de Justiça Desportiva, nas hipóteses previstas nos respectivos Códigos de Justiça Desportiva.[21]

§ 4º O recurso ao qual se refere o parágrafo anterior será recebido e processado com efeito suspensivo quando a penalidade exceder de duas partidas consecutivas ou quinze dias. [BRASIL. Ministério do Esporte. Código Brasileiro de Justiça Desportiva, 2004, p. 234/235].

            Do art. 54 da referida Lei consta que o membro de órgão da Justiça Desportiva exerce função considerada de relevante interesse público, e sendo ele servidor público, terá abonadas suas faltas ao serviço, pois computar-se-á como efetivo exercício a participação nas sessões do órgão.

            O art. 55, caput, define em 9 (nove) o número de membros do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), que é o órgão judicante das entidades nacionais de administração do desporto (e última instância desportiva, na respectiva modalidade, por exemplo)[22], e dos Tribunais de Justiça Desportiva (TJDs), órgãos judicantes das entidades estaduais de administração do desporto (com competência na área territorial da respectiva federação, e apenas nas modalidades desta)[23], sendo: 2 (dois) indicados pela respectiva entidade de administração do desporto, 2 (dois) indicados pelos clubes que participem da divisão principal, 2 (dois) advogados, com notório saber jurídico desportivo, indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 1 (um) representante dos árbitros e 2 (dois) representantes dos atletas, por estes indicados.

            Os membros da Justiça Desportiva devem possuir conduta ilibada, e exceto obviamente os representantes indicados pela OAB, os demais não precisam ser bacharéis em direito, bastando possuírem notório saber jurídico (art. 54, § 4º).

            Podemos citar, ainda, o Estatuto do Torcedor (Lei n. 10.671/03), que delineou o esporte como relação de consumo, eis que “estabelece normas de proteção e defesa do torcedor[24], [mas aplicável] apenas ao desporto profissional [25]” [Câmara dos Deputados, 2003, p. 7/17], cujos artigos 34 a 36, tratando da relação do torcedor com a Justiça Desportiva, estabelecem:

            Art. 34. É direito do torcedor que os órgãos da Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, observem os princípios da impessoalidade, da moralidade, da celeridade, da publicidade e da independência.

Art. 35. As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais.[26]

§ 1º Não correm em segredo de Justiça os processos em curso perante a Justiça Desportiva.

§ 2º As decisões de que trata o caput serão disponibilizadas no sítio de que trata o parágrafo único do art. 5º.[27]

            Art. 36. São nulas as decisões proferidas que não observarem o disposto nos arts. 34 e 35. [Câmara dos Deputados, 2003, p. 15]

            De acordo com o art. 50, caput, da Lei Pelé, segundo Rezende [2010, p. 9-10], o Diploma que prevê a organização, o funcionamento, as atribuições da Justiça Desportiva, o processo desportivo, a previsão das infrações disciplinares desportivas e suas respectivas sanções, no que se refere ao desporto de prática formal realizado pelas entidades congregadas do Sistema Nacional do Desporto, é o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), aprovado pela Resolução n. 01/03, e atualmente consolidado pela Resolução n. 29/09, ambas do Conselho Nacional do Esporte (CNE).

Estão submetidos ao CBJD, em todo o território nacional, conforme a redação do seu art. 1º, § 1º, as entidades nacionais (confederações) e regionais (federações) de administração do desporto, as ligas nacionais e regionais, as entidades de prática desportiva (clubes, associações, grêmios, etc..), os atletas, sejam profissionais e não profissionais (anteriormente conhecidos como amadores), os árbitros, os assistentes e demais membros de equipes de arbitragem, as pessoas naturais que exerçam quaisquer empregos, cargos, funções, diretivos ou não, nas entidades anteriormente citadas (ex. médico, técnico, diretor), e todas as demais entidades compreendidas no Sistema Nacional do Desporto[28], que não tenham sido referidas precedentemente, bem como as pessoas naturais e jurídicas que lhes forem direta ou indiretamente vinculadas, filiadas, controladas ou coligadas.

Averbe-se que o CBJD será mais amplamente analisado nos itens seguintes.

           5. Procedimentos

            Segundo Wambier [2007, p.156], “O procedimento é o mecanismo pelo qual se desenvolvem os processos diante dos órgãos de jurisdição”, a “veste formal do processo”, no entendimento de Cintra, et al [1995, p. 265].

           

            E os procedimentos (também designados como rito), no processo desportivo, são o sumário e o especial, previstos no art. 34 do CBJD, sendo que o primeiro é aplicável às questões disciplinares (§ 1º), e o segundo, que se assemelha ao rito ordinário no processo civil, faz-se aplicável ao inquérito, à impugnação de partida, prova ou equivalente, ao mandado de garantia[29], à reabilitação, à dopagem (caso inexista legislação procedimental aplicável a modalidade), à suspensão, desfiliação ou desvinculação imposta pelas entidades de administração ou de práticas desportiva[30], à revisão, às medidas inominadas do art. 119[31], e à transação disciplinar desportiva (§ 2º).

No juízo cível os procedimentos são divididos em comum (ordinário, sumário e sumaríssimo), e em especiais (contencioso, voluntário, execução, cautelar), a serem examinados mais adiante.

6. Processo na Justiça Desportiva

Como bem apontou Schmitt [2007, p. 42]: “Na realidade, a Justiça Desportiva revela-se como meio ideal para solução de conflitos estabelecidos no âmbito desportivo, pois permite a solução rápida e devidamente fundamentada, a custos mínimos e de maneira eficiente, respeitados os princípios do devido processo legal”.

            E o prazo máximo para que sobrevenha a decisão final na instância desportiva, é de 60 (sessenta) dias, na forma do art. 217, § 2º, da CF/88, conforme explanado anteriormente no item 3.

Processo, em apertada síntese, é o instrumento pelo qual a jurisdição atua, para buscar a solução do direito, aplicando a lei ao caso concreto [Wambier, 2007, p. 156], a ser iniciado, in casu, conforme o CBJD, e desenvolvido por impulso oficial, à luz do estabelecido no seu art. 33.

O processo na Justiça Desportiva, denominado obviamente pelo CBJD de processo desportivo (art. 1º), tem, conforme o previsto no seu art. 2º, 16 (dezesseis) princípios a serem observados na sua aplicação e interpretação, sem prejuízo de outros, sendo que, além dos já constantes na Constituição e na legislação infraconstitucional, repetidos no próprio CBJD, podemos citar como inerentes, os da celeridade, economia processual, oralidade, e tipicidade desportiva.

            São denominados auditores, no âmbito da Justiça Desportiva, os membros integrantes dos órgãos judicantes, seja do STJD, TJD ou CD (art. 11)[32], cujo mandato é de 4 (quatro) anos, permitida apenas uma recondução; de procuradores, os membros integrantes da Procuradoria( art. 21), que têm competência para oferecer denúncias, dar pareceres, interpor recursos, entre outras; o defensor, que pode ser o próprio denunciado (jus postulandi), ou  qualquer pessoa maior e capaz (art. 21), impondo-se, porém, a nomeação de defensor dativo para o oferecimento de  defesa técnica no caso de a parte, facultativamente, assim o requerer, ou obrigatoriamente em se tratando de atleta menor de 18 (dezoito anos) - (art. 31).

            Na forma do art. 36 do CBJD os atos processuais não dependem de forma determinada, exceto quando exigida expressamente, sendo que, quando não há referência a prazo, este não poderá exceder a 3 (três) dias (art. 42, § 1º).

            A citação e a intimação, na forma do art. 47 do CBJD, além de serem dirigidas à entidade ao qual o denunciado estiver vinculado, far-se-ão por edital na sede do órgão judicante e no site eletrônico da respectiva entidade da administração do desporto.

            O processo desportivo permite a intervenção de terceiro (art. 55), desde que prove seu interesse legítimo e a vinculação direta com a quaestio, bem como todos os meios legais são hábeis para provar a verdade dos fatos alegados (art. 56).

            Na forma do art. 165-A, infere-se que a pretensão punitiva disciplinar da Procuradoria decai em 30 (trinta) dias relativamente às infrações dos atletas, e em 60 (sessenta) dias quando o CBJD não lhe haja fixado outro prazo; em 2 (dois) anos a pretensão ao cumprimento de sanções (contados do trânsito em julgado da decisão condenatória); em 8 (oito) anos nos casos de dopagem; e em 20 (vinte) anos nos casos de corrupção.

            No procedimento sumário, que se destina à aplicação de medidas disciplinares (art. 73), dá-se a deflagração do processo geralmente quando a entidade de administração do desporto, após o recebimento da súmula e do relatório da competição (ou partida) elaborada pelo árbitro(s), verificar indícios de irregularidades anotadas nos documentos (art. 76), remetê-los-á ao respectivo Tribunal (STJD ou TJD), cujo Presidente os receberá e despachará para a Procuradoria, que deverá manifestar-se em 2 (dois) dias, podendo oferecer denúncia ou requerer o arquivamento, sendo que, neste último caso, se o Presidente não concordar, encaminhará a matéria a outro Procurador; mantida a manifestação contrária à denúncia, ela será arquivada.

            Nos procedimentos especiais, regrados pelo art. 80 do CBJD, a diferença em relação ao procedimento sumário, é a de que qualquer interessado poderá postular, deste que inserto numa das situações previstas do art. 34, § 2º, e o pedido inicial deverá vir obrigatoriamente acompanhado de comprovante do preparo (exceto para a Procuradoria e para entidades de administração do desporto).

            Recebida a denúncia, no caso de procedimento sumário, ou ao término da instrução processual, no caso de procedimento especial, os autos serão conclusos ao Presidente do respectivo Tribunal, que no prazo de 2 (dois) dias, a contar do seu recebimento, sorteará relator, analisará a incidência de suspensão preventiva, designará dia e hora para a sessão de instrução e julgamento, determinando ainda, os atos de comunicação processual e demais providências cabíveis (art. 78-A do CBJD).

            Conforme o art. 121 do CBJD, no dia e hora designados, havendo quorum[33], o Presidente do órgão judicante declarará aberta a sessão de instrução e julgamento. Sobre este ato, processual, Francisco Xavier da Silva Guimarães [BRASIL. Ministério do Esporte. Código Brasileiro de Justiça Desportiva, 2004, p. 52], leciona que:

            O processo desportivo, por imposição de sua finalidade, adota o sistema concentrado de instrução e julgamento que se desenvolve, regularmente, com dispensa de formalidades, cuja brevidade, todavia, não pode ser confundida com açodamento prejudicial à segurança apuratória e à correta instrução procedimental, que se faz em tempo certo e de forma ampla, mediante reunião dos elementos probatórios, discussão e exame do caso concreto e de suas circunstâncias em momento único, findo os quais será proferido julgamento fundamentado. No modelo procedimental adotado pelo CBJD, os atos processuais, em regra, concentram-se em única audiência de instrução e julgamento que é contínua, no sentido de se completar, em uma só audiência. São as próprias partes, pessoalmente, ou por seus procuradores, que produzem as provas e invocam as razões a seu favor, sempre na presença dos julgadores.

            Consoante o art. 133 do Código, “Proclamado o resultado do julgamento, a decisão produzirá efeitos imediatamente, independentemente de publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores, desde que regularmente intimados para a sessão de julgamento, salvo na hipótese de decisão condenatória, cujos efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação” [Rezende, 2010, p. 59].

            Desta decisão, caso tenha sido proferida por Comissão Disciplinar (CD) de Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) da respectiva modalidade[34], caberá, na forma do art. 136 do CBJD, recurso voluntário, ao Pleno deste mesmo Tribunal, que será protocolado perante o órgão judicante a quo, no prazo de 3 (três) dias, contados da proclamação do resultado do julgamento (art. 138), e terá efeito suspensivo, por força do art. 53, § 4º da Lei Pelé, quando a penalidade exceder de duas partidas consecutivas ou de quinze dias.

            Do decidido pelo Pleno do TJD caberá recurso voluntário ao Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) da respectiva modalidade[35], observados os pressupostos antes explicitados.

            As decisões do Pleno do STJD são irrecorríveis, consoante a redação do art. 136, § 1º do CBJD (salvo disposição diversa deste[36]), ou na regulamentação internacional específica da respectiva modalidade.

         

           7. Possibilidade de manejo na esfera cível

            Na forma do parágrafo único do art. 133 do CBJD, “Nenhum ato administrativo poderá afetar as decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva” [Rezende, 2010, p. 59], significando, assim, que a entidade de administração do desporto (seja no âmbito nacional, estadual ou municipal), após o trânsito em julgado, deverá executar a penalidade aplicada.

            Suponhamos que determinada entidade de prática desportiva, participante de campeonato profissional de futebol de campo, promovido por determinada entidade dirigente do desporto, incluiu um atleta em sua equipe que não tinha condição legal de jogo (estava suspenso), na última rodada do certame, quando se encontrava na última colocação.

Com a deflagração do processo desportivo, denunciada que foi por violação ao art. 214 do CBJD, por ter escalado atleta em situação irregular para participar de partida[37], restou apenada, em primeira instância com a perda de 3 (pontos), mais multa de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a ser quitada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, à vista[38], decisão que foi mantida pela instância ad quem e transitou em julgado.

Por ter sido rebaixada de divisão e, em dificuldades, a entidade, tão logo encerrou a sua participação no campeonato, desativou o seu departamento de futebol e pediu licença à entidade dirigente do desporto por tempo indeterminado, o que lhe foi deferido.       

            A pena de perda de 3 (três) pontos foi executada de pronto, tão logo deu-se o trânsito em julgado da decisão, por ato administrativo da entidade dirigente.

            Mas quanto à execução da multa de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), em que pese a entidade dirigente do desporto ter notificado regularmente a apenada para quitá-la no prazo fixado pelo Tribunal, ela quedou-se inerte.

            Em assim sendo, pela hipótese aventada, a entidade de prática desportiva permanece inadimplente com a pena de multa aplicada por órgão da Justiça Desportiva. 

            Como a apenada encontra-se licenciada por tempo indeterminado, a entidade dirigente do desporto, e o seu órgão judicante, não têm poder de coerção para instá-la ao pagamento[39], tendo em vista que conforme até agora explanado, e resumido no entendimento de Lenza [2009, p. 831], “as atribuições da Justiça Desportiva limitam-se, exclusivamente, ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas[40].

            A questão que exsurge, então, é: haveria a possibilidade de a entidade dirigente do desporto[41] valer-se do Juízo Cível para cobrar o crédito que tem com o apenado, filiado seu, oriundo de decisão da Justiça Desportiva?

            A resposta é positiva, pois tendo havido lesão a direito, na forma do art. 5º, inc. XXXV, da CF/88, é assegurado o direito de ação perante o Poder Judiciário, devendo considerar-se, ainda, o entendimento consagrado de Reale [1999, p. 77], de que no caso das ordenações jurídica não estatais, “O Estado é o detentor da coação em última instância”.

            Para Nery Jr., apud Moraes [2005, p. 72], “podemos verificar que o direito de ação é um direito cívico e abstrato, vale dizer, é um direito subjetivo à sentença tout court, seja essa de acolhimento ou de rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da ação”.

            Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência que “Ninguém pode ser impedido de ter acesso ao judiciário. O direito de ação, assegurado no artigo 5º, inciso XXXV da CF, é incondicionado. É o princípio da Indeclinabilidade ou da Inafastabilidade da Jurisdição” [Tribunal Regional Federal da 1ª Região. AC nº 200033000262290].

           

            Pelo prisma restrito das condições da ação, quais sejam, interesse processual, legitimidade das partes, e possibilidade jurídica do pedido, não se encontra óbice para a executoriedade de decisões da Justiça Desportiva no Juízo Cível, pois, como se vê no caso hipotético em exame, a entidade de administração do desporto apresenta-se como parte legítima ativa e a associação apenada como legitimada passivamente; tem a primeira necessidade/interesse de exercer o seu direito de ação, fundado no inadimplemento de multa aplicada por órgão competente, e não dispõe de meio de coerção na via administrativa.

           8. Executoriedade

A decisão da Justiça Desportiva gerou uma obrigação, que, sabidamente, “É o vínculo de direito pelo qual alguém (sujeito passivo) se propõe a dar, fazer ou não fazer qualquer coisa (objeto), em favor de outrem (sujeito ativo)” [Rodrigues, 2002, p. 3/4], necessitando assim, do acesso à via jurisdicional ou judicial.

            Sendo juridicamente plausível a executoriedade de decisão da Justiça Desportiva no Juízo Cível, merecem análise aspectos tais como a natureza dessa mesma decisão[42], o tipo de ação e de rito a ser empregado, o prazo decadencial e prescricional. E mais: seria – a decisão – um título de crédito típico (ou nominado), ou atípico (ou inominado), um instrumento público ou particular? Ou apenas uma prova documental?

            Segundo Nunes [2004, p. 159], “A determinação do procedimento, ou seja, do rito, do caminho a ser trilhado pelos litigantes e pelo juiz, no desenrolar da relação processual, é feita por exclusão. Apresentados os fatos, deve-se verificar de qual providência necessita o cliente.”

9. Prescrição e decadência

            Prevista no art. 189 do Código Civil de 2002 (CC/02)[43], a prescrição, segundo Meirelles [2008, p. 740], “[...] é a perda da ação pelo transcurso do prazo ou pelo abandono da causa durante o processo. Não se confunde com decadência ou caducidade, que é o perecimento do direito pelo não exercício no prazo fixado em lei”, esta regulada no art. 207 a 211 do CC/02.

            Machado [2008, p. 157], em harmonia com o CC/02, define prescrição como sendo “[...] a perda ou a extinção da pretensão, por relacionar-se com um direito subjetivo”, e a decadência sendo “[...] conceituada como a perda de um direito em decorrência da ausência de seu exercício” [ob. cit, p.179].

            Ainda segundo Meirelles [2008, p. 740], “A prescrição admite suspensão e interrupção pelo tempo e formas legais; a decadência ou caducidade não permite qualquer paralisação da fluência do prazo, uma vez iniciado”.

            Os prazos prescricionais estão regulados nos artigos 205 e 206 do CC/02.

            É de se entender, então, que se a decisão da Justiça Desportiva não está catalogada nas hipóteses previstas do art. 206 do CC/02, o prazo prescricional haverá de ser, na hipótese em cogitação, o previsto no art. 205 do CC/02: qual seja, 10 (dez) anos:

            Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não haja fixado prazo menor.

           

            Poderia sobrevir alguma dúvida quanto à aplicabilidade do art. 206, § 5º, do CC/02, mas só seria aplicado no caso de “[...] propositura de ação condenatória em sentido amplo, visando o recebimento de crédito de valor consubstanciado em instrumento público ou particular [...], aos contratos em geral, bem como aos negócios jurídicos nos quais se convenciona a confissão de uma dívida” [Machado, 2008, p. 177].

            Qual seria o termo inicial do prazo prescricional e decadencial na hipótese exemplificativa em exame? Entendemos, fulcrado no art. 189 do CC/02, que seria a partir da data em que configurado o inadimplemento, ou seja, após vencido o prazo concedido na Justiça Desportiva para o adimplemento da obrigação, na forma do art. 176-A do CBJD[44], mas por segurança, poder-se-á considerar como marco inicial o trânsito em julgado na esfera desportiva.

10. Espécies

            Nunes [2004, p. 158] define as espécies de processo com supedâneo no art. 270 do CPC, em de conhecimento, de execução, e cautelar; já para as espécies de procedimento, reporta-se a comum (ordinário ou sumário) e em especial (jurisdição contenciosa, jurisdição graciosa, execuções e ações cautelares).

            Nos itens subsequentes as espécies procedimentais serão examinadas separadamente, com vistas à definição daquela que mais se presta ao exemplo versado neste estudo.

11. Execução

            Entendemos que uma decisão da Justiça Desportiva não pode ser “executada” no Juízo Cível, tanto por não se enquadrar no rol dos títulos executivos extrajudiciais, conforme o rol do art. 585 do CPC, quanto por não preencher os requisitos do art. 586 do mesmo Código (obrigação certa, líquida e exigível).

            Pois, “O título que autorize a execução é aquele que, prima facie, evidencia certeza, liquidez e exigibilidade da prestação a que o devedor se obrigou, que permite que o credor lance mão de pronta e eficaz medida para o seu cumprimento”, segundo Nery Jr. [2010, p. 1036].

            Assim, sobeja incabível a via execucional para dar executoriedade a decisão da Justiça Desportiva no Juízo Cível.

12. Monitório

            Segundo o art. 1.102-A do CPC: “A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel. [Negrão, 2008, p. 1096]

            Santos, apud Nunes [2004, p. 527], ressalta que “não é qualquer forma escrita que faz o título hábil para o pedido monitório. Mister que o que nela se contém revele obrigação certa, líquida e exigível”.

            Nery Jr. [2010, p. 1291], é assente em afirmar que “Documento elaborado unilateralmente pelo credor não é hábil para aparelhar ação monitória [...] [pois] [...] Exige-se a prova escrita em sentido estrito, para que se admita a ação monitória”.

            Assim, incabível é esta espécie de procedimento especial de jurisdição contenciosa do processo cognitivo para dar executoriedade a decisão da Justiça Desportiva no Juízo Cível.

            O que poderia gerar dúvida seria a possibilidade de, no processo desportivo, constar declaração de dívida, pois autorizaria o manejo de ação monitória, mas, em tal caso, ela estaria sendo ajuizada por conta dessa declaração, e não da decisão da Justiça Desportiva.

13. Conhecimento

            Para Nunes [2004, p. 159], “Tratando-se de direito contestado, controvertido, a tutela necessária é de conhecimento”, sendo que “O âmbito do procedimento ordinário é estabelecido por exclusão”.

            Estamos em que, no Juízo Cível, o processo desportivo, incluída sua conseqüente decisão, seria apenas uma prova documental, definível como “[...] real, no sentido de ser constituída por uma coisa (res)” [Wambier, 2007, p. 439], classificada como documento[45] particular[46], e autêntico.

           

            Assim, na forma do art. 270 e seguintes do CPC, a espécie adequada para dar conseqüência prática à decisão da Justiça Desportiva no Juízo Cível é o processo de conhecimento, pelo procedimento comum ordinário.

14. Defesa

            Para Cintra [1995, p. 271], “Tanto como o direito de ação, a defesa é um direito público subjetivo (ou poder), constitucionalmente garantido como corolário do devido processo legal e dos postulados em que se alicerça o sistema contraditório do processo” (grifos constam no original).

            Segundo Wambier [2007, p. 343], “O réu não busca, na defesa, o reconhecimento de uma afirmação de direito, mas sim excluir o direito do autor”.

            A dúvida que emerge nesse ponto é sobre qual seria o alcance da defesa (in casu, pela entidade de prática desportiva), em sede de procedimento comum ordinário.

            Dito de outro modo: estaria o Poder Judiciário adstrito apenas ao exame da legalidade, não podendo emitir juízo de mérito sobre a decisão da Justiça Desportiva, ou não? 

            A resposta é de ser dada conforme o entender de Schmitt [2007, p. 38]. Observe-se:

            “A autonomia das entidades desportivas, prevista no art. 217, CF/88, não pode ser interpretada como independência, muito menos com soberania. A constitucionalização não teve o condão de ampliar o seu alcance, nem afastá-las do controle administrativo ou jurisdicional competentes, pois autonomia é autodeterminação dentro da lei. [...]”.

Se não bastasse o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inc. XXXV), a própria Lei Pelé, no seu art. 52, § 2º, assim dispõe:

            Art. 52. [...]

[...]

§ 1º Sem prejuízo do disposto neste artigo, as decisões finais dos Tribunais de Justiça Desportiva são impugnáveis nos termos gerais do direito, respeitados os pressupostos processuais estabelecidos nos §§ 1.º e 2.º do art. 217 da Constituição Federal. [BRASIL. Ministério do Esporte. Código Brasileiro de Justiça Desportiva, 2004, p. 235].

  

            Enfim, o alcance da atuação do Poder Judiciário é tamanho, que lhe seria dado, no exemplo em apreço, adentrar inclusive na análise da prescrição e da decadência da ação desportiva (165-A), ou mesmo perquirir se o processo se ateve aos cânones da ampla defesa e do contraditório (p. ex., foi julgado à revelia, sem defensor), ou até mesmo sindicar o relato do árbitro na súmula da partida.

 15. Conclusão

            Com este estudo, elaborado sob a forma de artigo científico, chegou-se à conclusão, antes incursionando pela seara constitucional e infraconstitucional, pelos meandros do processo desportivo em si, e pelos pressupostos processuais da ação, que é possível a executoriedade de decisão da Justiça Desportiva no Juízo Cível, desde que pelo processo de conhecimento, observado o procedimento comum ordinário, tendo o réu, na sua defesa, a faculdade de utilizar-se de todos os recursos e meios a ela inerentes, ante a amplitude que é constitucionalmente assegurada ao Poder Judiciário de adentrar no mérito daquela decisão.

16. Referências das fontes citadas

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17. Referências das fontes pesquisadas

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Sobre o autor
Marcos Roberto Banhara

Advogado, Bacharel pela UNERJ (Jaraguá do Sul), Especialista em Direito Processual Civil pelo CESUSC (Florianópolis), Advogado de Câmara Municipal, e de Clube de Futebol. Foi Procurador e Auditor de Comissão Disciplinar de SDR e da FESPORTE em Santa Catarina. Prestação de serviços na obtenção da cidadania italiana (eis que também a possui).

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de pós-graduação Lato Sensu em Direito Processual Civil, da Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis, como requisito à obtenção do título de Especialista.

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