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STF: um tribunal redesenhado para o julgamento do mensalão

24/05/2014 às 10:36
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O tempo passou. Dois ministros indicados pelo governo se aposentaram e a hora do julgamento dos Embargos estava chegando. E agora, o que fazer? Houve uma mudança de perspectiva na escolha.

É de conhecimento notório o resultado do recente julgamento na Suprema Corte brasileira (STF) que julgou os Embargos Infringentes interpostos em face de decisão da própria Corte em que inicialmente se condenou alguns políticos – que vieram a ser conhecidos pelo grande público como mensaleiros – também pelo crime de formação de quadrilha. Como consequência desse novo julgamento, tem-se a redução drástica das respetivas penas.

Além do ar de impunidade deixado pela absolvição, convém descrever a talentosa manobra que o governo federal praticou para conseguir essa alteração no resultado do julgamento. Para entendê-la, é necessário voltar um pouco no tempo a fim de observar que o governo Lula e sua sucessora indicaram para as vagas de Ministro da Excelsa Corte exclusivamente candidatos historicamente ligados à esquerda, seja na militância, seja na ideologia, seja mesmo na condição de prestador de serviço – como um advogado, por exemplo. Obviamente, várias dessas indicações são inquestionáveis do aspecto meritório do então candidato a julgador constitucional. Todavia, o elevado valor intelectual dos indicados não exclui obrigatoriamente o vetor ideologia mencionado acima.

Dessa forma, o comprometimento com o partido ficou, sim, nítido nas indicações anteriores ao cargo de Ministro do STF. Contudo, em que pese esse vínculo anterior, alguns desses julgadores – mesmo que sejam afinados ideologicamente – ante aos fatos e às provas demonstradas na Ação Penal n. 470 e, sobretudo, frente ao clamor nacional, julgaram e condenaram os réus para o desespero da militância partidária.

O tempo passou. Dois ministros indicados pelo governo se aposentaram e a hora do julgamento dos Embargos estava chegando. E agora, o que fazer? De fato, indicar outro candidato seguindo os mesmos critérios anteriores não seria garantia de absolvição. Pois bem. Houve uma mudança de perspectiva na escolha. Em vez de procurar candidatos que eventualmente tivessem sintonia com o ideário de esquerda, por que não buscar pretensos Ministros – de notável saber jurídico e reputação ilibada como pede a CF, art. 101 – que já tivessem se posicionado contrários à condenação, seja doutrinariamente, seja decidindo em casos similares? E foi exatamente esse um dos critérios adotados na procura dos futuros Ministro da mais alta Corte do Brasil.  

Naturalmente que os dois novos Ministros têm currículo e história para fazer jus à confiança da Presidente da República; no entanto, por coincidência: um tinha escrito um artigo em que defendia que o STF tinha endurecido nas penas, afastando-se da sua jurisprudência; enquanto o outro tinha prolatado reiteradas decisões absolvendo acusados em processos de natureza similar. Nesse sentido, tendo, pois, uma interpretação muito favorável aos réus nos crimes de formação de quadrilha. Nos dois casos, a absolvição era uma convicção prévia dos futuros ministros.  Pensar de forma diferente a respeito de eventual crime a ser tipificado em determinada conduta é perfeitamente plausível sob o viés de uma ciência humana como o Direito; entretanto, escolher um julgador sob essa perspectiva choca-se com a Constituição cuja redação é exemplar ao proibir a formação de um Tribunal de Exceção, ou seja, formado especialmente para dirimir determinado litígio. No caso, não se forjou todo o Tribunal, mas parte dele. Portanto, além da violação à ética pública, a Carta Magna foi violada, porquanto o Princípio do Juiz Natural, artigo 5, inciso LII, condiciona os julgamentos por juízes preestabelecidos para aquela função, e não, como consequência lógica, por julgadores escolhidos por sua convicção prévia em determinado sentido. Não se poderia pensar num ministro ad hoc, quer dizer, escolhido para determinado julgamento. 

O critério de escolha antes ideológico voltou-se agora a uma racionalidade bem definida. Uma necessidade premente que até deixou de lado provisoriamente um projeto hegemônico de se formar uma corte constitucional de esquerda. Com efeito, como resultado imediato, obteve-se a sonhada absolvição do crime de formação de quadrilha dos mensaleiros. Por outro lado, porém, mediatamente, é imprevisível se aferir com segurança quem sairá ganhando nos próximos julgamentos: o governo ou a Justiça?

Os candidatos escolhidos pelo governo e consagrados em votação pelo Senado Federal têm personalidade e refinamento intelectual de sobra para fazerem a sua própria história como juízes constitucionais. O que se vier a se concretizar, nos embates seguintes, trará benefícios significativos à Justiça brasileira. De outra banda, se ocorrer o inverso, só o tempo demonstrará a extensão do prejuízo à nação, restando à história narrá-lo e, assim, imortalizá-lo. 

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Sobre o autor
Fernando Rister de Sousa Lima

Doutor pela Faculdade de Direito da PUC/SP com estágio doutoral na Universidade de Estudos de Macerata/Itália - CAPES. Foi pesquisador visitante na Universidade de Estudos de Lecce/Itália.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando Rister Sousa. STF: um tribunal redesenhado para o julgamento do mensalão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3979, 24 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28569. Acesso em: 22 dez. 2024.

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