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Improbidade administrativa:

21 anos da Lei 8.429/92

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21/05/2014 às 18:06
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A responsabilidade por improbidade vem ensejando uma mudança diuturna: do agente público, na administração da coisa pública, do Povo, no controle dos agentes, do Estado, no zelo com seu patrimônio e do Ministério Público, na fiscalização das condutas.

Sumário: 1) INTRODUÇÃO. 2) IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 3) VISAO HISTÓRICA. 4) BASE CONSTITUCIONAL DE 1988. Autonomia Constitucional da responsabilidade administrativa. 5) LEI 8429/92. Autor na ação de improbidade. Réu na ação de improbidade. Infrações. Sanções - gradação das penas. Princípio da insignificância e a LIA. Procedimentos cautelares na LIA. Afastamento liminar do agente público. Processo Judicial. Notificação prévia. Recebimento inicial. MP e improbidade. Inexistência de foro privilegiado. Prescrição. 6) CONCLUSÃO. 7) REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


INTRODUÇÃO

Quando se estuda a responsabilidade por improbidade administrativa é necessário ter a visão da importância do tema no direito brasileiro, bem como a consolidada visão jurisprudencial do tema.

A força constitucional dessa responsabilidade é um pilar mor e norteador que levou o legislador infraconstitucional a implementar legislação cogente e eficaz. A Lei 8249/92 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) marcou a realidade do País e trouxe uma grande conquista para toda sociedade.

O ordenamento jurídico, com respaldo na Carta Maior, buscou normas para combater a improbidade administrativa. Interessante lembrar a lição de Kyoshi Harada1, de que “a improbidade administrativa é um cancro que corrói a administração pública. Pelo seu efeito perverso, que afeta a vida da sociedade causando descrédito e revolta contra a classe dirigente em geral, acaba por minar os princípios basilares que estruturam o Estado Democrático de Direito”.

Evitar e combater a corrupção na administração pública e a desonestidade dos agentes públicos responsáveis pela Administração Pública foi o foco da Lei de Improbidade Administrativa – LIA.

A existência da Lei não importou na extinção da corrupção na esfera pública do Brasil, mas a norma veio garantir que o exercício de cargo/função pública pelo agente público, seja realizado em prol do Povo, detentor do Poder, e na visão republicana da coisa pública.


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Quando se estuda, ainda que brevemente, a LIA, deve-se, inicialmente, esmiuçar o conceito de improbidade.

Discorrendo acerca de improbidade De Plácido e Silva2, diz que “improbidade revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral.”

A caracterização e conceituação do ato de improbidade administrativa é motivo de acirradas discussões doutrinárias, posto que não encontra definição clara na Constituição Federal, como leciona José Adércio Leite Sampaio3:

"Releva notar que a Carta Federal não define o que seja (im)probidade administrativa, posto que a ela se refira diversas vezes. Entretanto, dispõe que -os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao patrimônio público, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível' (CF, art. 37, 4°)

Consoante já referido, a improbidade em geral é a qualidade da ação ímproba, ou seja, desvestida de honestidade, pundonor, dignidade, brio, de bom caráter, de boas intenções, de honradez, de justiça e de retidão."

A doutrina, entretanto, não deixou de conceituar o tema. Segundo Luiz Alberto Ferracini4, “entende-se por ato de improbidade má qualidade, imoralidade, malícia. Juridicamente, lega-se ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter”.

Para Marçal Justen Filho5, “improbidade administrativa consiste na ação ou omissão violadora do dever constitucional de moralidade n exercício da função pública, que acarreta a imposição de sanções civis, administrativas e penais, de modo cumulativo ou não, tal como definido em lei”

De acordo com Pazzaglini Filho6,

revela-se improbidade administrativa no emprego da negociata na gestão pública, que vai desde auferimento do administrador ou de terceiro de ganhos patrimoniais ilícitos, concessão de favores e privilégios ilegais, exigência de propinas, mesmo para atendimento de pedidos legítimos de particulares, desvio ou aplicação ilegal de verbas públicas, sectanismo do comportamento da autoridade, privilegiando, no exercício funcional, o interesse pessoal em relação ao público, até tráfico de influência nas esferas públicas, bem como exercício deturpado ou ineficiente das funções públicas com afronta acintosa aos princípios constitucionais que as regem.

Improbidade administrativa, enfim, define-se como o comportamento que viola a honestidade e a lealdade esperadas no trato da coisa púbica, seja na condição de agente público ou de parceiro privado. Improbidade administrativa representa a desconsideração da lealdade objetivamente assumida por quem lida com bens e poderes cujo titular último é o povo.7


VISAO HISTÓRICA

O reconhecimento do avanço obtido no combate à improbidade desde a Carta de 1988 não obsta uma visão histórica de como a legislação brasileira veio abordando a responsabilidade administrativa da conduta do agente público.

O Decreto–lei nº 3240 de 8/05/1941 foi uma das primeiras normas disciplinando o tema. Em seu artigo 1º anotava: “ ficam sujeitos a sequestro os bens de pessoa indiciada por crime de que resulta prejuízo para a fazenda pública, ou por crime definido no Livro II, Títulos V, VI e VII da Consolidação das Leis Penais desde que dele resulte locupletamento ilícito para o indiciado.”

Com a redemocratização do País, a CF 1946, fixou em seu art. 141, § 31 a seguinte norma:

“ Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§ 31 - Não haverá pena de morte, de banimento, de confisco nem de caráter perpétuo. São ressalvadas, quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar em tempo de guerra com país estrangeiro. A lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica,

Posteriormente, a conhecida Lei Pitombo-Godoi (Lei 3164/57), abordou o tema ao possibilitar “o seqüestro e a perda em favor da Fazenda Pública dos bens adquiridos por servidor público, por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que tenha incorrido. A referida lei, ademais, estabelecia que mesmo a absolvição ou extinção da ação penal no juízo criminal não impediria a incorporação à Fazenda Pública dos bens, ressalvado o direito de terceiros de boa fé. Instituía, outrossim, que o processo seria promovido por iniciativa do Ministério Público ou de qualquer pessoa do povo, além de determinar o registro público obrigatório de bens e valores dos servidores públicos”8.

No ano se 1958 a Lei 3502 (Lei Bilac Pinto) veio regulamentar o seqüestro e o perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso do cargo ou função

Em 29 de junho de 1965, com o objetivo de proteger o patrimônio público contra atos ilegais e lesivos, editou-se a Lei 4.717, que regulou a ação popular.

No período da ditadura militar, o AI 14/69 ao dar nova redação ao art. 150, §1º da CF que passou para art. 153, §11 fixou:

“ Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes;

(...)

§ 11. Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa, psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva, no têrmos que a lei determinar. Esta disporá, também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício do cargo, função ou emprêgo na Administração Pública, direta ou indireta.

A égide constitucional de 1988 veio a reforçar o combate à improbidade administrativa e determinar um legislação mais eficaz e capaz de combater a ilegalidade, imoralidade no trato da coisa pública.


BASE CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal de 1988, a Carta Cidadã, nas palavras do Dep. Ulisses Guimarães, legou ao País uma visão moderna e atual da relação Poder e Povo.

Em seu art. 1º. parágrafo único, a Carta indica, claramente, o detentor do Poder:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Desta forma, como titular de todo Poder, o Povo, ao conceder a ação do Poder aos seus Representantes, determinou que a Administração Pública do Estado, observasse vários princípios, impondo forte responsabilidade a atos de improbidade.

Alexandre de Moraes9 pontuou que

“a finalidade do combate constitucional à improbidade administrativa é evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois como já salientava Platão, a punição e afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretende fixar uma regra proibitiva, de que os servidores públicos não se deixem ‘induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesse s do Estado’”

O combate à improbidade administrativa está, então, prevista no artigo 37, parágrafo 4º, a Constituição Federal nos seguintes termos:

"Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.."

Lado outro a CF/88 definiu como crime de responsabilidade do Presidente da República a prática de ato que viole a probidade administrativa:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

(...)

V - a probidade na administração;

Não se olvida, ainda, a previsão da Lei Maior de cassação de direitos políticos por atos de improbidade:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

(...)

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Desta forma, o Texto Maior deixou patente a forte imputação de responsabilidade criada pela defesa da probidade administrativa, lançando as bases para a responsabilização administrativa da improbidade com fundamento constitucional.

Autonomia constitucional da responsabilidade administrativa

O conjunto de normas do Texto Constitucional firmou uma imputação e autonomia de responsabilidade por ato de improbidade administrativa.

Essa autônoma foi bem analisada por José Roberto Pimenta Oliveira10. Não pela inserção na Carta da expressão “improbidade administrativa”, mas principalmente pela correta relação entre o Povo e aquele que exerce a função/cargo público (art. 1º, caput e parag. único).

A autonomia constitucional da responsabilidade por improbidade administrativa se embasa, então, na sistemática de princípios fundamentais, do tratamento da res publica, ou seja o agir em exercício de função pública é uma atuação em nome da sociedade, do sérico em prol do detentor do Poder, o Povo.

Por certo, essa conduta importa em que o exercício de qualquer missão pública, seja pautado na transparência, prestação de contas e responsabilidade.

Por isso a construção de direitos e garantias fundamentais, no art. 5º., entre eles o do cidadão de exigir a proteção, por ação popular, contra a prática de ato lesivo ao patrimônio público, compreendido os patrimônios moral, histórico, cultural e ainda o meio ambiente.

Assim, a Constituição da República de 1988, fazendo jus ao seu título de Constituição Cidadã, trazendo clara autonomia a responsabilidade por ato de improbidade administrativa, veda a prática de improbidade administrativa, razão pela qual foi editada a Lei n. 8.429/92, prevendo várias formas de lesão aos princípios que regem a Administração pública ou que causam lesão ao erário, estabelecendo as respectivas punições.


A LEI 8249/92

A Lei de Improbidade Administrativa foi promulgada em junho de 1992 e se originou do Projeto de Lei nº 1.446/91, encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo.

É importante marco legal para a responsabilização de ato de improbidade administrativa.

Após a regulamentação trazida pela referida lei, passou-se a punir não somente as condutas do administrador público que causem lesão ao erário, como ocorre no enriquecimento ilícito, mas, também, aquelas que afrontem os princípios que regem sua atividade.

Serve lição do Min. Heman Benjamin11:

“Como seu próprio nomen iuris indica, a Lei 8.429/92 encontra na moralidade administrativa o bem jurídico protegido por excelência, valor abstrato e intangível, nem sempre reduzido ou reduzível à moeda corrente.

A conduta ímproba não é apenas aquela que causa dano ao Erário. Se assim fosse, a Lei da Improbidade Administrativa se resumiria ao art. 10 ("Seção II - Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário", para utilizar as palavras da própria Lei, com meu grifo), emparedados e esvaziados de sentido, por essa ótica, os arts. 9° e 11. Logo, sobretudo no campo dos princípios administrativos, o dano aos cofres públicos é somente uma das modalidades de dano à moralidade administrativa; lá temos a espécie, aqui, o gênero”

Lado outro, a moralidade e legalidade encontraram reforço eficaz na imposição da conduta correta ao agente público, mormente diante do art. 11 da LIA.

Nesse sentido, pertinente a lição de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves12, a respeito do artigo supramencionado:

"A leitura do caput do dispositivo denota claramente que a improbidade poderá estar consubstanciada com a violação aos princípios da legalidade e da imparcialidade (rectius: impessoalidade), o mesmo ocorrendo com a inobservância dos valores de honestidade e lealdade às instituições, derivações diretas do princípio da moralidade. A moralidade, por sua vez, concentra o sumo de todos os valores extraídos dos princípios regentes da atividade estatal, o que permite dizer que a tipologia constante do art. 11 da Lei n. 8.429/92 a todos alcança, ainda que advenham de princípios implícitos no sistema. Evidentemente, o rol de princípios constante do art. 11 é meramente exemplificativo, pois não seria dado ao legislador infraconstitucional restringir ou suprimir aqueles previstos na Constituição."

Ressalto, ainda, que a jurisprudência já firmou entendimento da necessidade de conduta de má-fé do ato improbo. Por isso, anotou o Ministro Luiz Fux13:

"É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade”

Deve-se lembrar, outrossim, que decorre da sistemática da Lei de improbidade administrativa a dispensabilidade da ocorrência de dano patrimonial, bastando o atentado aos princípios regentes da atividade administrativa para ensejar a aplicação da norma, em determinada conduta.

Cumpre, então, discorrer, em breve colocações, acerca dos pontos primordiais da LIA.

Autor na ação de improbidade

O autor (sujeito passivo que sofre o ato ímprobo) da Lei 8429/92 é a pessoa jurídica efetivamente afetada pelo ato, bem como pode ser autor o Ministério Público.

O art. 17 da LIA disciplina:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

O art. 1º., caput e parágrafo único da lei é claro ao elencar essas pessoas jurídicas que podem ser autor:

a).administração direta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território,

b).administração indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território,

c).empresa incorporada ao patrimônio público

d)entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual;

e) entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

Réu na ação de improbidade

Réu ou sujeito ativo é quem pratica o ato ímprobo. A lei cuida como sendo o agente público, que age com ou sem a cooperação de terceiro.

A LIA trata do agente público de forma ampla, e veio a disciplinar em artigos diferentes o agente público (art. 2º.) e o terceiro (art. 3º).

Adotando essa separação a LIA definiu quem é o agente público e quem será considerado o terceiro.

O sujeito ativo é previsto no art. 2º. da LIA é qualquer agente público, ou seja, qualquer pessoa que exerça ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por força de eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato ou cargo nas entidades que figuram como sujeito passivo do ato de improbidade administrativa.

Interessante destacar que a LIA estipula no art. 3° que as disposições da lei são aplicáveis àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Infrações

Segundo o Ministro Luiz Fux14,

"a Lei 8.429/92 da Ação de improbidade administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa."

A LIA disciplinou, detalhadamente, no art. 9º. os ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito, no art. 10 os ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário e no art. 11 os ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública. A definição tripartite, entretanto, não os coloca como condutas separadas, sendo patente que há uma conexão entre os artigos, como já firmou entendimento o STJ no Resp 842428/ES, Relatado pela Mina. Eliana Calmom.

Na definição das condutas, a forma prevista no caput dos arts. 9º, 10 e 11 permite enquadrar diversas situações de fato, o que, na lição de Fábio Medina Osório visa dar "flexibilidade normativa aos mecanismos punitivos, de tal modo a coibir manobras formalistas conducentes à impunidade"15. Lado outro, os incisos dos artigos especificam condutas especificas, sem que haja uma restrição entre incisos e caput, que se complementam e não se excluem. Há, pois, uma autonomia funcional e complementar, naquilo que José Roberto Pimenta Oliveira16 ensinou que “os tipos específicos dos incisos não esgotam a possibilidade de enquadramento de condutas ímprobas, mas elas precisam ser reconduzidas ao caput".

Essa forma, conduz a um "enquadramento do infindável número de ilícitos passíveis de serem praticados, os quais são frutos inevitáveis da criatividade e do poder de improvisação humanos"17 e confere ao Poder Judiciário uma função maior de destaque ao aplicar a LIA, observando os parâmetros legislativos e administrativos de integração.

A improbidade administrativa, disciplinada pela LIA, exige como elemento de enquadramento a culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. A violação dos princípios norteadores da Administração Pública - legalidade, razoabilidade, moralidade, interesse público, eficiência, motivação, publicidade, impessoalidade - e ainda qualquer outro ato a ela imposto pode caracterizar improbidade administrativa do agente público ou de terceiro, desde que aliados à culpa ou dolo e má-fé, conforme ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro18:

‘O enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto. (...) Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem conseqüências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige a observância do princípio da razoabilidade, sob seu aspecto de proporcionalidade entre meios e fins.”

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Interessante lembrar que o STJ, fixou entendimento segundo o qual, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado no dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10.19

Há que se destacar, o posicionamento de que a responsabilidade administrativa é uma responsabilização subjetiva, com fundamento na Constituição de 1988. Essa a lição de Fábio Medina Osório20:

"Não se pode dissociar o ato ímprobo do processo de adequação típica e do reconhecimento da culpabilidade constitucional, aquela da qual dolo e culpa derivam diretamente. A responsabilidade subjetiva, no bojo do tipo proibitivo, é inerente à improbidade administrativa, sendo exigíveis o dolo e a culpa grave, embora haja silêncio da LGIA sobre o assunto. Isto se dá, como já dissemos à exaustão, por força dos textos constitucionais que consagram responsabilidades subjetivas dos agentes públicos em geral, nas ações regressivas, e que contemplam o devido processo legal, a proporcionalidade, a legalidade e a interdição à arbitrariedade dos Poderes Públicos no desempenho de suas funções sancionatórias. Portanto, a improbidade administrativa envolve, de modo necessário, a prática de condutas gravemente culposas ou dolosas, inadmitindo responsabilidade objetiva"

Sanções - gradação das penas

Quando se aborda as penas da LIA, interessante verificar a imposição constitucional do art. 37, § 4º, da C.F.. Nele está previsto o estabelecimento de uma gradação para as sanções relativas a tais atos, circunstância que impõe a observância de uma simetria coerente e razoável.

Por isso, determinou no art. 12 da LIA as penas, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato.

Cumpre anotar que as sanções da Lei 8249/92 não são, obrigatoriamente, aplicadas de forma cumulativa e deve guardar relação com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, levando-se em consideração que a quantidade de atos de improbidade previstos e a quantidade de sanções a eles impostas induzem à conclusão de que, na fixação das penas, deverá o julgador dosar as mesmas, levando em conta a extensão do dano causado, a gravidade da conduta e a intensidade do elemento subjetivo do agente.

Destarte, tem-se que as cominações previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92, deve ser observado o caso concreto, em respeito aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, adequação e racionalidade na interpretação do dispositivo. Neste sentido:

"A aplicação das sanções da Lei nº 8.429/92 deve ocorrer à luz do princípio da proporcionalidade, de modo a evitar sanções desarrazoadas em relação ao ato ilícito praticado, sem, contudo, privilegiar a impunidade. Para decidir pela cominação isolada ou conjunta das penas previstas no artigo 12 e incisos, da Lei de Improbidade Administrativa, deve o magistrado atentar para as circunstâncias peculiares do caso concreto, avaliando a gravidade da conduta, a medida da lesão ao erário, o histórico funcional do agente público etc." (STJ - REsp 300184/SP – Rel. Min. Franciulli Netto).

Urge, ainda, destacar a autonomia da responsabilidade por improbidade administrativa, indicando que o agente público igualmente pode responder em outras instâncias, penais, civis e administrativas, como ficou o art. 12.

Princípio da insignificância e LIA

Tenho que no trato da improbidade administrativa, o bem jurídico protegido, qual seja a moralidade pública, obsta a aplicação do princípio da insignificância.

O que se analisa e busca punir é a a prática de ato atentatório a norma-princípio de Direito Administrativo (moralidade administrativa), pelo que não há como se falar em insignificância de moralidade.

Desta forma, afasta-se a incidência do princípio da insignificância na apuração e sancionamento de ato de improbidade. Ele se revela incompatível com o sistema da Lei 8.429/1992, sobretudo com o artigo 11, que cuida dos princípios da administração pública.

O Min. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino21, em voto o TJRS anotou com sapiência:

“o bem jurídico protegido pela lei de improbidade administrativa é a moralidade administrativa, mediante a aplicação de sanções de natureza civil, as quais não possuem a mesma carga de coatividade das sanções penais.

Por esse motivo, a aplicação do princípio da insignificância tem aplicação restrita ao Direito Penal, pois já na análise da tipicidade material do delito, caso o julgador anteveja que a conduta não causou prejuízo ao bem jurídico tutelado pela norma penal, deve então reconhecer a atipicidade da conduta, desde logo, evitando o estrépito judicial (“strepitus iudici”) inerente ao processo penal.

A peculiar característica do Direito Penal permite essa conjugação entre o grau de coatividade das sanções penais e o cuidado de não impor aos jurisdicionados a pecha negativa de responder a processo criminal. Incidem os princípios da subsidiariedade e da fragmentariedade, que conjugam aspectos do princípio da intervenção mínima específico do Direito Penal. Significa dizer que, na seara criminal, somente se reputa crime o ato que atentar contra bem jurídico previamente protegido pela lei penal, bem como a conduta, no caso concreto, causar relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão a esse bem jurídico tutelado.

O princípio da insignificância, portanto, está relacionado justamente com essa última característica.

Se a conduta do agente, apesar de formalmente enquadrar-se no tipo penal, materialmente não possuir relevância suficiente para afrontar o bem jurídico protegido, pode-se sobrestar o processo penal, com fundamento no princípio da insignificância.

Em outras palavras, o Direito Penal só se importa com condutas mais graves praticadas pelo homem, razão pela qual o processo penal possui carga negativa igualmente gravosa.

Na seara do Direito Administrativo, não se pode aplicar o princípio da insignificância, mas, pelo contrário, incide o princípio da intolerância a qualquer ato contra legem, especialmente quando resultantes em ofensa à moralidade pública.”

Em igual linha, o Min,. Herman Benjamim22 ponderou:

“A implementação judicial da Lei da Improbidade Administrativa segue uma espécie de silogismo – concretizado em dois momentos, distintos e consecutivos, da sentença ou acórdão – que deságua no dispositivo final de condenação: o juízo de improbidade da conduta (= premissa maior) e o juízo de dosimetria da sanção (=premissa menor).

Se o juiz, mesmo que implicitamente, declara ímproba a conduta do agente, não lhe é facultado – sob o influxo do princípio da insignificância – evitar o juízo de dosimetria da sanção, se para tanto o que pretende é, por inteiro, excluir (e não apenas dosar) as sanções legalmente previstas.”

A Lei 8.429/92 da Ação de improbidade administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11),."

Por isso, o Min,. Herman Benjamim23 firmou posição de que:

“Se o bem jurídico protegido pela Lei de Improbidade é, por excelência, a moralidade administrativa, desarrazoado falar em aplicação do princípio da insignificância às condutas consideradas imorais pelo próprio magistrado. Não existe improbidade administrativa significante e improbidade administrativa insignificante. O que há é irregularidade insignificante (e, por isso, não constitui improbidade) e irregularidade significante (e, por isso, improbidade administrativa). No campo dos valores principiológicos que regem a Administração Pública, não há como fiscalizar a sua obediência com calculadora na mão, expressando-os na forma de reais e centavos.

Logo, o princípio da insignificância não se presta para, após o juízo positivo de improbidade, exonerar, por inteiro e de forma absoluta, o infrator da aplicação das sanções – até da multa civil – previstas na Lei.”

Ora se a Lei que regulamenta a improbidade administrativa, em seu art. 11(aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa), estabeleceu como ato de improbidade aquele que atenta contra os princípios da administração pública, independentemente de causar dano ao erário, impossível imaginar a aplicação do princípio da insignificância (crime de bagatela).

Tenho que o legislador desejou punir todo e qualquer ato ímprobo, do menor ao maior, não concedendo ao judiciário a capacidade de escolher insignificância na conduta ímproba.

Destaco a visão do TJMG acerca do tema:

“ADMINISTRATIVO - AGENTE POLÍTICO - PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL - PRÁTICA DE ATOS TIPIFICADOS COMO LESIVOS AO ERÁRIO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - RESSARCIMENTO - INSUFICIÊNCIA DA CONDENAÇÃO - SANÇÕES DO ART. 12, II, DA LEI Nº 8.429/92 - DOSIMETRIA - RAZOABILIDADE E ADEQUAÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - CONDENAÇÃO DO ESTADO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - DESCABIMENTO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. O valor do dano não afasta a aplicação das sanções que importem em lesão ao patrimônio público, visto que não se aplica o princípio da insignificância aos casos de improbidade administrativa. Além do ressarcimento - que não constitui sanção propriamente dita, mas sim obrigação decorrente do prejuízo causado - uma vez verificada a improbidade administrativa por dano ao erário, a devolução dos valores é imperiosa e deve ser acompanhada de pelo menos uma das sanções legais que, efetivamente, visam reprimir a conduta ímproba e a evitar o cometimento de novas infrações, pouco importando o fato de os contratados terem prestado os serviços. Diante da sucumbência recíproca, a condenação do Ministério Público em honorários advocatícios, remetida por via reflexa ao Estado, fica condicionada à comprovação de má-fé do autor da ação civil pública, hipótese inocorrente no caso concreto. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0607.09.053794-7/001 - COMARCA DE SANTOS DUMONT - Rel. DES. EDILSON FERNANDES - Belo Horizonte, 26/03/2013).

Procedimentos cautelares na LIA

Quando se adentra no campo dos procedimentos cautelares na LIA, serve de lição a posição de Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior24:

“anote-se que o deferimento de medida liminar como cautela em ação civil pública destinada a reparar os danos da improbidade administrativa ou reprimir o enriquecimento ilícito, é justificada pela indispensabilidade de se garantir a efetividade dos princípios constitucionais da Administração Pública, por certo mais privilegiado que o direito individual que restringe.”

A providência cautelar possui requisitos peculiares, pressuposto jurídico próprio, que se encontra na conjugação do fumus boni iuris e do periculum in mora, como afirma José Frederico Marques25, ensinando que:

“a ameaça de lesão grave e de difícil reparação é o periculum in mora. Se a ameaça não existe, ou se o risco da dilação processual não se refere à lesão grave, __ não cabe medida cautelar. Igualmente será esta inadmissível, se o ato lesivo, apesar de grave, for de fácil reparação (...)

O fumus boni iuris é outro pressuposto da tutela cautelar, razão pela qual, quando se pede uma antecipação provisória do resultado final do processo, deve haver uma pretensão provável, como objeto indireto ou mediato do processo cautela”.

Como todo pedido cautelar ele pode ser preparatório ou incidental.

Anoto, desde já, que não se aplica à LIA, a previsão da Lei n° 8.437/92, a qual em seu artigo 1º. , veda a concessão de medidas liminares nas hipóteses em que o Estado figura no pólo passivo das demandas. A ação de improbidade não é não proposta contra a pessoa jurídica de direito público, mas contra o agente público ímprobo.

Na LIA, são três as espécies de providencias cautelares cabíveis nas ações de improbidade administrativa são:

1) a decretação da indisponibilidade dos bens dos supostos ímprobos (art. 7º da LIA);

2)  o sequestro dos bens do agente público ou de terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado danos ao patrimônio público (art. 16 da LIA), inclusive de contas bancárias e aplicações financeiras no Brasil ou no exterior, de forma a garantir o ressarcimento dos danos ou o efetivo perdimento dos bens ilicitamente acrescidos aos seus patrimônios (artigos 5º, 6º e 16 da LIA) ou

3) o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo de sua remuneração, quando a medida se fizer necessária para a instrução processual (art. 20 da LIA).

Pode ocorrer, ainda a alienação antecipada dos bens, para preservação do valor patrimonial.

Logicamente que as medidas devem ser apreciadas dentro do poder de cautela do Magistrado e com a verificação de elementos de provas que sustentem o pedido e a decisão.

Interessante destacar que a indisponibilidade de bens difere do sequestro, não só porque sejam tratadas em diferentes dispositivos da Lei nº 8.429/92. O sequestro retira a posse dos bens do indiciado. Já a indisponibilidade não retira, pois permanece o indiciado na posse de seus bens, na gerência, na administração, só não podendo deles desfazer-se.

Nesta ótica, o provimento cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º, parágrafo único da Lei 8.429/1992, exige fortes indícios de responsabilidade do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano material ao Erário. Nele o requisito cautelar do periculum in mora está implícito no próprio comando legal. A demonstração, em tese, do dano ao Erário e/ou do enriquecimento ilícito do agente, caracteriza o fumus boni iuris. Nesse sentido já definiu entendimento o STJ: REsp 1167776/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, julgado em 16/05/2013, DJe 24/05/2013.

Outro entendimento interessante, firmado pelo STJ26 é de que a decretação de indisponibilidade de bens não se condiciona à comprovação de dilapidação efetiva ou iminente de patrimônio, porquanto tal medida consiste em "tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade".

O mesmo entendimento se aplica ao sequestro de bens, como já pontuou o STJ: AgRg no REsp 1317653/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, julgado em 07/03/2013, DJe 13/03/2013.

Destaco, outrossim, a possibilidade de deferimento de liminar inaudita altera pars (art.804 do CPC), para a decretação de indisponibilidade (art.7º, da Lei 8429/92) e de sequestro de bens, incluído o bloqueio de ativos do agente público ou de terceiro beneficiado pelo ato de improbidade (art. 16 da Lei 8.429/92), como já definiu o STJ no REsp 929.483/BA, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 02/12/2008, DJe 17/12/2008.

Cumpre, por fim, lembrar que a venda antecipada dos bens pode ser determinada pelo Magistrado, a pedido da parte autora, dentro de do poder geral de cautela (art. 670, I do o CPC), afim de preservar os valores correspondentes aos bens tornados indisponíveis bens apreendidos, naturalmente sujeitos à depreciação, desvalorização ou descaracterização pelo tempo, pelo desuso, pela defasagem ou pelo simples envelhecimento inevitável. A venda será por leilão público, aplicando-se, analogicamente, a Recomendação nº 30 do CNJ.,

O afastamento do agente público, pelo grande excepcionalidade, será apreciado em tópico específico.

Afastamento liminar do agente público

Por envolver matéria que interfere diretamente no princípio da separação dos poderes, deve ser aplicado nos estritos termos do art. 20, parágrafo único, da Lei n.º 8.429/92, cuja redação se transcreve:

"Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual."

O art. 20 da Lei nº 8.429/92 determina que a perda da função só se efetivará com o trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo esta a regra.

Excepcionando-a, porém, o parágrafo único do mesmo art. 20 da LIA autoriza o afastamento liminar do agente público, desde que a medida se faça necessária à instrução processual.

O afastamento liminar é, pois, uma exceção, que deve ser aplicada com cautela e dentro dos restritos casos de necessidade.

Deve-se verificar se o agente público está obstaculizando a instrução processual. Na lição do Des. Almeida Melo27, deve haver o afastamento do cargo "quando exista fundada incompatibilidade entre sua ação ou omissão e a condução imparcial da coleta de provas na instrução processual relativas a eventuais crimes de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92)".

Lembro que o afastamento é norma excepcional, tanto a LIA, como a todo o ordenamento constitucional, o qual se ampara nos princípios da presunção de não culpabilidade e na garantia de direitos fundamentais do indivíduo, dentre outros.

Destaco que não basta a alegada necessidade de defesa do interesse público, pois o que fundamenta o afastamento liminar pela LIA é “quando a medida se fizer necessária à instrução processual”, ou seja quando a manutenção do agente no cargo obstaculariza a instrução processual.

A possibilidade de afastamento in limine do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, demanda prova incontroversa de que a sua permanência poderá ensejar dano efetivo à instrução processual.

Tenho ser essa a hermenêutica da Lei.

Reforça essa visão, a lição do Des. Brandão Teixeira28

“embora a Lei de Improbidade Administrativa preveja, no parágrafo único de seu art. 20, a possibilidade de afastamento do agente público durante a tramitação do processo, tendo em vista a possibilidade de cerceamento da instrução probatória por aquele que continua no exercício de suas funções, não se deve perder de vista que se trata de medida assecuratória, de evidente natureza cautelar, destinada apenas a proporcionar a livre produção de provas.

Por isto, deve a medida prevista no parágrafo único, do art. 20, da Lei de Improbidade, ser aplicada com máxima cautela, a fim de que não seja desprezado o princípio democrático, nem menosprezado o mandado popular, e, ainda, para que não se olvide que a perda da função pública é efeito que regularmente se efetiva com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Por estar fora de tais hipóteses, o afastamento cautelar de cargo público é inegavelmente excepcional.”

Assim, reitero, para que a medida excepcional prevista no parágrafo único do citado dispositivo legal seja efetivada, não basta o receio subjetivo de que o réu venha a prejudicar a instrução do processo. Faz-se necessária a demonstração de sua indispensabilidade através da prova produzida.

As exceções, como é curial, devem ser aplicadas de forma restritiva.

O STJ já definiu o melhor entendimento para o afastamento liminar:

PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. AFASTAMENTO DO CARGO DE PREFEITO. A norma do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992, que prevê o afastamento cautelar do agente público durante a apuração dos atos de improbidade administrativa, só pode ser aplicada se presente o respectivo pressuposto, qual seja, a existência de risco à instrução processual. Agravo regimental não provido. (AgRg na SLS 1.558/AL, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 29/08/2012, DJe 06/09/2012);

PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. AFASTAMENTO DO CARGO DE VEREADOR. LESÃO À ORDEM PÚBLICA. A norma do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992, que prevê o afastamento cautelar do agente público durante a apuração dos atos de improbidade administrativa, só pode ser aplicada se presente o respectivo pressuposto, qual seja, a existência de risco à instrução processual. Hipótese em que a medida foi fundamentada em elementos concretos a evidenciar que a permanência no cargo representa risco efetivo à instrução processual. Agravo regimental não provido. (AgRg na SLS 1.500/MG, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/05/2012, DJe 06/06/2012);

PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. AFASTAMENTO DO CARGO. LESÃO À ORDEM PÚBLICA. A norma do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992, que prevê o afastamento cautelar do agente público durante a apuração dos atos de improbidade administrativa, só pode ser aplicada em situação excepcional. Hipótese em que a medida foi fundamentada em elementos concretos a evidenciar que a permanência no cargo representa risco efetivo à instrução processual. Pedido de suspensão deferido em parte para limitar o afastamento do cargo ao prazo de 180 dias. Agravo regimental não provido. (AgRg na SLS 1.498/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministro PRESIDENTE DO STJ, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/02/2012, DJe 26/03/2012)

È prudente anotar, como discorreu Ana Claudia de Oliveira Torres29, “o afastamento cautelar não ofende a vontade popular que elegeu o titular de mandato político, mas antes vai ao encontro do interesse coletivo que possui maior dimensão que o privado e dos princípios basilares da administração pública”.

Destaco, contudo, que o afastamento liminar não atinge o Presidente da República, os Deputados e Federais e Senadores, os quais por força dos artigos 55 e 86 da C.F. têm tratamento diferenciado.

Questão de relevo é sobre a possibilidade ou não do afastamento inaudita altera pars.

Não se desconhece a possibilidade de deferimento de pedido liminar sem a oitiva da outra parte. Contudo, diante da excepcionalidade da medida, que retira a função pública, ao determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, tenho que a previa oitiva do agente é medida de prudência e cautela, para conferir-lhe um mínimo de defesa.

A oitiva não significa empecilho para a medida e assegura maior legitimidade para o Magistrado, quando da apreciação do pedido.

Acompanho, pois, a visão do STJ no REsp 929.483/BA, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 02/12/2008, DJe 17/12/2008.

Quanto ao prazo de afastamento não há previsão na LIA, devendo o Magistrado fixar o prazo razoável, dentro das peculiaridades da causa e a fim de assegurar a instrução.

Processo Judicial

Antes de adentrar na análise do processo judicial da LIA, vale lembrar que a lei prevê, em seu art. 14, um procedimento administrativo, que servirá de base para o processo judicial visando à aplicação das sanções, notadamente a perda do cargo e suspensão dos direitos políticos, de competência privativa do Poder Judiciário.

Na esfera judicial, o processo, disciplinado no art. 17 e 18 da LIA, será proposto pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, sendo vedada a transação, acordo ou conciliação. A atuação do Ministério Público se fará sempre,como parte ou custus legis.

A legitimação passiva (capacidade de ser réu) é de todos aqueles que tenham concorrido para a prática do ato de improbidade administrativa ou dele se beneficiado, ainda que desprovidos da qualidade de agente público

Interessante destacar que a inicial será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas (art. 17, §6º.), o que indica a ampla fase instrutória do processo, não sendo necessário que a inicial contenha toda e completa prova.

Segundo Marini Pazzaglini Filho30, a petição inicial deve conter:

“1. descrição minudente do fato considerado pelo autor configurador de ato de improbidade administrativa (narrativa dos atos de improbidade imputados ao agente público requerido e seu enquadramento);

2. demonstração, mediante elementos probatórios idôneos, da existência verossímil das improbidades administrativas arroladas na inicial (na impossibilidade de apresenta-los de imediato, com oferecimento das razões desse impedimento);

3. provas já disponíveis (pré-constituídas) sobre a veracidade dos fatos alegados, seja do enriquecimento ilícito à custa da Administração Pública, seja da lesão efetiva ao Erário, seja da

violação, com a nota de má-fé, de princípio constitucional que rege a Administração Pública; e

4. pedido integral e preciso, arrolando todas as sanções pretendidas e, com respeito às graduadas, especificando seu quantum, uma vez que a petição inicial fixa os limites do litígio e a sentença não pode ser de natureza diversa do pedido, ultra ou extra petita (§ 6º)”.

Notificação prévia

Questão interessante da LIA no procedimento judicial é a previsão de notificação do requerido (art. 17, §7º.) e , em sendo recebida a inicial, sua citação (art. 17§ 9º.).

Estipulou a LIA dois momentos processuais, a notificação, estando a inicial em devida forma e a citação, quando recebida a inicial.

Desta forma, conquanto o art. 17 determine que a ação principal terá o rito ordinário, fixou uma fase preliminar ao recebimento da inicial, convertendo, pois, em rito especial com as alterações promovidas pela Medida Provisória n.º 2.088-39, de 26/04/2001.

Tal medida visa prevenir o efeito de ações desprovidas de plausibilidade. Sobre o tema, Waldo Fazzio Júnior31 acrescenta:

“A prestação de informações prevista no art. 17, § 7º, da Lei n. 8.429/92 tem por fito evitar o trâmite de ações de improbidade administrativa destituídas de um mínimo de fundamento ou temerárias. Se, efetivamente, improcede a pretensão do Ministério Público ou da pessoa jurídica, o réu tem, aqui, a primeira oportunidade para obstar o recebimento de petição inicial.”

Com a notificação prévia, veio o debate de sua natureza. Alguns doutrinadores tratam a notificação e a citação como “citação” e “intimação”, respectivamente, pois a notificação forma a relação processual triangularizada e permite o contraditório.

A função da notificação é dar ciência da ação ao representado e permitir sua manifestação, que poderá ser instruída com documentos e justificações. Após a citação haverá a contestação com seus documentos.

A notificação, assim, possui natureza notadamente similar à da citação, e na prática se equivalem. Por isso, havendo resposta preliminar e/ou contestação não se pode falar em revelia.

A notificação do art. 17, §7º. é obrigatória, mas sua ausência só importa em nulidade se houver comprovação de prejuízo. Assim já entendeu o STJ: AgRg no REsp 1134408/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, e EDcl no REsp 1194009/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima.

Recebimento inicial

Realizada a notificação, decorrido o prazo de manifestação, o Magistrado apreciará, em decisão fundamentada se rejeitará a ação (art. 17, §8º.) ou receberá a inicial (art. 17, §9º), quando citará o réu.

Primeiramente, cumpre esclarecer que, como já anotou o Procurador de Justiça Luiz Carlos Teles de Castro32, "a questão a ser analisada no presente momento processual é saber se estão presentes ou não os requisitos para a petição inicial", e não a existência ou não dos atos de improbidade imputados ao ora agravante, matéria esta de mérito que será analisada após a instrução processual.

A decisão que admite o processamento de uma ação civil pública de improbidade administrativa se funda em indícios de ocorrência de ato lesivo aos princípios da moralidade e impessoalidade. Nesta fase processual, se deve priorizar o interesse público, que está evidenciado no desenvolvimento do processo.

A rejeição liminar de uma ação civil pública voltada para a tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa é um fato excepcional, que somente pode ocorrer ante a total inexistência do ato de improbidade, a improcedência da ação ou a inadequação da via eleita.

No mesmo sentido é o entendimento do TJMG:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL - ART. 17, § 9O. DA LEI Nº 8.429/92 - REQUISITOS. Confirma-se a decisão que recebe a petição inicial da ação civil pública, quando se constata a relevância do pedido com base em fundados indícios de responsabilidade por atos de improbidade administrativa." (AP nº 1.0261.05.031794-8/002(1); Rel. Des. EDILSON FERNANDES; publicado em 21/07/2006).

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO DE RECEBIMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORTES INDÍCIOS DE OCORRÊNCIA DE ATO VIOLADOR AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, IMPESSOALIDADE E BOA-FÉ OBJETIVA. RECURSO NÃO PROVIDO. A decisão, que admite o processamento de uma ação civil pública de improbidade administrativa, funda-se em indícios de ocorrência de ato lesivo aos princípios da moralidade e impessoalidade. Nesta fase processual deve-se priorizar o interesse público, que está evidenciado no desenvolvimento do processo. A rejeição liminar de uma ação civil pública voltada para a tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa é um fato excepcional, que somente pode ocorrer ante a inexistência do ato de improbidade, a improcedência da ação ou a inadequação da via eleita. ( TJMG - AGRAVO N° 1.0398.06.500002-6/001 - COMARCA DE MAR DE ESPANHA - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. MARIA ELZA - Belo Horizonte, 07 de dezembro de 2006)

O STJ comunga esse posicionamento: AgRg no REsp 1317127/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/03/2013, DJe 13/03/2013.

Importante destacar que na fase inicial prevista no art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei n. 8.429/92, vale o princípio do in dubio pro societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público. Essa a visão consolidada do STJ33.

Da decisão que recebe a petição inicial, caberá agravo de instrumento (art.17, §10) e da que rejeita a ação ( art. 17, §8º.), caberá apelação.

Desta forma, otimizada a relação processual, com a notificação e/ou citação, produzida as provas e conduzido o feito no rito ordinário, caberá ao Magistrado sentenciar, com o efeito da decisão, quando procedente, previsto no art. 18 da LIA.

MP e improbidade

Quando se aborda a atuação do Ministério Público e o combate à improbidade administrativa não se pode olvidar que o MP foi incumbido, no art. 129, inc. III da CF, de proteger do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivo

Desta forma, apesar da legislação de proteção que foi encampada pela Carta de 1988, não se deixa de reconhecer que a LIA delegou uma responsabilidade grande ao Ministério Público, na defesa de seus princípios.

Lógico que a LIA não foi a primeira lei a permitir a defesa do patrimônio público ou moralidade pública com legitimidade do MP

A respeito do tema, a lição de Fábio Medina Osório34:

“Ainda antes do avento da Lei número 8.429/92, já era possível ao Ministério Público instaurar inquérito civil público ou promover ação civil pública com o objetivo de apurar enriquecimento ilícito dos administradores públicos, na medida em que se permitia a defesa judicial de “qualquer interesse coletivo ou difuso”, v.g., o patrimônio público lato sensu, desde o advento da Constituição de 1988 (art. 129, III) e da Lei número 8.078/90 (cujo art. 110 acrescentou o inciso IV ao art. 1º da Lei número 7.347/85). (...)”.

A Lei nº 8.429/92, contudo, além de explicitar a atuação do MP veio buscar, via Parquet o combate eficaz ao ato de improbidade administrativa.

Coube a Lei Maior, entretanto, em indicar a forma processual da atuação do MP, conforme se depreende do inc. III do art. 129 da Constituição Federal. No artigo esta contido que se caracteriza como função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

Anota Hugo Nigro Mazzili35, ao interpretar o art. 129, III da Constituição Federal:

"A 'mens legis' consiste em conferir iniciativa ao Ministério Público, seja para acionar, seja para intervir na defesa do patrimônio público, sempre que alguma razão especial exista para tanto, como quando o Estado não toma a iniciativa de responsabilizar o administrador anterior ou em exercício por danos por estes causados ao patrimônio público, ou quando razões de moralidade administrativa exigem seja nulificado algum ato ou contrato da administração que esta insiste em preservar, ainda que em grave detrimento do interesse público."

Das duas medidas, cediço é que o inquérito civil é meio de investigação e prévia apuração.

O procedimento administrativo de inquérito civil, foi criado pela Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública). A CF conferiu forma constitucional a atribuição do MP, sendo o inquérito civil fonte de investigação e apuração de fatos e provas, além de meio para eficaz atuação do Ministério Público. Nesse sentido leciona Hugo Nigro Mazzilli36:

"(...) O inquérito civil é um procedimento administrativo investigatório a cargo do Ministério Público; seu objeto é a coleta de elementos de convicção que sirvam como base à propositura de uma ação civil pública para a defesa de interesses transindividuais - ou seja, destina-se a colher elementos de convicção para que, à sua vista, o Ministério Público possa identificar ou não a hipótese em que a lei exige sua iniciativa na propositura de alguma ação civil pública (...)". .

O inquérito civil público é, pois, procedimento administrativo preparatório para o ajuizamento da ação civil pública, com o objetivo de colher fatos e elementos preparatórios de prova, não tem litigantes, nem caráter punitivo.

Assim, não impõe a presença de contraditório e ampla defesa em procedimento. Será na ação civil pública que tais direitos constitucionais são exercidos amplamente.

Desta forma a investigação e as provas colhidas no inquérito civil não podem ser desprezadas. Como ponderou a Desa. Márcia Milanez37: “são lícitas as investigações realizadas no âmbito de Inquérito Civil, nos termos do art. 129, III, da Constituição da República”.

Na ação civil pública, todo o inquérito civil será confrontado com os princípios do contraditório e ampla defesa.

Por isso, com respaldo constitucional m a ação civil pública constitui o instrumento processual adequado, conferido ao Ministério Público, quando se objetiva a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/92 para os atos de improbidade administrativa, bem como quando se postula o ressarcimento dos danos causados ao erário pela prática desses atos.

Inexistência de foro privilegiado

Interessante verificar que não há foro privilegiado, quando se aplica a LIA, embora não se olvide que a Constituição determina onde deve tramitar a ação, para cada agente público.

Assim, desde logo é importante lembrar que a LIA não se aplica ao Presidente da República que possui julgamento específico para o caso de improbidade. A CF de 1988 é clara:

“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

(...)

V - a probidade na administração;”

(...)

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.”

Quanto a aplicação do princípio da simetria, tenho que nesta hipótese, por força constitucional, o processo e julgamento de ações de improbidade aforadas contra os agentes, das quais possa importar a perda do cargo público, devem ser ajuizadas nos Tribunais específicos. Desta forma os agentes elencados no art. 102, I, "c", da CF/88, devem ser julgados pelo STF e os elencados no art. 105, I, "a", da CF/88, devem ser julgados pelo STJ.

O STJ tem essa visão. A respeito, vide: Rcl 4.927/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Corte Especial, DJe 29/06/2011; AgRg na Sd 208/AM, Rel. Ministro João Otávio De Noronha, Corte Especial, DJe 12/05/2010; Rcl 2.790/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 04/03/2010.

No mais, quanto a idéia de foro privilegiado, não se comporta, a vista que a Lei 10.628/2002 foi refutada pelo STF nas ADI 2.797 e 2.860.

No julgamento da ADI nº. 2.797/DF o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 84, §§1º e 2º, do CPP, e afastou a prerrogativa de foro ali prevista, competindo ao Ministério Público, por expressa atribuição constitucional, propor a ação civil pública e, ao Magistrado de primeiro grau, julgar os atos de improbidade administrativa.

A expressão "agente público", citada no art. 2º da Lei de improbidade tem uma conotação de amplitude, compreendendo-se aí os "agentes políticos", que mesmo sendo mandatários de cargo eletivo, constituem-se espécie do gênero "agente público".

É de conhecimento que o agente público responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.

Todo agente que pratica ato ilícito no exercício da função pública está sujeito à medida civil, administrativa, penal e, em determinados casos, política.

O art. 37, §4º, da Constituição Federal elenca as sanções por ato de improbidade administrativa e, ao mesmo tempo, deixa expresso que tais sanções não obstam o ajuizamento "da ação penal cabível", o que deixa claro a natureza civil da citada ação de improbidade administrativa.

Por sua vez, o artigo 12, caput, da Lei nº 8.429/92, estabelece que "... independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às cominações" nela descritas.

Diante desse quadro, forçoso admitir que o agente público, inclusive o político, está sujeito tanto às sanções penais (crimes de responsabilidade) como àquelas previstas na Lei de Improbidade Administrativa, desde que sua conduta, obviamente, se enquadre nas hipóteses descritas nas respectivas legislações pertinentes.

Lembro, ainda, que STJ, já decidiu que "ex-prefeito não se enquadra dentre aquelas autoridades que estão submetidas à Lei nº 1.079/1950, que dispõe sobre os crimes de responsabilidade, podendo responder por seus atos na via da ação civil pública de improbidade administrativa" (REsp. 764.836/SP, Rel. p/ acórdão Min. FRANCISCO FALCÃO, j. 19/02/2008).

Importante afastar, quando se analisa o foro pra ação de improbidade, a visão de que a Reclamação nº 2138, (STF – Rel. Min. Nelson Jobim) tenha concedido foro especial aos agentes políticos, ao entender que por estar o agente político submetido a um regime especial de responsabilidade, não se aplicam as regras comuns da Lei de Improbidade Administrativa, mas tão somente o Decreto-Lei nº 201/67.

Cumpre lembrar que a Reclamação nº 2138 tratava de prerrogativa de foro estabelecida para agentes políticos que deveriam ser julgados perante o Supremo Tribunal Federal, conforme disposto no art. 102, I , “c” da CF/88.

É pacífico, hoje, o entendimento de que não há efeito vinculante ou erga omnes na decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na Reclamação n.º 2.138, acerca da aplicabilidade da Lei nº 8.429/1992. O próprio STF não têm atribuído efeito vinculante ao referido julgado, reconhecendo a aplicação da LIA aos agentes políticos. Cito os seguintes precedentes: Rcl 3267 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 21/10/2009, DJe-218 DIVULG 19-11-2009 PUBLIC 20-11-2009 EMENT VOL-02383-01 PP-00044; Rcl 5393 AgR, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2008, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008 EMENT VOL-02316-03 PP-00538 RTJ VOL-00204-03 PP-01162; Rcl 4400 AgR, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2007, DJe-112 DIVULG 27-09-2007 PUBLIC 28-09-2007 DJ 28-09-2007 PP-00028 EMENT VOL-02291-03 PP-00435

È bom deixar claro, que, mostra-se compatível a aplicação do Decreto-lei 201/67 e da Lei 8.429/92 que têm escopos diversos.

Veja-se o entendimento do STF, acerca do foro para ação da LIA:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RECURSO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE. 1. A Lei n. 8.429/1992 não contraria o art. 65, parágrafo único, da Constituição da República. Precedente do Plenário. 2. Ausência de prequestionamento do art. 129, inc. IX, da Constituição. Súmulas n. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 3. Necessidade de reexame de fatos e provas e análise de dispositivos infraconstitucionais. Ofensa constitucional indireta. 3. Inexistência de prerrogativa de foro em ação de improbidade. 4. Agravo regimental ao qual se nega provimento.(RE 540712 AgR-AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 27/11/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 12-12-2012 PUBLIC 13-12-2012)

EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento. Improbidade administrativa. Prerrogativa de foro. Inexistência. Precedentes. 1. Inexiste foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa. 2. Agravo regimental não provido. (AI 556727 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012)

Interessante verificar, também, o posicionamento do STJ:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INQUÉRITO CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 332 DO CPC. INEXISTÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO AOS AGENTES POLÍTICOS. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

1. O reconhecimento da repercussão geral pela Suprema Corte não enseja o sobrestamento do julgamento dos recursos especiais que tramitam no Superior Tribunal de Justiça.

2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 2.797/DF, declarou a inconstitucionalidade das normas vertidas pelos §§ 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal, que garantiam a prerrogativa de foro em ações civis de improbidade administrativa.

Precedentes.

3. Esta Corte segue a jurisprudência do STF na mesma questão, qual seja, prefeito não tem foro privilegiado nas ações de improbidade administrativa, devendo ser julgado pelo juiz de primeiro grau.

Precedentes.

4. Quanto à violação do art. 332 do Código de Processo Civil, a jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que "o inquérito civil, como peça informativa, tem por fim embasar a propositura da ação, que independe da prévia instauração do procedimento administrativo. Eventual irregularidade praticada na fase pré processual não é capaz de inquinar de nulidade a ação civil pública, assim como ocorre na esfera penal, se observadas as garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório" (REsp 1.119.568/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 23/9/2010). Precedentes.

5. A Corte Especial deste Tribunal, no julgamento da Rcl 2.790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, pacificou o entendimento no sentido de que cabe a submissão dos Agentes Políticos à Lei de Improbidade Administrativa. Precedentes.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp 322.262/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 28/06/2013).

Pelo que se expões, ação de improbidade administrativa possui natureza civil, não havendo falar-se em prerrogativa de foro, exceto nos casos restritos que a Constituição já fixou.

Prescrição

A Lei de Improbidade Administrativa dedica um único artigo ao fenômeno da prescrição:

“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego”.

Há na lei o inciso I se caracteriza pela transitoriedade, enquanto que o inciso II, pela definitividade.

Assim para os detentores de mandato, cargo em comissão ou função de confiança (inciso I), o prazo é de cinco anos a partir do término do mandato ou do exercício do cargo em comissão ou função de confiança.

Quando o agente público se desvincula do mandato, cargo ou função exercida, tem início a contagem do prazo prescricional. Para os servidores públicos detentores de cargos efetivos ou empregos públicos, a LIA remete ao que disciplinam os respectivos estatutos, quanto aos prazos prescricionais para as faltas disciplinares punidas  com a demissão. Desta forma, deve-se pesquisar em cada estatuto dos servidores (se federal, estadual ou municipal, civil ou militar) os prazos prescricionais fixados pela lei para as faltas disciplinares punidas com a demissão.

O termo inicial da contagem do prazo prescricional corresponde ao momento no qual o legitimado ativo para a propositura da ação toma conhecimento inequívoco do ato improbo, conforme já reconheceu o Superior Tribunal de Justiça (EDRESP 200602324520 - 999324, DJE de17/12/2010)

O art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa instituiu o princípio da absoluta prescritibilidade das sanções disciplinares.

Por isso, o art. 23 da Lei n. 8.429/92 tem âmbito de aplicação restrito às sanções prevista no corpo do art. 12 da lei, exceto na pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário. Essa a visão do STJ: REsp 1292699/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, julgado em 04/10/2012, DJe 11/10/2012

Desta forma, se o pedido visa ressarcir o patrimônio público, não há que se falar em prescrição.

Nesse tipo de ação a questão prescricional é particularmente relevante em face do que estabelece o § 5º do art. 37 da Constituição Federal, segundo o qual "a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento".

Bem se vê que o Constituinte, ao atribuir ao legislador ordinário a incumbência de estabelecer prazos prescricionais para ilícitos praticados por agentes administrativos, prescreveu uma ressalva, que não pode ser ignorada e cujo conteúdo e sentido devem ser desvendados pelo intérprete. Para isso, deve-se considerar que, em nosso direito, a prescritibilidade é a regra.

Nessa linha de entendimento, merece interpretação restritiva a excepcional hipótese de imprescritibilidade prevista no citado § 5º do art. 37 da Constituição Federal.

Assim, consolidou-se o entendimento de que a ação de reparação de danos causados ao erário é imprescritível, nos termos do art. 37, § 5°, da Constituição Federal.

Essa a posição já pacificada no STJ:

“ADMINISTRATIVO. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS CAUSADOS AO ERÁRIO POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IMPRESCRITIBILIDADE.

1. A Primeira Seção do STJ firmou entendimento no sentido da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento de danos causados ao Erário por atos de improbidade administrativa. Precedentes também da Primeira e Segunda Turmas do STJ.

2. Recurso Especial não provido.

(REsp 1312071/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 22/05/2013).

Em igual sentido os seguintes arrestos do STJ: REsp 1156519/RO, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 28/06/2013; AgRg no AgRg no AREsp 179.921/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/04/2013, DJe 15/04/2013; AgRg no AREsp 76.985/MS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/05/2012, DJe 18/05/2012; AgRg no REsp 1138564 / MG, Primeira Turma, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Julgado em 16/12/2010;

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Sobre o autor
Fábio Torres de Sousa

Juiz de Direito, Professor da Faculdade de Direito de Ipatinga, Mestre em Direito Econômico pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Fábio Torres. Improbidade administrativa:: 21 anos da Lei 8.429/92. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3976, 21 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28695. Acesso em: 2 nov. 2024.

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