Introdução
A terceirização é tema que há tempos desafia a doutrina e em especial a jurisprudência dos Tribunais trabalhistas país afora, em razão de suas características e peculiaridades que, se de um lado trazem benefícios produtivos às empresas e empregadores, do outro trazem em si o risco da relativização ou enfraquecimento de direitos trabalhistas conquistados após grande esforço social e político.
Os desafios trazidos pela terceirização ao Direto brasileiro remontam à década de 90, no século passado, que se caracterizou como uma década de reestruturação do modelo gerencial das empresas brasileiras em que a terceirização, já existente no Brasil, foi extensamente utilizada exaurindo as possibilidades produtivas com o tema, sendo a terceirização a pauta de discussão de governos, empresários e doutrinadores seja do Direto como da Administração de Empresas.
Durante esse período de exaurimento doutrinário do modelo gerencial das empresas brasileiras, o Direito do Trabalho foi desafiado com inúmeras situações que tornou claro a necessidade de um olhar jurídico mais crítico à terceirização, pois ficou evidente a utilização da terceirização como instrumento de precarização das relações de trabalho, o que coincidiu com a diminuição do debate nacional sobre o tema.
Ainda hoje, a doutrina ainda pouco esclarece sobre o tema, limitando-se em grade parte à análise de decisões de Tribunais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, que à míngua de legislação específica, passou a regular as relações de trabalho terceirizadas por meio de súmulas e orientações jurisprudenciais.
Atualmente, o Projeto de Lei nº 4.330 de 2004 do Deputado Sandro Mabel se propõe a regulamentar a prestação de serviços a terceiros e as relações de trabalho dela decorrentes, na tentativa de colocar fim à insegurança jurídica que caracteriza a terceirização no Direito brasileiro.
O Projeto de Lei que será em breve aprovado pelo Congresso Nacional positiva alguns entendimentos já consolidados na jurisprudência trabalhista, apresenta uma conceituação do trabalho terceirizado, regulamenta a atividade de empresas prestadoras de serviços a terceiros, e ao mesmo tempo, pode criar novos paradigmas ao tornar legais situações até então proibidas pela orientação jurisprudencial e pela imensa maioria doutrinária, como por exemplo, a possibilidade de a atividade terceirizada ser inerente à atividade econômica da empresa contratante.
Sob este prisma, pode o Projeto de Lei ao ser aprovado, e ao que tudo indica será aprovado em sua redação atual sem modificações, reavivar sob novos paradigmas um debate doutrinário e jurisprudencial sobre o tema.
O projeto de lei 4.330
Os 19 artigos do Projeto de Lei 4330 de 2004 serão aqui analisados em seus aspectos principais, em seus pontos onde é possível constatar a real criação de novos paradigmas em confronto com a doutrina e jurisprudência sedimentadas nas últimas décadas, de modo a antecipar discussões jurídicas necessárias que não podem ser enfrentadas apenas após a promulgação da lei.
Na forma em que foi elaborado e como é comum a toda produção legislativa do Brasil, críticas e elogios podem ser feitos ao projeto de lei, mas é inegável que sua compreensão passa pela análise das súmulas e orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho que durante anos orientaram as empresas e os trabalhadores sobre o tema.
Isto porque historicamente no Direito Brasileiro, a promulgação de uma lei que se propõe a finalizar discussões sobre algum tema, contém em si mais potencial de causar discussões do que finalizá-las, o que no caso do projeto de lei se caracteriza por algumas divergências doutrinárias e jurisprudenciais que certamente criará nova fonte de divergências sobre o tema.
Novamente o Poder Judiciário será intimado a se posicionar de forma a sinalizar a inadmissibilidade da precarização das relações de trabalho, que há algum tempo tem encontrado na utilização de mão de obra terceirizada uma ferramenta eficaz, e a não permitir a generalização da terceirização como novo modelo gerencial do empresariado nacional.
histórico da TERCEIRZAÇÃO
Antes de se adentrar nos aspectos polêmicos do Projeto de Lei 4330, é importante e necessário se apresentar um breve histórico da terceirização e de como se desenvolveu no modelo gerencial empresarial brasileiro.
É consenso entre os historiadores e administradores que a terceirização como a conhecemos surgiu e se desenvolveu no período pós-guerra, face a necessidade emergencial de abastecer a demanda mundial por produtos e a ocupação da farta mão de obra existente.
O termo terceirização decorre de uma adaptação ao vernáculo da palavra inglesa outsourcing, que designa a mesma atividade gerencial, mas em tradução literal significa fornecimento vindo de fora. Nossa doutrina adaptou o termo inglês como terceirização, em razão da lógica do trabalho realizado por terceiros em relação à empresa.
A terceirização por definição de Sergio Pinto Martins consiste “na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa”[1].
Já Maurício Godinho Delgado[2] assim define a terceirização:
“Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente.”
Essa conceituação doutrinária já há muito tempo é utilizada por todos os Tribunais Regionais do Trabalho do país, e com certeza será pivô de muitos debates como veremos mais adiante, mas no momento, é suficiente para entendermos o que é terceirização para o Direito do Trabalho.
Relatório técnico do Dieese sobre terceirização, traz interessante explicação sobre a terceirização de atividades no interior da empresa, que por sua facilidade didática é aqui reproduzido integralmente:
“A terceirização se realiza de duas formas não excludentes. Na primeira, a empresa deixa de produzir bens ou serviços utilizados em sua produção e passa a comprá-los de outra - ou outras empresas - o que provoca a desativação – parcial ou total – de setores que anteriormente funcionavam no interior da empresa. A outra forma é a contratação de uma ou mais empresas para executar, dentro da “empresa-mãe”, tarefas anteriormente realizadas por trabalhadores contratados diretamente. Essa segunda forma de terceirização pode referir-se tanto a atividades-fim como a atividades-meio. Entre as últimas podem estar, por exemplo, limpeza, vigilância, alimentação.”[3]
A terceirização por esta razão tem sido utilizada em larga escala por empresas de todos os ramos produtivos, como prática gerencial que permite à empresa delegar atividades e reduzir custos, ao transferir parte do processo gerencial da empresa em vários setores (produção, alimentação, limpeza) para empregados de outras empresas que são contratadas apenas para a prestação de um serviço específico.
Desse modo, é possível de forma simples definir a terceirização como “o processo pelo qual uma empresa deixa de executar uma ou mais atividades realizadas por trabalhadores diretamente contratados e as transfere para outra empresa.”[4]
DOS MOTIVOS QUE JUSTIFICAM A LEI
O Projeto de Lei 4330 de 2004 contém 19 artigos e como afirmado já em seu primeiro artigo, se propõe a regular o contrato de prestação de serviço e as relações de trabalho dele decorrentes.
Na apresentação dos motivos que justificam a edição da Lei, fica claro o intento do legislador em colocar termo à carestia legislativa existente no Brasil, apresentando um marco regulador da atividade terceirizada de modo a retirar da competência do Poder Judiciário a regulação das relações de trabalho decorrentes de atividades terceirizadas.
A carência de um marco regulador torna a fiscalização por parte de órgãos como o Ministério do Trabalho menos clara para os não conhecedores da ciência jurídica. E para esta atividade, o MTE adota como referencial a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, na ausência de outro norteador.
Fato corriqueiro e imoral vivenciado pelos operadores do Direito, é a precarização das relações de trabalho dentro de empresas terceirizadas, que ao descumprirem diuturnamente os mais básicos direitos trabalhistas, se refugiam no instituto da responsabilidade subsidiária para transferirem à empresa contratante todo o ônus do ilícito trabalhista praticado.
A constatação dessas situações criou entre empresários e trabalhadores uma situação de insegurança jurídica nas relações terceirizadas, que justificam a edição de uma Lei com o propósito de regulamentar a terceirização de atividades empresariais.
DO PROJETO DE LEI
O projeto de lei não possui uma estrutura definida, em razão de sua pequena quantidade de artigos (apenas 19) e apresenta em seu primeiro artigo os limites de aplicação da lei, e positiva o entendimento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho de se aplicar subsidiariamente o Código Civil na resolução de conflitos decorrentes da prestação de serviços por terceiros, em especial os Arts. 421 a 480 (Dos Contratos em Geral) e Arts. 593 a 609 (Da prestação do serviço):
“Art. 1º Esta Lei regula o contrato de prestação de serviço e as relações de trabalho dele decorrentes, quando o prestador for sociedade empresária que contrate empregados ou subcontrate outra empresa para a execução do serviço.
Parágrafo único. Aplica-se subsidiariamente ao contrato de que trata esta Lei o disposto no Código Civil, em especial os arts. 421 a 480 e 593 a 609.”
Se por um lado é certo que as questões referentes às fronteiras da aplicação da lei serão por certo alvo de trabalho jurisprudencial, é certo também que a aplicabilidade subsidiária do Código Civil prevista no parágrafo único do projeto de lei será objeto de debates.
Isto porque, eventualmente o Tribunal Superior do Trabalho é chamado a se manifestar no que concerne à aplicabilidade subsidiária do Código Civil (sendo mais comum questionamentos sobre a aplicabilidade do Código de Processo Civil, mas que não é objeto do presente estudo) no Direito do Trabalho.
Tal aplicação subsidiária é consequência direta da inovação trazida pelo novo Código Civil a alguns temas contratuais sobre a CLT, apesar de ser o Código expresso ao afirmar em muitos artigos sua aplicação apenas residual às relações de trabalho, como exemplo podemos citar o próprio art. 593 que limita a abrangência do capítulo referente à prestação de serviços no Código Civil:
“Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.”
Frequentemente advogados e juízes se utilizam de preceitos contidos no Código Civil, e os utilizam de forma a preencher eventuais lacunas ou dificuldades de aplicação da CLT à situações que não existiam ao tempo de sua edição como por exemplo a terceirização e prestação de serviços por terceiro.
No julgamento do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 73140-89.2008.5.15.0084, o Tribunal Superior do Trabalho manteve condenação anterior que imputou a solidariedade decorrente de fraude à legislação trabalhista, prevista no artigo 942 do Código Civil:
“(...)Com fulcro no art. 942 do Código Civil manteve a condenação solidária da agravante, tendo em vista a ocorrência de fraude à legislação trabalhista - terceirização ilícita -, o que autoriza imputação da responsabilidade solidária da empresa tomadora dos serviços. (...) Evidenciado no acórdão recorrido que a solidariedade em tela encontra-se expressamente prevista no art. 942 do Código Civil, descarta-se a propalada ofensa ao art. 5º, inc. II, da Constituição,(...)”
A previsão normativa de aplicabilidade subsidiária do Código Civil ao contrato de prestação de serviços embora aparentemente possa finalizar a discussão acerca da aplicabilidade subsidiária do Código Civil ao contrato de Prestação de serviços, certamente abrirá portas para a extensão jurisprudencial da utilização do Código Civil em outras matérias trabalhistas e não apenas na normatização da prestação de serviços.
Ponto interessante que pode ser constatado já no primeiro artigo do projeto e que chama a atenção é a opção do legislador por não utilizar (o que se repete em todo o projeto de lei) o termo “terceirização”, preferindo o termo prestação de serviço a terceiros, o que não nos parece trazer qualquer significação jurídica diferenciada, mas apenas uma expressão denotativa de rigorismo teórico.
Porém, mais esclarecedor é a delimitação da aplicabilidade da Lei somente aos casos em que o prestador de serviços for sociedade empresária que contrate ou subcontrate empregados.
A sociedade empresária tem sua definição estabelecida no art. 982 do Código Civil onde especifica que a sociedade empresária é aquela que exerce atividades próprias de empresário, remetendo ao art. 966, caput do Código Civil.
“Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art.967); e, simples, as demais.”
“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”
Essa disposição encontra sua razão de existência na proteção ao trabalhador, isso porque ao considerar a aplicabilidade da lei apenas e tão somente a casos de prestação de serviços por sociedade empresária, nos parece lógico creditar que às situação de prestação de serviço a terceiro (terceirização) por pessoa física, seria formado um contrato de trabalho direto entre o suposto tomador de serviços e o prestador.
Já a situação das Cooperativas merece especial atenção, em razão de sua condição de sociedades simples por definição legal inserida no art. 982 parágrafo único do Código Civil:
“Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.
Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.”
Sendo as Cooperativas consideradas sociedades simples e não empresárias, estaria a cooperativa especializada na prestação de serviços a terceiros excluída da lei, que em caso de prestação de serviços a terceiros ainda seriam regidas pelas normas gerais estabelecidas na CLT e aos enunciados ora vigentes.
É certo que houve aqui falha ou omissão proposital, uma vez que já há bastante tempo foi inserido no ordenamento jurídico trabalhista brasileiro a possibilidade de terceirização de serviços por meio de cooperativas, possibilidade que foi inserida no parágrafo único do art. 442 da CLT através da Lei nº 8.949/1994.
O VÍNCULO EMPREGATÍCIO
O primeiro ponto realmente capaz de gerar incertezas como consequência da direção oposta do projeto de lei à jurisprudência do TST, é a opção legislativa diversa de toda doutrina conhecida e inserida no § 2º do art. 2º do projeto de lei, que está em aparente confronto com o já famoso Enunciado 331 do TST, item I.
Súmula nº 331 do TST
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
O conflito surge ao se ignorar propositalmente após anos de trabalho jurisprudencial e ter, o Tribunal Superior do Trabalho, uniformizado entendimento no qual a contratação irregular por empresa interposta é ilegal, de forma a se configurar o vínculo de emprego diretamente com a empresa tomadora de serviços.
O parágrafo 2º do art. 2º do projeto de lei, afasta a configuração de vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços e os trabalhadores da empresa prestadora de serviços e/ou seus sócios:
“(...) § 2º Não se configura vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo.”
A nosso ver, muito embora seja esta situação uma solução legislativa interessante que traz uma certa segurança jurídica às empresas contratantes tomadoras de serviços, na forma em que se encontra redigido o artigo a possibilidade de inadimplemento de verbas trabalhistas pelas empresas prestadoras de serviços passa a ser uma preocupante possibilidade futura.
Para tentar garantir que as empresas prestadoras de serviços tenham patrimônio apto ao pagamento de eventuais débitos trabalhistas, o projeto torna requisito obrigatório para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros além de registro na Junta Comercial e no CNPJ, capital social compatível com o número de empregados:
“(...)
a) empresas com até dez empregados: capital mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais);
b) empresas com mais de dez e até vinte empregados: capital mínimo de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais);
c) empresas com mais de vinte e até cinquenta empregados: capital mínimo de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais);
d) empresas com mais de cinqüenta e até cem empregados: capital mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e
e) empresas com mais de cem empregados: capital mínimo de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais).”
O problema surge exatamente na indagação: nas situações em que empresas que não preencherem os requisitos e exercerem de forma irregular a atividade, os empregados não verão formados o vínculo trabalhista com a empresa tomadora de serviços a contrário do que ocorre atualmente?
Não há previsão no projeto de lei tal como redigido, de alguma hipótese em que seja configurado o vínculo laboral diretamente com o tomador de serviços, o que contraria a já pacificada orientação jurisprudencial e não traz segurança jurídica às partes (como propõe o projeto) já que certamente ocorrerão intensos debates nesse sentido.
Embora com nova roupagem, será ressuscitado velho debate em torno da responsabilidade subsidiária do tomador de serviços decorrente da culpa in eligendo na contratação de empresa prestadora de serviço que se encontra em desacordo com a lei.
Aqui uma crítica ao projeto na forma como redigido, pois contendo este a proibição explícita da formação de vínculo empregatício com o tomador de serviços deveria de igual forma estabelecer de forma clara e precisa os limites da culpa, não apenas para o prestador de serviços, mas principalmente para a empresa contratante.
Ao revés, criou o projeto de lei uma nova argumentação para um debate que já havia sido ainda que por orientações jurisprudenciais, de certa forma resolvidos, fazendo nascer novamente uma sensação de insegurança jurídica para as empresas contratantes, que permanecerão na dúvida sobre os limites de sua culpabilidade na relação com empresas prestadoras de serviços.
E ainda que se diga que para a empresa contratante, a segurança jurídica almejada estaria na contratação de empresas prestadoras de serviços que preenchessem os requisitos legais para seu funcionamento, a verificação destas informações na realidade gerencial e econômica das empresas se mostraria inviável e de difícil execução.
Por fim, o trabalhador empregado da empresa prestadora de serviços não verá tão cedo uma mudança de paradigmas, tendo em vista que os debates aqui previstos como certos, deixarão os trabalhadores ainda mais desamparados do que vemos no cenário atual, ao menos até que os Tribunais do Trabalho comecem a se posicionar e preencher através de suas orientações as pequenas imperfeições contidas no projeto, considerando que não existe qualquer previsão de alteração do texto do projeto de lei no momento.
Todavia, o cenário mais provável diante do texto do projeto, seria a reafirmação por parte do Tribunal Superior do Trabalho de seu Enunciado 331, respondendo ao questionamento da aplicabilidade do item I do referido enunciado diante da exclusão da formação do vínculo empregatício diretamente com a empresa contratante.
Necessário neste momento recordarmos a lição de Saad[5], para quem referido enunciado é aplicável somente em casos de fraude à legislação trabalhista:
“Por derradeiro, reafirmamos que o nosso sistema legal não abriga um único dispositivo vedando a terceirização de atividades da empresa. Dessarte, a Súmula n. 331 do E. Tribunal Superior do Trabalho só é invocável, legitimamente, na hipótese de aquele processo de descentralização ser usado, exclusivamente, para mascarar ofensas ao regramento legal que tutela o trabalho assalariado.”
ATIVIDADE FIM E ATIVIDADE MEIO
Com grande potencial de ser o ponto mais polêmico do projeto de lei, que não foi objeto de grandes estudos preliminares e certamente causará espanto aos doutrinadores e operadores do Direito que militam na seara do Direito Laboral, é a permissão contida no § 2º do Art. 4º:
“Art. 4º Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato de prestação de serviços determinados e específicos com empresa prestadora de serviços a terceiros.
(...)
§ 2º O contrato de prestação de serviços pode versar sobre o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica da contratante.”
A inserção no ordenamento jurídico de texto que permite ao prestador de serviços o desenvolvimento de atividades inerentes à atividade econômica da empresa contratante, inova ao ponto de redefinir de forma legal o paradigma da terceirização tal como o conhecemos.
Atualmente a terceirização de atividade-fim/inerente às atividades econômicas da empresa é vedada, não por lei, mas pelo já famoso Enunciado 331 do TST, que descaracteriza a formação de vínculo de emprego com a empresa contratante (tomadora de serviços) quando ocorre a prestação de serviços ligados à atividade-meio da empresa.
Por atividade fim, nos remetemos à lição de Sérgio Pinto Martins[6]:
“A atividade – meio pode ser entendida como a atividade desempenhada pela empresa que não coincide com seus fins principais. È a atividade não essencial da empresa, secundária, que não é seu objeto central. È uma atividade de apoio ou complementar. São exemplos da terceirização na atividade – meio: a limpeza, a vigilância, etc. Já a atividade fim é a atividade em que a empresa concentra seu mister, isto é, na qual é especializada. À primeira vista, uma empresa que tem por atividade a limpeza não poderia terceirizar os próprios serviços de limpeza. Certas atividade- fins da empresa podem, ser terceirizadas, principalmente se compreendem a produção, como ocorre na indústria automobilística, ou na compensação de cheques, em que a compensação pode ser conferida a terceiros, por abranger operações interbancárias.”[7]
Por exclusão, os serviços prestados às empresas contratantes vinculados à sua atividade-fim são até o momento consideradas ilegais, ocorrendo nesta hipótese a configuração do vínculo trabalhista diretamente com a empresa contratante, sendo excetuadas dessa situação apenas as empresas de telecomunicações por possuírem regulamentação legislativa própria, como podemos verificar abaixo em algumas decisões do E. Tribunal Superior do Trabalho sobre a terceirização da atividade fim da empresa contratante:
“RECURSO DE REVISTA DA TELEMAR NORTE LESTE S.A. TERCEIRIZAÇÃO. EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇÕES. LICITUDE. A Lei Geral de Telecomunicações (LGT; Lei nº 9.472/97) ampliou as hipóteses de terceirização de serviços. Assim, a previsão contida no artigo 94, inciso II, no sentido de que é possível a contratação de empresa interposta para a prestação de atividades inerentes ao serviço de telecomunicações, autoriza a terceirização das atividades preceituadas no § 1º do artigo 60 da LGT. Por conseguinte, torna-se irrelevante discutir se a função desempenhada pela reclamante enquadra-se como atividade-fim ou meio, ante a licitude da terceirização, uma vez respaldada em expressa previsão legal. Tal licitude, porém, não afasta a responsabilidade subsidiária da tomadora dos serviços, nos termos da Súmula 331, IV, desta Corte Superior. Precedentes do TST. MULTA PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 538 DO CPC. PROTELAÇÃO DO FEITO. AUSÊNCIA. No caso concreto, resulta inquestionável que a empresa recorrente, ao opor os embargos de declaração ao acórdão prolatado em sede recursal ordinária, obteve no mínimo esclarecimentos em torno da questão jurídica envolvendo a compensação de verbas rescisórias pagas sob o mesmo título, regularmente veiculada nas razões dos embargos declaratórios patronais. Injusta revela-se, nesse encadeamento processual, a cominação de multa por procrastinação do feito, sob pena de macular o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Violação, caracterizada, do artigo 5º, LV, da Constituição Federal. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA ADESIVO DA RECLAMANTE. PLANO DE INCENTIVO À RESCISÃO CONTRATUAL PIRC. REDUTOR DE 30%. VIGÊNCIA. LIMITE TEMPORAL. OJT Nº 67 DA SBDI-1 DO TST. Decisão recorrida consentânea com o entendimento desta Corte Superior, consubstanciado na Orientação Jurisprudencial Transitória nº 67 da SBDI-1, segundo a qual não é devida a indenização com redutor de 30%, prevista no Plano de Incentivo à Rescisão Contratual da Telemar, ao empregado que, embora atenda ao requisito de não haver aderido ao PIRC, fora despedido em data muito posterior ao processo de reestruturação da empresa, e cuja dispensa não teve relação com o Plano. Recurso de revista adesivo não conhecido.
( RR - 124500-63.2004.5.03.0108 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 28/04/2010, 8ª Turma, Data de Publicação: 07/05/2010)
A terceirização já possui seus limites historicamente definidos pelo labor jurisprudencial, que os autorizam nas seguintes situações:
1- Contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.06.1974);
2- Contratação de serviços de vigilância (Lei n 7.102, de 20.06.1983);
3- Contratação de serviços de conservação e limpeza;
4- Contratação de serviços especializados ligados a atividades-meio do tomador, desde que inexista a personalidade e a subordinação direta;
Fora dessas hipóteses não existe amparo legal para a terceirização de serviços, de modo que projeto de lei, a ser aprovado na forma em que se encontra redigido, abandonaria a tradição dos limites históricos da terceirização definidos após décadas de debates nos Tribunas do Trabalho.
Mais perigoso ainda, é a generalização constante no texto, pois à partir do momento em que se legaliza a terceirização da atividade-fim da empresa as consequências para a realidade do mercado de trabalho podem ser desastrosas para o trabalhador, com a previsível migração do trabalho a ser realizado pelo empregado da empresa tomadora de serviços para a mão de obra terceirizada.
A pressão salarial decorrente dessa migração de serviços certamente fará congelar ou reduzir pisos salariais com um risco ainda maior de mitigação de diretos e garantias trabalhistas duramente conquistadas.
Conclusão
Uma breve análise do Projeto de Lei 4.330 nos permite inferir que em apenas dois parágrafos residem o estopim do que pode ser uma radical mudança de paradigmas no Direito do Trabalho, em especial pela generalização da terceirização trazida pela possiblidade de que a atividade-fim da empresa seja objeto de contrato entre a empresa contratante e a empresa prestadora de serviços
E impossível realizar a leitura do Projeto de Lei sem que surja imediatamente a preocupação decorrente das incertezas trazidas pelo mesmo.
Incerteza esta que não é aquela decorrente do natural desconforto trazido pelo novo, mas sim pelo abrupto rompimento com a doutrina trabalhista e a negligência à todo o esforço de construção jurisprudencial dos limites da terceirização, que tiveram como elementos justificantes a preservação e criação de garantias e direitos aos trabalhadores.
Ao que parece, na ânsia de se atender a uma necessária e antiga reivindicação do empresariado para obtenção de maior segurança jurídica nas relações terceirizadas, o trabalhador que sempre gozou de proteção especial na legislação desta vez foi esquecido.
Ainda que contenha diversos pontos dignos de nota e que realmente eram necessários ao ordenamento jurídico trabalhista, o Projeto embora apresenta uma única falha, esta é de tamanha gravidade que põe em xeque todo o Projeto.
Como dito, a generalização da terceirização pode transformar e tonar desigual a balança das negociações de categoria, e podemos até mesmo em hipótese extrema cogitar no fim de categorias, se imaginarmos que, com a permissão legal da contratação de empresa prestadora de serviço para a realização de tarefas ligadas à atividade-fim da empresa, categorias poderiam ser suprimidas e substituídas por uma grande e genérica categoria de “prestadores de serviço”.
Empresas que atuam no âmbito nacional certamente se utilizarão de mão de obra terceirizada, com redução salarial e diminuição de encargos trabalhistas que ocasionarão num primeiro momento demissões, e após, o nivelamento salarial através de piso aplicável aos prestadores de serviço.
É possível dizer que o Projeto de Lei 4330 traz inovações necessárias, mas acima de tudo, estabelece um novo paradigma e positiva uma generalização perigosa que esvazia toda a produção doutrinaria e jurisprudencial consolidada sobre o tema após décadas de decisões judiciais que esgotaram o tema.
Sua aprovação sem que ocorra uma alteração no texto, de forma a suprimir a permissão de terceirizar a atividade-fim da empresa certamente será um erro histórico.
Se nos últimos anos vem crescendo o movimento pela relativização de direitos e garantias trabalhistas e alteração da CLT, o Projeto de Lei 4.330 ocupa papel de destaque, pois consegue com apenas um único parágrafo, reduzir décadas de avanços e conquistas trabalhistas a letra morta e sem valor.
Por fim, o Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho foram chamados a opinar em audiência pública sobre o Projeto de Lei, e dessa análise preliminar, foi editada uma carta aberta, subscrita pelos integrantes do Coleprecor, que entre outras considerações chegaram a seguinte conclusão[7]:
“Como se sabe que os direitos e garantias dos trabalhadores terceirizados são manifestamente inferiores aos dos empregados efetivos, principalmente pelos níveis de remuneração e contratação significativamente mais modestos, o resultado será o profundo e rápido rebaixamento do valor social do trabalho na vida econômica e social brasileira, envolvendo potencialmente milhões de pessoas.”
Referências
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 2002, p.417.
DIEESE Relatório Técnico – O processo de terceirização e seus efeitos sobre os trabalhadores no Brasil – disponível em: http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BAAF91A9E060F/Prod03_2007.pdf
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2003
MARTINS, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. 9 ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2009. p.128.
SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada. 40ª ed. São Paulo: LTR, 2007. p. 815
Carta aberta assinada por membros do Coleprecor – Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho, extraído de http://coleprecor.wordpress.com/2013/09
[1] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2003
[2] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 2002, p.417.
[3] DIEESE Relatório Técnico – O processo de terceirização e seus efeitos sobre os trabalhadores no Brasil – Disponível em: http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BAAF91A9E060F/Prod03_2007.pdf
[4] Op. Cit.
[5] SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada. 40ª ed. São Paulo: LTR, 2007. p. 815
[6] MARTINS, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. 9 ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2009. p.128.
[7] Disponível no sítio do Coleprecor: http://coleprecor.wordpress.com/2013/09