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O afeto como ponto central da filiação

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16/07/2014 às 11:11
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3. CONCLUSÃO

Durante o desenvolvimento do presente trabalho foi visto que a evolução do Direito de Família confunde-se com a influência do afeto em sua configuração. Atualmente não há maneira de compreender a família, seja qual for sua composição, origem e tamanho sem a presença do elemento afetivo, fio condutor dos desdobramentos familiares.

Impulsionada pelo advento da Constituição da República de 1.988, a qual foi elabora com marcantes temperos de princípios cogentes e de alta vinculação, como a igualdade e a solidariedade, o instituto da família no Código Civil de 2002 distanciou-se do caráter patrimonial e hierarquizado, embebedando-se no valor afetivo e trazendo consigo novos perfis da filiação, cada vez mais plural e consentânea com a contemporaneidade da exegese jurídica.

A busca pela felicidade, por sua vez, dentro do contexto atual do Direito de Família torna-se o principal intento da convivência familiar, despontando o conceito de família eudemonista, depreendida, a despeito da falta de positivação legal expressa, de todo o ordenamento jurídico nacional, especialmente da solidariedade, dignidade da pessoa humana e igualdade.

Com efeito, não há maneira de se estabelecer uma vida razoável sem a presença intensa da busca da felicidade, busca esta que pode, no mais das vezes, ser manejada dentro do contexto familiar, impregnado que tem que ser, como já frisado, de afeto.

Nos dias hodiernos, o entendimento do afeto nas relações familiares e até mesmo nas demais relações interpessoais é tamanho que pode fundamentar a derrogação de legislação expressa e certa desconsideração de procedimentos legal e judicialmente consubstanciados, como no caso da adoção à brasileira, legitimada ante circunstâncias peculiares e somente aferíveis no caso concreto.

Por fim, não é demais frisar que a vida, em sua essência, se fundamenta no amor e no afeto. Ambos, quando real e despretensiosamente presentes tudo afastam, a dor, a miséria, as frustrações, os arrependimentos, as perdas, os desacertos, etc. Ambos, da mesma forma, tudo fortalecem e exasperam. Uma conquista quando se tem afeto e amor a ser compartilhado torna-se maior, na mesma medida que a felicidade torna-se mais duradora quando vivenciada ao lado daquela pessoa a qual se nutre indeclinável afeto.

Essas considerações, mais de ordem filosófica que propriamente das Ciências Jurídicas, é verdade, foram e continuam sendo absorvidas pelo ordenamento jurídico, na medida de sua velocidade e parecem que não regredirão, haja vista que antes mesmo de um emaranhado infindável de regras e princípios, as normas jurídicas representam um fato da vida e dela nunca podem se distanciar. Assim, se a vida boa é aquela feita dos nossos afetos, como afirmou Luis Roberto Barroso, o bom, coerente e justo Direito de Família e, mais especificamente, filiação, também são edificados no afeto.


4. REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.

BRASIL. Lei n. 3.071 de 1º de janeiro de 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>.

BRASIL. Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>.

BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.

DELMANTO, Celso...[et al.]. Código penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. – 8. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 9. ed. rev. atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. – Rio de Janeiro: Renovar: 2009.

FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: volume VI. – 5. ed. rev. atual e ampl. – Bahia: Editora Jus Podivm, 2013.

GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume VI: Direito de Família. – 3. ed. – São Paulo: Saraiva, 2007.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011.

VENOSA, Silvio de Salvo. Código civil interpretado. – São Paulo: Atlas, 2010.


Notas

[1] Não se está afirmando aqui que não existem e nem seria convenientes conceitos/elementos legais fincados a bastante tempo. Está-se, tão somente, defendendo que a regra é o dinamismo conceitual e do próprio Direito em si, em detrimento de sua postura concreta e imodificável, mais comum às ciências exatas e à parcela das ciências biológicas. 

[2] Vale chamar a atenção, neste ponto, às brilhantes palavras do então advogado Luis Roberto Barroso no julgamento da ADF 132 em conjunto com a ADI4.277, cujo cerne buscou legitimar as relações homoafetivas à luz das disposições Constitucionais. Naquela ocasião, o hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, em nome do Governador do Estado do Rio de Janeiro, asseverou: “Senhores ministros, o que vale a vida são os nossos afetos. (...) A vida boa é feita dos nossos afetos. A vida boa é feita dos prazeres legítimos. A vida boa é feita do direito de procurar a própria felicidade. De modo que o que se pede aqui em primeiro lugar, que esse tribunal declare na tarde hoje, é que qualquer maneira de amar vale a pena.” O vídeo com a integra da manifestação pode ser acessado em: <http://www.youtube.com/watch?v=5_CHQPes_ls>. Acesso em: 19 nov. 2013.

[3] Com a transição crescente do modelo rural ao modelo urbano, os componentes de determinada família desvendaram em face de si uma gama mais intensa de oportunidades e caminhos, não se prendendo, tão somente, à vontade do patriarca. Assim sendo, a evolução da postura familiar muda intensamente, de modo que ainda se perfaz.

[4] Somente a título de informação, há diversos Projetos de Emenda à Constituição que buscam inserir a felicidade como elemento constitucional, ora como Direito Social, ora como Objetivo Fundamental da República Federativa do Brasil. Como exemplo, vale conferir a PEC 513/2010, de autoria da Deputada Federal Manuella D’ávila, do PCdoB/RS, cuja Ementa: “Inclui o direito à busca da felicidade como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil e direito inerente a cada indivíduo e à sociedade, mediante a dotação, pelo Estado e pela própria sociedade, das adequadas condições de exercício desse direito”. O documento pode ser obtido através do link: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=484478>. Acesso em: 19 nov. 2013.

[5] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

[6] Neste ponto, calha uma observação no sentido de que os elementos legais, na medida do possível e a seu ritmo, tem englobado sentimentos humanos em suas manifestações formais. Como exemplo, assevera-se a possibilidade de anulação de negócio jurídico por estado de perigo quando se anui a negócio jurídico para salvar amigo, tal como disposto no parágrafo único do artigo 156 do Código Civil. A adoção da amizade como fundamento, em tese, para anular negócio jurídico mostra sensibilidade do legislador a um sentimento tão pessoal, bonito e despretensioso que se evidencia quando há uma amizade verdadeira entre duas pessoas sem ligação familiar.

[7] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 70052415262. Relator Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. Porto Alegre, 07/02/2013.

[8] Ressoa sempre importante frisar que os Enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil têm conteúdo meramente doutrinário. No entanto, tendo em vista que são aprovados por juristas do mais alto gabarito, incluindo Magistrados (lato sensu), mais dia ou menos dia podem acabar se tornando orientação jurisprudencial.

[9] Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.

[10] Vale registar que o Projeto de Lei nº 2.285/2007, de autoria do então Deputado Federal Sérgio Barradas Carneiro, hoje na suplência da Casa, visa instituir o Estatuto das Famílias, de modo que em seu artigo 10 está previsto: “Art. 10. O parentesco resulta da consangüinidade, da socioafetividade ou da afinidade”. O Projeto ainda tramita na Câmara dos Deputados, sem andamentos relevantes do ponto de vista de recente votação e pode ser consultado no seguinte endereço eletrônico: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=373935>. Acesso em: 20 nov. 2013.

[11] Diz-se com considerável grau de certeza tendo em vista a vastidão normativa brasileira e a impossibilidade, quase absoluta, de que alguém tenha conhecimento pleno de todas as disposições legais vigentes, ainda mais se considerar a autonomia legislativa dada aos Estados, Distrito Federal  e Municípios. Muito embora a competência legislativa em Direito Civil seja privativa da União, nada obsta que algum ente federado, dentro de sua competência possa editar alguma elemento legal voltado à afetividade, como, por exemplo, na instituição dos Programas de Família Guardiã ou outros mais ligados à Infância e Juventude.

[12] Sem perder o foco do presente trabalho, apenas averbe-se que a eticidade denota a influência da boa-fé nas relações privadas, sejam elas de quaisquer natureza. Por sua vez, a operabilidade otimizou o entendimento e utilização dos institutos do Direito Civil, tal como feito com a prescrição e decadência, extremamente simplificados no presente texto legal em detrimento do anterior.

[13] Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

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c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

[14] Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

(...)

V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

[15] Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

[16] Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

[17] A redação atual do artigo, como posto, foi dada pela Lei 12.010, de 03 de agosto de 2009.

[18] Art. 363. Os filhos ilegítimos de pessoas que não caibam no art. 183, ns. I a VI, têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação:

I - Se o tempo da concepção a mãe estava concubinada com o pretendido pai.

II - Se a concepção do filho reclamante coincidiu com o rapto da mãe pelo suposto pai, ou suas relações sexuais com ela.

III - Se existir escrito daquele a quem se atribui a paternidade, reconhecendo-a expressamente.

[19] A adoção, por si só, é uma modalidade de reconhecimento da filiação socioafetiva. No entanto, devido aos fins e ao tamanho do presente trabalho ela não será objeto de comentários mais detidos.

[20] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 70054667290. Relator Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Porto Alegre, 17/07/2013

[21] Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

(...)

§ 1º Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada.

[22] Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I - no registro do nascimento;

II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento.

[23] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível. 0000581-66.2013.8.26.0646. Desembargador Carlos Alberto Garibaldi. São Paulo, 29/10/2013.

[24] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. 70045659554. Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. Porto Alegre, 26/01/2012.

[25] Diz-se em regra porque sempre há o risco do cometimento do crime de sequestro da criança registrada.

[26] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. 70037954229. Desembargador Claudio Baldino Maciel. Porto Alegre, 23/09/2010. 

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Sobre a autora
Carolina Cristina Leiva

Advogada, pós-graduada em Direito Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEIVA, Carolina Cristina. O afeto como ponto central da filiação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4032, 16 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28793. Acesso em: 26 abr. 2024.

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