6. Conclusão
Entender as motivações e a lógica de cada grupo manifestante (a essência de cada grupo) é absolutamente necessário para poder atuar de forma adequada.
Conhecer seus comportamentos, que tendem a se repetir, faz com que seja possível traçar estratégias para anular atos criminosos ou, ao menos, mitigar a ação de grupos que pretendam exclusivamente quebrar a ordem vigente, já que suas ações são previsíveis.
De outro lado, a polícia deve buscar meios para incrementar suas ações, com medidas legais e criativas, de forma a evitar a previsibilidade de suas medidas, o que a coloca em uma condição de desvantagem estratégica em relação aos manifestantes, que estão organizados em células e dispostos a promover o vandalismo e ao confronto com as forças de segurança.
Desta forma, as estratégias de ação devem ser, necessariamente, diferentes das ações ordinárias de CDC, já que estes movimentos não adotam os comportamentos dos grupos que habitualmente a polícia tem lidado ao longo dos anos. A forma de atuação em distúrbios associados a torcidas e greves, por exemplo, constitui atividade amplamente estudada, treinada e difundida. O cenário atual não.
A pergunta evidente, então, é: quais estratégias adotar para fazer frente aos movimentos extremamente violentos, radicais e sem um propósito claramente definido?
O simples enfrentamento direto entre polícia e manifestantes, quer parecer, não tem sido uma estratégia suficientemente adequada para resolver o problema. Há que se destacar que o sistema de Segurança Pública deve ser suportado por ações dos Poderes Legislativo e Judiciário, bem como por medidas do Ministério Público, de forma que o ciclo policial seja complementado e possa alcançar os resultados esperados, ou seja, responsabilizar, de forma individual ou coletiva, os causadores de condutas ilícitas ou atentatórias à estabilidade democrática.
Na adoção das medidas para solução de conflitos, é certo que deverão ser avaliadas as consequências de cada ação, em cada nível de comando ou de execução. Ou seja, todos são responsáveis por seus atos em nível individual, uma vez que cada ato repercute, inexoravelmente, na ação global da Instituição.
O uso da força, monopólio do Estado por meio de seus agentes, deve ser escalonado de acordo com o grau da ameaça. Nesse sentido, o uso letal de armas de fogo é admitido nos casos em que estejam presentes a necessidade e proporcionalidade, bem como diante de uma inequívoca causa de excludente da ilicitude.
Entretanto, oportuna uma recomendação: mesmo agindo respaldado por critérios técnicos e legais, fazendo uso escalonado e seletivo da força, caso seja necessário o uso do recurso extremo da força letal, ainda assim, as instituições se sujeitam às pressões políticas e sociais, especialmente quando tais pressões se originam de fontes enviesadas ideologicamente e prontas para atacar toda e qualquer ação legítima de uma instituição policial.
A polícia e a força do Direito, por isso, não podem ser as únicas respostas para uma sociedade em turbulência. O que se tem visto nos episódios de violência extrema que derrubam ditaduras em todo o mundo é a revolta popular, que acarreta a substituição de um governo ditatorial por outro regime ditatorial, porém de ideologias ou inspirações contrárias ao regime anterior, e com o custo de centenas de vidas humanas e milhões de prejuízos à economia local. De que isso adianta?
Interessante, apesar de a abordagem ser outra, trazer à colação pequeno trecho da dissertação de Débora Regina Pastana (2003, p. 89) sobre a cultura do medo:
O fortalecimento penal do Estado não diminui a insegurança social, uma vez que atua diretamente contra os criminosos e não contra as causas do crime. Tal insegurança é também o instrumento do autoritarismo para que sempre a força seja desejada socialmente e prometida politicamente. Toda a ideologia de segurança total, longe de restaurar a tranqüilidade, apenas gera incivilidades, afastando o indivíduo de sua condição de cidadão.
Ou seja, não se pode esperar que somente a polícia atue no embate contra manifestantes, pois isso, de um lado, transforma a polícia efetivamente em um ente meramente repressor do Estado e, de outro, acaba por deslegitimar eventuais movimentos idôneos que se encontrem em meio a esse turbilhão de movimentos.
É certo que a atividade de policiamento é, sempre foi e sempre será um incômodo, um “mal necessário”. Como leciona Reiner (1992, p. 30):
Para o policiamento ser aceito como legítimo, não é necessário que todos os grupos ou indivíduos em uma sociedade concordem com o conteúdo significativo ou com a direção de operações específicas da polícia. Significa apenas que, no mínimo, a maioria da população e possivelmente alguns daqueles que são policiados aceitam a autoridade, o direito legal da polícia de agir da forma que o faz, mesmo que não concordem ou que lamentem algumas ações específicas.
Enfim, resta às polícias agirem dentro da lei, valendo-se de inteligência e articulação política. O respeito integral à lei por todos, policiais ou manifestantes, é conditio sine qua non para a existência de uma sociedade moderna e civilizada.
Abstract: The examination of the use of police force in solving social conflicts, as well as the consequences of the actions of the police in demonstrations, especially the military police, is treated in this study. Analysis of international human rights and domestic law. The approach evaluates aspects of convenience and usefulness of measures, responsibility for the actions and strategies for conflict resolution. Highlights the role of violent and nonviolent groups. At the end, presents alternative strategies to act on radical groups.
Keywords: Right of manifestation. Social conflicts. Use of force.
Referências
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Notas
[1] ROVER, Cees de. Direitos humanos e direito internacional humanitário para forças policiais e de segurança: manual para instrutores. Genebra: Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 1998. Trad. De Sílvia Backes e Ernani S. Pilla.
[2] Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/acusado-de-acender-rojao-que-matou-cinegrafista-se-contradiz-11590836
[3] ORTELLADO, Pablo. O locus da violência, mais uma vez. Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação. Disponível em: http://www.gpopai.org/ortellado/