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Crime militar praticado em serviço: autuação em flagrante ou instauração de IPM?

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30/05/2014 às 13:34
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5. SUGESTÕES PARA ATUAÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR EM FACE DOS CRIMES MILITARES PRATICADOS EM SERVIÇO OU EM RAZÃO DA FUNÇÃO

Talvez um dos pontos mais importantes deste trabalho seja a questão prática de como deve proceder a autoridade policial judiciária militar diante do crime militar praticado em o serviço ou em razão da função. Assim, apresentamos a seguir três sugestões de procedimentos que poderão ser adotados pela autoridade policial judiciária militar que conciliam, ao mesmo tempo, a dignidade do militar de polícia, o princípio da inocência e da proporcionalidade, sem prejuízo da persecução penal e das atribuições legais do Ministério Público e do Poder Judiciário.

5.1 PRIMEIRA SUGESTÃO: INSTRUÇÃO DE CORREGEDORIA Nº 5 DA POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS (ICPM nº 5/2012)

A primeira sugestão seria adotar o procedimento da Instrução de Corregedoria nº 5, da Polícia Militar de Minas Gerais (ICPM nº 5/2012[38]), que para nós, é a mais completa, justa e abalizada orientação normativa do país acerca do tema, uma vez que se mostrou profundamente lastreada na doutrina, na nova ordem constitucional, na dignidade do militar de polícia, bem como na legislação penal e processual penal militar, sem nenhum prejuízo à hierarquia, à disciplina ou à atividade de polícia judiciária militar e à persecução penal. Tudo materializado no Auto de Apresentação de Militar Conduzido. Nesse aspecto, é imprescindível destacar o que estabelece essa instrução normativa acerca da possibilidade da análise das excludentes de ilicitude e culpabilidade por ocasião da prisão em flagrante:

Art. 17 - Se durante a lavratura do APF, a autoridade de polícia judiciária militar verificar a manifesta inexistência da infração penal militar ou a não- participação do conduzido em sua prática, nos termos do §2º do art. 247 do CPPM, não lavrará auto de prisão em flagrante, devendo relatar os fatos motivadamente ao Juiz de Direito do Juízo Militar, em termo próprio (Auto de Apresentação de Militar Conduzido), conforme dispõe o art. 248 do CPPM, sem prejuízo da adoção das diligências investigatórias cabíveis.

[...]

§3º. Considera-se inexistente a infração penal militar nas seguintes hipóteses:

I – a conduta praticada é atípica ao ordenamento jurídico comum e militar;

II – a conduta praticada manifestamente está amparada em uma das excludentes de ilicitude prevista no art. 42 do CPM;

III – a conduta praticada manifestamente está amparada em uma das causas de excludente de culpabilidade prevista no art. 38 do CPM.

5.2 SEGUNDA SUGESTÃO: ELABORAÇÃO DE RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO (PRINCÍPIO BÁSICO Nº 22 - PBUFAF) E IMEDIATA INSTUARAÇÃO DE IPM

Como segunda sugestão de procedimento, a autoridade policial judiciária militar irá balizar sua tomada de decisão em uma Norma Internacional de Direitos Humanos (Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo – PBUFAF[39]) e na Resolução n° 08 de 21 de dezembro de 2012 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Desse modo, a autoridade policial judiciária militar, após analisar cuidadosamente os aspectos fáticos e jurídicos da ocorrência, e estando patente que o policial militar agiu sob o abrigo das excludentes de ilicitude ou culpabilidade, deverá agir segundo o Princípio Básico nº 22 da referida Norma Internacional de Direitos Humanos, a qual estabelece que se “deverá proceder nos casos de morte, ferimento grave ou outras consequências sérias, um relatório pormenorizado será prontamente enviado às autoridades competentes responsáveis pelo controle e avaliação administrativa e judicial”.

Em sentido parecido, recomenda a Resolução nº 08 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República[40]:

Art. 2º Os órgãos e instituições estatais que, no exercício de suas atribuições, se confrontarem com fatos classificados como “lesão corporal decorrente de intervenção policial” ou “homicídio decorrente de intervenção policial” devem observar, em sua atuação, o seguinte:

I - os fatos serão noticiados imediatamente a Delegacia de Crimes contra a Pessoa ou a repartição de polícia judiciária, federal ou civil, com atribuição assemelhada, nos termos do art. 144 da Constituição, que deverá:

a) instaurar, inquérito policial para investigação de homicídio ou de lesão corporal;

[...] Grifo nosso.

Logicamente, adequamos essa Resolução à atuação da polícia judiciária militar, haja vista que a polícia judiciária comum (Polícia Civil ou Polícia Federal) não tem competência legal para apurar crimes militares. Desse modo, em observância ao que recomenda a Resolução nº 8, a autoridade policial judiciária militar deverá registrar o ocorrido em relatório circunstanciado e imediatamente instaurar IPM para investigação dos fatos.

Nessa senda, observa-se que tanto a Norma Internacional de Direitos Humanos quanto a Resolução nº 08 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República orientam o registro do fato e a instauração do devido procedimento investigatório, não fazendo menção à prisão do agente que agiu em função do dever policial.

Assim, com base nessas duas normas orientadoras, a autoridade policial judiciária militar, quando se deparar com situações em que o policial militar agiu albergado pelas excludentes de ilicitude ou culpabilidade, não deverá proceder a autuação em flagrante do miliciano. Nessa hipótese, a autoridade policial judiciária militar deverá confeccionar um relatório pormenorizado da ocorrência, o qual será encaminhado às autoridades competentes (Comandante do policial militar, Ministério Público e Juízo Militar) e instaurando imediatamente o IPM para apuração dos fatos e suas circunstâncias.

5.3 TERCEIRA SUGESTÃO: AUTO DE COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO (art. 262, CPPM)

Nas Polícias Militares em que não houver normatização acerca de algum instituto similar ao Auto de Apresentação de Militar Conduzido da PMMG ou não utilize a confecção de relatório circunstanciado (Princípio Básico nº 22 – PBUFAF), sugerimos que a autoridade policial judiciária militar opte pela confecção do Auto de Comparecimento Espontâneo (art. 262, CPPM), o qual será apresentado juntamente com os policiais militares envolvidos na ocorrência ao Juízo Militar Estadual, procedendo-se a imediata instauração de IPM. Dessa forma, busca-se evitar a autuação em flagrante e o recolhimento ao cárcere do policial militar que agiu amparado pelas excludentes de ilicitude ou culpabilidade.

Embora apresentado como terceira sugestão, entendemos que o instituto do Comparecimento Espontâneo não seria o procedimento mais adequado para as hipóteses em que o policial militar agiu legitimamente no cumprimento do seu dever legal, uma vez que nesses casos não há, em tese, a prática de crime por conta das excludentes de ilicitude ou culpabilidade. Portanto, o procedimento mais adequado seria aquele previsto na ICPM nº 5/2012 da PMMG ou instituto similar, ou ainda a confecção de relatório circunstanciado (Princípio Básico nº 22 – PBUFAF), pois aqui, os indícios demonstram, a priori, a inexistência de crime, sendo, portanto, um contrassenso confeccionar contra o policial militar que agiu legitimamente o Auto de Comparecimento Espontâneo pela prática de crime que, em tese, não praticou.

 Nessa ordem de raciocínio, o Auto de Comparecimento Espontâneo seria o procedimento mais adequado para as hipóteses em que o policial militar praticou um crime (não enquadrado nas hipóteses das excludentes de ilicitude ou culpabilidade) e resolveu apresentar-se à autoridade policial judiciária militar. Aqui, ao contrário da hipótese acima mencionada, os indícios pesam contra o policial militar, cabendo, portanto a confecção do Auto de Comparecimento Espontâneo pela prática de uma ação criminosa.

É oportuno ressaltar que nas três sugestões apresentadas buscou-se garantir a dignidade do militar de polícia e o princípio constitucional da presunção de inocência, afastando dessa forma, a prisão em flagrante delito e o recolhimento ao cárcere do miliciano que agiu sob o pálio das excludentes de ilicitude, de forma a evitar que ele seja “punido” por cumprir seu dever.

Devemos ter em mente que a prisão em flagrante (espécie de prisão cautelar) deve ser analisada à luz dos princípios da necessidade e proporcionalidade sob pena de se operar flagrante injustiça e violação dos direitos fundamentais. Acerca desses princípios nos fala EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA[41]:

Com efeito, a prisão cautelar é utilizada, e somente aí se legitima, como instrumento de garantia da eficácia da persecução penal, diante de situações de risco real devidamente previstas em lei. Se a sua aplicação pudesse trazer consequências mais graves que o provimento final buscado na ação penal, ela perderia a sua justificação, passando a desempenhar função exclusivamente punitiva. A proporcionalidade da prisão cautelar e, por tanto, a medida de sua legitimação, a sua ratio essendi.

Assim, após as considerações estabelecidas no presente estudo esperamos que a autoridade policial judiciária militar ao se deparar, no caso concreto, com a prática de crime militar em serviço ou em razão da função, possa analisar minuciosamente o fato e diferenciar a atuação policial legitima (praticada no cumprimento da missão constitucional e albergada pelas excludentes de ilicitude ou culpabilidade) da ação ilegítima (prática deliberada de uma ação criminosa), e assim, adotar a medida mais justa e adequada a cada uma dessas situações.


 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atuação da polícia judiciária militar é imprescindível à manutenção da ordem e da disciplina, bem como da prevenção da prática de ilícitos penais nas instituições militares. Por isso, o exercício da atividade de polícia judiciária militar deve ser comedida e razoada, principalmente em face dos crimes militares praticados em serviço ou em razão da função, quando ficar patente que o policial militar agiu no cumprimento da sua missão constitucional e albergado pelas excludentes de ilicitude ou culpabilidade.

 Dessa forma, a autoridade policial judiciária militar com base no seu poder discricionário fará uma análise fática e jurídica dos acontecimentos, verificando a presença das excludentes de ilicitude ou culpabilidade e assim adotará a medida mais adequada ao caso concreto. Esse procedimento tem por objetivo resguardar a dignidade do militar de polícia, os princípios constitucionais e ao mesmo tempo garantir a persecução penal e as atribuições do Ministério Público e do Poder Judiciário, uma vez que os fatos serão investigados em sede de IPM, fornecendo subsídios mais robustos para a propositura da ação penal no caso de se verificar que a ação policial foi criminosa ou o arquivamento do IPM se restar provado que o policial militar agiu sob o abrigo das excludentes de ilicitude ou culpabilidade.

De tudo até aqui apresentado, resta-nos concluir que a prisão em flagrante delito e o recolhimento ao cárcere não é a solução mais acertada quando está patente que o policial militar atuou albergado pelas excludentes de ilicitude ou culpabilidade. Não se pode aceitar que os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência e da proporcionalidade das medidas cautelares sejam olvidados em nome de um formalismo decadente o qual tem causado irreparáveis injustiças àqueles que se arriscam diariamente para defender a sociedade. Em resumo: o Estado não pode ser desleal com aqueles que agem legitimamente em seu nome, no cumprimento do dever que esse mesmo Estado lhes incumbiu.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_______. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Resolução n° 08, de 21 de dezembro de 2012. Dispõe sobre a abolição de designações genéricas, como “autos de resistência”, “resistência seguida de morte”, em registros policiais, boletins de ocorrências, inquéritos policiais e notícias de crime. Disponível em: http://www.sedh.gov.br/conselho/pessoa_humana/resolucoes-1/Resolucao%20no%2008%20-%20Auto%20de%20resistencia_%20versao%2018-12-12.pdf. Acessado em 10 de fevereiro de 2013.

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Sobre o autor
José Wilson Gomes de Assis

Capitão da Polícia Militar do Piauí. Exercendo atualmente a função de superintendente do sistema prisional do Piauí. Bacharel em ciências de Defesa Social pelo Instituto de Ensino de Segurança do Pará - IESP. Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Segurança Pública pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSIS, José Wilson Gomes. Crime militar praticado em serviço: autuação em flagrante ou instauração de IPM?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3985, 30 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29033. Acesso em: 4 nov. 2024.

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