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A mídia como retroalimentadora da violência em dialética com os novos modelos de solução dos conflitos penais

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O que dá retorno imediato à mídia, em termos criminais, é a infelicidade do delinquente, e não o final feliz da reconciliação. Pessoas algemadas, agredidas, imagens de prisões lotadas se constituem no combustível alimentador do processo midiático.

1.       INTRODUÇÃO

  A Pena de prisão, no Brasil, é tida, pela grande massa popular, como a única forma de estagnar a violência.

A incrementação da força punitiva do Direito Penal encontra ressonância nos anseios populares por uma sociedade vingativa e retributiva

Por meio de uma violenta divulgação dos meios de comunicação, suscitou-se a redução da maioridade penal, a utilização de tornozeleiras eletrônicas e a ampliação do sistema prisional, em suma, uma super valorização do Direito Penal.

O que se discute é se a carcerização é o modelo adequado para se combater um inimigo que se mostra cada vez mais presente. Aumentar a quantidade de presos vai desencadear um medo de punição, em forma de prevenção geral?

Diante esse quadro, vertiginosamente crescente, surge a justiça restaurativa e a mediação penal, como forma de alterar substancialmente as atuais medidas punitivas. O grande entrave para a aceitação desta alternativa está no inconsciente coletivo, propulsionado pelos grandes veículos de comunicação, que despertam a necessidade de medidas mais severas e menos conciliadoras.

1.1. A PENA

O sistema prisional brasileiro é pautado no modelo outrora utilizado pelos mosteiros antigos, como penitência pela expiação.

A pena era cumprida em pequenas celas, separados do mundo livre. Nesse momento a sociedade se sentia protegida daquele elemento que a fez mal e recebia a sua pena.

Um dos objetivos da pena é a retirada do indivíduo do ambiente propício à efetivação de novos delitos, assim como, prestar uma satisfação à sociedade e, paulatinamente, obter a reinserção no meio social.

Infelizmente, a finalidade, teoricamente proposta, de há muito deixou de atingir a seus objetivos, e o pior, a ressocialização tornou-se uma utopia penal, como se verifica nas prisões lotadas, transformadas em verdadeiras pós-graduações criminais, em que pessoas que poderiam ter uma verdadeira chance de retornar ao meio social formam-se no crime.

1.2. JUSTIÇA RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO PENAL

Leonardo Cica estabelece “a justiça restaurativa é uma prática ou, mais precisamente, um conjunto de práticas em busca de uma teoria”.

Nesse mesmo diapasão Myléne Jaccoud, apud Leonardo Cica, destaca

Justiça restaurativa é uma aproximação que privilegia toda a forma de ação, individual ou coletiva, visando corrigir as consequências vivenciadas por ocasião de uma infração, a resolução de um conflito ou a reconciliação das partes a estes( 2005, p. 169 )

A mola propulsora do movimento restaurativo ocorreu na Nova Zelândia, onde se adotaram antigos costumes e práticas da justiça ancestral dos aborígenes maoris.

Naquele país, o modelo desenvolvido foi dividido em duas partes: os Family group conferences, para infratores crianças; e os comunity group conferences para os adultos. O resultado até o presente momento denota um sucesso em termos de prevenção da reincidência criminal.

A justiça restaurativa é uma nova modalidade, baseada em um conceito de procedimento por consenso, no qual a vítima, o infrator e, se necessário, outros membros da comunidade direta ou indiretamente afetados pelo crime participam de forma coletiva no fomento de soluções para os danos psicológicos, ressentimentos, traumas e perdas causados pelo crime.

O Conselho da união Europeia conceituou justiça restaurativa da seguinte forma:

Definição e formas de justiça restaurativa: Para efeitos da presente decisão, o termo “ justiça restaurativa” refere-se a uma visão global  do processo de justiça penal em que as necessidades da vítima assumem a prioridade e a responsabilidade do infrator é realçada de uma maneira positiva. A justiça restaurativa denota uma abordagem lata em que a reparação material e imaterial da relação confundida entre vítima, a comunidade e o refrator constitui um princípio orientador geral no processo de justiça penal. O conceito de justiça restaurativa abrange um conjunto de ideias que é relevante para as diversas formas de sancionamento e de tratamento de conflitos nas várias fases do processo penal ou com ele relacionados.(...) (apud Selma Santana, p. 13)

O modelo de justiça restaurativa busca aproximar o autor do ato delituoso e a vítima, deixando de lado os aspectos retributivos e vingativos da pena.

Ao deixar de lado a  pena de prisão, as medidas restritivas de direito ou multa, que nada trazem na restauração da ordem atingida, a mediação penal busca juntar em um mesmo momento, autor, vítima e sociedade, para se encontrar a forma ideal de modificar aquela situação que já modificou o meio social, tentando ao máximo se aproximar da realidade outrora atingida.

A vítima têm a oportunidade de mostra suas indignações, expor suas raivas e constrangimentos passados, enquanto o autor do ato delituoso expõe sua necessidades e causas para o cometimento daquele ato, e todos buscam a reparação da dano causado, da forma menos aflitiva, mas não menos punitiva.

A sociedade, em linhas gerais, busca uma forma de vingança social contra aquele que tirou a sua paz e sua segurança social.

 1.3. OPINIÃO PÚBLICA E DIREITO PENAL

De acordo com Habermas( 1984, p. 276-278 ), são dois os caminhos para se definir o conceito de Opinião pública “ um conduz de volta a posições do liberalismo que, em meio a uma esfera desintegrada, que queria salvar a comunicação (...) num circulo interno de representantes capazes de serem no âmbito público os formadores de opinião, um público pensante bem no meio do conceito de opinião pública. O outro caminho leva a um conceito de opinião pública que abstrai completamente critérios materiais como racionalidade e representação, limitando-se a critérios institucionais.

Ainda Habermas, esclarece a diferença entre massa e público, sendo o primeiro a ideia de que” muito menos gente expressa opiniões do que as recebe, pois a comunidade do público torna-se uma coleção abstrata de indivíduos que recebem impressões dos meios de comunicação de massa e as comunicações que prevalecem são organizadas de tal modo que é difícil ou impossível para o indivíduo responder de modo imediato ou com qualquer eficácia.

O segundo como virtualmente tantas pessoas expressam opiniões quantas as recebem, as comunicações são organizadas de tal modo que há uma chance imediata efetiva de responder a qualquer opinião expressa em público e as instituições autoritárias não penetram o público, que nisso é mais ou menos autônomo em sua operação.

Baseado nos conceitos de Habermas, podemos notar que a grande massa nacional é movida por conceitos prontos, que são estabelecidos à medida que os fatos interessam ao seu maior objetivo : a audiência.

1.4. A MÍDIA E A FORMAÇÃO DOS CONCEITOS

Fábio Martins de Andrade, assevera que “ durante anos, a mídia e seus órgãos sedimentaram a sua posição central e proeminente em relação à sociedade, na medida em que se legitimou como instância difusora de informações sobre o mundo, o país, os arredores e o local onde habitavam – e habitam – os seus consumidores ou usuários ( leitores, ouvintes e telespectadores ). Hoje a mídia como instituição fundamental ao exercício pleno da democracia, goza de credibilidade e confiança aos olhos da população a qual deve servir ( 2007, p. 103 )

Ainda, Andrade “ ocorre que, a mídia passou a exercer e desenvolver diferentes graus de influências ou ingerências junto à sociedade. É que, tanto a sociedade quanto os indivíduos que a compõem esperam e assimilam as informações divulgadas através das notícias e se informam por meio delas. Com isso, a mídia tem a legitimação de sua atividade no processo democrático”.

O poder imensurável da mídia, tratando-se especialmente de crime, faz com que se encaixe o modelo maniqueísta, em que exige-se a existência de bons e maus, ciando estereótipos conceituais acerca do ser bandido e ser mocinho.

Em qualquer um dos variados órgãos da mídia é possível destacar privilegiados espaços dedicados à questão criminal. Alguns tipos de crimes preferenciais, previamente selecionados, são reiteradamente exibidos, narrados e descritos e explicados.

Esse processo desencadeia no inconsciente coletivo uma necessidade de frear o aumento da violência.

O maior problema se encontra na forma como essa exposição é feita. O sujeito ativo do ato delituoso é mostrado como um delinquente que exige uma punição de alto grau de retributividade social, causando, desde já, indignação quando medidas assecuratórias dos direitos do acusado são colocadas em prática, tais como liberdade provisória, habeas corpus.

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A lei é vista como um instrumento que assegura a impunidade e não como mecanismo de controle da criminalidade. Como se verifica no velho jargão popular a polícia prende e a justiça solta.

1.5.A RESTAURAÇÃO, MEDIAÇÃO  E MÍDIA PENAL

O direito penal mínimo estabelece uma interferência moderada da seara penal. É nesse diapasão que a justiça restaurativa e a mediação penal podem exercer papel fundamental na concepção da pena.

Resta comprovado que a pena de prisão não consegue restabelecer o status quo perdido com o cometimento do delito. A pena passou a ter apenas a função de atenuar a culpa do estado pelo alto grau de criminalidade.

A resposta mais convincente hoje é o cerceamento da liberdade, pois provoca no inconsciente coletivo a satisfação do vingar efetivo.

A partir do momento que a mediação penal puder agir para refrear o processo de carcerização, buscando recolocar no papel conciliador, autor, vítima e sociedade, fora do âmbito penal, poder-se-á ter a sensação de punição, para o autor, e de reparação pelo dano, pela vítima, fechando um ciclo em que todos têm seus anseios atendidos

Selma Pereira de Santana,  traz em seu livro justiça Restaurativa, a reparação como consequência jurídico-penal autônoma do delito(2010, p. 80-81), com o Projeto Alternativo de Reparação, publicado em 1992.

Desse projeto abstrai-se a ideia de Roxin “ em configurar a reparação como uma terceira via, juntamente à pena e às medidas de segurança.

Não se discute de forma sectária a ideia de que a violência cresce de forma vertiginosa no Brasil.

As causas da violência são conhecidas por todos. Os métodos utilizados para a repressão da violência está estigmatizado no conceito de sacralização das penas de prisão.

A sociedade só se sente efetivamente segura quando os que transcendem a ordem social penal estão fora do seu contato físico, independente do crime que tenham cometido, bandido bom é bandido morto (ou preso).

Nessa linha de pensamento a mídia exerce um papel fundamental em fomentar a pena de prisão como forma de trazer segurança social. Grandes episódios criminais são levados a conhecimento público, em forma de jornalismo, de maneira a criar na grande massa a indignação e a vontade de vingança.

Tomemos como exemplo alguns casos emblemáticos. Escola de Base, quando pessoas responsáveis e honestas foram execradas publicamente, por meio de uma exposição televisiva que chegou a extremos de depredação do patrimônio e ostracismo profissional e pessoal por parte de seus proprietários.

A morte do garoto João Hélio que desencadeou a discussão sobre a redução da maioridade penal, em um clima de comoção nacional e desejo de mudança, pelo meio mais aflitivo, da lei brasileira.

O casal Nardoni, que já entrou em julgamento com sua pena decretada pela massa popular, restando apenas se estabelecer o quantum penal.

A par de serem fatos ou versões os crimes , o que se espera de um julgamento é a realidade dos fatos e a sua correta punição, que nem sempre se dá pela pena de prisão.

O entrave para a aplicação da mediação penal será convencer a grande massa popular, segundo Habermas que age pela emoção, que esse procedimento em nada se enquadra na impunidade do agressor.

Nesse momento, a força midiática será fundamental, como quarto poder, para acelerar ou desacelerar o processo de aceitação.

O Brasil vive de momentos distintos para aplicação de suas regras. A primeira diz respeito ao aspecto emocional, que exige decisões rápidas e muitas vezes mal elaboradas. A segunda, pela penetração em quase todas as (in)consciências, do modelo correto propugnado pela mídia, essa de forma gradual e muito bem articulada, muitas vezes atendendo a interesses não muito bem esclarecidos.

Os programas sensacionalistas, mostrados em horário de grande audiência popular, principalmente nas classes sociais mais desprovidas de poder crítico, mostra o crime de forma cruel e chocante, generalizando o acusado, que muitas vezes já é condenado pelo próprio condutor da entrevista.

Como esperar uma influência positiva dos meios de comunicação na aceitação da mediação penal, se o objeto maior do seu propósito, a audiência, poderá ser mitigada pela transferência da seara penal para a conciliatória.

O que dá retorno imediato à mídia, em termos criminais, é o final infeliz do delinquente, e não o final feliz da reconciliação. Pessoas algemadas, agredidas, imagens de prisões lotadas se constituem no combustível alimentador do processo midiático.

A imagem de uma reunião em que pessoas buscam, de forma racional a solução de conflitos, em nada abastece  e interessa aos meios de comunicação.

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Sobre o autor
Rômulo Carneiro de Campos Junior

Advogado, Professor da Universidade Federal da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUNIOR, Rômulo Carneiro Campos. A mídia como retroalimentadora da violência em dialética com os novos modelos de solução dos conflitos penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3990, 4 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29165. Acesso em: 2 nov. 2024.

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