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A curvatura do espaço jurídico: neutralidade, segurança jurídica e hermenêutica na perspectiva quântica

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06/08/2014 às 14:33
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CAPÍTULO II: A CURVATURA DO ESPAÇO E OS CONCEITOS DA FÍSICA MODERNA

“Bom senso é o conjunto de todos os preconceitos que adquirimos durante nossos primeiros dezoito anos de vida”.

Albert Einstein (1879 – 1955).

1.     Einstein e o fim das certezas

De fato, o modelo mecânico do universo de Newton serviu de rocha estrutural para toda a ciência e de paradigma para formulação do pensamento científico e filosófico durante quase três séculos. Acreditava-se, segundo suas equações, que o universo tinha sido posto em movimento e funcionava como uma máquina dirigida por leis imutáveis. Sem escapadela, o pensamento jurídico também sofreu reflexos dessa percepção de mundo, inclusive na Teoria Pura de Hans Kelsen, conforme já demonstrado no capítulo anterior.

Contudo, menos de cem anos depois, uma nova realidade física seria descoberta, evidenciando a fragilidade do modelo puro e absoluto validado por Newton e inaugurando uma nova temporada de ideias revolucionárias.

Por certo, a eclosão dessas novas descobertas não aconteceu de modo imediato. Algumas inquietações científicas já tinham ganhado impulso no século XIX e prepararam o caminho para as revoluções do nosso tempo.

Uma das grandes descobertas que deu vida a esse novo cenário teve início com a investigação dos fenômenos elétricos e magnéticos, que envolviam um novo tipo de força que não podia ser apropriadamente descrita pelo modelo mecânico. À frente desse estudo estavam Michael Faraday e Clerk Maxwell.

Faraday e Maxwell substituíram o conceito de uma força pelo de um campo de força, e ao fazê-lo foram os primeiros a ultrapassar a física newtoniana. Assim, enquanto na perspectiva newtoniana as forças estavam rigidamente ligadas aos corpos em que atuavam, nesta nova teoria, denominada eletrodinâmica, o conceito de força foi substituído pelo conceito de um campo que tinha a sua realidade própria e podia ser estudado sem qualquer referência aos corpos materiais. Não obstante, o apogeu da eletrodinâmica ocorreu com a percepção que a luz é apenas um campo eletromagnético, alternando rapidamente, que se propaga pelo espaço sob a forma de ondas.

Apesar destas mudanças de longo alcance, a mecânica newtoniana manteve, em princípio, a sua posição de base de toda a física[17].

No entanto, as primeiras três décadas do século XX modificaram radicalmente todo o panorama na física. A teoria da relatividade e a física atômica destruíram todos os principais conceitos da visão newtoniana do mundo, quais sejam a noção de espaço e tempo absolutos, as partículas sólidas elementares, a natureza estritamente causal dos fenômenos físicos e o ideal de uma descrição objetiva da natureza. Nenhum destes conceitos era extensível aos novos domínios em que a física penetrava.

Em 1905, a publicação de dois artigos deu impulso a duas inovadoras tendências de pensamento. Albert Einstein é o nome que traduz essa revolução. A teoria restrita da relatividade e o novo modo de ver a radiação eletromagnética seriam as mais imponentes pirâmides da civilização moderna.

Einstein acreditava fortemente na harmonia inerente da natureza. Por isso, preocupou-se em elaborar uma teoria que unificasse e completasse a estrutura da física clássica. Contudo, esse novo modelo envolveria mudanças drásticas nos conceitos tradicionais de espaço e tempo e foi aí que, progressivamente, arruinou-se uma das estruturas do universo newtoniano.

De acordo com a teoria da relatividade, o espaço não é tridimensional, e o tempo não é uma entidade separada. Ambos estão intimamente ligados e formam um contínuo a quatro dimensões, o espaço-tempo. Na teoria da relatividade, portanto, nunca podemos falar do espaço sem falar acerca do tempo, como no modelo newtoniano. Observadores diferentes ordenarão diversamente os acontecimentos no tempo se eles se moverem (sic) a velocidades diferentes em relação aos acontecimentos observados. Neste-case, dois eventos que são vistos como ocorrendo simultaneamente por um observador podem ocorrer em diferentes sequências temporais para outros observadores (CAPRA, 1999, p.56-57).

Diante desse cenário, todas as medições que envolvem espaço e tempo perdem seu significado absoluto, quando passam a ser meros elementos da linguagem que o observador utiliza para descrever os fenômenos observados[18].

Um importante destaque a ser feito na teoria de Einstein refere-se à força da gravidade. Ao contrário do retrato linear de espaço sugerido por Newton, Einstein acreditava que o campo gravitacional dos corpos maciços teria o efeito de curvar o espaço e o tempo. Desse modo, deixa de ser válida a geometria euclidiana[19] comum  num espaço curvo, tal como a geometria bidimensional de um plano não pode ser aplicada na superfície de uma esfera[20].

Imagine-se, para melhor visualização dos conceitos relativísticos, uma criança brincando com bolinhas de gude sobre uma mesa. A trajetória natural das bolinhas será uma linha reta. Agora, considere-se que a mesa é feita por um material elástico – um colchão bem macio, por exemplo – e que colocamos em seu centro um material muito pesado, como uma bola de boliche. Note-se que a presença da bola de boliche irá deformar a geometria do colchão, fazendo com que ela se torne encurvada. Quando a bolinha de gude é novamente jogada sobre esta superfície, agora deformada, ela tem sua trajetória alterada ao passar perto da bola de boliche; se passar perto o suficiente, cairá dentro do buraco[21](VALADÃO, 2002, p.308).

Logo, conforme comprovação com inúmeros experimentos, constata-se que a simples presença de matéria deforma o espaço e a realidade que se pretende estudar. Por conseguinte, só há sentido em falar-se de espaço se houver a presença de matéria, pois que sem esta, o espaço literalmente não existe.

Ao abolir completamente os ideais de espaço e tempo absolutos, deixam de ter validade conceitos básicos que já estão profundamente enraizados em nossos hábitos de pensamento. Talvez por isso seja tão difícil visualizar a realidade física inaugurada por essa teoria[22].

2.     O golpe quântico

Como se não bastasse, a teoria da relatividade de Einstein conviveu com a então incipiente física quântica, inaugurada por Niels Bohr. Com o estudo dos fenômenos extremamente pequenos, adquiriu-se um novo estágio de conhecimento científico, no qual a simples observação interfere nos fatos investigados. O modelo de um átomo maciço e sólido é superado, tomando vez a natureza dual das unidades subatômicas da matéria, que, a depender da forma pela qual são abordadas, comportam-se ora como partículas, ora como ondas.

De acordo com CAPRA (1999), a elaboração desses estudos teve gênese quando Max Planck descobriu que a energia irradiada por um corpo quente não era emitida continuamente, mas antes sob a forma de pacotes de energia. Einstein denominou de “quanta” esses pacotes de energia e reconheceu-os como o aspecto fundamental da natureza. Postulou-se assim que a luz, assim como qualquer outra forma de radiação eletromagnética, pode aparecer não apenas como ondas eletromagnéticas, mas também na forma destes quanta. [23].

[...] Disso decorre a primeira questão fundamental do mundo quântico: as imagens que construímos em nossas mentes na tentativa de visualizar a natureza física não são exatas. Mais ainda, a linguagem, que representa uma verbalização dessas imagens, é limitada pela nossa percepção bipolar do mundo e, por isso, limitada para descrever a realidade quântica (VALADÃO, 2002, p.312)

Outro importante aspecto da física quântica merece relevo. É que o próprio ato de observar intervém no que está sendo observado. Isto porque, para visualizarmos um objeto, temos que projetar luz sobre ele, e a luz, como qualquer outra onda, transmite energia. Portanto, ao projetarmos luz sobre um objeto de dimensões minúsculas, obrigatoriamente mudamos sua posição, uma vez que este objeto absorveu energia.

A raiz do problema é que o próprio ato de medir afeta o que está sendo medido. Por exemplo, para visualizarmos um objeto temos que projetar luz sobre ele. Quanto mais detalhada a imagem que desejamos, menor o comprimento de onda que devemos usar; se desejarmos visualizar um objeto de dimensões minúsculas, devemos usar luz de comprimento de onda muito pequeno. A questão é que a luz, como qualquer outra onda, transmite energia e quanto menor o comprimento de onda, maior é a energia transportada. Portanto, ao projetarmos luz sobre um objeto de dimensões minúsculas, obrigatoriamente mudamos sua posição, uma vez que este objeto absorveu energia. Quanto maior a precisão com que tentamos medir a posição do objeto, mais forte será o empurrão dado pela luz (GLEISER, 1997, p.304).

A aparente contradição entre a imagem da partícula e da onda foi resolvida de um modo completamente inesperado que pôs em questão o próprio conceito da realidade da matéria, que servia de base da visão mecânica do mundo. O indeterminismo adotado em nível subatômico indicou que a matéria não existe com certeza em lugares exatos, mas somente apresenta sinais de existir, ao passo que os acontecimentos atômicos não ocorrem em tempos e de modos definidos, mas têm tendências para ocorrer.

As medidas exatas são, assim, abandonadas, pois se torna impossível prever a localização exata de uma partícula, somente sendo possível falar-se em probabilidades. Logo, não se pode prever um acontecimento atômico com precisão, mas apenas dizer como é provável que ele aconteça. Essa “incerteza” física remonta a racionalidade probabilística, sintetizada no Princípio da Incerteza de Heisenberg.

O processo de observação na física quântica nos mostra a necessidade de um olhar interconexo com as (várias) probabilidades de realidade existentes. Mostra que não podemos decompor o mundo em unidades com existência independente. Nas palavras de Capra (1999, p.61): “À medida que penetramos na matéria, a natureza não nos mostra qualquer ‘bloco de construção básico’ isolado, mas antes aparece como uma teia de relações complicada entre as variadas partes do todo. Estas relações incluem sempre o observador de um modo essencial”.

Com esse cenário paradoxal e aparentemente ilógico, restam abalados os fundamentos da teoria do conhecimento, rompendo a dicotomia ser pensante (res cogitans) e coisa pensada (res extensa) e afastando a possibilidade da busca de uma verdade objetiva e determinística, mesmo nas ciências naturais.

O observador humano constitui o elo final na cadeia dos processos de observação e as propriedades de qualquer objeto atómico (sic) só podem ser entendidas nos termos da interação do objeto com o observador. Isto significa que a ideia clássica de uma descrição objetiva da natureza deixa de ser válida. A divisão cartesiana entre o Eu e o mundo, entre o observador e o observado, não pode ser feita quando se trata com " à matéria ao nível atómico. Em física atómica, nunca podemos falar acerca da natureza sem falar, ao mesmo tempo, de nós próprios (CAPRA, 1999, p.61)

Com efeito, as noções da teoria quântica não foram (e ainda não são) de fácil aceitação, afinal, todo nosso conceito de partícula e matéria foi desarranjado, a começar pelo ideal indestrutível de massa defendido pela física clássica. A teoria da relatividade, por sua vez, vem nos revelar que a massa de uma partícula está associada a uma determinada quantidade de energia. Isto significa que o conceito de partícula deve ser concebido como um modelo dinâmico, que envolve a interação de energia e massa.

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A física moderna nos convida a perceber o universo visto como um todo dinâmico e inseparável que inclui sempre a subjetividade do observador de um modo essencial. A simples presença do observador modifica o ambiente estudado e interfere no resultado de sua pesquisa. Esta revolução põe termo à pretensa neutralidade do cientista.

Essa quebra de paradigmas modifica a forma de pensamento, não só da física ou das ciências naturais, mas de toda estrutura científica existente, a citar, as ciências sociais e porque não dizer: a ciência jurídica[24].

3.     A aplicação do método científico na experiência jurídica

Do que restou dito até aqui, quando em se tratando das mudanças cruciais que ocorreram com o advento da física do século XX, muitas indagações podem ser levantadas acerca da possibilidade da aplicação dos postulados físicos à experiência jurídica. Para dirimir eventuais questionamentos, antes de tudo, imperioso um “parêntese” em defesa da abordagem científica do Direito.

Hodiernamente, é comum a propagação das abordagens doutrinárias que tentam afastar o caráter científico da experiência jurídica e este fenômeno, que não é exclusivo no meio legal, “vem ultrapassando a letra dos manuais, encontrando eco na jurisprudência e nos bancos das próprias Universidades” (VALADÃO, 2002, p.304).

As teorias que criticam a abordagem científica do Direito, normalmente questionam, entre outras coisas, a ausência de neutralidade na aplicação da norma ao fato, a falta de pureza científica na formação do saber jurídico, a impossibilidade de experimentação nos fenômenos sociais e sua carência de autonomia científica.

Ocorre que tais apontamentos encontram respaldo em conceitos desatualizados sobre a ciência e seu método. Desse modo, apontaremos as impropriedades de algumas dessas críticas, tomando por base os conceitos relativísticos e quânticos já pincelados anteriormente.

Evidentemente que, numa perspectiva estritamente fenomenológica, considerando que a experiência jurídica é, na verdade, um fato social, o direito não deveria ser considerado ciência. No estudo do seu objeto (as normas jurídicas e suas aplicações - conceito herdado de Kelsen), o jurista deve buscar a objetividade possível, porém, isso está longe de ser uma missão simples. É justamente nessa peculiaridade que reside a dificuldade metodológica do direito.

De acordo com o constitucionalista Luís Roberto Barroso (1998) isso ocorre porque a ciência jurídica, ao contrário das ciências exatas, não lida com fenômenos que se ordenem independentemente da atividade do cientista. E assim, tanto no momento da elaboração quanto no de interpretação da norma, hão de se projetar a visão subjetiva, as crenças e os valores do intérprete. Contudo, ainda nas palavras do ilustríssimo professor, “a impossibilidade de chegar-se à objetividade plena não minimiza a necessidade de se buscar a objetividade possível”. Assim, a interpretação jamais será uma atividade inteiramente discricionária ou puramente mecânica, tanto no direito como em outros domínios. “Ela será sempre o produto de uma interação entre o intérprete e o texto, e seu produto final terá elementos objetivos e subjetivos”.

Assentindo a esse pensamento, o direito encontra-se entre as coisas do espírito, levando em consideração os fenômenos culturais e as realidades significativas como que possui. Assim, os objetos de conhecimentos do direito diferem radicalmente dos fenômenos físicos, pois que, em relação a estes, as verdades obtidas resultam necessariamente do estudo da realidade por um método empírico-intuitivo, tendo a explicação como ato gnosiológico[25] (BRANCO ; COELHO; MENDES, 2002, p.52).

Por certo, a ideia de neutralidade ainda encontra-se arraigada ao conceito de ciência. Contudo, a separação entre cientista e objeto, apesar de bastante difundida, encontra-se ultrapassada. Como já visto anteriormente, de acordo com os conceitos quânticos, nem mesmo os fenômenos naturais ordenam-se de forma independente, sendo a atividade do cientista indispensável para seu dimensionamento.

A questão é que grande parte dos estudiosos não conseguiu alcançar a evolução sobrevinda na própria noção de ciência. Com as revoluções quânticas e relativísticas, a imagem científica desenvolvida até o final do século XIX foi superada, quando se passou de um método de pura investigação, isento de influências subjetivas, para um método de múltipla interação entre investigador e objeto investigado.

Ocorre que, por possuir uma linguagem mais aberta, na ciência do direito estas influências subjetivas sobre a realidade são muito mais intensas. Mas nem por isso, a ciência jurídica deixa de ser ciência.

“No âmbito da cultura (...) porque os estudiosos trabalham com formas significativas, com a conduta e as criações do homem, numa palavra, com realidades que não se explicam, antes se compreendem” (BRANCO ; COELHO; MENDES, 2002, p.52).

 No que diz respeito à autonomia da ciência jurídica, urge demonstrar a fragilidade dos argumentos daqueles que a criticam, tendo por base a abordagem interdisciplinar do direito. A interdisciplinaridade não exclui, por si só, a autonomia de uma ciência. Ora, se assim fosse, a física ou química, por exemplo, não seriam autônomas, vez que se utilizam da matemática (outra ciência) para validar seus conceitos.

Pregar a autonomia da ciência jurídica não significa defender o seu isolamento, mas sim tentar estabelecer um conjunto de princípios que ordenem sistematicamente uma realidade específica. Nesse sentido, a própria física moderna nos convida a uma visão holística da realidade, permitindo um olhar mais abrangente dos (vários) contextos que estamos inseridos.

Em relação à experimentação dos fenômenos jurídicos, de início, vale ressaltar que, por óbvio, seria impossível aplicar no direito o mesmo método utilizado nas ciências exatas. A cada ciência corresponde um método experimental específico, tendo em vista a peculiaridade de seus objetos. Não há, pois, que se falar em um método experimental único. Nesta esteira, a ciência jurídica é sim capaz de experimentação, quando se fala, por exemplo, em eficácia e efetividade de uma norma.

Valadão (2002, p.319) ilustra que as decisões dos Tribunais, as leis do Congresso, as mudanças na política econômica, não deixam de ser experimentos. Por certo a construção do método experimental deve comportar as exigências do conhecimento jurídico. Assim, até certo ponto, as ideias políticas e a efetividade das normas jurídicas podem ser testadas.

Na realidade, comungando com o pensamento de Rodrigo Valadão, concordamos que qualquer ato jurídico poderá ser sempre objeto de teste no que tange a sua efetividade na busca de determinado resultado social. O grande desperdício seria ignorar os resultados dos experimentos sociais por parecerem ideologicamente intragáveis.

A influência da linguagem na metodologia da ciência jurídica é outro alvo de críticas que merecem, aqui, ser aclaradas. De acordo com a filosofia neopositivista[26], a cada ciência corresponde um conjunto de signos, que exerce função primordial no seu desenvolvimento.

Enquanto nas ciências exatas tem-se uma linguagem própria de representação da realidade, qual seja a matemática, em contrapartida, a ciência jurídica tem como linguagem específica a moldura oferecida pelo texto normativo. Desse modo, a diferença essencial entre as ciências exatas e o direito está na geometria dos símbolos utilizados. Nesse caso, o método de estudo do Direito, próprio das ciências do espírito, seria o método da compreensão.

Ao contrário do que ocorre nas ciências exatas, no Direito os signos são, por excelência, abertos, sendo possível uma diversidade interpretativa em condições ambientais normais. Isto quer dizer, em termos práticos, que todos os intérpretes (sujeito cognoscente) familiarizados com a linguagem são capazes de compreender o seu significado, embora cada um extraia conteúdo semântico diverso do mesmo símbolo.

De fato, essa característica flexível dos signos não tem a mesma abrangência nas ciências exatas. Muito embora a teoria da relatividade já tenha desmascarado sua natureza absoluta, os símbolos das ciências exatas são menos abertos e plurais, no sentido em que suas modificações subjetivas ocorrem de maneira muito sensível, poderíamos dizer: de modo quase que imperceptível. Em verdade, tais signos nos passam a imagem de serem absolutos em função de nossa limitação sensorial.

Nesse diapasão, válido consignar que, malgrado sua estrutura plural e aberta, não é permitido ao jurista extrair da linguagem uma interpretação que transborde seus limites formais. Essa textura aberta do direito permite que se deforme a geometria do signo, mas sem ultrapassar a sistemática da ordem jurídica.

 Por fim, há quem possa considerar que o conhecimento jurídico esteja no domínio das artes, afastando-se, pois, do rigor que exigem os postulados científicos.

Sobre a ausência de definição de fronteiras entre a ciência e as artes, relevantes as palavras de Marcelo Gleiser (1997, p.17):

[...] a ciência vai muito além da sua mera prática. Por trás das fórmulas complicadas, das tabelas de dados experimentais e da linguagem técnica, encontra-se uma pessoa tentando transcender as barreiras imediatas da vida diária, guiada por um insaciável desejo de adquirir um nível mais profundo de conhecimento e realização própria. Sob esse prisma, o processo criativo científico não é assim tão diferente do processo criativo das artes, isto é, um veículo de autodescoberta que se manifesta ao tentarmos capturar a nossa essência e lugar no universo.

Sem que se despreze a racionalidade no processo científico, entende-se, portanto, que a produção espontânea contribui para o desenvolvimento criativo de conhecimento. Imerso nesse espírito, tem-se admitido, modernamente, além dos modelos clássicos de indução e dedução, a intuição como aliado favorável à investigação científica.

Assim, tornam-se insuficientes para o trabalho criativo o pensamento lógico e a capacidade analítica, ganhando relevo o processo artístico “como instrumento de adequação às restrições subjetivas impostas pelo tecnicismo, fazendo valer, no sistema científico, a expressão da personalidade individual” (VALADÃO, 2002, p.318).

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Flávia L. Freitas. A curvatura do espaço jurídico: neutralidade, segurança jurídica e hermenêutica na perspectiva quântica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4053, 6 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29182. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada como requisito complementar para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Bacharelado em Direito da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, sob a orientação do Professor Edmilson Cruz Júnior.

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