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A curvatura do espaço jurídico: neutralidade, segurança jurídica e hermenêutica na perspectiva quântica

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06/08/2014 às 14:33
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A física do século XX impactou em importantes transições paradigmáticas no mundo moderno. O reducionismo de Descartes, traduzido na certeza do conhecimento, bem como a visão mecânica de mundo, conduzida por Newton foram dois conceitos que, de certa forma, estiveram presentes na essência de pureza Kelseniana, influenciando o pensamento jurídico, mas que, nesse novo contexto científico, não mais podem vigorar.

As descobertas da física relativística de Einstein e dos conceitos quânticos trouxeram ao mundo um inovador modelo probabilístico da realidade. Nada é tão certo quanto parecia ser, afinal, se a exatidão matemática não serve mais para prever os fenômenos naturais, quiçá os fenômenos sociais. Assim, inconcebível a ideia da exatidão normativa, sobretudo quando consideramos que a norma é um produto da atividade interpretativa e que, nesse novo contexto, interpretar é criar.

Na mesma senda, a validação das normas jurídicas através da lógica formal não persiste nessa nova conjuntura. A ilusão de uma ciência jurídica pura, apartada das demais ciências, tampouco. Valendo lembrar que a interdisciplinaridade, tão criticada por Hans Kelsen, não exclui a autonomia da ciência, mas, ao contrário, deve ser encarada como instrumento integrador, que permite um olhar mais abrangente de toda a realidade e, consequentemente, como instrumento de eficácia das normas jurídicas. Enfim, na nova acepção de ciência, a autonomia não está necessariamente atrelada ao isolamento.

De tudo que foi dito, nos resta refletir sobre a atividade jurídica atualmente. Diante de todo esse contexto pós-positivista e pós Newtoniano, inconcebível a ideia fria de que norma é sinônimo de lei e de que o exercício do Direito dá-se de maneira objetiva. A física moderna nos convida a uma nova forma de raciocínio e compreensão do fenômeno jurídico, inaugurando uma tendência de análise hermenêutica integradora, indo além dos ditames legais, sociológicos ou jurisprudenciais.

Operar com o Direito não se restringe ao manuseio do texto frio e estático da lei, mas sim com o calor exalado pela dinâmica social, que, diga-se de passagem, é complexa. Uma sociedade complexa, por sua vez, exige um Direito complexo. A Justiça não deve ser manuseada como um poder exclusivamente técnico, profissional e neutro.

De acordo com os conceitos do Direito quântico, nos damos conta da nossa limitação em não enxergar a complexidade do macrocosmo, quando, na verdade, não se pode falar em nada que não seja, ao mesmo tempo, energia e movimento. Os homens, nessa elucidativa analogia, seriam como os quanta, ou seja, partículas delimitadas de energia.

De mais a mais, um organismo, segundo o Direito quântico, só é, de fato, conhecido quando na verificação de suas inter-relações com outros organismos, em diversas circunstâncias. Logo, nenhuma partícula é identificável sem que se observe como age noutra, como se comporta ao comunicar-se com outra. Isso remonta à interdisciplinaridade da ciência jurídica com a sociologia, filosofia e demais ciências. Neste norte, a realidade gregária é sempre dependente da realidade quântica.

Ainda, como ficou depreendido, a neutralidade (que não é sinônimo de imparcialidade) não passa de uma quimera jurídica, já que o método de compreensão inerente à ciência jurídica exige uma interpretação que não pode ser apartada do subjetivismo do intérprete. Ocorre que, mesmo sendo ilusória, a neutralidade tem a função precípua de atender as exigências da sociedade, viabilizando a crença na atividade de julgar. Desmistificada, pois, a concepção cotidiana de neu­tralidade, identificando-a mais como um mito necessário do papel social do magistrado do que como uma realidade fática.

Só mesmo a inconsciência da realidade leva à crença da possibilidade da neutralidade. O órgão julgador, apesar do princípio da legalidade tão valorizado pelo positivismo formalista como pressuposto lógico e condição indispensável para a certeza e segurança jurídica, não pode se mostrar alheio à realidade da sociedade em que vive.

Nesse mesmo sentido, a segurança jurídica merece tratamento mitológico, pois que só existe, de fato, no plano ideal, servindo como estruturadora de uma ordem social que clama pela credibilidade do Poder Judiciário e, consequentemente, pelo ideal de justiça.

Ademais disso, na visão quântica, a interpretação é concebida como atividade criativa. Longe de ser considerado um defeito, essa conotação nos permite concluir que interpretar o Direito implica em criar novos Direitos. Contudo, a criatividade do intérprete não pode ultrapassar os limites nucleares do legislador.

As normas jurídicas não estão desligadas, mas sim conectadas umas com as outras. Assim, toda a interpretação de uma norma tem de tomar em consideração a cadeia de significado, o contexto e a sede sistemática da norma, a sua função no contexto da regulamentação em causa.

Por certo, trabalhando com uma visão holística da realidade, um mesmo texto normativo aceita entendimentos variados, a depender do contexto histórico-social. Não obstante, a interpretação não deve ser possível como inauguradora desenfreada de novos ordenamentos e, por isso, a importância da discussão de um método que, admitindo o subjetivismo como característica inexorável da interpretação, imponha um freio no sentido de conceber um núcleo mínimo de objetividade. Afinal, a impossibilidade de se conceber uma objetividade plena, não exclui a necessidade de se chegar a uma objetividade possível.

A partir do momento em que se reconheça como insuficiente a postura meramente formal da ciência jurídica, começaremos a evoluir e aceitar a necessidade da racionalização do processo de obtenção das decisões jurídicas, para que se alcance um ordenamento jurídico em consonância com os fundamentos de um regime democrático e afastado de decisões autoritárias e arbitrárias.

Por consequência dessa nova compreensão da experiência normativa, radicais mudanças nos domínios da hermenêutica jurídica devem ser operadas, abandonando-se os tradicionais métodos e critérios de interpretação, que aprisionavam o aplicador do Direito à estrita literalidade da lei. Em razão da aceitação de um mundo cada vez mais complexo e dinâmico, deve-se caminhar no sentido de adoção de critérios mais amplos e flexíveis, e que nem por isso percam seu mínimo objetivo essencial.

Não há como negar a complexidade do mundo. Os próprios físicos já o provaram. Admitir uma sociedade complexa implica em reconhecer a necessidade de um Direito complexo. Deve-se começar a refletir sobre a necessidade de se admitir a existência do caos. A bem da verdade é que, em razão dessa constante batalha social em busca de um sentimento de ordem, atropelam-se valores óbvios e pecados reducionistas são cometidos. Existe ordem no caos, e, talvez ele nem seja tão apavorador assim...

Em seu livro “A ciência jurídica e seus dois maridos”, Luis Alberto Warat, lírica e brilhantemente compara a triplicidade jurídica (o Direito como ciência, a sociedade como fonte e o Estado como aplicador das normas) com o livro Dona Flor e seus dois maridos de Jorge Amado. Em toda sua singularidade ele consegue elucidar a problemática que passa a Ciência Jurídica em entender e dirimir os conflitos de uma sociedade moderna. De acordo com Warat, o que hoje vivemos são eufemismos normalizadores, ou seja, máscaras criadas para que não sejam dados os devidos signos sua linguagem real.

Warat (2004, p.83) nos convida a uma quebra de todos os dogmas que pairam sobre a ciência jurídica. Segundo ele, “A democracia precisa ser um ponto erótico”. Não há como viver um Estado democrático, sem romper com a estática do Direito, e passá-lo a interpretar, acompanhando as necessidades de uma sociedade mutante. “Para estar aberto ao mundo sem limites, temos que vibrar com os furacões do desejo”.


NOTAS

[1] Reporta-se aqui ao “efeito borboleta”, termo visualizado dentro da teoria do caos, analisado em 1963 por Edward Lorenz.

[2] Nesse sentido, valiosas as palavras de Capra (2006, p. 50): “O papel de Galileu na revolução científica supera largamente suas realizações no campo da astronomia, embora estas sejam mais conhecidas por causa de seu conflito com a Igreja. Galileu foi o primeiro a combinar a experimentação científica com o uso da linguagem matemática para formular as leis da natureza por ele descobertas; é, portanto, considerado o pai da ciência moderna. “A filosofia”, acreditava ele, “está escrita nesse grande livro que permanece sempre aberto diante de nossos olhos; mas não podemos entendê-la se não aprendermos primeiro a linguagem e os caracteres em que ela foi escrita. Essa linguagem é a matemática, e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas.” Os dois aspectos pioneiros do trabalho de Galileu — a abordagem empírica e o uso de uma descrição matemática da natureza — tornaram-se as características dominantes da ciência no século XVII e subsistiram como importantes critérios das teorias científicas até hoje”.

[3] Válido comentar que o filósofo grego Aristarco, em tempos anteriores, já defendia a estruturação heliocêntrica dos corpos celestes.

[4] Nesse sentido, Capra (2006, P.55) faz uma interessante crítica: “Foi o método de Descartes que tornou possível à NASA levar o homem à Lua. Por outro lado, a excessiva ênfase dada ao método cartesiano levou à fragmentação característica do nosso pensamento em geral e das nossas disciplinas acadêmicas, e levou à atitude generalizada de reducionismo na ciência — a crença em que todos os aspectos dos fenômenos complexos podem ser compreendidos se reduzidos às suas partes constituintes”.

[5] Em crítica ao reducionismo do pensamento cartesiano, Capra (2006, p. 53) afirma que “A aceitação do ponto de vista cartesiano como verdade absoluta e do método de Descartes como o único meio válido para se chegar ao conhecimento desempenhou um importante papel na instauração de nosso atual desequilíbrio cultural”.

[6] A título de curiosidade, segundo a lenda, o insight decisivo ocorreu a Newton num súbito lampejo de inspiração quando viu uma maçã cair de uma árvore. Daí ele inferiu que a maçã era atraída para a Terra pela mesma força que atraía os planetas para o Sol, descobrindo a chave para a sua grandiosa síntese.

[7] Laurence H. Tribe é Professor de DireitoConstitucional na Universidade de Harvard desde 1968. Foi nomeado em 2010 pelo presidente Barack Obama e pelo Procurador Geral titular para servir como o primeiro conselheiro de Acesso à Justiça; serve atualmente como membro da Comissão Presidencial de Bolsas de Estudo da Casa Branca, e tem escrito 115 livros e artigos, incluindo seu tratado, Direito Constitucional americano, citado mais do que qualquer outro texto legal desde 1950. (Tradução nossa) Original disponível em http://www.law.harvard.edu/faculty/directory/index.html?id=74

[8] No original: “The Newtonian physics of two centuries ago took the view that objects acted on each other across the expanse of a neutral, undifferentiated space in an objective and knowable manner, according to simple physical laws that seemed to explain observed reality without requiring much further reflection about the basic structure of the universe. As in a game of marbles, objects might collide with one another, but they could not alter the field of play”.

[9] “Acerca do exegetismo, escreve Machado Neto: ‘Publicado em 1804 o Código de Napoleão, unificou-se o direito civil francês. Os juristas de então, presenteados com a monumental codificação – privilégio de que não gozaram os seus antepassados, se remontarmos até à época das codificações bárbaras e romanas – entenderam que a tarefa do cientista do direito seria apenas a mera exegese do texto legal. Este positivismo legal e estatista vai ser, mesmo, a nota distintiva dominante da escola. (...) Tal idéia simplista acerca da aplicação é ainda hoje muito aceita entre os teóricos e práticos do direito, mesmo por parte daqueles que já se desprenderam praticamente dela e de suas implicações legalistas, mas continuam presos ao seu império teórico’ ”. (MACHADO NETO, 1988, p.21, apud, CARNEIRO NETO, 2009, p.07)

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[10]Boaventura Santos ressalta que “a marginalização da retórica pode ser precisamente localizada no Discurso do Método, quando Descartes afirma, como uma das regras fundamentais do novo método, que tudo aquilo que apenas for provável deve ser considerado falso. Desde as ‘idéias claras e distintas’ de Descartes e do ‘raciocínio pela experimentação’ de Bacon até os diferentes tipos de positivismo do início do século XX, a retórica foi sendo firmemente expulsa do novo território da racionalidade científica. (...) as amplas tendências culturais desencadeadas pela racionalidade cartesiana foram-se gradualmente impondo na cultura e práticas jurídicas. O movimento codificador do século XIX e o positivismo jurídico que o acompanhou conduziram ao abandono total da retórica jurídica e à sua substituição pela ciência jurídica – a chamada ‘dogmática jurídica’” (Boaventura Santos, 2007, p.97, apud CARNEIRO NETO, 2009, p. 09).

[11] Válido consignar que o positivismo jurídico, na medida em que se volta para o estudo do Direito positivo (o Direito posto em determinada ordem político-jurídica) é muito mais amplo do que o positivismo em sentido estrito ao qual Kelsen se filia.

[12] Nas palavras de Ana Paula Rapolês, há na teoria kelseniana uma certa influência do Círculo de Viena, também conhecido como “empirismo lógico”, um grupo de filósofos, matemáticos e economistas que, na década de 1920, empreendeu um esforço para elaborar uma concepção científica do mundo, isto é, afastada da metafísica e da teologia, utilizando a lógica como linguagem unificadora das ciências. (Revista CEJ, Brasília, n. 33, p. 72-77, abr./jun. 2006)

[13] Nesse sentido, válido aqui um importante parêntese sobre a defesa da aplicação do método científico na experiência jurídica, que será tratado mais adiante, no capítulo II.

[14] Cabe ressaltar que o termo “jurisprudência” aqui aparece como sinônimo de ciência do Direito.

[15] Nessa perspectiva, Kelsen acaba se aproximando do realismo jurídico, uma corrente de pensamento do Direito que ressalta a natureza política do juiz, na medida em que entende este como criador de direito novo quando da decisão de um caso concreto. Segundo essa corrente, o magistrado não apresenta qualquer compromisso com o passado do ordenamento jurídico em questão. O realismo jurídico é qualificado como positivismo jurídico em sentido genérico, pela abordagem avalorativa que dá ao Direito.

[16] Em verdade, Kant já havia feito essa tentativa de conferir independência à ciência do Direito. Contudo, quando separou Direito e moral, ao se preocupar com questões de justiça, o filósofo acaba por retornar ao Direito natural, ou seja, introduz no Direito aspectos que lhe são estranhos, aspectos estes que tornam implausível sua autonomia.

[17] Segundo Capra (1999, p.54), o próprio Maxwell tentou explicar os seus resultados em termos mecânicos, interpretando os campos como estados de saturação mecânica num meio de preenchimento do espaço muito tênue, chamado éter  e as ondas eletromagnéticas como ondas elásticas deste éter.

[19] Na matemática, geometria euclidiana é aquela sugerida em duas e três dimensões, baseada nos postulados de Euclides de Alexandria.

[20] De maneira mais didática, Capra (1999, p.58) ilustra, através de desenhos, que em uma estrutura plana podemos desenhar, por exemplo, um quadrado, marcando linhas e ângulos retos. Já em um plano esférico, essas marcações não são possíveis. Isto porque as regras da geometria euclidiana não se mantêm nas superfícies curvas.

[21] Percebe-se aqui um exemplo que sugere uma realidade bidimensional. No entanto, o próprio autor justifica-se, defendendo que a representação do fenômeno da curvatura espacial em suas três dimensões é de difícil visualização e depende de cálculos matemáticos complexos para sua demonstração. Desse modo, concordamos com o autor quando entendemos ser satisfatória a exemplificação numa realidade bidimensional, tendo em vista os fins deste estudo e seus leitores-alvo. 

[22] Segundo Carl Sagan, algumas pessoas consideram a ciência arrogante – especialmente quando pretende rebater opiniões arraigadas ou introduz conceitos bizarros que parecem contraditórios ao senso comum. Como um terremoto que confunde a nossa confiança no próprio solo que estamos pisando, pode ser profundamente perturbador desafiar as nossas crenças habituais, fazer estremecer as doutrinas em que aprendemos a confiar (SAGAN, 1996, p.46, apud, VALADÃO, 2002, p.308)

[23] Vale mencionar que, desde a Antiguidade, havia debates acirrados para discutir a natureza da luz, Ó mistério permaneceu até as descobertas da física quântica, que revelou a luz não é partícula ou onda, mas, de certa forma, ambas.

[24] Sobre a evolução dos conceitos científicos, válido acrescentar as palavras de Valadão (2002, p.312), transcrevendo as lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1992, p.241), in verbis: “O conceito de verdade, aristotélico-tomista, que impusera uma epistemologia e uma atitude por mais de dois milênios, fora substituído pelo conceito de certeza, com Newton, Kant e outros, mas nosso século, com Planck, Heisemberg e Einstein, substituiu-a, finalmente, pelo conceito de probabilidade.

[25] Gnosiologia é a parte da filosofia que trata dos fundamentos do conhecimento. Nas palavras do sábio mestre José Pereira da Costa (2003, p. 229), a origem da palavra está no grego gnôsis, conhecimento e logos, estudo. Gnosiologia, segundo o autor, “é o termo que se usa para dar explicação ou interpretação filosófica ao saber adquirido e acumulado pelo homem”.

[26] Também denominado positivismo lógico ou empirismo lógico, o neopositivismo é uma posição filosófica geral que restringiu o conhecimento à ciência e utilizou o verificacionismo para rejeitar a metafísica, por ser destituída de significado. Esse pensamento, atualmente é desconsiderado pela maioria dos filósofos.

[27] Experimento imaginário concebido em 1935 pelo físico Erwin Schrödinger.

[28] “Vale dizer, na linha desse raciocínio, ao se buscar pelo ‘neutro’ é-se conduzido ao ‘imparcial’, todavia, ao se buscar pelo ‘imparcial’, não se encontraria o ‘neutro’” (BARBOSA; PAMPLONA FILHO, 2011, p.255).

[29] Sobre a relevância do tema, Rodolfo Pamplona Filho e Charles Barbosa ( 2011, p.264) afirmam: “A imparcialidade é tão crucial à consecução da justiça que a doutrina chega a se debruçar de forma intensa sobre questões que envolvem a possibilidade de se reconhecer a quebra de imparcialidade decorrente de atividades do juiz extra-processo, como, por exemplo, a emissão de opiniões científicas em livros e periódicos, a realização de palestras, o posicionamento em aulas e no desenvolvimento de teses acadêmicas etc.”

[30] Importa salientar que o estudo aprofundado desse instituto não é objeto do presente trabalho, não obstante as linhas acima servirem de importante norte distintivo da concepção de neutralidade, no âmbito jurídico.

[31] Sobre essa discussão, algumas correntes doutrinárias tentaram argumentar sobre a possibilidade ou não da neutralidade no mundo do direito. A corrente positivista defendeu a neutralidade, admitindo o julgamento das normas de modo estrito, sem nenhuma consideração que as ampliasse, restringisse, modificasse ou afastasse. Em sentido oposto, o realismo jurídico admitiu que os julgadores decidem os casos segundo suas próprias opiniões e valores, buscando nas regras apenas uma fundamentação aparente. Em reação à ingenuidade e limitação do positivismo e ao ceticismo e arbitrariedade do realismo jurídico, a concepção mais recente, chamada pós-positivismo, propõe um julgamento pautado em juízos de valor e argumentos razoáveis, sem dispensar a objetividade, bastando que se forneçam justificativas racionalmente aceitáveis das escolhas e interpretações feitas.

[32] Sobre o emblemático papel do juiz, transcrevemos: “O mister de julgar o próximo somente pode ser considerado algo fácil por aqueles que ainda não deram conta da missão que paira sob suas cabeças e, por conseguinte, não se importam com os destinos da sociedade. Como Carnelutti advertiu: ‘nenhum ser humano que refletisse sobre o que seria necessário para poder julgar um outro aceitaria ser juiz. Mas encontrar juízes é preciso, e este é o drama do direito. Isto deveria estar sempre presente na mente de todos os juízes e jurisdicionados no transcurso do ato em que se resume o processo’ [...] Aduz, ainda, ‘Os crucifixos que, graças a Deus, ainda se inclinam sobre as cabeças dos juízes nas sessões das Cortes Judiciárias, estariam bem melhor à sua frente, porque assim teriam, diante de si, a imagem da vítima mais insigne da justiça humana a lhes pedir contas das próprias iniquidades. Somente a consciência das suas próprias injustiças pode ajudar um juiz a ser mais justo’” (CARNELUTTI, 2010. p. 49, apud, BARBOSA; PAMPLONA FILHO, 2011, p.252).

[33] Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AI-AgR 179560/RJ, Relator: Min. Celso de Mello, tratou do papel das súmulas, referindo-se a elas como “resultado paradigmático para futuras decisões”. Nele, o Ministro Relator aduz que as funções inerentes às súmulas são “ (...) de estabilidade do sistema, função de segurança jurídica, função de orientação jurisprudencial, função de simplificação da atividade processual e função de previsibilidade decisória (...)”.

[34] Ressalte-se que não nos referimos aqui à norma em seu sentido estritamente textual, já que este é o único que se mantém, em princípio, inalterado. O enunciado normativo aqui mencionado reporta-se ao produto final do processo interpretativo. Nesse sentido, Karl Larenz (1997) afirma que as situações da vida são constitutivas do significado das regras de Direito, porque somente no momento da sua aplicação aos casos ocorrentes que se revelam, em toda sua plenitude, o sentido e o alcance dos enunciados normativos.

[35] “O de que se trata, enfim, é de assegurar eficácia não apenas à Constituição, mas também, e a partir dela, a todas as normas do ordenamento jurídico, como condição indispensável para que a sua normatividade  se converta em energia normalizadora,  conformando a realidade social segundo os parâmetros de normalidade juridicamente estabelecidos. Caso contrário, isto é, se não alcançarem a regularidade a que visavam, essas normas seuqer continuarão a merecer a qualificação de normas jurídicas porque, desprovidas de efetividade, terão perdido uma das dimensões essenciais da juridicidade” (HELLER, 1988, p. 40-42, apud, BRANCO; COELHO; MENDES, 2002 p.64)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Ed. Saraiva, 1998.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Flávia L. Freitas. A curvatura do espaço jurídico: neutralidade, segurança jurídica e hermenêutica na perspectiva quântica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4053, 6 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29182. Acesso em: 26 abr. 2024.

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Monografia apresentada como requisito complementar para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Bacharelado em Direito da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, sob a orientação do Professor Edmilson Cruz Júnior.

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