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Constitucionalização do Direito Privado.

Contemporânea dimensão do Direito Privado

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23/06/2014 às 12:22
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Referências:

GUERRA, Marcelo Lima. Direitos Fundamentais e a Proteção do Credor na Execução Civil. São Paulo: Ed. RT, 2003.

MIRANDA, Daniel Gomes. Modos de Constitucionalização no Direito Privado. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/07_494.pdf Acesso em 10/06/2014.

NEVES, Gustavo Kohl Muller. Os princípios entre a teoria geral do direito e o Direito Civil constitucional. Diálogos sobre o Direito Civil - Construindo a Racionalidade Contemporânea. Organizador: RAMOS, Carmem Lúcia Silveira et al. Rio de Janeiro: Renovar, 2002).

TAVARES, André Ramos. Pedagogia Suprema. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/139300-pedagogia-suprema.shtml . Acesso em 13/06/2014.

STRECK, Lenio Luiz. O direito de obter respostas constitucionalmente adequadas em tempos de crise do Direito: a necessária concretização dos direitos humanos. Disponível em: http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/hendu/article/viewFile/374/602 Acesso em 13/06/2014.


Notas

[1] Evidentemente o constitucionalismo como movimento de limitação dos poderes estatais, está intrinsecamente ligado ao surgimento dos direitos fundamentais. Há várias correntes que divergem, sobre quando teria se manifestado pela primeira vez a limitação do poder do Estado por meio de uma Constituição ou texto fundamental assemelhado. A maioria dos autores defende que o fenômeno constitucional surgiu com a Magna Charta Libertatum, assinada por João Sem-Terra (Inglaterra, em 1215). Refere-se a um documento que fora imposto ao Rei pelos barões feudais ingleses. Atualmente, o constitucionalismo contemporâneo passou a lutar por vários objetivos como a democracia efetiva, desenvolvimento econômico e ambiental. Mas, mesmo assim, não perdeu de vista a defesa dos direitos fundamentais que continua sendo uma de suas matérias básicas.

[2] Vige uma panaceia terminológica em termos doutrinários para cingir o conceito de direitos fundamentais. Então se registram autores que utilizam nomes díspares como direitos humanos, direitos humanos fundamentais, liberdades públicas, direitos dos cidadãos, direitos da pessoa humana, direitos do Homem.  É preciso, porém, sedimentar uma terminologia adequada para tão essencial questão. Podemos definir os direitos fundamentais como os direitos considerados básicos para qualquer ser humano, independentemente de condições pessoais específicas. São direitos que compõem um núcleo intangível de direitos dos seres humanos submetidos a uma determinada ordem jurídica.

[3] Curial, no entanto, esclarecer que os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Assim STF, Pleno, RMS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso Mello, DJ 12.5.2000, p. 20: "Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante 

interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.".

[4] Os direitos fundamentais podem entrar em conflito uns com os outros. Exemplo: direito à vida versus liberdade de religião (o caso de transfusão para as testemunhas de Jeová); direito à intimidade versus liberdade de informação jornalística. Nesses casos de conflito, não se pode estabelecer abstratamente qual o direito que deve prevalecer: apenas analisando o caso concreto é que será possível, com base no critério da proporcionalidade (cedência recíproca), definir qual direito deve prevalecer. Mesmo assim, deve-se buscar uma solução de "consenso", que, com base na ponderação, dê a máxima efetividade possível aos dois direitos em conflito (não se deve sacrificar totalmente nenhum dos direitos em conflito).

[5] São características dos direitos fundamentais: a historicidade, a relatividade, a imprescritibilidade, inalienabilidade, indivisibilidade e eficácia vertical e horizontal. Nessa última característica, o caso-líder é o Lüth, julgado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão em 1958. Erich Lüth era crítico de cinema e conclamou os alemães a boicotarem um filme dirigido por Veit Harlam, conhecido diretor da época do nazismo (dirigira, por exemplo, Jud Süβ, filme ícone da discriminação contra os judeus). Harlam e a distribuidora do filme ingressaram com ação cominatória contra Lüth, alegando que o boicote atentava contra a ordem pública, o que era vedado pelo Código Civil alemão. Lüth foi condenado nas instâncias ordinárias, mas recorrera à Corte Constitucional. Ao fim, a queixa constitucional fora julgada procedente, pois o Tribunal entendeu que o direito fundamental à liberdade de expressão deveria prevalecer sobre a regra geral do Código Civil que protegia a ordem pública. Esse foi o primeiro caso em que se decidira pela aplicação dos direitos fundamentais também nas relações entre os particulares.

[6] Cogita-se nos direitos de primeira geração que foram os primeiros a ser conquistados pela humanidade e relacionam à luta pela liberdade e segurança diante do Estado. Por isso, caracterizam-se por conterem uma proibição ao Estado de abuso do poder: o Estado não pode desrespeitar a liberdade de crença, nem a vida. Trata-se de então impor ao Estado obrigações de não-fazer. São direitos relacionados às pessoas individualmente (como por exemplo: propriedade, igualdade formal, liberdade de crença, de manifestação de pensamento, direito à vida e, etc.).

[7] Já os direitos fundamentais de segunda geração são os chamados direitos sociais (são direitos positivos de cunho social, econômico e cultural). São entendidos como os direitos de grupos sociais menos favorecidos, e que se impõem ao Estado uma obrigação de fazer, de prestar (direitos positivos, como saúde, educação, moradia, segurança pública, e, ainda com a EC 64/2010 o direito à alimentação). Baseiam-se na acepção de igualdade material no pressuposto de que não adianta possuir liberdade sem as condições mínimas (educação, saúde) para exercê-la. Começaram a ser conquistados após a Revolução Industrial, quando grupos de trabalhadores passaram a lutar pela categoria.

[8] No Brasil, a Constituição Federal de 1934 foi a pioneira ao tentar instituir feições sociais, este avanço se mostrou até hoje incapaz de subordinar as opções políticas do poder público. Diante da ausência de pressupostos de sustentabilidade do Estado Social e da alta demanda pela concretização dos direitos sociais, nosso país tem assistido evidente processo de judicialização das políticas públicas, no qual o Judiciário tem dado a última palavra a respeito da exigibilidade destes direitos, em especial o direito à saúde. Corresponde a um segundo estágio de evolução do constitucionalismo galgando conceitos sobre a isonomia material, alcançável através de prestações estatais positivas e direitos fundamentais de segunda geração.

[9] A função social da empresa representa um conjunto de fenômenos importantes para a coletividade e, é indispensável para a satisfação dos interesses indispensável para a satisfação dos interesses inerentes à atividade econômica. Assim engloba a ideia de que a empresa não deve apenas visar o somente o lucro, mas também preocupar-se com os reflexos que suas decisões têm perante a sociedade, seja de forma geral, incorporando ao bem privado uma utilização voltada para a coletividade. Trazendo a realização social ao empresário e para todos aqueles que colaboraram para alcançar tal fim. A ideia da responsabilidade social da empresa está ligada ao conceito de função social da propriedade e da livre iniciativa. Desta forma, o empresário pode utilizar todos os meios possíveis para alcançara finalidade de sua atividade, desde que observe os ditames legais.

[10] Muito se cogitou no Brasil sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de direito privado e de direito público. São reflexões acerca da justiça contratual como condictio sine qua non de validade comum, trazendo o enfoque tanto o Código Civil (Lei 10.502/2002) e a Lei geral das Licitações (Lei 8.666/93).  O princípio do equilíbrio econômico e financeiro visa, pois, garantir a manutenção da equação inicialmente contratada, ou seja, manter a proporção entre os encargos imprescindíveis à execução da avença e a contraprestação ou remuneração pactuada, de forma que uma parte não se locuplete mediante empobrecimento da outra.

[11] Há de se discernir reserva legal simples da reserva legal qualificada. A reserva legal simples surge em função da chamada liberdade de conformação. Porém, casos em que a própria Constituição determina que o legislador regularmente um determinado direito fundamental, especificando-o desde que o faça por meio de lei. Já a reserva legal qualificada é quando a Constituição exige lei específica para tratar de um determinado assunto, e a própria Constituição já estabelece as restrições que a lei poderá estabelecer (como por exemplo, na quebra do sigilo das comunicações telefônicas, em que a Constituição á prevê as possibilidades de quebra).

[12] Passou a se denominar Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, conforme a redação dada pela Lei 12.376/2010. Vide inteiro teor disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm .

[13] (In: NEVES, Gustavo Kohl Muller. Os princípios entre a teoria geral do direito e o direito civil constitucional. Diálogos sobre o Direito Civil - Construindo a Racionalidade Contemporânea. Organizador: RAMOS, Carmem Lúcia Silveira et al. Rio de Janeiro: Renovar, 2002).

[14] Gustav Radbruch (1878-1949) foi professor de Direito na Universidade de Heidelberg. Integra a corrente de filósofos do direito jusnaturalista que entende que o direito deve estar fundamentado no justo e não somente numa mera adequação como sendo aquilo que a lei diz que é direito em determinado momento histórico. Mas ao mesmo tempo, Radbruch sublinha a importância da segurança jurídica afirmando que tão somente o direito extremamente injusto deixa de ter validade.

[15] O vocábulo “proporcional” deriva do latim proportio, que se refere principalmente à divisão em partes iguais ou correspondentes a uma dada razão. É umbilicalmente ligado à ideia de quantidade, de justa medida, de equilíbrio. Começou a ser utilizado na Ciência Jurídica moderna por influência do direito germânico, notadamente da jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal Alemão), que, na resolução de casos concretos, formulou uma verdadeira teoria sobre o princípio. Por meio desse princípio, é possível analisar a legitimidade das restrições a direitos fundamentais, para verificar se respeitam a justa medida, a proporção entre causa e efeito, entre meio e fim.

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[16] Os direitos de terceira geração (difusos e coletivos) São os chamados transindividuais, isto é, direitos que são de várias pessoas, mas não pertencem a ninguém isoladamente. São os chamados direitos metaindividuais (estão além do indivíduo) ou supraindividuais (estão acima do indivíduo isoladamente considerado). Têm origem na revolução tecnocientífica (terceira revolução industrial), a revolução dos meios de comunicação e de transportes, que tornaram a humanidade mais conectada em valores compartilhados. Passou a se perceber que na sociedade de massa, há determinados direitos que pertencem a grupos de pessoas, grupos esses, às vezes, absolutamente indeterminados. No Direito Processual Civil, faz-se a distinção entre direitos coletivos em  sentido estrito, direitos individuais homogêneos e direitos difusos. A definição desses direitos está no art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor: “I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código,  os  transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato ;II - interesses ou direitos coletivos, assim  entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe  de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;  III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os  decorrentes de origem comum”.

[17] Os direitos fundamentais podem entrar em conflito uns com os outros, o que determina se imponham limitações recíprocas. Assim, por exemplo, o direito à liberdade de expressão não é absoluto, porque pode chocar-se com o direito à intimidade. Nenhum direito fundamental pode ser usado como escudo para a prática de atos ilícitos. Com efeito, os direitos fundamentais só protegem o seu titular quando este se move na seara dos atos lícitos, pois seria uma contradição em termos definir uma mesma conduta como um direito e um ilícito. Logo, se o direito define uma conduta como ilícito (crime, por exemplo), não se pode considerar como justo o exercício de um direito fundamental que leve a essa conduta. Não é válido, por exemplo, alegar liberdade de manifestação do pensamento para propagar ideias racistas ou discriminatórias, conforme reiterada jurisprudência do STF (Caso Ellwanger, HC 82.424/RS).

[18] Se vivemos sob a égide de uma Constituição democrática e dirigente, parece ser óbvio esperar que os juristas já tivessem construído um sentimento constitucional-concretizante. Mas o legislador ficou aquém e foi além do comando constitucional, e assumiu a tarefa de realizar o que se pode denominar de “filtragem hermenêutico-constitucional” apontando as inconstitucionalidades (controle difuso e concentrado) e, fazendo os necessários apelos ao legislador, além de construir uma teoria ou doutrina capaz de abarcar as demandas de um novo paradigma de direito e de Estado: o Democrático de Direito.

[19] Como afirma Ingo Sarlet, “o princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução de seus objetivos”. Exageros, para mais (excessos) ou para menos (deficiência), configuram irretorquíveis violações ao princípio.

[20] Proporcionalidade Sentido positivo: (proibição da proteção deficiente) O Estado tem a obrigação de proteger os direitos fundamentais de modo suficiente Sentido negativo: (proibição do excesso); Adequação: meio usado para restringir o direito deve ser adequado ao fim que se quer alcançar; Necessidade: o meio usado para restringir o direito deve ser estritamente necessário (meio menos gravoso possível); Ponderação (proporcionalidade em sentido estrito): o direito fundamental deve ser restringido o menos possível.

[21] A verdade é que a "revelação" do STF ocorrida a partir da Constituição de 1988, aliada à exuberante exposição na mídia do julgamento do mensalão o que fez com que muitos o considerassem como o julgamento do século, foi responsável por reduzir significativamente a distância entre a capital federal e o povo brasileiro. E, tal redução num Estado democrático como é o nosso, não corresponde à submissão do direito e da corte à vontade contingente da opinião pública, e exposta à pressão de multidões. Decisões foram tomadas em apertada maioria, prevalecendo o princípio da colegialidade. Assim o papel pedagógico do STF implica em considerar que os significados de suas decisões produzirão na mente e na conduta de agentes políticos, para citar ao menos um exemplo, mais reluzente e que se encontra no imaginário da sociedade brasileira. Essas forças presentes no STF e de suas decisões são sempre notáveis, calcadas na hierarquia e simbologia constitucional envolvidas, especialmente quanto a algumas cláusulas délficas (para alguns normas enigmáticas da Constituição). (In: TAVARES, André Ramos. Pedagogia Suprema. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/139300-pedagogia-suprema.shtml , acesso em 13/06/2014).

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Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele. Constitucionalização do Direito Privado.: Contemporânea dimensão do Direito Privado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4009, 23 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29546. Acesso em: 26 abr. 2024.

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