Resumo: A partir da Constituição de 1988 se expandiu a participação do Poder Judiciário na solução dos problemas de relevância social, cultural, política e econômica, fazendo-se necessário repensar o Processo a partir da democracia deliberativa, com a permissão da participação da sociedade civil, o que se perfaz no projeto do novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010), com a ampliação da utilização do instituto do amicus curiae.
Palavras-chave: 1. Projeto do Novo Código de Processo Civil. 2. amicus curiae
Sumário: Introdução. 1. O Enfoque constitucional do Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010); 2. Intervenção de terceiros; 3. Amicus curiae; Conclusão. Referências.
Introdução:
O atual CPC, datado de 1973 e, pois, com 40 anos de vigência, não obstante as inúmeras alterações nele realizadas ao longo desses anos, já não mais se coaduna plenamente com os preceitos constitucionais insertos na Carta Magna de 1988.
Visando adequar o sistema processual aos postulados estabelecidos em sede constitucional, é que foi elaborado o Projeto do novo Código de Processo Civil-NCPC (PLS 166/2010), coordenado pelo Ministro Luiz Fux, com relatoria da Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier, atualmente em trâmite no Senado Federal.
Este trabalho busca esclarecer algumas das inovações trazidas por este projeto ao nosso sistema jurídico processual, em especial o tratamento dispensado ao instituto do amicus curiae como modalidade da intervenção de terceiros.
1. O Enfoque constitucional do Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010).
A mudança do paradigma constitucional com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 introduziu o Brasil em um novo contexto jurídico, de primazia dos direitos fundamentais, da democracia, dos direitos sociais, da dignidade da pessoa humana, que não se coaduna com o contexto ainda muito civilista e arcaico albergado pelo processo civil brasileiro.
O Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010) foi construído a partir de postulados constitucionais, residindo na adoção da teoria do direito processual constitucional sua principal inovação. Consolida-se a teoria segundo a qual as regras de direito processual devem estar necessariamente fundamentadas nas normas constitucionais.
A relatora do Projeto do NCPC, a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, em artigo intitulado “Anotações sobre o Projeto de Lei n. 166/2010, para um novo Código de Processo Civil (LGL\1973\5)” abrevia o enfoque do Projeto:
“Tendo como pano de fundo a finalidade de deixar evidente a influência da Constituição Federal (LGL\1988\3) no processo, como decorrência da subordinação desta àquela, procuramos criar um sistema novo, resolvendo problemas a respeito dos quais se queixa a comunidade jurídica, simplificar o procedimento e dar rendimento a cada processo, em si mesmo considerado.”[1]
Trata-se de um código com uma nova ideologia, no sentido de sintonizar as regras legais com os princípios constitucionais, aproximando o direito constitucional com o infraconstitucional, a partir da adoção da hermenêutica neoconstitucional.
Dentro deste contexto, o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil regulamenta o instituto do amicus curiae, ampliando a participação da sociedade no processo.
2. Intervenção de terceiros
Vicente Greco Filho afirma que “a intervenção de terceiros ocorre quando alguém, devidamente autorizado em lei, ingressa em processo alheio, tornando complexa a relação jurídica processual”[2].
O Código de Processo Civil atualmente em vigor apresenta cinco modalidades de intervenção de terceiros: 1) Assistência, embora prevista em capítulo fora da intervenção de terceiros, a doutrina firmou entendimento segundo o qual é modalidade de intervenção de terceiros; 2) Oposição; 3) Nomeação à autoria; 4) Denunciação à lide; 5) Chamamento ao processo.
O projeto do NCPC acrescenta como modalidade de intervenção de terceiros a figura do amicus curiae, objeto de estudo do presente trabalho.
Dirimindo a controvérsia atual, o NCPC ao elencar o amicus curiae dentro do capítulo IV, intitulado “Da Intervenção de Terceiros, determina natureza jurídica de intervenção de terceiros deste instituto.
3. Amicus curiae.
A ampliação do instituto do amicus curiae é uma das principais alterações no NCPC, referente ao tema intervenção de terceiros.
Acerca do amicus curiae Marcos Destefenni nos ensina:
“a expressão completa, amicus curiae, significa, literalmente, amigo da corte. No sistema judicial norte-americano, uma pessoa, diferente das partes, que possua forte interesse no processo ou opiniões acerca de seu objeto, pode postular uma permissão para formular uma peça processual, aparentemente no interesse de uma das partes, mas, na verdade, para sugerir um posicionamento compatível com suas próprias opiniões. Essa peça do amicus curiae, normalmente, traz questões de amplo interesse público. Ela pode ser apresentada por particulares ou pelo governo. Dessa forma, a função do amicus curiae é chamar a atenção da corte para questões que eventualmente não tenham sido notadas, fornecendo subsídios para uma decisão apropriada”[3]
No atual ordenamento jurídico, não há dispositivo com esta nomenclatura, entretanto, a Lei n. 9.868/99, que trata das ações diretas de inconstitucionalidade e das ações declaratórias de constitucionalidade, disciplina a figura do amicus curiae no § 2º do artigo 7º, sob a seguinte redação:
“O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades”.
O vigente art. 543-A, § 6º, que exige a repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário também permite a manifestação de terceiros, vejamos:
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
O amicus curiae também é admitido no processo de construção da súmula vinculante, conforme se visualiza do disposto no art. 3.º, § 2.º, Lei 11.417/2006, in verbis:
§ 2o No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Atualmente, este instituto também está previsto na Lei n. 9.882/99, em seu artigo 6º, § 1º, que trata da ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental; no art. 14, § 7º a Lei n. 10.259 que trata dos Juizados Especiais Federais, permitindo a participação de eventuais interessados no julgamento do pedido de uniformização de jurisprudência; no atual CPC, em seu artigo 482, § 3º, quanto ao incidente de declaração de inconstitucionalidade; no art. 31 da Lei n. 6.385/76, referente a participação da Comissão de Valores Mobiliários; e, no art. 89 da Lei n. 8.884/94.
Na exposição de motivos do Anteprojeto do novo CPC foi ressaltada a importância do instituto do amicus curiae:
“levando em conta a qualidade da satisfação das partes com a solução dada ao litígio, previu-se a possibilidade da presença do amicus curiae, cuja manifestação, com certeza, tem aptidão de proporcionar ao juiz condições de proferir decisão mais próxima às reais necessidades das partes e mais rente à realidade do país”.
No Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil o instituto do amicus curiae está disciplinado no artigo 322 da seguinte forma:
“Art. 322. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, de ofício ou a requerimento das partes, solicitar ou admitir a manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da sua intimação. Parágrafo único. A intervenção de que trata o caput não importa alteração de competência, nem autoriza a interposição de recursos”.
Assim, fica permitido que o juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, de ofício ou a requerimento das partes, solicite ou admita a manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no processo.
A partir do NCPC o instituto do amicus curiae poderá ser utilizado em todas as instâncias judiciárias, e não apenas nas instâncias superiores como tem ocorrido, além de ser aplicável a todos os tipos de processo, sejam objetivos ou subjetivos, além de poder ser oponível tanto por pessoa jurídica como natural.
Quanto à possibilidade de ampliação da utilização deste instituto a exposição de motivos do Anteprojeto do novo Código de Processo Civil manifesta-se claramente, vejamos:
“entendeu-se que os requisitos que impõem a manifestação do amicus curiae no processo, se existem, estarão presentes desde o primeiro grau de jurisdição, não se justificando que a possibilidade de sua intervenção ocorra só nos Tribunais Superiores. Evidentemente, todas as decisões devem ter a qualidade que possa proporcionar a presença do amicus curiae, não só a última delas”.
Quanto aos modos de intervenção do amicus curiae, o Projeto de Lei permite que esta seja voluntária ou provocada. Alexandre de Freitas Câmara nos ensina as diferenças entre essas modalidades:
“considera-se provocada a intervenção do amicus curiae quando esta é determinada pelo juízo da causa (ou relator, quando se tratar de processo em trâmite, originariamente ou em grau de recurso, em tribunal). A intervenção provocada pode se dar por determinação ex officio ou a requerimento de alguma das partes, sempre que ao juízo parecer que a participação do amicus curiae seja capaz de trazer subsídios relevantes para a formação de seus convencimento acerca das matérias de direito cuja apreciação lhe caiba. De outro lado, nada impede que a pessoa – natural ou jurídica – que pretenda intervir no processo na qualidade de amicus curiae requeria seu ingresso no feito”.[4]
O próprio juiz ou relator podem permitir a manifestação do amicus curiae, por entender ser necessário naquela causa, ainda que não haja um requerimento expresso, a partir da especificidade da demanda ou a repercussão geral da controvérsia.
O amicus curiae – amigos da corte –, instituto de origem norte americana no qual se admite a intervenção judicial de indivíduos e grupos sociais que tenham interesse na causa é exemplo de implementação habermesiana da razão comunicativa.
Este instituto jurídico implementa ao processo a manifestação da sociedade, através dos seus vários grupos, o que auxilia na produção de decisões mais legítimas.
Trata-se de exemplo da Democracia Deliberativa utilizados na legislação e jurisprudência brasileira, em especial pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que possibilita a produção de decisões através de debates amplos e abertos.
O direito não pode ficar aprisionado a um modelo hermético de regras jurídicas, sendo necessário ligarmos a aplicação das normas à comunicação com a sociedade, e dessa forma, alcançaremos uma decisão mais justa, equitativa, razoável e eficaz para a comunidade.
O ordenamento jurídico deve ser construído com mecanismos que viabilizem a participação da sociedade na produção da decisão. Não se pode aceitar uma aplicação do direito que seja descompromissada da realidade social. Novas formas de participação públicas plurais devem ser desenvolvidas, visando à construção de uma cidadania democrática e participativa, com espaços públicos de deliberação, em que se possa exercer a liberdade de expressão, com a manifestação dos interesses sociais dos diversos grupos interessados.
Dessa forma, criaremos um espaço de discussão permanente para a sociedade, dentro do ordenamento jurídico, que permitirá a evolução da própria comunidade.
Com o amicus curiae o projeto do novo CPC reconhece a legitimação das decisões através da participação e do discurso, trazendo disposição em consonância com os ideais democráticos.
Conclusões
Na tutela processual constitucional reside a principal inovação do Projeto do NCPC, que avança em direção à concretização dos direitos fundamentais em nosso ordenamento jurídico. O novo CPC certamente aperfeiçoará e tornará o processo instrumento mais eficiente para a atividade jurisdicional.
Dentro deste contexto a introdução do instituto do amicus curiae é a maior inovação trazida pelo Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010), referente à intervenção de terceiros.
Incentivando a utilização do amicus curiae o NCPC fomenta a participação da sociedade no processo, especialmente naqueles casos em que os problemas jurídicos interessam não apenas às partes, mas também a uma parcela mais ampla da sociedade ou inclusive, a toda a sociedade, resguardando assim, o Estado Democrático de Direito, que se instalou no país após o advento da Constituição de 1988.
Referências.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Panorama individual das tutelas individual e coletiva: estudos em homenagem ao Professor Sérgio Shimura. São Paulo: Saraiva, 2011.
GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento Convencional e Eletrônico. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
Notas
[1] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Panorama individual das tutelas individual e coletiva: estudos em homenagem ao Professor Sérgio Shimura. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 725.
[2] GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 135.
[3] DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento Convencional e Eletrônico. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 241.
[4] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 207.