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Isenção de imposto de renda dos consultores do PNUD no Brasil

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22/06/2014 às 17:33
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A acirrada discussão que foi travada durante muitos anos na jurisprudência quanto à interpretação dos termos “funcionário” e “perito” da ONU, para fins de isenção do imposto de renda, encontra-se pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça.

RESUMO: Este estudo, adstrito ao Direito Tributário, pretende apresentar o percurso da interpretação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça acerca de dispositivos de acordos internacionais, firmados entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas – ONU, que concedem isenção tributária a funcionários a serviço das Nações Unidas, particularmente acerca da possibilidade de tais dispositivos contemplarem os peritos de assistência técnica contratados no Brasil para atuar como consultores do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. Para alcançar o objetivo do trabalho, foram coletados os casos julgados pelo STJ sobre o tema até sua sedimentação, no sentido de reconhecer a isenção referida.

Palavras-chave: Jurisprudência. Imposto de Renda. Isenção. Consultor técnico. PNUD.

ABSTRACT: This study, restricted to Fiscal Law, intends to present the course of the jurisprudence of the Brazilian Superior Court of Justice concerning the interpretation of articles of international agreements, firmed between Brazil and the United Nations, which grant income tax exemption to employees on the service of the United Nations, particularly its possibility of contemplating the technical assistants hired in Brazil as advisers for the United Nations Development Programme – UNDP. To achieve the goal of the work, the decisions of the Superior Court of Justice on the theme were collected till the time in which the jurisprudence was settled in order to recognize the referred exemption.

Keywords: Jurisprudence. Income tax. Exemption. Adviser. UNDP.

Sumário: Introdução – 1 Entendimento inicial da Primeira Turma pela ausência de isenção – 2 Divergência na Primeira Turma: Recurso Especial 1031259/DF – 3 Entendimento inicial da Segunda Turma pela ausência de isenção – 4 Reconhecimento da isenção pela Primeira Seção: Recurso Especial 1031259/DF – 5 Outras decisões no sentido do precedente da Primeira Seção – 6 Sedimentação em Recurso Repetitivo: Recurso Especial 1.306.393/DF – 7 Conclusão – Referências


INTRODUÇÃO

O Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento – PNUD (United Nations Development Programme – UNDP) é um dos principais órgãos componentes da Organização das Nações Unidas, e tem como um de seus objetivos centrais produzir relatórios, estudos e projetos para contribuir com a melhoria do padrão de vida dos países em que atua – sendo um deles o Brasil –, tratando, nesses trabalhos, sobre questões relativas a desigualdades sócio-econômicas, prevenção de crises, desenvolvimento sustentável, entre outras. Para isso, o PNUD empreende cooperação técnica com o setor privado e o governo do país.

No Brasil, a atuação do PNUD é regida principalmente por dois documentos legais: o Decreto n. 59.308/66, publicado em 23 de setembro de 1966, que recepciona o Acordo Básico de Assistência Técnica com a Organização das Nações Unidas, acordo internacional firmado em 29 de dezembro de 1964 entre o governo brasileiro, a Organização das Nações Unidas e suas Agências Especializadas; e o Decreto 27.784/50, publicado em 16 de fevereiro de 1950, que promulga no Direito interno a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 13 de fevereiro de 1946 e ratificada sem reservas pelo Governo Brasileiro em 15 de dezembro de 1949.

No que diz respeito aos rendimentos auferidos pelos organismos internacionais, o Decreto n. 59.308/66 dispõe os privilégios e imunidades:

ARTIGO V

Facilidades, Privilégios e Imunidades

1. O Governo, caso ainda não esteja obrigado a fazê-lo, aplicará aos Organismos, a seus bens, fundo e haveres, bem como a seus funcionários, inclusive peritos de assistência técnica:

a) com respeito à Organização da Nações Unidas, a "Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas";

b) com respeito às Agências Especializadas, a “Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas”.

Pois bem, o Decreto 27.784/50, que reproduz a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, prescreve:

Artigo V

Funcionários

(...)

Seção 18 – Os funcionários da Organização das Nações Unidas:

(...)

b) serão isentos de qualquer imposto sobre os salários e emolumentos recebidos das Nações Unidas;

(...)

Seção 19 – Gozarão de isenções de impostos, quanto aos salários e vencimentos a eles pagos pelas agências especializadas e em condições idênticas as de que gozam os funcionários das Nações Unidas.

Por sua vez, o Decreto 52.288/63, que recepciona a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas, dispõe regra semelhante sobre a isenção tributária, verbis:

19ª Seção

Os funcionários das agências especializadas:

a) (...)

b) gozarão de isenções de impostos, quanto aos salários e vencimentos, a eles pagos pelas agências especializadas e em condições idênticas às de que gozam os funcionários das Nações Unidas.

Aparentemente, os dispositivos são claros: funcionários a serviço do PNUD, inclusive peritos de assistência técnica, possuem isenção tributária sobre os rendimentos recebidos das Nações Unidas.

Porém, a controvérsia na seara administrativa e judicial levantou-se quanto ao alcance dos termos “funcionário” e “perito” para fins de enquadramento na cláusula isentiva.

A Receita Federal do Brasil, entendendo que a isenção prevista nos acordos internacionais citados não contemplaria os peritos de assistência técnica contratados temporariamente no Brasil pelo PNUD para trabalhar como consultores, autuou diversos prestadores de serviço que, acreditando em sua inclusão na cláusula isentiva, haviam declarado os rendimentos recebidos pelo PNUD como isentos e não-tributáveis. O vínculo desses técnicos com o PNUD deriva de um contrato temporário com periodo pré-fixado ou por empreitada a ser realizada (apresentação ou execução de projeto e/ou consultoria), com remuneração contínua e mensal. Por se tratar de vínculo contratual, sem índole estatutária entre o consultor e a ONU, a Receita Federal não considerou que esses técnicos equivaleriam aos “funcionários” e “peritos” referidos pela convenção.

Sendo cobrados pelo poder federal no valor supostamente devido a título de imposto de renda, não raro acrescido de vultosas multas, muitos desses consultores chegaram a recorrer ao Judiciário, e, em um cenário de decisões conflitantes nos Tribunais Regionais Federais e grande insegurança jurídica, eventualmente a questão foi submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Apresentar-se-á, a seguir, a resposta jurisdicional desse colendo Tribunal.


1 ENTENDIMENTO INICIAL DA PRIMEIRA TURMA PELA AUSÊNCIA DE ISENÇÃO

Ao julgar o Recurso Especial n. 939709/DF, o relator, Ministro José Delgado, manteve acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por seus próprios fundamentos. Tal acórdão entendera que o termo “funcionário”, expresso nas convenções firmadas entre o Brasil e a ONU, não inclui o prestador de serviço aos projetos de cooperação técnica, o qual por isso não faz juz à imunidade tributária dos rendimentos auferidos no âmbito do PNUD. O Ministro Delgado acrescentou, apenas, que não existe possibilidade de se criar isenção por equiparação de função, necessitando para isso de lei específica, conforme o artigo 111 do Código Tributário Nacional. Os Ministros Teori Albino Zavascki, Luiz Fux, e Denise Arruda acompanharam o relator, estando ausente o Ministro Francisco Falcão. Leia-se o teor da ementa do acórdão:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO.

1. O CTN exige lei específica para a concessão de isenção tributária.

2. Impossível a concessão de isenção pelo fenômeno da equiparação de situações assemelhadas.

3. Brasileiros contratados para prestação de serviços de consultoria nos acordos de cooperação técnica firmados entre a ONU/PNUD e o Governo Brasileiro por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) do Ministério das Relações Exteriores, não são servidores integrantes do quadro da ONU.

4. Impossibilidade, em face do panorama susodescrito, de ser reconhecida isenção de imposto de renda, conforme previsão contida na Convenção de Viena, para o pessoal do Corpo Diplomático.

5. A isenção reclama lei expressa (art. 111 CTN), não podendo ser concedida por eqüidade.

6. Recurso especial não-provido.

(STJ, REsp 939709/DF 2007/0076943-9. Relator: Ministro José Delgado. Julgamento: 18/12/2007. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ 27/02/2008, p. 173)

Nos autos do REsp 1072491/PE (relator Ministro Humberto Martins, julgado em 18/09/2008, DJe 21/10/2008), a questão foi submetida à Segunda Turma do STJ, mas não foi conhecida no que diz respeito à interpretação do artigo V, Seção 18, do Decreto n. 27.784/50, do artigo 6º, Seção 19, do Decreto n. 52.288/63 e do artigo V do Decreto n. 59.308/66, por ausência de prequestionamento desses dispositivos pelo Tribunal de origem, o TRF da Quinta Região. Nesse julgado, a Segunda Turma entendeu que julgar o direito à isenção, nesse caso, demandaria reexame de provas e de argumentos fáticos quanto à análise feita pelo Tribunal Regional Federal sobre o vínculo empregatício entre a consultora e o PNUD, o que encontra óbice na Súmula n. 7 daquele Tribunal Superior, em que se lê: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Acompanhando o voto do relator, a Turma apenas manteve, por unanimidade, o acórdão do TRF-5 ao entender que ele possuía suficiente fundamento, não obstante a omissão em analisar os dispositivos dos mencionados decretos.

Desse modo, não foi propriamente formada, em ambas as Turmas da Primeira Seção do STJ, uma orientação jurisprudencial sobre o tema até então, encontrando-se reticente a Segunda Turma.


2 DIVERGÊNCIA NA PRIMEIRA TURMA: RECURSO ESPECIAL 1031259/DF

A Primeira Turma do STJ voltou a apreciar a questão em março de 2009, no julgamento do REsp 1031259/DF, de relatoria do Ministro Francisco Falcão.

O relator, em seu voto, iniciou o tratamento da matéria tecendo considerações acerca das Organizações Internacionais, e concluiu que:

...o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, como seu próprio nome revela, é um Programa, não se confundindo com as Agências Especializadas daquele organismo, as quais possuem um tratado específico e autônomo versando sobre privilégios e imunidades diplomáticas daquelas agências (Convenção sobre privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto nº 52.288/63). Vale dizer, conforme ressaltado pelo magistrado de primeiro grau, “o PNUD não é equiparado a uma das agências especializadas da ONU, pois confunde-se com o próprio organismo que lhe deu origem.” (fl. 392).

Em vista disso, o Ministro Falcão não entendeu ser aplicável ao caso o Decreto n. 52.288/63, referente à Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas, mas apenas o Decreto n. 27.784/50, relativo à Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas.

Ao iniciar a análise dos dispositivos da Convenção cabivel, o relator afirmou que “reveste-se de suma importância verificar se, na hipótese dos autos, o ora recorrido possuía a qualidade de funcionário internacional, e quais são os critérios objetivos para que o agente seja enquadrado em tal categoria”.

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Para o Ministro Falcão, naquele voto, os funcionários internacionais são uma categoria que se dedica de forma exclusiva e permanente a uma organização internacional, exerce funções de interesse internacional, é subordinada a um organismo internacional e dotada de um estatuto próprio (de modo que a relação jurídica é estatutária e não contratual), e cuja admissão é feita pela própria organização internacional, sem interferência dos Estados. No tocante às imunidades e privilégios, observou que cabe ao Secretário Geral da ONU determinar quais categorias de funcionários gozam desses benefícios, listando-as à Assembléia Geral e comunicando periodicamente aos governos dos países membros os nomes dos beneficiários.

Em vista disso, não considerou como funcionário internacional o prestador de serviço contratado pela ONU na qualidade de Consultor junto ao PNUD, contratado no Brasil, não estando vinculado à ONU, não sendo sua admissão realizada pela própria organização internacional, sem interferência dos Estados-membros, nem possuindo uma situação jurídica estatutária, mas contratual.

Na análise do artigo V, 1, “a” do Decreto n. 59.308/66, que recepciona o Acordo Básico de Assistência Técnica com a Organização das Nações Unidas, o ministro relator entendeu que apenas os funcionários, e não os técnicos contratados pela ONU que não compõem o quadro permanente da organização, fazem jus à isenção tributária sobre seus rendimentos; e, ainda assim, somente os funcionários indicados pelo Secretário Geral.

Com base nisso, votou no sentido de julgar procedente o Recurso Especial em favor da Fazenda Nacional, para não reconhecer a existência de isenção tributária no caso.

O Ministro José Delgado acompanhou o voto do relator.

Por sua vez, o Ministro Luiz Fux pediu vista dos autos e proferiu voto-vista divergindo em relação ao ministro relator.

No entendimento do Ministro Fux, a norma de isenção é clara. Considerou ele que “o PNUD integra o sistema das Nações Unidas, por isso que assente que o sistema das Nações Unidas é formado pela Secretaria das Nações Unidas, pelos programas e fundos das Nações Unidas e pelos organismos especializados”, e julgou que o artigo V do Acordo Básico de Assistência e Cooperação Técnica não faz distinção entre “funcionários” e “peritos de assistência técnica” para fins de inclusão no benefício de isenção fiscal.

“Deveras, o Acordo Básico, por ficção legal, estendeu ao pessoal contratado pelo PNUD o mesmo tratamento tributário conferido aos seus funcionários”, concluiu Luiz Fux.

Quanto à interpretação do termo “funcionário” no âmbito das Nações Unidas, o Ministro Fux citou a sentença recorrida, onde o(a) julgador(a) do primeiro grau consignou:

Quanto ao enquadramento do embargante como funcionário, segundo à luz da doutrina administrativista, cabe dizer que o termo "funcionário" é de utilização exclusiva na definição dos servidores públicos civis, sujeitos ao regime estatutário, sejam da União, Estados, DF e Territórios. Assim, percebe-se que a alusão a funcionários da ONU deve ser compreendida como empregados da ONU, pois as Nações Unidas, pelo direito pátrio, não possuem, tecnicamente falando, "funcionários".

A respeito da obrigatoriedade do fornecimento periódico de lista contendo os nomes dos "funcionários" inc1uidos nas categorias profissionais da ONU, para efeito de concessão da isenção, a referida sentença contém a seguinte passagem argumentativa, também citada pelo Ministro Fux:

(...) trata a Seção 17 c/c a seção 18, letra "b", de isenção cujos beneficiários façam parte de categorias previamente identificadas pelo Secretario Geral da ONU. Nessa esteira, cabendo ao Secretario Geral da ONU o direito potestativo de determinar as categorias de funcionários que fazem jus à isenção e se já fixadas as categorias favorecidas (Resolução n° 76, de 7 de dezembro de 1946), entendo que a lista periódica prevista na parte final da Seção 17 tem uma única finalidade: subtrair do Fisco dos Estado-Membros a faculdade de exc1uir, com base na interpretação dos termos da Resolução nº 76/46, determinado funcionário do rol das categorias beneficiadas pela isenção. Assim sendo, a previsão da comunicação periódica dos nomes dos ocupantes das categorias listadas na Resolução nº 76/46 e mera faculdade deferida ao Secretario Geral do ONU e não requisito de gozo da isenção.

Com base nesses argumentos, o Ministro Fux defendeu a inclusão dos peritos de assistência técnica do PNUD nos dispositivos garantidores da isenção.

A seguir, pediu vista o Ministro Teori Albino Zavascki, e, acompanhando a divergência inaugurada pelo Ministro Fux, expôs seu ponto de vista:

É inquestionável que o autor não é funcionário da ONU, nem de qualquer de suas Agências, considerado como tal o servidor no sentido estrito estabelecido pelo art. V, Seção 17 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 27.784/50. Todavia, também não há dúvida de que o autor prestou serviços de assistência técnica especializada, na condição de consultor, ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, de quem recebia a correspondente contraprestação. Não cabe aqui examinar a natureza dessa relação jurídica mantida entre ONU e autor, no âmbito do PNUD, até porque não se trata de relação estabelecida à luz da legislação brasileira. O que importa é a constatação de que, para os efeitos do PNUD, o autor, embora não sendo funcionário da ONU em sentido estrito, pode ser considerado como incluído na categoria de "perito de assistência técnica", para os efeitos estabelecidos no Acordo Básico de Assistência Técnica firmado entre o Brasil, a ONU e algumas de suas Agências, aprovado pelo Decreto Legislativo 11/66 e promulgado pelo Decreto 59.308/66. Tal Acordo, uma vez aprovado no Brasil nos termos formais previstos na Constituição, assumiu, no direito interno, a natureza e a hierarquia de lei ordinária de caráter especial, aplicável às situações nele definidas. Ora, a teor do que dispõe o art. V,1.a, do referido Acordo, não só os funcionários da ONU, mas também os que a ela prestam serviços na condição de "peritos de assistência técnica" (como é o caso do autor), fazem jus, no que se refere às suas atividades específicas, aos benefícios previstos na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, nomeadamente os relativos ao regime de tributação dos ganhos auferidos. Nessas circunstâncias, os valores recebidos pelo autor, na condição de consultor do PNUD, estão abrangidos pela cláusula isentiva prevista no inciso II do art. 23, do RIR/94. Com essas considerações, acompanho a divergência inaugurada pelo Min. Luiz Fux, negando provimento ao recurso. É o voto.

Como se verifica, o Ministro Teori Zavascki estabeleceu uma distinção entre o funcionário da ONU em sentido estrito, isto é, aquele membro permanente que atenderia aos critérios listados no voto do ministro relator, e o funcionário em sentido lato nos termos do Acordo Básico, entre os quais se incluiria o “perito de assistência técnica” que presta serviços de consultoria ao PNUD mediante contrato e de forma temporária, reconhecendo ambos como igualmente abrigados pela cláusula isentiva dos acordos internacionais em comento.

Dessa forma, a linha de argumentação do Ministro Teori Zavascki confrontou o núcleo da fundamentação do voto do ministro relator, isto é, o conceito de funcionário internacional como exclusivamente aquele ligado à organização por vínculo permanente. Ademais, ao reconhecer que o vínculo é estabelecido segundo acordos internacionais, e não segundo legislação interna, o Ministro Zavascki eliminou o óbice à isenção representado pela distinção entre um funcionário vinculado por estatuto e outro vinculado por contrato, equiparando-os enquanto servidores das Nações Unidas diante das regras estipuladas nos acordos internacionais.

A Ministra Denise Arruda, também em voto-vista, na linha do voto do relator, entendeu que a isenção alcança apenas aqueles que a Convenção Sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas trata por “funcionários”, e não aqueles denominados “técnicos”.

Dessa forma, ficaram vencidos os Ministros Luiz Fux e Teori Zavascki, tendo os Ministros José Delgado e Denise Arruda seguido o voto do relator, produzindo a seguinte ementa:

IMPOSTO DE RENDA. RENDIMENTOS RECEBIDOS POR PRESTADOR DE SERVIÇO CONTRATADO POR ORGANISMO INTERNACIONAL. PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES CONFERIDOS POR TRATADO INTERNACIONAL DO QUAL O BRASIL FAÇA PARTE. FUNCIONÁRIO DA ONU. ISENÇÃO SOBRE OS SALÁRIOS E EMOLUMENTOS RECEBIDOS DAS NAÇÕES UNIDAS. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. DECRETO Nº 27.784/50. CONSULTOR CONTRATADO JUNTO AO PNUD. REMUNERAÇÃO PERCEBIDA EM RAZÃO DO SERVIÇO PRESTADO. TRIBUTAÇÃO. ISENÇÃO FISCAL QUE NÃO SE PRESUME.

I - Não ocorre afronta ao artigo 535, inciso II, do CPC quando o Tribunal de origem julga a lide solucionando as questões ditas controvertidas tal qual estas lhe foram apresentadas. II- No âmbito do Direito Tributário, é reconhecida a validade e eficácia às convenções internacionais, a exemplo do disposto no art. 22 do Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999), que regulamenta os arts. 5º, da Lei nº 4.506, de 1964, e 30 da Lei nº 7.713, de 1988. III- O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PNUD, como seu próprio nome revela, é um Programa, não se confundindo com as Agências Especializadas daquele organismo, as quais possuem um tratado específico e autônomo versando sobre privilégios e imunidades diplomáticas daquelas agências (Convenção sobre privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto nº 52.288/63). Logo, acerca dos privilégios e imunidades, deve ser aplicada ao caso do PNUD a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, ratificada pelo Decreto nº 27.784, de 16 de fevereiro de 1950. IV- A Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas estabelece os privilégios e imunidades dos Funcionários a serviço das Nações Unidas, dispondo em seu artigo V, que "serão isentos de qualquer imposto sobre os salários e emolumentos recebidos das Nações Unidas". V- Tal isenção, entretanto, não se estende aos técnicos contratados pela ONU, visto que este benefício não foi previsto no artigo VI, Sessão 22, que trata dos privilégios e imunidades conferidos aos técnicos, além de não possuírem a situação jurídica de funcionário. VI- A pessoa física que não faz parte do quadro efetivo da ONU, prestadora de serviço a Programa desta Organização, como é o caso do PNUD, não goza de isenção sobre os rendimentos recebidos em razão do serviço prestado, sobre eles devendo incidir o imposto de renda, uma vez que importam em acréscimo patrimonial e não estão beneficiados por isenção, como é o caso das hipóteses dos incisos XVI, XVII, XIX, XX e XXIII do art. 39 do Regulamento do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza, aprovado pelo Decreto 3.000, de 31.03.99. VII- Como cediço, a isenção fiscal não se presume, devendo ser interpretada literalmente a legislação tributária que disponha sobre sua outorga (art. 111, inciso II, do CTN). VIII - Recurso especial provido.

(STJ. REsp 1031259/DF 2008/0027750-7. Relator: Ministro Francisco Falcão. Julgamento em 03/03/2009. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe 03/06/2009.

O contribuinte vencido interpôs Embargos de Declaração, porém desistiu do recurso antes de seu julgamento.

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Sobre o autor
Yuri Ikeda Fonseca

Graduado em direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Yuri Ikeda. Isenção de imposto de renda dos consultores do PNUD no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4008, 22 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29646. Acesso em: 26 abr. 2024.

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