5. Teoria da Rotulação ou Etiquetamento
A mais elaborada construção criminológica da fenomenologia é a teoria da rotulação (também conhecida como teoria internacionalista, ou teoria da reação social), erigida sobre trabalhos de Edwin Lemert e de Howard Becker e outros27.
Admitindo que, em sociedades pluralistas, todos experimentam impulsos desviantes, a teoria da rotulação constrói uma concepção de mundo numa dupla perspectiva: das pessoas definidas como desviantes e das pessoas que definem como desviantes.
Dentro da concepção de Mead apud Santos28 sobre a personalidade como construção social, o modo como pensamos e agimos é o produto parcial do modo como os outros pensam e agem em relação a nós.
De acordo com Santos29, a teoria da rotulação se fundamenta em duas ordens principais de conceitos:
1) A existência do crime depende da natureza do ato (violação da norma) e da reação social contra o ato (rotulação): o crime “não é uma qualidade do ato, mas um ato qualificado como criminoso por agências de controle social”.
2) Não é o crime que produz o controle social, mas o controle social que produz o crime.
A criminalização primária produz estigmatização que, por sua vez, produz criminalizações secundárias (reincidências). O rótulo criminal produz as seguintes consequências: assimilação das características do rótulo pelo rotulado, expectativa social de comportamento do rotulado conforme as características do rótulo, perpetuação do comportamento criminoso mediante formação de carreiras criminosas e criação de subculturas criminais através de aproximação recíproca de indivíduos estigmatizados30.
A teoria da rotulação, portanto, justifica a reincidência tão comum, sem, todavia, esclarecer o desvio inicial, origem da rotulação.
O crime e o desvio são, em geral, tentativas individuais fragmentárias para resolver problemas existenciais, lutas de classe, revolta contra explorações, assunto este que merece abordagem específica em trabalho apartado.
Enquanto as orientações positivas se exaurirem na explicação do crime como produto etiológico de causas determinantes, privando o sujeito criminalizado de racionalidade e poder de escolha, como assinala a teoria da rotulação, a dessocialização e a consequente reincidência do indivíduo criminoso, continuará sendo regra na sociedade.
6. Conclusão
Por todo o exposto, a conclusão não pode ser outra, a não ser do perigo provocado pelo processo de vitimização que sofre o delinquente, processo este orquestrado pela sociedade e pelo próprio Estado.
Talvez soe estranho o fato de que dentre tantos tipos de vítimas existentes, tenhamos escolhido justo o delinquente para estudar. Logo o delinquente que “provocou” o seu mal. Logo ele que só está sofrendo com os martírios provocados pela pena, haja vista o cometimento de algum delito. Entretanto, a hipotética estranheza já é uma consequência da vitimização. O delinquente não é visto pela sociedade como alguém que merece atenção tanto quanto a vítima do crime que ele cometeu.
Não é demais lembrar que, neste caso, a vítima provocadora (e também primária e secundária) define a existência das vítimas terciárias, isto por que a família do delinquente igualmente sofre o processo de vitimização. Todos, a partir do veredito final, estarão tatuados, estigmatizados, rotulados em função do mal cometido pelo infrator.
A questão chave talvez seja a de compreender o atual sistema punitivo, identificando suas inúmeras falhas e, de uma vez por todas, traçar meios através dos quais o “criminoso” possa, verdadeiramente, redimir-se, não excluindo a sua culpa, mas, ao menos, suavizando ou aniquilando aquilo que a alimenta.
Por fim, o que nos gera uma imensa inquietude, é compreendermos que a pedra de toque da Vitimologia, parece ser a vitimização mútua que se provocam o delinquente e a sociedade.
Notas
1 GINER ALEGRÍA, C. A. Aproximación psicológica de la victimología. Revista Derecho y Criminología, Anales 2011, pág. 26.
2 Idem. Ibidem. Pág. 27.
3 NUÑEZ DE ARCO, J. El informe pericial em Psiquiatría Forense. 3ª edición. Editorial TEMIS. La Paz, 2008. Capítulo 9.
4 NUÑEZ DE ARCO, J. El informe pericial em Psiquiatría Forense. 3ª edición. Editorial TEMIS. La Paz, 2008. Capítulo 9.
5 TAMARIT SUMALLA, JM. La Victimología y compensación a víctimas. Criminalia. Academia Mexicana de Ciencias Penales n. 1-12. México. 1982, págs. 29-47.
6 ESTANCIU, V.V. Les droits de la victime. Paris. Presses universitaires de France. 1985, pág. 52.
7 GINER ALEGRÍA, C. A. Aproximación psicológica de la victimología. Revista Derecho y Criminología, Anales 2011, pág. 29.
8 RAMÍREZ GONZÁLIZ, R. La victimologia Estudo de la victima del delito su función em la prevención y control de la criminalidade. Editorial Temis Libería. Bogotá, Colombia, 1983, págs. 9 yss.
9 NEUMAM, Elías. Victimología, el rol de la víctima em los delitos convencionales y no convencionales.2ª ed. Ed. Universidad, Buenos Aires, 1994. P. 50.
10 NÚÑEZ DE ARCO, Jorge. El informe pericial em Psiquiatría Forense. 3ª ed. Editorial Temis La Paz 2008. Cap. 9.
11 RODRÍGUEZ, Marta González. Facultad de Derecho, Universidad Central de Las Villas. Cuba. In: https://derecho.sociales.uclv.edu.cu/Victima.htm. Acesso em 15/10/2013.
12 NEUMAN, E. Victimologia, el rol de la victima em los delitos convencionales y no convencionales. Buenos Aires. Ed. Universidad. 2ª ed. 1994, págs. 56-59.
13 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En busca de las penas perdidas. Deslegitimacíon y dogmática jurídico-penal. Ediar. Buenos Aires. 1989.
14 PAZ M, de la Cuesta Aguado. Victimología y victimogía feminina: las carências del sistema. In: Victimología Femininas: asignaturas pendientes para uma nueva ciência, de Paz M. de la Cuesta Aguado (coord.), editdo por la Universidad de Cáduz, 1994.
15 SHAPLAN, J. Victims of Violent Crime. Em R. Bluglass y P. Bowden: Principles and practice of Forensic Psychiatry, Churchill Livingstone. London. 1990. VII/11: 577-586. Shapland, Joanna. J. Willmore Jon, and Duff Peter. Victimis in the criminal Justice System. Cambridge Studies in Criminology. Gower Publishing Co. Great Britain. 1985. Págs. 176 e ss.
16 BERISTAIN, Antonio. Victimología. Nuevas palavras clave. Ed. Tirant lo Blanch, 1999, pág. 116.
17 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da Pena de Prisão. Causas e Alternativas. 3º Edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2006. Pág. 142-3.
18 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da Pena de Prisão. Causas e Alternativas. 3º Edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2006. Pág. 143.
19 loc. cit.
20 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da Pena de Prisão. Causas e Alternativas. 3º Edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2006. Pág. 146.
21 Idem. Ibidem. Pág. 147.
22 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua portuguesa. 5° Edição. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro. 2004. 873 páginas.
23 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 16° Edição. São Paulo: Atlas, 2000. Pág. 24.
24 RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária. Editora Revista dos Tribunais.
25 RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária. Editora Revista dos Tribunais.
26 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 5° Edição. Forense, Rio de Janeiro, 2002. Pág. 12.
27 SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. 3º Edição. São Paulo: ICP, 2006. Pág. 17.
28 op. cit. Pág. 18.
29 loc. cit.
30 SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. 3º Edição. São Paulo: ICP, 2006. Pág.