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Da reforma em imóveis e o aparente conflito entre o direito de propriedade do seu titular e o direito autoral do autor do projeto de engenharia e arquitetura

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27/01/2015 às 11:08

Resumo:


  • A discussão jurídica entre o direito de propriedade e o direito autoral em projetos de engenharia e arquitetura é complexa e envolve a ponderação de interesses.

  • Enquanto o direito autoral do engenheiro ou arquiteto visa proteger a integridade da obra intelectual, o direito de propriedade permite ao dono do imóvel realizar alterações por necessidade ou conveniência.

  • A jurisprudência e a doutrina apresentam entendimentos divergentes, mas a tendência é reconhecer o direito de propriedade do titular do imóvel de efetuar modificações, respeitando o direito do autor do projeto de repudiar alterações não consentidas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A reforma em imóveis pode ser livremente realizada por seu proprietário ou ele encontra limites no direito autoral do engenheiro ou arquiteto responsável pelo projeto de engenharia e/ou arquitetura?

Sumário: 1. Introdução. 2. Hermenêutica Constitucional - Técnicas de Ponderação de Interesses. 3.  Direito de Propriedade - Evolução Histórica e Conceito. 4. Direito Autoral - Evolução Histórica e Conceito. 5. Alteração em Projeto de Engenharia e Arquitetura - Direito de Propriedade vs Direito Autoral. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas.


I. INTRODUÇÃO

 É difícil imaginar alguém que nunca tenha feito uma reforma em sua casa ou em sua empresa ou que, pelo menos, não conheça alguém que o fez. A maioria dessas pessoas, entretanto, desconhece uma importante discussão jurídica que incide sobre essa singela e corriqueira situação, qual seja: essa reforma pode caracterizar ofensa ao direito autoral do engenheiro ou arquiteto responsável pelo projeto de engenharia/arquitetura ou prevalece o direito de propriedade do titula do imóvel de nele efetuar tais obras livremente? A resposta a esse questionamento é o que objetiva o presente trabalho, sem qualquer pretensão de esgotar o tema.          

No ciclo natural da vida, o individuo nasce todo faceiro, trazendo alegria para os pais, tios, avós, demais familiares, amigos etc. Uma das primeiras providências do pai orgulhoso é comprar-lhe uma camisa do time do coração; depois vem o resto: registro em cartório, inclusão no plano de saúde, vacinas, fraldas descartáveis (esplêndida comodidade do mundo moderno) etc.

Pois bem, o rebento nasceu, é hora de fazer uma reforma na casa para adaptá-la a essa nova realidade. Nesse momento, o patriarca da família tem uma brilhante ideia e logo corre para compartilhá-la com sua amada esposa: - Querida, por que não aproveitamos o momento para darmos uma modernizada na casa, melhorarmos a fachada, uma pintura nova, poderíamos até pensar em alterar a estrutura do nosso antigo telhado, o que você acha? Ela responde que sim, com brilho nos olhos e um largo sorriso no rosto.

Pelas mais variadas razões, a necessidade de reformas ou adaptações em imóveis, para dar-lhe nova utilidade ou tão somente por motivos estéticos, é muito comum nas sociedades do mundo todo. No Brasil, grande parte da população desconhece uma importante questão jurídica envolvendo essas reformas, qual seja: proprietário pode livremente realizar tais obras com base no direito de propriedade ou deve submissão ao direito autoral do engenheiro e/ou arquiteto responsável pelo projeto de engenharia/arquitetura?

Essa situação retrata um aparente conflito de duas normas da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que protegem, respectivamente, o direito de propriedade (art. 5º, caput) e o direito autoral (art. 5º, inciso XXVII), cuja solução passa, necessariamente, pela utilização de um método conhecido no meio jurídico como Técnica de Ponderação de Interesses, com o fim de harmonizar as tensões e contradições dessas normas e resolver o problema.

O presente trabalho, portanto, pretende conduzir o leitor a fazer uma reflexão sobre o tema à luz do direito constitucional e apontar algumas soluções possíveis para o caso, sem qualquer pretensão de esgotar todas as particularidades do seu vasto universo.


2. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL - Técnicas de Ponderação de Interesses

A Constituição é o fundamento de validade de todo ordenamento jurídico, todas as demais normas devem obediência a ela, devendo ser extirpadas do mundo jurídico todas aquelas que a contrariar.

As normas constitucionais formam um todo único e indivisível de igual valor jurídico, não há conflito real entre elas, motivo por que, segundo Canotilho (citado por Moraes - 2001), devem ser interpretadas de forma a evitar contradições.

Tais normas, por esse motivo, não devem ser interpretadas de forma isolada, para não correr-se o risco de sobreposição de uma sobre a outra. Nesse sentido, Barroso (1999, p. 134) faz a seguinte ponderação:

Uma norma constitucional, vista isoladamente, pode fazer pouco sentido ou mesmo estar em contradição com outra. Não é possível compreender integralmente alguma coisa - seja um texto legal, uma história ou uma composição - sem entender suas partes, assim como não é possível entender as partes de alguma coisa sem a compreensão do todo. A visão estrutural, a perspectiva de todo o sistema, é vital.                                                                        

As contradições entre as normas constitucionais são apenas aparentes. De acordo com Moraes (2001), todas elas desempenham uma função útil no ordenamento jurídico, sendo vedada a interpretação que lhes suprima ou diminua a finalidade. Por essa razão, o intérprete deve ponderar os bens e os valores em discussão, conciliando preceitos aparentemente incompatíveis, a fim de evitar possível conflito entre elas.                                                                                                                                     

Esclarece Gusmão (2000, pp.11-12):

Pode-se dizer que um dos objetivos da ciência do direito é construir o ‘sistema jurídico’, por muitos denominado ordenamento jurídico. O direito encontra-se disperso em várias normas, aparecidas em épocas diferentes, destinadas a satisfazer necessidades criadas por variadas situações sociais e a solucionar os mais diversos conflitos de interesses.[...]

Sistema jurídico é, pois, a unificação lógica das normas e dos princípios jurídicos vigentes em um país, obra da ciência do direito. Para obtê-la, elimina o jurista contradições porventura existentes entre normas e entre princípios; estabelece hierarquia entre as fontes do direito, escalonando-as; formula conceitos, extraídos do conteúdo das normas e do enunciado nos princípios, agrupa normas em conjuntos orgânicos e sistemáticos, levando em conta a função que devem elas cumprir, como é o caso das instituições; estabelece classificações, ou seja, aponta o lugar de cada norma no sistema.

O que se procura evitar é a antinomia jurídica, que é a existência de normas em sentido opostos, ou seja, normas conflitantes de um ordenamento jurídico com o mesmo âmbito de validade. Diniz (2001, p.15) atribui o seguinte conceito para antinomia:

A antinomia é um fenômeno muito comum entre nós ante a incrível multiplicação das leis. É um problema que se situa ao nível da estrutura do sistema jurídico (criado pelo jurista), que, submetido ao princípio da não-contradição, deverá ser coerente. A coerência lógica do sistema é exigência fundamental, como já dissemos, do princípio da unidade do sistema jurídico. Por conseguinte, a ciência do direito deve procurar purgar o sistema de qualquer contradição, indicando os critérios para solução dos conflitos normativos e tentando harmonizar os textos legais.

A antinomia jurídica é contrária ao princípio basilar da não-contradição. Em um sistema jurídico harmônico e coerente devem prevalecer os princípios da unicidade e da não-contradição, axiomas essenciais para garantia da justiça.

Para solucionar a antinomia, o sistema jurídico se vale de alguns critérios, como o hierárquico, o da especialidade, da especificidade e o cronológico. Para Barroso (1999, pp.189-190):

O direito não tolera antinomias. Para impedir que tal ocorra, a ciência jurídica socorre-se de variados critérios, como é o hierárquico e o da especialização, além de regras que solucionam os conflitos de leis no tempo e no espaço. Contudo, à exceção eventual do critério da especialização, esse instrumental não é capaz de solucionar conflitos que venham a existir no âmbito de um documento único e superior, como é a Constituição. Mais que isso: do ponto de vista lógico, as normas constitucionais, frutos de uma vontade unitária e geradas simultaneamente, não podem jamais estar em conflito. Portanto, ao intérprete da Constituição só resta buscar a conciliação possível entre proposições aparentemente antagônicas, cuidando, todavia, de jamais anular integralmente uma em favor da outra.

O que deve prevalecer é a ponderação de bens ou valores, buscando o aprimoramento ao aplicar as normas constitucionais, conferindo um valor ao bem jurídico amparado por cada uma das regras, determinando, desse modo, o alcance de uma norma para que ela não atinja outro princípio constitucional protegido por outra norma, tudo para não haver colisão entre os direitos, principalmente os fundamentais que é a sustentação de todo Estado Democrático de Direito.


3.  DIREITO DE PROPRIEDADE - Evolução histórica e conceito

A origem da propriedade, para John Locke, é divina, pois Deus concedeu a Adão, a Noé e a seus descendentes a terra para viver e todo trabalho desenvolvido por eles, nessa terra, caracterizava o direito à propriedade, de acordo com ele “a extensão de terra que um homem lavra, planta, melhora, cultiva, cujos produtos usa, constitui a sua propriedade” (LOCKE, 1978, p. 47). Para ele o direito à propriedade era condição inerente à própria existência humana.

Os povos germanos, parte da raça semítica (povos judeus e árabes) e parte dos povos eslavos, de acordo com a história, não tinham a propriedade da terra. Cada membro recebia da tribo um lote para plantar, sendo que esse lote era trocado no ano seguinte, pois esse membro não era proprietário da terra, somente da colheita.

Já entre os povos da Grécia e da Itália, a propriedade era reconhecida.  Eles tinham direito absoluto sobre o solo, enquanto que a colheita era de toda sociedade, a eles cabendo apenas uma parte.

O direito à propriedade privada era bem sólido entre os gregos e italianos. Para eles a propriedade era inerente da religião, pois era dela que decorria a proteção ao lugar, próximo às casas, onde ficavam os deuses (antepassados) da família. Esse lugar, considerado sagrado, apenas os membros poderiam transpassar seus limites, sendo que as demais pessoas deveriam respeitar os limites e domínio de cada família.

Para maior enriquecimento do assunto, usando a teoria do politeísmo greco-romano, Fustel de Coulanges, explica: “Este limite, traçado pela religião e por ela protegido, afirma-se como o tributo mais verdadeiro, o sinal irrecusável do direito da propriedade.” (COULANGES, 1975, p. 51).

Ainda, no dizer do ilustre historiador francês “Cada família, tendo os seus deuses e o seu culto, devia ter também o seu lugar particular na terra, o seu domicílio isolado, a sua propriedade.” (COULANGES, 1975, p. 51).

Então, para Coulanges, o direito a propriedade privada surgiu, primeiramente, pela religião em decorrência da proteção que se dava a casa, que se encontrava situada no recinto sagrado, tornando-se propriedade sagrada, inalienável e imprescritível. “Não foram as leis, porém a religião, que a princípio garantiu o direito de propriedade.” (COULANGES, 1975, p. 54).

Para Hugo Grocius, a institucionalização da propriedade privada como um direito surgiu após disputas acirradas entre os homens e a necessidade de estabelecer um marco de paz.

Os primeiros povos a conceituar a propriedade privada, chamando-a de dominium, foram os juristas romanos, que a aplicavam aos escravos e aos imóveis. Porém, para ser classificada assim, deveria preencher as seguintes condições: ser obtida de forma legal, exclusiva, absoluta e permanente.

De acordo com a lei romana, dominium significa “o direito de usar, fruir e dispor de uma determinada coisa, quanto permite a razão do direito” (dominium est jus utendi fruendi et abutendi re sua quatenus juris ratio patitur).

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Diniz (1993, p. 89), conceitua o termo propriedade da seguinte forma:

[...] para uns o vocábulo vem do latim proprietas, derivado de proprius, designando o que pertence a uma pessoa. Assim, a propriedade indicaria, numa acepção ampla, toda a relação jurídica de apropriação de um certo bem corpóreo ou incorpóreo. Outros entendem que o termo “propriedade” é oriundo de domare, significando sujeitar ou dominar, correspondendo à ideia de dominus. Logo, “domínio” seria o poder que se exerce sobre as coisas que lhe estiverem sujeitas.

Moreira (1986), afirma que o conceito de propriedade que se estabeleceu entre o povo romano foi o individualista, pois cada objeto tinha um dono, sendo que os poderes da propriedade eram os mais extensos.

Reforçando esse entendimento, Gomes (1995, p. 74), diz que “a propriedade foi um dos direitos demais pronunciado cunho individualista. Considerado direito natural do homem, consistia no poder de usar, gozar e dispor das coisas de maneira absoluta.”

Para Cretella Júnior (1995, p. 169), a propriedade estabelece uma íntima relação entre uma pessoa e uma coisa, “direito que possibilita a seu titular extrair da coisa toda utilidade que esta coisa lhe proporcionou. Propriedade é o poder jurídico, geral e potencialmente absoluto, de uma pessoa sobre coisa corpórea”.

Vários estudiosos do direito, como se depreende, debruçaram-se sobre a origem e o conceito de propriedade. Tema de relevada importância no meio acadêmico que ganhou status de norma fundamental na constituição brasileira.


4. DIREITO AUTORAL - Evolução histórica e conceito

Em 1710, na Inglaterra, em decorrência do surgimento da imprensa, diminuindo e muito a produção manual das obras, nasce, através de um “Estatuto da Rainha Ana”, o direito autoral para proteger as obras literárias dos autores, estabelecendo um limite de tempo para a reprodução (o copyright) de suas obras.

Ainda, no século XVIII, na França, surge outro tipo de proteção ao direito autoral, nesse sistema a proteção abrangia também a atividade criadora, ou seja, o autor.

Com a necessidade, cada vez mais crescente, de se criar uma legislação especial para amparar os direitos autorais, surge, em 1886, uma norma de proteção internacional, a Convenção de Berna.

Atualmente, essa Convenção, que tem por escopo fundamental a proteção do direito autoral, está vigente na maioria dos países que fazem parte da Organização Mundial do Comércio (OMC), inclusive o Brasil, e é gerida pela Organização Mundial de Proteção Intelectual (OMPI).

No Brasil, os direitos autorais foram consolidados no Código Civil de 1916, artigos 48, III, e 649 a 673. Em 1973, a Lei 5.988 regulou especificamente essa matéria, dando-lhe autonomia legislativa. Em 1988, ganhou status constitucional, ao figurar como direito fundamental no artigo 5º, inciso XXVII, da Constituição da República Federativa do Brasil[1]. A partir de 1998, as relações jurídicas envolvendo os direitos autorais passaram a ser reguladas pela Lei 9.610/98, antes citada.

Da análise da Lei 9.610/98, notadamente o seu artigo 7º, infere-se que direito autoral é o conjunto de normas que protegem as obras intelectuais expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, assim como os direitos morais e patrimoniais de seus autores. O Art. 11 da referida lei estabelece que “Autor é a pessoa física criadora da obra literária, artística ou científica”.

Pelo que se extrai da referida lei, o Brasil adotou a teoria dualista dos direitos autorais, ao separá-los em duas categorias: a) direitos morais, elencados no artigo 24 da Lei 9.610/98[2], e b) direitos patrimoniais de utilização, fruição e disposição da obra, resguardados no artigo 28[3] e seguintes do apontado diploma legal. Os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis (art, 27[4]); já os direitos patrimoniais são transmissíveis, total ou parcialmente, na forma dos artigos 49 a 52 dessa Lei, inclusive para pessoas jurídicas.

Nos contratos celebrados com a Administração Pública, essa transmissão dos direitos patrimoniais é obrigatória, conforme preceitua o artigo 111 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), a seguir reproduzido: “Art. 111. A Administração só poderá contratar, pagar, premiar ou receber projeto ou serviço técnico especializado desde que o autor ceda os direitos patrimoniais a ele relativos e a Administração possa utilizá-lo de acordo com o previsto no regulamento de concurso ou no ajuste para sua elaboração”.


5. ALTERAÇÃO EM PROJETO DE ENGENHARIA E ARQUITETURA - Direito de Propriedade vs Direito Autoral

A Lei 9.610/98, em seu 7º, inciso X, protege os direitos autorais relativos aos projetos de engenharia e arquitetura.

O artigo 26 da aludida Lei previu que “o autor poderá repudiar a autoria do projeto arquitetônico alterado sem o seu consentimento durante a execução ou após a conclusão da construção” e que “o proprietário da construção responde pelos danos que causar ao autor sempre que, após o repúdio, der como sendo daquele a autoria do projeto repudiado”.

O artigo 18 da Lei 5.194/66, que regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro Agrônomo, dispõe, em regra, que “as alterações do projeto ou plano original só poderão ser feitas pelo profissional que o tenha elaborado”.

O Código Civil de 2002 (Lei 10.406), em seu artigo 621, preconiza que, “sem anuência de seu autor, não pode o proprietário da obra introduzir modificações no projeto por ele aprovado, ainda que a execução seja confiada a terceiros, a não ser que, por motivos supervenientes ou razões de ordem técnica, fique comprovada a inconveniência ou a excessiva onerosidade de execução do projeto em sua forma originária”.

Nesse contexto, é possível concluir que o Autor do projeto de engenharia/arquitetura teria o direito de assegurar a integridade de sua obra, já construída ou em construção, e opor-se a quaisquer modificações ou a prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra, conforme estabelece o art. 24, IV, acima reproduzido, e de obter indenização por danos morais e patrimoniais desse fato decorrentes.

Esse foi o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da Apelação n. 69.317-1, publicado na imprensa oficial em 27/05/1986, cuja ementa reproduzimos a seguir:

Direitos Autorais- Projeto Arquitetônico – Modificações não autorizadas pelo autor – Indenização. Se o projeto arquitetônico é alterado sem a concordância dos seus criadores, ao mesmo assiste, irrecusavelmente o direito a uma indenização pela violação dos seus direitos autorais. A existência de prejuízo em casos como este é flagrante (sic).

(TJSP, 2ª Câmara Civil, AP n. 69.317-1, relator Des. Anicleto Aliende, DJ 27/05/1986[5]).

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manifestou o mesmo entendimento por ocasião do julgamento da Apelação n. 2001.0001.10165, a seguir reproduzido em parte:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO AUTORAL. PROJETO ARQUITETÔNICO. DANOS MATERIAIS E MORAIS.

Contrato de Administração e execução da construção de um prédio comercial, posteriormente rescindido com a ressalva dos direitos autorais do arquiteto quanto ao projeto por ele elaborado.

A alteração não consentida de projeto arquitetônico original, com a construção de um pavimento de cobertura, configura violação do direito autoral.

(TJRJ, 18ª Câmara Cível, Ap. 2001.001.10165, relatora: Des.  Cássia Medeiros, DJ: 04/09/2001)[6].

Dessa forma, segundo essa corrente de pensamento, o proprietário do imóvel, obrigatoriamente, deverá obter autorização prévia do autor do projeto arquitetônico ou de engenharia para nele efetuar modificação, sob pena de vir a responder por danos morais e patrimoniais desse fato decorrentes.

Há, contudo, uma segunda corrente de entendimento diametralmente oposta, que atenua os direitos autorais do engenheiro/arquiteto frente ao direito de propriedade do titular da obra de realizar modificações no projeto de engenharia/arquitetura por motivo de necessidade ou de conveniência, inclusive por outros profissionais. Chaves (1987, p.263) é um incisivo defensor dessa segunda corrente, ele explicou que:

[...] não há como exigir que o cliente se curve à concepção artística do arquiteto e realize a obra obedecendo às linhas por ele traçadas. Pode alterar o projeto, não como obra artística, protegida como outra qualquer, não como desenho ou croqui assinado, que, realmente, não pode ser modificado ou alterado sem aquiescência de seu criador, mas na sua realização prática. Se a ideia, a concepção é do arquiteto – a construção, o prédio é de quem o levante. [...] Nisto difere a obra arquitetônica das demais obras de arte plástica; enquanto que um quadro, um desenho, uma gravura, um baixo ou alto relevo, uma escultura, existem de per si, não se concebendo qualquer modificação ou alteração feita por outrem senão como verdadeira mutilação, [...] o plano arquitetônico propriamente dito, destina-se a ser traduzido em pedra, cal, cimento, vidros e ferragens: é nesta transfiguração que entra o arbítrio do cliente, do adquirente da obra, que na materialização das ideias do arquiteto poderá mantê-las integralmente, ou modificá-las, a seu arbítrio.

Nesse sentido, Colombet (1997, apud FLÔRES, 2010, p. 135), traz a informação que:

[...] na França, o arquiteto não pode impor inviolabilidade absoluta de sua obra, pois as obras de arquitetura têm vocação utilitária. Assim, de acordo com a jurisprudência francesa, as modificações da obra poderiam ser justificadas por fatores técnicos ou legitimadas por motivos econômicos (como no caso de necessidade de adaptar a obra às novas necessidades).

No Brasil, essa corrente de entendimento encontra amparo no direito de propriedade reconhecido no artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal, antes citado e no artigo 26 Lei 9.610/98[7], a seguir reproduzidos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXII - é garantido o direito de propriedade

Art. 26. O autor poderá repudiar a autoria do projeto arquitetônico alterado sem o seu consentimento durante a execução ou após a conclusão da construção.

Parágrafo único. O proprietário da construção responde pelos danos que causar ao autor sempre que, após o repúdio, der como sendo daquele a autoria do projeto repudiado.

Abrão (2002, p.75), estudiosa do direito autoral, afirma que, considerando o direito de repúdio do autor, a alteração de projeto:

[...] não enseja reparação pela violação da integridade, uma vez que a própria lei no seu artigo 26, e parágrafo único, admite que o proprietário da construção altere o projeto durante ou após a conclusão da obra. O que a lei proíbe é creditar o projeto modificado ao arquiteto autor do projeto original. Somente a violação deste preceito é que sujeita o proprietário da obra ao pagamento de perdas e danos.

Nessa linha de entendimento, a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (2000, p.71) publicou manual no qual abraçou esse entendimento, conforme se pode observar na parte a seguir reproduzida:

No entanto, após edificada a obra ou mesmo durante sua construção, qualquer modificação superveniente poderá gerar um conflito entre o direito moral do arquiteto e o direito material do comprador proprietário do edifício. O arquiteto tem direito a zelar pela sua reputação e conceito profissional que estarão vinculados à obra, edificada segundo o seu projeto, tendo o cliente, por seu turno, o direito de dispor sobre sua propriedade material.

Na prática, o autor do projeto deve aquilatar se as mudanças feitas pelo proprietário comprometem, ou não, a concepção original. Em caso afirmativo, poderá o arquiteto repudiar a paternidade da obra, impedindo que o cliente faça uso de seu nome. Na hipótese do proprietário modificar a obra, sem o consentimento do autor e a vincular ao arquiteto, estará sujeito a responder pelos danos causados, em face da violação do direito de paternidade. Há casos em que as modificações se operam no próprio projeto. [...] A modificação do projeto por outrem, sem o conhecimento do autor, consistirá, naturalmente, em violação dos seus direitos autorais.

O Tribunal de Contas da União enfrentou esse tema no Processo n. 1.980/2004, sessão de 10/08/2004, no qual o Ministro Relator, Sr. Augusto Sherman Cavalcanti, externou em seu voto, que foi acompanhado pelos demais Ministros, o seguinte entendimento[8]:

Observo que a Lei 5.988/73 não restringe as alterações em projetos arquitetônicos somente ao próprio autor. A proteção aos direitos morais do autor lhe confere a possibilidade de, em havendo alteração no projeto, durante sua execução ou após a conclusão, sem o seu consentimento, repudiar a paternidade da concepção da obra modificada.

Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na Apelação n. 475.756-6, conforme ementa do acórdão abaixo reproduzida:

[...]

DIREITO AUTORAL – Arquiteto – Projeto Arquitetônico modificado pelo proprietário da obra – Violação Inexistente – Hipótese do art. 18 do Código de Ética do CREA que se refere a procedimento entre profissionais da área – Circunstância em que se permite ao autor do projeto repudiar a autoria - Indenização não devida – Inteligência do art. 27 da Lei 5.988-73.

Tratando-se de direitos autorais a serem indenizáveis, não prevalece o preceito do Código de Ética do CREA (art. 18), que se refere ao procedimento entre profissionais dessa área e não a relação entre arquiteto e proprietário. A este é facultado de regra, modificar o projeto arquitetônico, porque não lhe é dado submeter-se à imposição do gosto artístico do seu autor. Daí ser permitido ao autor do projeto, se contrariado ou discordar das modificações, repudiar a autoria, ou “paternidade da concepção da obra modificada”(art.27 da Lei dos Direitos Autorais – Lei 5.988/73).

(TASP, 3ª Câmara, Ap. 475.756-6, Rel. Antônio de Pádua Ferras Nogueira, DJ 111/05/1993[9]).

No mesmo sentido, foi a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, nos autos apelação 374.455-8, no qual o ilustre relator, Des. Ronald Schulman, concluiu que:

[...] a alteração do projeto arquitetônico pelo dono da obra não é vedada pelo ordenamento jurídico.

[...] a pretensão do Apelante em ver destruídas as modificações efetuadas pelo proprietário da edificação não encontra guarida no ordenamento.

    Aliás, exatamente em razão dessa faculdade que tem o dono da obra em alterar o projeto arquitetônico, é que o artigo 26 da Lei 9.610/98 confere ao Apelado o direito de repudiar a autoria da obra quando a modificação ocorrer sem o seu consentimento.

    A possibilidade de alteração do projeto pelo dono da obra e o direito de repúdio do autor são equacionados pelo parágrafo único do artigo, que restringe o dever de indenizar apenas quando o proprietário da construção “após o repúdio, der como sendo daquele a autoria do projeto repudiado”.

(TJPR, 10ª Câmara Cível, AP. 374.455-8, Relator Des. Ronald Schulman, DJ 09/11/2006[10]).

Poder-se-ia dizer que a fundamentação jurídica dessa segunda corrente teria sido superada em parte com o advento do Código Civil de 2002, por ser posterior à Lei 9.610/98; logo o seu artigo 621 acima reproduzido teria posto fim a essa discussão ao vedar a modificação do projeto arquitetônico sem a necessária anuência do seu autor.

O primeiro argumento contrário a essa conclusão é a de que o Código Civil é norma geral e o artigo 621 está inserido no capítulo que trata da empreitada; enquanto que a Lei de Direitos Autorais (Lei 9610/98) é norma especial, que regula especificamente os direitos autorais.

É pacífica a regra de hermenêutica segundo a qual a norma geral não revoga norma especial ainda que anterior; logo a norma do artigo 26 da Lei 9610/98, segundo essa ótica, prevaleceria sobre a norma materializada no artigo 621 do Código Civil de 2002.

Diniz (2006, p.530), ao comentar o citado artigo 621, leciona que:

[...] a lei procura reconhecer a autoridade técnica do projetista, respeitando sua criação intelectual, ao vedar sua alteração pelo comitente, pois este, não sendo especialista, poderá colocar em risco ou comprometer, se fizer alguma modificação, a seu talante, a segurança da obra.

Corroboram essa posição Loures e Guimarães (2003, p.272), quando afirmam que um desvio das diretrizes do projeto “pode afetar a obra, causando-lhe imperfeições e mesmo a ruína, com implicações sérias na reputação dos projetistas, causando-lhes prejuízo de ordem moral, profissional, perda de clientes e consequente diminuição de ganhos”.

Flôres (2010, p.142) aduz que, ao fazer uma análise sistemática no conjunto hierarquizado de normas jurídicas, “[...] a intenção desse artigo 621 não foi a de proteção do direito autoral, mas a de reforçar a necessidade do seguimento das orientações do responsável técnico pelo projeto”.

Prossegue dizendo que:

Intencionou-se, assim, evitar que um proprietário sem conhecimento técnico construa em desacordo com o projeto, pois desta forma, além de indiretamente estar fazendo atividade ilegal (projetar sem ter atribuição para tanto), poderá gerar situação de risco de acidentes, descumprir o código de obras municipal ou, até mesmo, criar obras com estética muito questionável.

Com base nesses argumentos jurídicos, forçoso concluir que o Código Civil de 2002 não teria revogado o art. 26 da Lei 9.610/98 e que, por essa razão, o dono da obra, titular do direito de propriedade, estaria autorizado a efetuar modificações no projeto de engenharia/arquitetura aprovado, por necessidade ou mesmo por simples conveniência, mediante comunicação ao seu autor para, querendo, externar o seu repúdio, na forma do referido dispositivo legal.   

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Sobre o autor
Roberto Carlos Sobral Santos

Advogado desde 1996, com passagem pelo Departamento Jurídico do Banco do Brasil S.A no cargo de advogado entre 1998 a 2006. Procurador da Fazenda Nacional desde 2006. Pós-Graduado em Direito Constitucional em nível de Especialização.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Roberto Carlos Sobral. Da reforma em imóveis e o aparente conflito entre o direito de propriedade do seu titular e o direito autoral do autor do projeto de engenharia e arquitetura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4227, 27 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29857. Acesso em: 22 dez. 2024.

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