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O papel dos juizados especiais federais na ampliação do acesso à Justiça Federal na Seção Judiciária do Rio de Janeiro:

resultados, soluções e desafios

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08/07/2014 às 10:36
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Capítulo 3. Propostas para o enfrentamento das ações de massa.

O enfrentamento das questões abordadas no capítulo anterior acerca da propositura de ações de massa perante os Juizados Especiais Federais tem demandado, e por certo ainda demandará muitas iniciativas por parte da Administração dos Tribunais aos quais os mesmos se vinculam.

Buscaremos no curso do presente capítulo, inicialmente, discorrer sobre as soluções já adotadas no âmbito dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro para o enfrentamento das demandas de massa. A seguir passaremos a propor algumas medidas que entendemos ser passíveis de adoção, já não apenas no âmbito dos JEFs do Rio de Janeiro, mas em âmbito nacional, para possibilitar um melhor enfrentamento da demanda pela defesa de direitos coletivos e individuais homogêneos nos Juizados Especiais Federais.

3.1. Soluções adotadas nos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro e sua análise

3.1.1. Adequação das estruturas de atendimento aos jurisdicionados

Ao discorrer sobre o caso do reajuste das cadernetas de poupança[145] já destacamos a importância de que se revestiu a adequação do espaço físico da SAPJE – Seção de Atendimento Processual dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro para o sucesso do enfrentamento daquele episódio de demanda de massa, possibilitando não apenas mais segurança para a organização das filas e a circulação do público em geral, mas também a montagem de salas destinadas ao atendimento coletivo. Também mencionamos, ao abordar a implementação do Juizado Especial Federal de São Paulo, a solução lá adotada para o atendimento ao público, com a estruturação de uma unidade auxiliar no andar térreo do prédio onde se situam os juizados.

Ambos os exemplos demonstram que o aspecto físico das instalações utilizadas para o atendimento aos jurisdicionados dos Juizados Especiais Federais é um fator importantíssimo para o seu bom funcionamento, principalmente quando do surgimento de demandas de massa, as quais, como já vimos, acarretam um grande e repentino aumento da quantidade de atendimentos.[146] Verifica-se, assim, a importância dos locais de atendimento serem amplos, preferencialmente situados em andar térreo, ou ao menos em locais de fácil acesso a partir deste. Devem ser devidamente adaptados para a circulação de deficientes físicos e pessoas com dificuldades de locomoção, devido ao perfil dos jurisdicionados, boa parte deles idosos e doentes que demandam em relação ao INSS.

Além do espaço físico adequado, a adequação das estruturas de atendimento dos Juizados Especiais Federais passa pela seu aparelhamento com os recursos humanos e materiais necessários ao enfrentamento da demanda. Esta questão não se mostra passível de solução adequada através da prática tradicional de lotação de servidores e instalação de equipamentos, pois como já vimos, o surgimento de uma demanda de massa implica em grande flutuação do número de atendimentos. Assim, a preparação da unidade de atendimento para o atendimento de uma quantidade de pessoas estimada a partir da realidade de uma demanda de massa traria como conseqüência a ociosidade de servidores e equipamentos[147] durante os períodos de “entressafra”.

Nos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro esta questão tem sido trabalhado através da montagem de estruturas provisórias de atendimento nos episódios de demanda de massa, as quais são acionadas e agregadas de forma modular à estrutura normal da área de atermação de pedidos tão logo se verifica o crescimento do volume de atendimentos em relação a uma determinada demanda. Assim, identificada uma determinada demanda que comece a apresentar número relevante e crescente de atendimentos, o Juiz Supervisor do Atendimento é acionado para analisar a tese jurídica em que a demanda se baseia, e discutindo-a com os juízes dos Juizados responsáveis pela matéria,[148] definir parâmetros a serem observados pelo atendimento, por exemplo, para a verificação da documentação necessária e para a elaboração de petição inicial padronizada a ser utilizada internamente para a atermação dos pedidos.[149]

Verificado que o volume diário de atendimentos tende a superar a capacidade de atendimento[150] segundo o procedimento normal individualizado, aciona-se uma ou mais salas de atendimento coletivo para o atendimento desta demanda, passando-se a realizar triagem na fila para separar os jurisdicionados que desejam ajuizá-la para a formação de grupos. À medida em que se verifica uma demanda maior, mais salas são acionada para o atendimento em grupo, enquanto, em paralelo, a Administração da Seção Judiciária é acionada para fornecer os móveis e equipamentos porventura necessários[151] à montagem das salas e para requisitar os servidores necessários para sua operação às Varas ou unidades administrativas, caso a equipe regular de atendimento se mostre insuficiente para operá-las mesmo no esquema de atendimento coletivo.

Superada a fase crítica de ajuizamento das ações os recursos extraordinariamente alocados à estrutura de atendimento são desmobilizados, podendo ser alocados em outras áreas a serem posteriormente sobrecarregados pela “onda” da demanda de massa (os cartórios dos Juizados, a Contadoria e as Turmas Recursais, normalmente nesta ordem) à medida em que a tramitação dos processos vai avançando.

Reputamos também ser da maior importância a dotação das unidades de atendimento de estruturas auxiliares de Serviço Social, tendo em vista as particularidades do público atendido. Como já abordamos no curso do presente trabalho,[152] o suporte dado por esta área às situações de atendimento que transcendem o caso comum de ajuizamento de uma ação  tem sido importantíssimo para a SAPJE, razão pela qual entendemos oportuno recomendar seu uso em todas as estruturas destinadas ao primeiro atendimento dos Juizados Especiais Federais.

3.1.2. Adoção do processo eletrônico e reformulação dos processos de trabalho

O uso do processo eletrônico, como já nos referimos,[153] constitui a nosso ver, dentre as inovações introduzidas no processamento das ações da competência dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro, aquela que se reveste de maior potencial em relação não apenas à agilização da prestação jurisdicional, mas na introdução de uma nova forma de interação das partes com o processo.

O processo eletrônico, hoje amparado legalmente de forma indiscutível pela edição da Lei 11.419/2006, possibilitando inclusive a expansão de seu uso para o Juízo Federal comum,[154] foi inicialmente implantado nos Juizados Especiais Federais tendo como respaldo o princípio da informalidade.[155] Nasceu assim a experiência pioneira do Juizado Especial Federal de São Paulo, a qual foi aproveitada como paradigma para a implantação do processo eletrônico nos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro.[156]

Os únicos pontos onde a introdução do processo eletrônico não trouxe – ainda – maiores mudanças no procedimento é a atermação do pedido. Todos os procedimentos posteriores relativos à tramitação do processo foram alterados em maior ou menor grau.[157]

Já no procedimento da autuação há modificação pela introdução do processo eletrônico, uma vez que a constituição dos autos não se dá mais mediante o acondicionamento da inicial e demais documentos acostados em uma capa, como se faz tradicionalmente. Com o processo eletrônico a autuação se dá mediante a geração de arquivos eletrônicos contendo as imagens das peças, os quais são importados para o sistema informatizados e associados ao registro do processo dele constante. Na distribuição, deixou-se de gerar etiquetas de capa e numeração do processo e guias de encaminhamento dos autos às Varas, que seguem automaticamente para o “balcão virtual” do Juizado tão logo este é designado como competente mediante sorteio eletrônico.

A partir daí, no Juizado, opera-se por meio do uso do processo eletrônico uma profunda transformação nas práticas cartorárias, com a eliminação de praticamente todas as tarefas manuais, como aposição de carimbos, juntadas de documentos, movimentação física de processos, e concentrando-se os esforços dos servidores nas atividades de cunho intelectual. Isto não apenas se traduz em maior produtividade, à medida que também se torna possível a realização das diversas atividades em lote, para diversos processos que se encontrem na mesma situação ao mesmo tempo, mas também em uma maior satisfação por parte dos servidores, decorrentes da percepção de uma valorização do seu trabalho.

Também nos gabinetes o uso do processo judicial traz vantagens, pois a possibilidade de uso de lotes também se estende ao trabalho do magistrado. Assim, grupos constituídos por quantidades por vezes bastante significativas de processos semelhantes podem ser sentenciados de uma só vez.

Desnecessário enfatizar o quanto o recurso do processamento em lote é útil para os Juizados no processamento das ações de massa, que por sua natureza, constituem-se, como já vimos, de uma grande quantidade de repetições da mesma situação jurídica, com eventuais particularidades excepcionais.

Também para as estruturas auxiliares dos Juizados a introdução do processo eletrônico se revela como fator de eliminação de etapas e aumento de produtividade. Os processos onde se faz necessária a realização de cálculos para apuração do efetivo valor da causa não precisam ser mais remetidos à Contadoria, basta que sejam disponibilizados para esta, pois o acesso aos autos eletrônicos se dá sem que estes tenham de “sair” do cartório. Assim, ao mesmo tempo em que cálculos são feitos, as partes e a Secretaria do Juizado continuam com acesso aos autos, podendo mesmo adiantar em paralelo outras providências.

Os procedimentos relativos às comunicações processuais também foram sensivelmente alterados pela introdução do processo eletrônico. A maior parte dos Juizados Especiais Federais já efetua a intimação eletrônica dos entes públicos, disponibilizando o registro do acesso dos procuradores para consulta aos autos via Internet em substituição à prerrogativa da intimação pessoal.[158] Também as comunicações processuais intermediadas pelos oficiais de justiça foram modificadas. Agora o mandado expedido pelo Juizado pode ser encaminhado diretamente à unidade responsável pelo seu cumprimento,[159] por vezes situada em outra cidade, evitando assim o tempo, os custos e os riscos do transporte via malote.[160] As unidades de cumprimento de mandados os imprimem para o cumprimento externo, e o oficial lavra a certidão diretamente na forma digital, assinando-a eletronicamente. Assim, novamente, poupa-se tempo que antes se despendia na tramitação física da certidão de volta ao Juízo e na juntada desta aos autos.

Mas os benefícios do uso dos autos eletrônicos não se resumem aos já relatados.[161] Com a disponibilidade do inteiro teor do processo na Internet,[162] vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, não se ganha apenas celeridade mediante a possibilidade de abertura de prazos em paralelo para todas as partes. Ganha-se em publicidade do processo e de seus respectivos atos, e ganha-se em facilidade para a própria parte em ter acesso, por conta própria, ao que está ocorrendo no processo, facilitando o seu controle e aumentando seu grau de cobrança em relação ao Juizado, aos prazos de processamento e ao tempo total de tramitação.[163]

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Em vista do exposto, entendemos ser o uso do processo eletrônico, sem dúvida, um fator relevante de ampliação do acesso ao processo, e conseqüentemente, do acesso à justiça, pois à medida que implementa recursos que possibilitam uma maior rapidez na tramitação das ações – especialmente das ações massificadas, através da possibilidade de processamento em lote – contribui decisivamente para a minoração de uma das maiores dificuldades ao acesso à justiça: a morosidade do processo.[164] Também a maior publicidade do processo e de seus atos decorrente da sua disponibilização às partes através da rede mundial de computadores é elemento relevante para a ampliação do acesso à Justiça. Ter acesso fácil ao processo e ao que nele se passa sem a necessidade de deslocamento físico ao tribunal ou da intermediação do advogado é sem dúvida um elemento que contribui para uma maior familiaridade das partes com o processo em si, reduzindo a sensação de desconfiança e estranheza destas frente ao uso da máquina judiciária.

Por todo o exposto, verifica-se que antes mesmo do advento do sistema e-JUD[165] os diversos sistemas processuais em uso em cada uma das cinco regiões da Justiça Federal já implementam em algum grau o processo eletrônico no âmbito dos Juizados Especiais Federais.[166]

3.1.3. Capacitação gerencial dos gestores

A capacitação gerencial dos gestores dos Juizados e das respectivas estruturas auxiliares é tema cuja pronta identificação como “solução” para o enfrentamento do fenômeno das demandas de massa pode não ser, ao primeiro olhar, evidente.

Uma análise mais cuidadosa permitirá identificar, no entanto, que a grande quantidade de providências cuja adoção e acompanhamento se encontram inseridas no planejamento e execução de cada uma das atividades relativas ao processamento das ações de massa acaba por fazer com que o enfrentamento do fenômeno se constitua num desafio gerencial de razoável complexidade.

Para assegurar-se de que os responsáveis pelo enfrentamento deste desafio gerencial estejam tão bem capacitados quanto possível para vencê-lo, a Seção Judiciária do Rio de Janeiro - e a Justiça Federal como um todo – tem dado grande ênfase à capacitação gerencial não apenas daqueles que exercem efetivamente funções gerenciais, mas de seu quadro de servidores como um todo.[167]

A Justiça Federal está comprometida legalmente com a permanente capacitação gerencial de seus servidores por força do art. 10 da Lei 11.416/2006, que aprovou o atual Plano de Cargos e Salários dos respectivos servidores,[168] tendo regulamentado a capacitação gerencial de seus quadros por intermédio da Resolução 536/2006.[169] Entendemos que o contínuo aperfeiçoamento de seus gestores é ponto imprescindível para o aprimoramento da atuação dos Juizados Especiais Federais em todo o país no sentido de atuarem como vias de efetivo acesso à Justiça.

3.2. Outras soluções passíveis de adoção por parte dos Juizados Especiais

3.2.1. Relacionamento institucional com os entes públicos para a obtenção de novas posturas perante o jurisdicionado e o judiciário

Dentre as soluções que entendemos passíveis de adoção no âmbito dos Juizados Especiais para o enfrentamento do fenômeno do ajuizamento em massa de ações judiciais, a primeira que abordaremos – não por acaso - é a relativa ao relacionamento institucional entre a Justiça Federal e os entes públicos inseridos na sua competência.[170] Trata-se de incluir na pauta do referido relacionamento uma iniciativa enfática no sentido de se obter uma nova postura por parte dos entes públicos não apenas perante o Judiciário, mas também perante o jurisdicionado.

Já identificamos no presente trabalho, a partir dos casos estudados, que um dos fatores presentes no fenômeno do ajuizamento de ações de massa é a necessidade do jurisdicionado em se valer da provocação ao Judiciário para conseguir a defesa ou exercício de direitos que já se encontram, com freqüência, pacificados em termos jurisprudenciais.[171] Verificamos, portanto, que o ajuizamento de tais ações poderia ser perfeitamente evitado se os entes públicos que atacam ou deixam de conceder ou reconhecer tais direitos não o fizessem, ou se, o fazendo, garantissem ao administrado a discussão daquilo que considera lhe ser devido através de procedimentos que observassem , ainda no âmbito administrativo, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. [172] Infelizmente, não é o que a prática demonstra.

A mudança da postura dos entes públicos em relação à contestação e recurso em questões já pacificadas poderia – e deveria, a nosso ver – ser estimulada através de um uso mais efetivo, por parte de cada magistrado, da aplicação de condenação do ente público em litigância de má-fé,[173] sempre que se mostre evidente que a condução do processo por parte deste se mostra meramente protelatória e desvinculada de suas funções institucionais perante a sociedade, servindo apenas a interesses fazendários da sua gestão corrente. Entendemos que uma postura individual mais firme por parte dos magistrados neste sentido poderia contribuir – através das multas cominadas – para uma diminuição do “ganho econômico” que o ente público réu muitas vezes aufere pela postergação proposital da prestação jurisdicional, a qual já sabe de antemão que lhe será desfavorável.[174]

Mas independentemente desta atuação de cada magistrado na condução dos processos de sua responsabilidade, entendemos que seria ainda mais efetivo um posicionamento institucional da Justiça Federal em relação aos entes públicos, “apresentando-lhes a conta” dos recursos consumidos no processamento de demandas desnecessárias em virtude de sua atuação indevida.

Outro ponto onde a postura dos entes públicos precisa ser revista, e em relação ao qual os Juizados Especiais Federais poderiam atuar institucionalmente é o da adesão, por parte dos entes públicos, às tentativas de conciliação que, embora façam parte da concepção de Justiça que resultou na implantação dos JEFs, normalmente nem chegam a ocorrer,[175] tal é a resistência dos entes públicos em sequer considerar tal possibilidade.

A viabilidade do uso da articulação institucional – em relação à postura litigante dos entes públicos em geral e em relação à questão da conciliação em especial - se demonstra nos bons resultados obtidos no “Movimento pela Conciliação” capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça. Os números obtidos durante as já diversas edições da “Semana Nacional de Conciliação”[176] já realizadas (tradicionalmente como parte das comemorações do Dia da Justiça, em 08 de Dezembro) destoam completamente da realidade infrutífera da conciliação no âmbito dos Juizados Especiais Federais, e se devem, sem a menor sombra de dúvida, à sensibilização dos entes públicos a partir da postura institucional do CNJ em prol da conciliação.[177]

3.2.2. Estruturação adequada das contadorias

A estruturação adequada das Contadorias também se mostra a nosso ver como uma providência imprescindível ao bom funcionamento dos Juizados Especiais Federais, e conseqüentemente à efetiva viabilização do acesso à justiça,[178] na medida em que somente com a rápida apuração do valor líquido da causa se torna possível a celeridade na prestação jurisdicional por parte dos JEFs.

 Como já mencionamos, as Contadorias são identificadas como um dos principais “gargalos” dos Juizados Especiais Federais, de forma que iniciativas no sentido de seu correto aparelhamento se fazem urgentes em âmbito nacional.

Uma iniciativa importante já adotada quanto à estruturação adequada das Contadorias foi a do Conselho da Justiça Federal no sentido de desenvolver um sistema de âmbito nacional para a realização de cálculos judiciais no âmbito dos Juizados Especiais Federais.[179] Já encaminhada a questão relativa às ferramentas de trabalho dos contadores, nos parece que o próximo passo pendente de adoção é a adequação do efetivo das Contadorias, de forma que haja mão-de-obra para operar as ferramentas tecnológicas disponíveis.

Já externamos nossa percepção de que a especificidade técnica das atividades das Contadorias dificultam a lotação nas mesmas de servidores do perfil tradicional presente na Justiça Federal.[180] Torna-se portanto necessária a previsão, na especialização por parte dos Tribunais Regionais Federais dos cargos criados genericamente por lei[181] e na elaboração dos editais dos concursos a serem futuramente realizados para o seu provimento, de número suficiente de contadores.

3.2.3. Vinculação de ações de massa a ações coletivas 

Ao discutirmos acerca das dificuldades que visualizamos para uma maior efetividade das ações coletivas no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro[182] já enfrentamos a questão da vedação legal à sua proposição no âmbito dos Juizados Especiais Federais, não obstante visualizarmos nas mesma maior potencial de efetividade na defesa dos direitos coletivos e dos direitos individuais homogêneos. Na mesma oportunidade discutimos o  número relativamente reduzido de ações coletivas ajuizadas pelos legitimados para tanto e a falta de efetividade de tais ações em demover cada um dos titulares do direito coletivamente defendido do ajuizamento de ações individuais. Ademais, buscamos demonstrar os efeitos negativos de tal fenômeno tanto para os Juizados Especiais Federais como para os próprios demandantes individuais.[183]

Prudente[184] alerta para o paradoxo que se verifica entre a previsão constitucional da representação judicial por entidades associativas como meio de facilitação do acesso à Justiça e a vedação a esta constante da Lei n. 9.099/1995,[185] e

“(...) assevera que a tutela coletiva nos Juizados Especiais Federais, mediante a representação constitucionalmente autorizada consubstancia-se na solução dinamizadora ao julgamento das lides de interesses coletivos ou individuais homogêneos com celeridade e economia processual, a fim de evitar a proliferação acumuladora de tais feitos”.                       

É interessante notar que não obstante a propensão dos Juizados Especiais Federais ao surgimento das demandas massificadas – em virtude da própria competência da Justiça Federal, como já abordamos -  a Lei 10.259/2001, talvez já prevendo a possibilidade de ocorrência de tal fenômeno, traz disposição expressa no sentido de excluir da competência dos JEFs as ações relativas a direitos coletivos ou individuais homogêneos.[186]

O que ocorre na prática, ao nosso ver, é que mesmo vedada a interposição de ações coletivas nos JEFs pela conjugação dos dispositivos supracitados das leis que regem os Juizados, os direitos coletivos e os direitos individuais homogêneos, descaracterizados através de sua pulverização em milhares de ações individuais, acabam sendo, de qualquer forma, objeto de discussão no âmbito dos Juizados Especiais Federais.

A partir deste quadro, consideramos que seria oportuna a mobilização do Judiciário – em especial do Judiciário Federal, a nosso ver mais sensível ao fenômeno do ajuizamento em massa de ações em decorrência de sua competência, como já abordado[187] - no sentido de propor, através das vias competentes,[188] projeto de lei destinado a alterar a legislação aplicável aos Juizados Especiais, sobretudo aos Federais de forma que esta passe a prever a possibilidade do ajuizamento de ação coletiva[189] nas demandas identificadas - segundo critérios objetivos a serem posteriormente definidos – como massificadas.[190] Também a vinculação necessária das ações ajuizadas individualmente a ações coletivas correlatas já previamente ajuizadas em sede de Juízo comum seria uma alternativa válida a ser introduzida por meio de mudanças na legislação processual.                                   

Entendemos que o Judiciário Federal deveria se posicionar institucionalmente no sentido de propor alterações legais – como exposto acima - que tornem possível que as hipóteses jurídicas de sua competência que abarcam por vezes dezenas ou centenas de milhares de pessoas que afluem aos Juizados Especiais mediante a interposição de ações individuais possam passar a ser discutidas através de um instrumento mais adequado, o da ação coletiva.[191]

Embora se possa alegar incompatibilidade entre a complexidade decorrente do processamento desta nova ação coletiva e o princípio da simplicidade que norteia os Juizados, há que se ponderar, em termos práticos, o que mais onera a estrutura do Judiciário: centenas de milhares de processos “simples” nos quais se repete – mutatis mutandis – basicamente a mesma questão, e que, no seu conjunto, se constituem em uma realidade complexa e de difícil enfrentamento, ou a substituição deste conjunto por uma única – ou por uma quantidade reduzida, algumas dezenas, que sejam –ação coletiva na qual se discutirá muito mais efetivamente os direitos em tela.

Acreditamos que dentre as alternativas supramencionadas a adoção da ação coletiva em sede de Juizado seria a mais vantajosa, mas ainda uma variante poderia ser cogitada caso prevaleça o entendimento quanto à incompatibilidade das ações coletivas com o rito dos Juizados. Esta variante seria a de se estabelecer que a proposição da ação coletiva se desse não perante os Juizados, mas em Vara da Justiça Comum, mas mantendo-se a idéia da vinculação a esta das ações individuais já existentes e a serem propostas nos Juizados.

3.2.4. Ampliação e flexibilização do horário de atendimento

O horário de atendimento ao público dos Juizados Especiais Federais pode se constituir, ao nosso ver, como elemento de restrição do acesso à Justiça por seu intermédio, na medida em que, coincidindo com o horário comercial,[192] e conseqüentemente, com o horário de trabalho de parcela significativa da população economicamente ativa, pressupõe que o jurisdicionado possa dispor de um dia de trabalho – ou pelo menos parte deste – para buscar atendimento perante os Juizados Especiais Federais.[193]

No âmbito da Seção Judiciária do Rio de Janeiro já logramos êxito parcial no enfrentamento da questão, à medida em que o horário da estrutura auxiliar de primeiro atendimento, destinada à orientação das partes, e se for o caso, atermação dos pedidos, foi estendido de 12 às 17 para de 9 às 17hs.[194] No âmbito dos Juizados Especiais Federais propriamente ditos ainda se mantém o horário de expediente forense tradicional devido à limitação de recursos.[195]

A ampliação do horário de atendimento ao público é questão em voga atualmente no Judiciário, já havendo precedentes quanto a horários mais dilatados nos tribunais superiores.[196] No âmbito da 2ª Região da Justiça Federal, ainda se encontra em discussão a ampliação do horário de expediente forense, tendo em vista a já citada implicação de tal medida em termos de acréscimo de pessoal, e conseqüentemente, de custos.

Entendemos que, ao menos no âmbito dos Juizados Especiais Federais, nos quais as partes têm previsão de atuar sem advogado,[197] a ampliação e flexibilização do horário de atendimento, inclusive prevendo horários noturnos, é fator importante na ampliação do acesso à justiça.

Um ponto já abordado,[198] mas que entendemos conveniente trazer à lembrança ao discorrer sobre limitação do acesso à justiça em virtude de horários de atendimento é o das possibilidades trazidas pela introdução do processo eletrônico, que traz em seu bojo a possibilidade da prática de atos processuais por meio eletrônico de forma remota através da rede mundial de computadores. Este novo caminho que se descortina para a atuação de partes e profissionais perante os Juizados Especiais Federais tem enorme potencial no sentido de superar quaisquer dificuldades quanto aos horários de atendimento, uma vez que os serviços “on-line” de ajuizamento de ações e interposição de petições intercorrentes estarão – e já estão em muitos Juizados Especiais Federais – disponíveis 24 horas por dias, sete dias por semana.

3.2.5. Redirecionamento dos recursos destinados ao pagamento de dativos para a estruturação adequada da Defensoria Pública da União

Ao discutirmos as estruturas auxiliares dos Juizados Especiais Federais já nos detivemos na análise acerca da atuação deficiente da Defensoria Pública da União perante os diversos órgãos e instâncias judiciais em que lhe compete atuar em prol dos juridicamente hipossuficientes, em virtude de sua falta de estrutura.[199] Também analisamos, especificamente no âmbito dos Juizados Especiais Federais, o surgimento, como conseqüência da lacuna deixada pela DPU, do fenômeno da atuação massiva de advogados dativos.

No momento em que buscamos formular propostas para o aperfeiçoamento da instituição dos Juizados Especiais Federais, não poderíamos deixar de abordar, por último, este ponto, diante da importância que entendemos se revestir o papel a ser desempenhado perante os mesmos pela Defensoria Pública da União.

A atuação da DPU se mostra necessária em relação àqueles que não tem como custear advogado particular não apenas nas causas em que, em virtude da complexidade ou da hipossuficiência técnico-jurídica das partes, não se mostra recomendável a atuação destas sem assessoramento.[200] Mesmo nas causas mais simples, onde a atuação autônoma das partes não lhes traria maior prejuízo, o patrocínio da causa se faz necessário sempre que, havendo uma decisão desfavorável, for necessário recorrer da mesma.[201]

Não tendo a DPU a estrutura necessária para atuar sempre que se configura uma das hipóteses supramencionadas, perpetua-se o “círculo vicioso” segundo o qual, não tendo a DPU condições de atuar, paga-se o advogado dativo, e despendendo-se recursos para pagar o dativo, não se tem recursos para investir na estruturação da DPU. O resultado é a perpetuação do improviso no enfrentamento das necessidades da população menos favorecida quando esta precisa lançar mão de recorrer ao Poder Judiciário.[202]

Entendemos que a garantia da devida representação em juízo das partes menos favorecidas no âmbito dos Juizados Especiais Federais, e conseqüentemente a garantia do seu pleno acesso à prestação jurisdicional é questão cuja solução definitiva somente será alcançada através da estruturação adequada da Defensoria Pública da União. Entendemos ainda que para que esta estruturação se possa efetivar o quanto antes, se faz urgente viabilizar o redirecionamento para tal empreitada dos recursos hoje despendidos pela União no pagamento de honorários aos advogados dativos para a DPU.

Os primeiros passos no sentido de se reduzir os recursos destinados ao custeio da atuação dos advogados dativos já tem sido colocados em prática.[203] Não se conseguiu ainda, no entanto, garantir que os valores poupados em decorrência da diminuição pretendida nos valores despendidos com os dativos sejam efetivamente empregados no aparelhamento da DPU.

A questão a ser enfrentada é perpassada pelo princípio constitucional da independência (inclusive orçamentária) entre os poderes no âmbito do Governo Federal. A Defensoria Pública vincula-se ao poder executivo, dependendo portanto os investimentos e o custeio referentes à mesma do orçamento deste. Já os valores hoje despendidos para o pagamento de honorários os dativos são pagos às expensas do orçamento do poder judiciário.

Ao nosso ver o encaminhamento necessário à questão passa – mais uma vez – pela articulação institucional do Poder Judiciário Federal no sentido de viabilizar uma forma de direcionar os recursos orçamentários poupados com o pagamento de honorários para a estruturação da Defensoria Pública da União, mediante aporte dos mesmos no respectivo orçamento.

Parece-nos evidente que à medida em que a atuação da DPU for gradativamente ampliada pelo aporte constante de recursos, será cada vez mais rara a necessidade de nomeação de dativos, e menor o valor de honorários devidos em decorrência  de sua atuação. Reduzindo-se os honorários devidos, aumenta a quantidade de recursos passíveis de aplicação na continuidade da melhoria das condições de atuação da DPU, verificando-se o surgimento de um “círculo virtuoso” em oposição ao atualmente existente: quanto mais se investir na Defensoria Pública mais recursos haverá no futuro para se continuar investindo, até que se alcance a situação em que a Defensoria tenha condições de exercer plenamente sua missão institucional e abarcar integralmente a atividade de representação em juízo dos necessitados.

Quanto à forma como o processo de articulação institucional do Poder Judiciário poderia se efetivar em relação à questão da estruturação da DPU, parece-nos que seria extremamente proveitoso que o mesmo fosse capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça, uma vez que sua natureza de órgão de controle do Judiciário[204] lhe daria melhores condições de lidar com a necessária interligação de orçamentos sem dar margem a discussões  acerca de uma possível interferência indevida entre dois poderes diversos da República.

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Sobre o autor
Samuel de Oliveira Freitas

Especialista em Gestão do Poder Judiciário (MBA) cursado na FGV/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Samuel Oliveira. O papel dos juizados especiais federais na ampliação do acesso à Justiça Federal na Seção Judiciária do Rio de Janeiro:: resultados, soluções e desafios . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4024, 8 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29950. Acesso em: 28 mar. 2024.

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