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Do aporte de capital inicial mínimo da EIRELI e a variação do salário mínimo

21/11/2014 às 13:18
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É inexigível o implemento de capital social na EIRELI após a sua hígida constituição, por eventual déficit em relação à variação do patamar legal de cem vezes o maior salário mínimo vigente no Brasil, frente à salvaguarda do ato jurídico perfeito.

Introduzida no cenário jurídico nacional por meio da Lei de n.º 12.441/2011, que acresceu o art. 980-A ao CC/2002, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), apesar de seu exíguo tempo de existência, já encerra várias controvérsias em torno de sua tessitura normativa.

Dentre essas, sublinha-se a exigência contida no caput do art. 980-A do CC/2002, para a regular constituição da EIRELI, de que o instituidor integralize capital inicial mínimo equivalente ao valor de cem vezes o maior salário mínimo em voga no País.

Observe o texto do aludido dispositivo de lei:

“Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. (Incluído pela Lei n.º 12.441, de 2011)”

Cumpre lembrar que a norma retrotranscrita é objeto de controle concentrado de sua constitucionalidade, na ADI de n.º 4.637, justamente em relação à sua parte final, sobre o destacado aporte de capital. 

Em consulta ao sítio do STF, se verifica que a indigitada representação de inconstitucionalidade aguarda julgamento, sendo que a Procuradoria Geral da República se manifestou em parecer pela improcedência da ação.

Desse modo, enquanto pendente de aferição da constitucionalidade da regra jurídica em discussão pelo Excelso Pretório, levanta vulto uma questão: acaso sobrevenha aumento do valor do maior salário mínimo após a regular constituição da EIRELI, deverá haver o ajustar do capital social afetado para que corresponda ao atual montante de cem vezes daquele?

Numa interpretação gramatical do art. 980-A do CC/2002, indene de dúvida que sim, porque o capital mínimo dever acompanhar a flutuação da sua base de cálculo, por excelência variante, tais quais os reajustes salariais para a recomposição do seu valor real, em virtude da interferência da inflação.

Adotada essa leitura textual, cabe projetar algumas consequências práticas decorrentes desse entendimento.

Decerto, se afiguraria como tormentosa a atmosfera em pauta para aquele que desejasse lançar mão deste novo ente empresarial, porquanto se houver o atrelamento ao maior salário mínimo vigente, provocaria uma escalada infinita de incremento ao capital social de cada EIRELI, a obrigar, sempre, de ter de se ajustar ao maior paradigma econômico.

Todavia, o caos na cogitada hipótese vai bem além disso, ao se ter em mente que paralelamente à União, o Distrito Federal e os Estados-Membros apresentam competência suplementar para instituir um salário mínimo próprio, não inferior ao piso nacional, a vigorar em seus respectivos territórios, nos termos da Lei Complementar de n.º 103/2000.

Por conseguinte, estar-se-ia diante da necessidade – pasmem!!! – da empresa individual ter continuamente de se atualizar sobre o valor de um a um dos salários mínimos de todos os entes federativos – União, Estados, Distrito Federal -, excetuados os Municípios, para aquilatar qual o maior em vigência, e se houver algum disparate, promover a inserção de capital, para se atingir o parâmetro legal de cem vezes o maior salário mínimo.

Decerto, esse encargo inviabilizaria a utilização da EIRELI, ou, no mínimo, causaria a situação de que praticamente a totalidade destes novos entes empresariais seria irregular, a transmutarem em sociedade de fato e, tornar letra morta o art. 980-A do CC/2002.

Em contraponto, o Conselho Superior da Justiça Federal, no Enunciado de n.º 4 da I Jornada de Direito Comercial, sedimentou exegese diversa, no sentido de que: “Uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá nenhuma influência decorrente de ulteriores alterações no salário mínimo”.

Em que pese se concordar à regra expressada no enunciado supra, esse padece em nosso sentir, do vício da ausência de fundamentação, pois silencia acerca do adequado suporte técnico deste juízo de valores.

A justificativa jurídica para a não repercussão dos ulteriores aumentos do salário mínimo no capital afetado da EIRELI repousa, em verdade, na teoria do ato jurídico perfeito, mediante uma interpretação sistemática da casuística.

De acordo com o art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, o ato jurídico perfeito é aquele consumado em conformidade à lei vigente ao tempo que se efetuou.

Ressalta-se que a CRFB/88 atribui a qualidade de garantia individual ao ato jurídico perfeito, dimensão que é do direito à segurança jurídica (CF/88, art. 5º, inc. XXXVI).

Nesse sentido o magistério do Prof. Dirley da Cunha Júnior: “Ato jurídico perfeito é garantia que preserva todos os atos ou negócios jurídicos decorrentes da manifestação legítima de vontade de quem os editou, em consonância com a ordem jurídica existente no momento de sua formação”. (Curso de Direito Constitucional, 6ª ed., Juspodivm, Salvador, 2012, p. 739).

Posto isso, se dado ato jurídico respeita o sistema vigente ao tempo de sua manifestação, estará certamente amparado pela garantia do ato jurídico perfeito, que tem o condão de preservar a validade e eficácia daquele.

Com efeito, uma vez que o instituidor da EIRELI destine um patrimônio de no mínimo cem vezes o maior salário mínimo em voga, ao tempo da constituição do ente, estar-se-á diante de um ato jurídico perfeito por excelência, imune a posteriores variantes do contexto fático-jurídico, tal qual o valor do salário mínimo ao longo do tempo.

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Mutatis mutandis, o STF se pronunciou a esse respeito em situação parelha, na oportunidade do julgamento do AI 292.979-ED, Rel. Min. Celso de Mello:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - CADERNETA DE POUPANÇA - CONTRATO DE DEPÓSITO VALIDAMENTE CELEBRADO - ATO JURÍDICO PERFEITO - INTANGIBILIDADE CONSTITUCIONAL - CF/88, ART. 5º, XXXVI - INAPLICABILIDADE DE LEI SUPERVENIENTE À DATA DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE DEPÓSITO, MESMO QUANTO AOS EFEITOS FUTUROS DECORRENTES DO AJUSTE NEGOCIAL - RECURSO IMPROVIDO. - Os contratos submetem-se, quanto ao seu estatuto de regência, ao ordenamento normativo vigente à época de sua celebração. Mesmo os efeitos futuros oriundos de contratos anteriormente celebrados não se expõem ao domínio normativo de leis supervenientes. As conseqüências jurídicas que emergem de um ajuste negocial válido são regidas pela legislação em vigor no momento de sua pactuação. Os contratos - que se qualificam como atos jurídicos perfeitos (RT 547/215) - acham-se protegidos, em sua integralidade, inclusive quanto aos efeitos futuros, pela norma de salvaguarda constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República. Doutrina e precedentes. - A incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas. Precedentes. (AI 292979 ED, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 19/11/2002, DJ 19-12-2002 PP-00127 EMENT VOL-02096-08 PP-01746)”.

Em caso de maior densidade do que a situação objeto deste estudo, por envolver a necessidade de alteração do contrato social de empresa para se adequar aos novos ditames do Código Civil de 2002, pois constituída antes e em desconformidade ao aludido diploma, o TJSP, observou que a garantia constitucional do ato jurídico perfeito prevalece sobre o regramento novo:

“REGISTRO CIVIL DE PESSOA JURÍDICA – Pessoa jurídica constituída antes da vigência do Novo Código Civil – Transformação de sociedade empresária em sociedade simples – Mera repactuação do contrato do social já celebrado que não interfere na preexistência da personalidade jurídica – Não incidência da regra do artigo 977 do Código Civil – Garantia constitucional do ato jurídico perfeito (CF art. 5o XXXVI) que prevalece sobre o art. 2031 do Código Civil – Modificação de orientação dos precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso provido.” (APELAÇÃO CÍVEL N° 0049360-12.2011.8.26.0100, Conselho Superior da Magistratura, Rel. Des. Renato Nalini, D.J.E. de 24.10.2012).

Diante do exposto, resulta inexigível o implemento de capital social na EIRELI após a sua hígida constituição, por eventual déficit em relação à variação do patamar condizente a cem vezes o maior salário mínimo vigente no território nacional, frente à salvaguarda do ato jurídico perfeito.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEDESCO, André Riolo. Do aporte de capital inicial mínimo da EIRELI e a variação do salário mínimo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4160, 21 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30075. Acesso em: 22 dez. 2024.

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