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Uma análise do Direito Constitucional à duração razoável do processo.

Artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988

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13/11/2014 às 12:40
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9. A duração razoável do processo versus o contraditório e a ampla defesa: colisão de princípios?

A aplicação de princípios constitucionais, que são trazidos à realidade de forma gradual, deve ser sempre objeto de criteriosa avaliação e estudo por parte do aplicador da lei. Tal acuidade deve-se ao fato de que as situações a serem avaliadas sempre estão preenchidas por diversos aspectos que merecem ser contemplados por mais de um princípio fundamental. É aí que surge o problema: Como decidir de acordo com a justiça quando dois ou mais princípios constitucionais se encontram em aparente conflito?

ALEXY em sua obra Teoria de los derechos fundamentales, 1997, assevera que: “Cuando dos princípios entran en colisión, uno de los dos princípios tene que ceder ante el outro”. Assim, ao confrontar os princípios do contraditório e da ampla defesa com a celeridade processual, é possível verificar a possibilidade de se ponderar tais ordenamentos. O julgador deve observar o caso concreto, no sentido de conciliar o tempo necessário para se seguir o trâmite legal do processo, observando sempre o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa juntamente com a celeridade do processo, obedecendo aos prazos legais estabelecidos no rito do processo em questão.

A tutela jurisdicional, para ser eficaz, exige rapidez e, por vezes, urgência na realização do direito material que se busca proteger. A noção de tempo é inseparável do processo, já que o tempo é essencial à prática dos atos processuais e à observância das garantias asseguradas pela Constituição Federal às partes, que possibilitam ao julgador formar seu convencimento sobre a pertinência do direito afirmado.

Assim, o aparente conflito entre os valores de celeridade e segurança jurídica extraída dos princípios do contraditório e da ampla defesa se faz presente na relação processual. Impõe-se, assim, a constante busca do equilíbrio entre eles, consoante preconiza José Rogério Cruz e Tucci:

Não se pode olvidar, nesse particular, a existência de dois postulados que, em princípio, são opostos: o da segurança jurídica, exigindo, como já salientado, um lapso temporal razoável para a tramitação do processo (“tempo fisiológico”), e o da efetividade deste, reclamando que o momento da decisão final não se procrastine mais do que o necessário (“tempo patológico”). Obtendo-se um equilíbrio destes dois regramentos – segurança/celeridade – emergirão as melhores condições para garantir a justiça no caso concreto, sem que, assim, haja diminuição no grau de efetividade da tutela jurisdicional[25].

Importante também mencionar os esclarecedores ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni:

Deve-se perseguir o equilíbrio entre a segurança e a celeridade, de forma a não prejudicar ou favorecer nenhuma das partes litigantes. A tutela jurisdicional intempestiva é completamente incapaz de realizar efetivamente o direito do autor, ocasionando, muitas vezes, o perecimento do próprio direito objeto de tutela. Por outro lado, é forçoso reconhecer que, independentemente de tratar-se de situação de urgência, deve-se buscar a distribuição racional do ônus do tempo do processo entre as partes. Pretender distribuir o tempo implica em vê-lo como ônus, e essa compreensão exige a prévia constatação de que ele não pode ser visto como algo neutro ou indiferente ao autor e ao réu. Se o autor precisa de tempo para receber o bem da vida a que persegue, é lógico que o processo – evidentemente que no caso de sentença de procedência – será tanto mais efetivo quanto mais rápido for. De modo que a técnica antecipatória baseada em abuso de direito de defesa ou em incontrovérsia de parcela da demanda possui o objetivo fundamental de dar tratamento racional ao tempo do processo, permitindo que decisões sobre o mérito sejam tomadas no seu curso, desde que presentes o abuso do direito de defesa ou a incontrovérsia de parcela da demanda.

Para tanto, parte-se da premissa de que não é racional obrigar o autor a suportar a demora do processo quando há abuso do direito de defesa ou quando parcela da demanda pode ser definida desde logo[26].

A ponderação deve ser aplicada, mesmo que o conceito avaliado não seja determinado objetivamente, como é o caso da razoável duração do processo, em que ainda não se chegou a uma definição do que realmente seria um tempo “razoável” para a solução da lide. Assim, para que o juiz chegue a um entendimento sobre o que é a razoável duração do processo, ele deve ponderar qual o sentido que ele deve atribuir a essa expressão, escolhendo o significado que melhor se amolde ao caso concreto[27].


10. Os principais problemas do Judiciário brasileiro e algumas possíveis soluções

Fazer com que o processo se torne célere e efetivo, de forma que ele não se desvincule dos princípios e garantias fundamentais é o grande desafio do judiciário brasileiro. A rapidez, hodiernamente, é uma condição da efetividade do processo. A concessão da tutela fora do tempo não traz a pacificação social, não atingindo a finalidade do processo.

A economia processual determina que se concilie o binômio tempo e segurança, assim, o tempo ideal do processo é aquele que garanta a absoluta segurança da decisão.

Ao se analisar quais os motivos que levam a tamanha lentidão no trâmite de processos no país, um dos pontos principais que prejudicam o Poder Judiciário é o insucesso legislativo: leis mal elaboradas, que dão margem a diversas interpretações, bem como a lacunas que permitem decisões controvertidas.

Esse oportunismo hermenêutico estimula a existência de incidentes processuais e multiplica a interposição de recursos. Daí vem a grande sobrecarga de trabalho, e, tal atitude afeta os órgãos judiciais, truncando o desenvolvimento jurisprudencial, fonte tão cara do direito, uma vez que esta é que se atualiza conforme a evolução social de maneira mais dinâmica.

Além disso, a falta de recursos materiais e tecnológicos, a existência de uma legislação processual por vezes ultrapassada e a formação cultural dos operadores do direito, que está despreparada para a advocacia que busca a prevenção, orientação e conciliação, são barreiras para uma maior rapidez no trâmite processual brasileiro.

Sendo assim, depreende-se que, basicamente, são três são os fatores da morosidade do Poder Judiciário brasileiro: fator material (investimento financeiro, em infraestrutura, pessoal qualificado, mais magistrados e servidores), fator legal (alteração das leis processuais, que por vezes são permissivas a advogados que só procuram obstinar a aplicação da justiça, valendo-se de várias esferas recursais para prolongar a duração do processo) e, fator cultural (ideais extremamente legalistas dos operadores do direito, que se esquecem de meios alternativos de pacificação social como a conciliação).


11. As principais causas da morosidade

Adiante, mostrar-se-ão as principais e mais evidentes causas da morosidade do Judiciário, destacando-se todos os aspectos acima mencionados, quais sejam: material, legal e cultural.


12. O papel do juiz na condução do processo

O exercício do magistrado traz ao juiz como premissa fundamental a busca pela a excelência da atividade, e não somente o ato mecânico do julgamento, mas a adequação a realidade particular de cada caso.

 A soma de instituições bem organizadas e geridas pelos respectivos grupos de magistrados e servidores determinará uma união de iniciativas capazes de alterar de forma satisfatória a eficiência do Judiciário enquanto entidade prestadora de serviços. Estas ações colaborarão terminantemente para a eficiência da prestação jurisdicional por completo e não apenas de forma pontual em pequenos locais.

Os juízes têm que sair da posição única e exclusiva como julgadores, passando a se tornar gestores de suas unidades jurisdicionais. Nesse sentido, Sidnei Agostinho Beneti leciona que:

O juiz deve ser encarado como um gerente de empresa, de um estabelecimento. Tem sua linha de produção e produto final, que é a prestação jurisdicional. Tem de terminar o processo, entregar a sentença e execução. Como profissional de produção é imprescindível mantenha ponto de vista gerencial, aspecto da atividade judicial que tem sido abandonado. É falsa a separação estanque entre as funções de julgar e dirigir o processo – que implica orientação ao cartório. O maior absurdo derivado desse nocivo ponto de vista dicotômico é a alegação que às vezes alguns juízes manifestam, atribuindo culpa pelo atraso dos serviços judiciários ao cartório que também esta sob a sua orientação e fiscalização.[28]

A incompreensão de que o trabalho do magistrado não é só a arte de julgar, somada à falta de ações concretas que busquem gerir o foro, tem causas culturais, mas também é fruto da falta de preparo e exigência por parte da instituição.

O Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (IDESP) realizou, no ano 2000, pesquisa por meio da qual foi colhida a opinião de 738 juízes, em 11 Estados da federação e no Distrito Federal, de primeiro e segundo graus de jurisdição, da Justiça Estadual, do Trabalho e Federal, sobre vários aspectos que envolvem o Judiciário, em especial seu desempenho e morosidade.

A pesquisa realizada pelo IDESP apontou que 74,6% dos 738 juízes entrevistados em vários Estados do país, disseram que falta de eficiência administrativa é fator relevante como causas da morosidade da Justiça[29].

Helena Delgado Moreira[30] em sua obra, analisa que há uma posição de passividade do magistrado brasileiro em face da morosidade processual e das soluções a ela possíveis.

Assim, há uma necessidade de mudança na conduta dos magistrados brasileiros, no sentido de que estes tomem para si além da função tradicional de julgamento, a administração e gestão de seu local de trabalho, para que este, organizado, possa colaborar para o bom e célere desenvolvimento das atividades.


13. Desorganização administrativa

É evidente que falta uma regulamentação específica e efetiva que organizem a administração dos tribunais brasileiros.

As organizações mantidas pela iniciativa privada há muito se utilizam dos ensinamentos da Administração na busca de resultados eficazes, com o crescente investimento na formação de seus gestores. Destaca-se que o planejamento é o principal ensinamento que traz o sucesso de tais instituições privadas. O Poder Público pouco aproveita de tal conhecimento para si, o planejamento na maioria das vezes não é utilizado na administração pública, em especial nas gestões administrativas dos tribunais. Tal circunstância justifica, pelo menos em parte, as dificuldades existentes que acabam gerando no final do processo a morosidade da prestação jurisdicional.

As ferramentas de Administração são fundamentais para a boa gestão do Poder Judiciário, como melhor forma de enfrentar a morosidade. É necessária uma preocupação com a utilização de novos conhecimentos para a busca da excelência dos serviços prestados à população.

Lamentavelmente, o setor público do país está invadido pela corrupção e individualismo, motivo pelo qual, os indivíduos que possuem o poder para modificar a situação buscam a satisfação de seus projetos pessoais em detrimento do interesse público, e da gestão estratégica tão necessária à mudança na situação em que se encontra o judiciário brasileiro.

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Nas palavras de Elizer Arantes da Costa, a gestão estratégica pode ser entendida como:

O processo sistemático, planejado, gerenciado, executado e acompanhado sob a liderança da alta administração da instituição, envolvendo e comprometendo todos os gerentes e responsáveis e colaboradores da organização. A gestão estratégica tem por finalidade assegurar o crescimento, a continuidade e a sobrevivência da instituição, por meio de contínua adequação de sua estratégia, de sua capacitação e de sua estrutura, possibilitando-lhe enfrentar e antecipar-se às mudanças observadas ou previsíveis no seu ambiente externo e interno[31].

Assim, para que haja uma melhoria na organização do poder judiciário, é imprescindível que apesar das dificuldades culturais e da resistência dos dirigentes e potenciais dirigentes dos tribunais, haja a elaboração de uma gestão estratégica como maneira de enfrentamento eficaz e perene dos problemas do judiciário.


14. Causas estruturais

A falta de estrutura física e humana direcionada ao Judiciário para o desempenho de suas funções também são importantes causas para a morosidade da prestação jurisdicional. Faltam recursos de informática, pessoas suficientemente qualificadas, e também se verifica que as edificações em que funcionam os órgãos da justiça estão em precárias condições.

A crescente demanda pelos serviços do Judiciário exige que os recursos de informática sejam utilizados e conduzidos da melhor forma possível, sendo que a precária utilização desses recursos facilitadores é capaz de inviabilizar o cumprimento das tarefas e prazos em um curto espaço de tempo.

Pode-se dizer que hoje em dia é impossível desvincular as atividades burocráticas da informática, uma vez que esta facilita muito o desempenho dos procedimentos, acelerando o resultado e diminuindo os custos da atividade. O aumento da procura pelas ações judiciais criou a necessidade de aumentar a produtividade do Judiciário e esse fato escancarou a situação extremamente precária do sistema burocrático judicial. Um sistema completamente atrasado tecnologicamente, pautado no uso do papel e caneta, além do trânsito dos “autos” para que eles cheguem ao destinatário, que ocasionam um desperdício significativo de tempo culminando na indesejada ineficiência da prestação jurisdicional.

Apesar de esta situação ser evidente e necessitar de urgente mudança, os recursos de informática ainda são pouquíssimo utilizados pela instituição. Falta sim muito do recurso financeiro para efetuar tais mudanças, mas, mais que isso, falta planejamento e amadurecimento dos administradores do judiciário, que ainda têm a cultura da utilização do papel como forma mais segura de registro de documentos. José Renato Nalini diz que é uma providência inevitável a adequação à modernidade. Evidencia o autor, que “a otimização instrumental permitirá ao juiz multiplicar a sua produção, sem gerar maior desgaste.”[32]

Ainda de acordo com a pesquisa realizada pelo IDESP no ano de 2000, 91,9% dos magistrados entrevistados apontaram este fator supracitado como causa muito relevante para a morosidade do judiciário brasileiro.

Vicente de Paula Ataíde Junior[33] ao descrever a evolução operacional dos serviços judiciários, diz que:

Mesmo com as constantes inovações tecnológicas, não se venceu o paradigma dos autos escritos, de papel e plástico, entulhando prateleiras e escaninhos, obrigando o seu transporte por meios dispendiosos, sem falar nos galpões e depósitos necessariamente alugados ou comprados pelos tribunais para arquivar autos findos.

Assim, para que haja uma mudança significativa na situação do judiciário brasileiro, é necessário que de deixe de lado essa “cultura do papel”, e também que sejam direcionados mais recursos financeiros para o investimento em melhores tecnologias que auxiliem os magistrados e servidores a tornar o processo cada vez mais célere.

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Sobre o autor
Wander Pereira

Pós-Doutorado em Criminologia, Pós-doutorado em História do Direito: Filosofia e Constituição. Doutor e Mestre pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Direito e Processo do Trabalho, em Direito Público e Filosofia do Direito. Cirurgião-dentista CRO22510, Advogado OABMG109559 graduações pela UFU. Professor visitante do Pós-Doutorado da UFU. Professor de Direito pro tempore da Faculdade de Direito, da Faculdade de Administração e da Faculdade de Ciências Contábeis, todas da UFU. Professor de Direito nas Faculdades ESAMC e UNIPAC, Professor de Direito na Pós-Graduação da PUC-MINAS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Wander. Uma análise do Direito Constitucional à duração razoável do processo.: Artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4152, 13 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30100. Acesso em: 26 abr. 2024.

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