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Federalismo fiscal.

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09/07/2014 às 16:41
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É meta da federação minimizar as diferenças regionais e cabe ao Sistema Tributário fomentar o equilíbrio, através da distribuição de rendas.

INTRODUÇÃO

O que justifica o desenvolvimento da presente pesquisa é a avaliação do Federalismo Fiscal pelo prisma da Constituição Federal, analisando a importância da atribuição de competências realizada pela Lei Maior.

Dessa feita, primeiramente serão feitos apontamentos acerca do Sistema Constitucional Tributário e, sequencialmente, será dado destaque para a questão do Federalismo Fiscal, destrinchando a questão da repartição de competências na Constituição Federal como forma de garantir a autonomia dos Entes Federados e, portanto, manter o pacto federativo.


1. SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

No âmbito do direito positivo, convencionou-se que o ordenamento é formado por um sistema de regras dispostas em patamares diferenciados, formando uma estrutura piramidal. Dessa forma, remanesce o reconhecimento da hierarquização das normas jurídicas, de maneira que as normas de patamares inferiores devem estar em harmonia com as normas do ápice dessa pirâmide, isto é, as normas constitucionais1.

A Constituição Federal é, portanto, dotada de supremacia, de forma que seus preceitos são imperativos e dão o fundamento de validade às normas restantes, não admitindo insurgências contra suas diretrizes2.

Inviável, portanto, a análise do Sistema Tributário Nacional a par das diretrizes da Norma Maior, a qual dispõe de grande número de normas atinentes à matéria tributária, inclusive aquelas com expressiva carga axiológica: os princípios.

Ressalta-se também em matéria de Direito Tributário Constitucional, que o legislador constituinte optou por prescrever exaustivamente a atuação das pessoas políticas, caracterizando um sistema rígido de distribuição de competências3. Isso posto, tem-se que o ordenamento jurídico no Brasil compreende um sistema ou subsistema constitucional tributário. Nesse sentido, cumpre citar o seguinte entendimento:

No caso dos impostos, a CF/1988 aponta as materialidades que serão tributadas por cada ente da Federação, bem como, ainda que nem sempre de forma explícita, as bases de cálculo, sujeitos passivos e outros elementos necessários à criação das normas impositivas de cada espécie tributária, com destaque para uma série de limitações e pressupostos que deverão ser observados (legalidade, anterioridade, capacidade contributiva, não confisco etc.) Há, portanto, pouca margem de liberdade para o legislador infraconstitucional, razão pela qual se diz que o sistema tributário, é um sistema constitucional tributário.4

Ainda nesse viés, Paulo de Barros Carvalho5 ao versar acerca do subsistema constitucional tributário, compreende que este dispõe sobre os poderes capitais do Estado pari passu que estabelece medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, em face daqueles poderes. Sobeja configurada “na trama normativa, uma construção harmoniosa e conciliadora, que visa a atingir o valor supremo da certeza, pela segurança das relações jurídicas que se instituem entre a Administração e os administrados.”6

Diante do que fora inicialmente exposto, cumpre uma análise mais aprofundada desse sistema, especialmente no que concerne às diretrizes da Competência Tributária presentes no Texto Maior, que possuem valor expressivo para o estudo do Federalismo Fiscal.


2. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Competência Tributária está relacionada com a atribuição outorgada à entidade autônoma, que lhe confere aptidão jurídica para instituir tributos mediante lei em sentido estrito. Averba, nos seguintes termos, o doutrinador Roque Antônio Carrazza:

Competência tributária é a possibilidade jurídica de criar, “in abstracto”, tributos, descrevendo legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas.

(...)

Estamos aludindo, neste passo, à criação de tributos, tarefa exclusivamente legislativa e, não á sua mera arrecadação, mister que se relaciona com o exercício da função administrativa. O exercício da competência tributária é uma das manifestações do exercício da função legislativa, que deflui da Constituição. Em suma, criar tributos é legislar; arrecadá-los, administrar.

Noutro dizer, a competência tributária é a habilitação ou, se preferirmos, a faculdade potencial que a Constituição confere às determinadas pessoas para que tributem. (grifo do autor) 7

A partir desses apontamentos, faz-se oportuno registrar que, quando se fala em competência, faz-se referência à competência legislativa, isto é, à possibilidade do ente de legislar, e é indelegável. Já ao se versar sobre capacidade, esta é concernente à possibilidade de desempenhar as funções advindas do exercício da competência, e pode ser delegada, pois se trata da possibilidade de fiscalizar e arrecadar8. A despeito de tal diferenciação, o art. 7º do Código Tributário Nacional (CTN) exprime a ideia de que competência (legislativa) e capacidade (tributária) são termos equivalentes.

Dessa maneira, “cada um tem competência para impor prestações tributárias dentro da esfera que lhe é assinalada pela Constituição” 9, ou seja, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Estão aptos a criarem tributos e definir o alcance de suas incidências, desde que obedecidos os abalizamentos constitucionais.

Atente-se ao fato de que a Constituição Federal outorga a competência tributária, portanto, em regra, não cria tributos. Esta ação a qual somente é possível ser efetivada através de lei em sentido estrito, pois é o “mecanismo formal hábil à instituição do tributo.” 10 A Constituição faz menção ao perfil genérico do tributo, ficando a criação deste dependente do exercício pelo ente político da competência que lhe foi atribuída.

Impende, nesse momento, versar brevemente acerca das características da Competência Tributária, conforme a doutrina preconizada por Roque Antônio Carrazza11, que são seis ao todo: indelegabilidade; privatividade; incaducabilidade; inalterabilidade; irrenunciabilidade; e facultatividade.

Considerando que “a competência tributária das pessoas políticas que convivem na Federação é atribuição constitucional, dimana da Lei Maior, sede do poder de tributar.” 12, é facultado ao destinatário de tal competência exercê-la ou fazê-lo parcialmente, porém lhe é vedado transferi-la ou delega-la13, possui, então, como primeira característica a indelegabilidade, fixada pelo artigo 7º do CTN, que versa:

Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.

Não obstante, é admitido “que as funções de arrecadar e fiscalizar tributos ou de executar leis, serviços, atos e decisões administrativas em matéria tributária podem ser transferidas para outra pessoa de Direito Público.” 14 Na oportunidade, incluem-se as garantias e os privilégios processuais das pessoas delegantes, sendo permissa a revogação unilateral da delegação.

Já a característica da privatividade faz com que cada um dos entes federados receba da Constituição, sua competência tributária específica, configurando, dessa forma, uma questão de ordem pública. Sendo-lhes a competência privativa, é vedado que uma pessoa política usurpe a competência legislativa de outra, e nem permita que a sua competência seja utilizada por outro ente15. Desta feita, “no caso de ente titular da competência deixar de exercê-la (por simples omissão ou por razões de política fiscal), essa inércia não transforma o campo reservado à sua competência em zona aberta à intromissão de outro poder tributante.” 16

Urge ressaltar que há ressalvas quanto à privatividade previstas na própria Norma Maior. É o caso do disposto no art. 154, inciso II da Constituição, que preceitua: “A União poderá instituir [...] na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.” Vê-se que é autorizado à União atravessar a privatividade da competência tributária, entretanto, somente em casos excepcionais, respeitadas as fronteiras constitucionais impostas.

Da mesma forma, não é possível que o ente federado renuncie à sua competência tributária, pois esta possui como característica a irrenunciabilidade, haja vista que fora estabelecida pelo constituinte originário. Portanto, o ato de renunciar à referida competência, constitui inconstitucionalidade17. Consigna a doutrina de Carrazza, no seguinte assentamento:

Nada obstante a competência tributária seja patrimônio de seu titular, a ele faltam alguns poderes de disposição sobre ela. A pessoa política que a titulariza pode até não a utilizar, mas não a pode renunciar. Enfim, a competência tributária é irrenunciável, porque foi atribuída a pessoas políticas a título originário, pela Constituição. A renúncia, isto é, a unilateral e definitiva abdicação ao direito de criar tributos, é juridicamente ineficaz.18

Destarte, fica estatuído que carece aos entes competentes o direito de renegar a competência outorgada pelo legislador constituinte originário. Não obstante, a pessoa pública tem a faculdade de não exercê-la, sendo assim, visto que seu exercício é facultativo, como foi adiantado anteriormente. Assim, surge a facultatividade da competência. Se uma pessoa política não exerce sua competência tributária, não é possível deferir esta a outro ente (art. 8º, CTN), pois a regra de competência é de poder-faculdade e não de poder-dever19.

Importante frisar que, em se tratando de atividade legislativa, a faculdade de criar tributo não caduca, ou seja, o não exercício da possibilidade de instituir tributo não importa na decadência do direito de fazê-lo, ou seja, a competência não decai20, Corrobora com esta afirmação o lente Paulo Barros de Carvalho:

Se o não uso da faixa de atribuições fosse perecível, o próprio Texto Supremo ficaria comprometido, posto na contingência de ir perdendo parcelas de seu vulto, à medida que o tempo fluísse e os poderes recebidos pelas pessoas políticas não viessem a ser acionados, por qualquer razão histórica que se queira imaginar. Impõe-se, portanto, a perenidade das competências, que não podem ficar submetidas ao jogo instável dos interesses e dos problemas por que passa determinada sociedade.21

Por fim, no que pertine à inalterabilidade, esta característica se relaciona com impossibilidade de alteração unilateral da competência tributária pelo ente que a detém. O que somente reforça a rigidez atinente à competência tributária imposta pela Constituição Federal22. Ora, não se está afirmando que toda e qualquer alteração relativa à competência legislativo-tributária é impedida, apenas que não é possível fazê-la no plano infraconstitucional.

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3. A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS E O PACTO FEDERATIVO

A Constituição confere ordem à atividade do Estado, pois, seu conjunto de normas especifica a atuação do Poder Público, repartindo as atribuições entre e os entes políticos e, inclusive, impondo limites ao exercício do poder estatal como forma de proteção aos cidadãos. Essa repartição de competências confere autonomia aos entes públicos e é característica do Estado Federal que, nas palavras de José Afonso da Silva23, “consiste na união de coletividades regionais autônomas”, denominados Estados federados, Estados-membros ou simplesmente Estados. Entretanto, essas unidades também podem se referir, na ordem jurídica vigente, às figuras dos Municípios e do Distrito Federal.

Cumpre salientar que a forma federativa de organização do Estado Brasileiro foi elevada à cláusula pétrea pela Constituição Federal de 198824, evidenciando a importância na preservação do pacto federativo entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal.

É decorrente desta forma de Estado que “a União e os Estados-membros ocupam, juridicamente, o mesmo plano hierárquico. Daí porque devem receber tratamento jurídico-formal isonômico.” 25 De forma que, é a República Federativa a união de todos os entes, não devendo ser confundida com a União.

Somente o Estado Federal é sede da summa potestas, isto é, a ele pertence à soberania26, os entes federados apenas possuem autonomia político-administrativa. E a Constituição Federal é o alicerce dessa supremacia estabelecida através das regras limitativas do ordenamento político das unidades componentes27. A lição do doutrinador Paulo Bonavides encorpa o argumento:

A superioridade do Estado federal sobre os Estados federados fica patente naqueles preceitos da Constituição federal que ordinariamente impõem limites aos ordenamentos políticos dos Estados-membros, em matéria constitucional, pertinentes à forma de governo, às relações entre os poderes, à ideologia, à competência legislativa, à solução dos litígios na esfera judiciária, etc.28

Já entre os entes federados não existe hierarquia, o que há é a delimitação da competência de cada um destes pela Constituição, esta a qual lhes confere autonomia político-administrativa. Nesse aspecto, é o entendimento de Dalmo de Abreu Dallari:

No Estado Federal as atribuições da União e as das unidades federadas são fixadas na Constituição, por meio de uma distribuição de competências. Não existe hierarquia na organização federal, porque a cada esfera de poder corresponde uma competência determinada. [...] A regra, portanto, no Estado Federal é a distribuição de competências, sem hierarquia. Assim sendo, quando se tratar de assuntos de competência de uma unidade federada, esta é que pode legislar sobre o assunto, não a União, e vice-versa.29

É importante sobrelevar que, para conservar a autonomia a qual lhe diz respeito, é indispensável que cada ente seja capaz de custear as atividades que desenvolvem. Em consequência disso, ao passo que a Lei Magna promove a repartição de competências, também estabelece um meio de captação de recursos, distribuindo os meios através dos quais as pessoas políticas devem criar e arrecadar tributos. Nesse mesmo sentido, faz-se oportuno trazer novamente a interpretação de Dallari, que leciona:

A cada esfera de competências se atribui renda própria. Este é um ponto de grande importância e que só recentemente começou a ser cuidadosamente tratado. Como a experiência demonstrou, e é óbvio isso, dar-se competência é o mesmo que atribuir encargos. E indispensável, portanto, que se assegure a quem tem os encargos uma fonte de rendas suficientes, pois do contrário a autonomia política se torna apenas nominal, pois não pode agir, e agir com independência, quem não dispõe de recursos próprios.30

Resta claro, então, que a concretização da autonomia político-administrativa depende da autonomia financeira, ou seja, a repartição das competências tributárias é indispensável para assegurar os encargos que foram atribuídos aos entes públicos. Portanto, fica assentado que numa federação, em que cada ente exerce suas atribuições com autonomia, faz-se mister que cada um deles possa atender aos seus respectivos dispêndios31.

É cediço que o Brasil possui dimensões continentais, por conseguinte, há certa preocupação em manter a harmonia entre aos estados-membros da federação, pois só é possível manter o pacto federativo se houver a igualdade jurídica entre as unidades da federação.

Tendo em vista que os entes são dotados de autonomia, é possível que um ou alguns deles desenvolvam maior capacidade econômica em relação ao outros, comprometendo o equilíbrio mínimo entre as unidades federadas, o que provoca desigualdades regionais e, portanto, fere o pacto federativo. Corroborando esse entendimento, temos Osvaldo Santos de Carvalho e Valério Pimenta de Morais, que concebem o seguinte raciocínio:

Anote-se que a competência tributária e seu exercício claramente transcendem o interesse individual, e no federalismo a outorga da aptidão de instituir e arrecadar impostos (no caso ICMS) funciona inegavelmente como instrumento para a equalização – garantia de harmonia e equilíbrio –, protegendo a possibilidade de obtenção de recursos de maneira direta, sem qualquer interferência de outros entes federados.32

Os autores seguem o ensinamento atentando para o fato de que o equilíbrio das contas públicas é parte essencial para o federalismo fiscal, pois “representa a viabilização de o Estado cumprir seus objetivos e missões que efetivamente a Constituição lhe impõe.” 33

Não ao acaso, o próprio Texto Magno em seu art. 3º, inciso III, tem enumerado dentre os objetivos da República Federativa do Brasil a redução das desigualdades regionais, o que denota o zelo constitucional pelo pacto por meio da isonomia na repartição de receitas.


CONCLUSÃO

De tudo que foi exposto, conclui-se que a competência tributária é elemento inerente à autonomia conferida aos membros federados, e definidor do regular funcionamento do Estado como Federação.

Por fim, demonstrou-se que é meta da Federação minimizar as diferenças regionais e cabe ao Sistema Tributário fomentar o nivelamento das diferenças econômicas e sociais através do equilíbrio no sistema de distribuição de rendas, pois, tal atuação é essencial para a manutenção do pacto federativo entre os Entes.

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Sobre a autora
Cinthia Zuila Alves Campos

Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Maranhão<br>Advogada<br>Pós-graduanda em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Cinthia Zuila Alves. Federalismo fiscal.: A competência tributária como instrumento de manutenção do pacto federativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4025, 9 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30117. Acesso em: 16 abr. 2024.

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