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Mecanismo europeu de estabilidade:

Relatório acerca do acórdão C-370/12 do TJUE

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Resumo:


  • O movimento de convergência e união econômica, jurídica e política dos países europeus levou à criação da União Econômica e Monetária Europeia, culminando na formação da Zona Euro.

  • A crise financeira mundial de 2007 atingiu a Europa, levando à criação de mecanismos de estabilização financeira, como o Fundo Europeu de Estabilização Financeira e o Mecanismo Europeu de Estabilidade.

  • O Mecanismo Europeu de Estabilidade foi estabelecido para prestar assistência financeira aos Estados-Membros da Zona do Euro em situações de crise, sem usurpar a competência da União na política monetária e econômica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2. Segunda Questão

A segunda questão prejudicial levantada pela Supreme Court arrazoa se a celebração do Tratado MEE pelos Estados-Membros da Eurozona estaria a violar ou não os artigos 2° TUE, 3º TUE, 4º, n.º 3, TUE, 13º TUE, 2º, n.º 3, TFUE, 3º  n.º 1, alínea “c”, e n.º 2, TFUE, 119º TFUE a 123º TFUE e 125º TFUE a 127º TFUE, bem como os princípios gerais da tutela jurisdicional efetiva e da segurança jurídica.

O Tribunal ao debruçar-se na análise desta questão, rechaçou previamente a alegação de incompetência do TJUE para apreciação dessa, feita pelo Governo Espanhol, decidindo no sentido de que em que pese a União Européia não faça parte do Tratado MEE, isso não exclui a competência da Corte Européia de analisar o objeto em baila; tendo em vista que a supracitada questão tem por desígnio a interpretação de diversas disposições do Direito Comunitário, e é o Tribunal de Justiça o órgão competente para fornecer ao tribunal nacional todos os elementos de interpretação do Direito da União que possibilitem a apreciação da conformidade das disposições do Tratado MEE com o Direito da União Européia pelo órgão jurisdicional nacional. 

Quanto à admissibilidade, alguns Estados alegaram a impertinência da interpretação de determinadas disposições e princípios mencionados nesta questão prejudicial para a resolução do litígio.

O TJUE, destacando que os elementos de interpretação solicitados destinam-se exclusivamente a viabilizar a apreciação pela Corte Nacional da conformidade das disposições do Tratado MEE com o direito da União, inadmitiu a segunda questão prejudicial apenas no tocante a interpretação dos artigos 2º e 3º TUE e do Princípio Geral da Segurança Jurídica.

2.1. Quanto à interpretação das disposições relativas à competência exclusiva da União.

a) Interpretação dos artigos 3º, nº1, alínea “c”, TFUE e 127º TFUE

Os artigos 3º, nº1, alínea “c”, TFUE e 127º  TFUE versam acerca da competência exclusiva da União na seara da política monetária. O artigo 127º, n.1º TFUE e 282º, n. 2º, TFUE dispõem como objetivo a ser prosseguido pelo Sistema Europeu de  Banco Centrais (SEBC) em geral e pelo Eurosistema[8] em particular a manutenção da estabilidade dos preços.

Ora, o TJUE elucida que as atividades do MEE não fazem parte da política monetária, tão pouco este está habilitado a fixar as taxas de juro diretoras para zona do euro, nem a emitir euros; devendo a assistência financeira por ele concedida ser financiada na sua totalidade, respeitando o artigo 123º, n.1º, TFUE, por capital liberado ou pela emissão de instrumentos financeiros, como previsto no artigo 3º do próprio Tratado MEE.

Outrossim,  conquanto admita-se que as atividades do MEE possam influenciar o nível de inflação, essa influência seria apenas uma conseqüência indireta das medidas de política econômica adotadas.

b) A interpretação do artigo 3º, n.º 2, TFUE

O respectivo artigo dispõe que a união detém a “competência exclusiva para celebrar acordos internacionais quando tal celebração […] seja suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas”.

O Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o fato do MEE haver assumido as funções do FEEF (Fundo Europeu de Estabilização Financeira) e do MEEF (Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira), tal fato não torna-o suscetível de afetar as regras comuns da União Européia ou de alterar o alcance das mesmas. Haja vista que o FEEF foi instituído pelos Estados-Membros que têm o euro por moeda, fora do âmbito da União.

Ademais, a circunstância de o MEE ter substituído o MEEF, nas funções que este foi criado temporariamente para exercer, não obsta a competência da União para conceder, com fulcro no artigo 122º, nº 2, TFUE, ajuda financeira pontual a um Estado-Membro que se encontre em dificuldades ou sob grave ameaça de dificuldades devidas a calamidades naturais ou a ocorrências excepcionais incontroláveis.

A Corte Européia destaca ainda que não há nos Tratados da UE designação de competência específica da União para a constituição de um mecanismo de estabilidade econômica nos moldes do Mecanismo Europeu de Estabilidade, logo estão os Estados-Membros habilitados para desempenhar tal atuação.

2.2. Quanto à interpretação de diversas disposições do Tratado sobre o Funcionamento da União Européia (TFUE) relativas à política econômica.

No processo principal, desencadeado nas cortes nacionais irlandesas a parte autora asseverou que o Tratado MEE constituía uma subversão e uma flagrante modificação da ordem jurídica que regulamenta a União Econômica e Monetária. Indagando-se, por isso, se o aludido Tratado não teria açambarcado o poder do Conselho da União Européia de adotar recomendações, nos termos do artigo 126.° TFUE e, em particular, se a “condicionalidade” prevista no Tratado MEE seria consentânea com as recomendações previstas nesta disposição.

O Tribunal de Justiça esclareceu em sua decisão que os artigos 2º, n.° 3, TFUE, 119.° TFUE a 121.° TFUE e 126.° TFUE atribuem às instituições da União competência para coordenar a política econômica, sendo que o MEE não tem por objeto a coordenação das políticas econômicas dos Estados Membros. Constitui-se, todavia, como mero mecanismo de financiamento.

Em que pese o fato de que a condicionalidade imposta pelo MEE importe muitas vezes num ajustamento macroeconômico, tal condicionalidade não constitui, no entanto, um instrumento de coordenação das políticas econômicas dos Estados Membros.

Além disso, o Tribunal preleciona que as condições para a concessão de um apoio de estabilidade deverão ser completamente compatíveis com as disposições de coordenação política e econômica, previstas pelo TFUE e com as diretrizes efetivamente delineadas nesta seara pela União, assim como com as recomendações suscetíveis de serem adotadas pelo Conselho com fulcro nestas disposições.

No que concerne à disposição do artigo 122º TFUE, o Tribunal entendeu que tal dispositivo não constitui uma base jurídica adequada para uma eventual assistência financeira da União aos Estados Membros que estejam a ser afetados ou ameaçados por graves problemas de financiamento.

A criação de um mecanismo de estabilidade como o MEE não usurpa, destarte, os poderes que a referida disposição confere ao Conselho, logo a competência da União em tal matéria não é afetada.

Outrossim, tal artigo não confere competência exclusiva a União para a concessão de ajuda financeira aos seus Estados-Membros.

Levantou-se também o questionamento de se o Tratado MEE não estaria por contornar a proibição do artigo 123° TFUE, que veda o financiamento e/ou a compra de títulos das dívidas dos Estados-Membros e de suas entidades pelo Banco Central Europeu ou pelos Bancos Centrais Nacionais; tendo-se em conta que é vedado aos Estados da UE, direta ou indiretamente, derrogar ou tolerar derrogação do Direito Comunitário.

A este respeito o Tribunal de Justiça prognosticou que o supracitado artigo tem por destinatários específicos o BCE e os Bancos Centrais dos Estados-Membros. Assim sendo, a concessão de uma assistência financeira por um Estado Membro ou por um conjunto de Estados Membros a outro Estado Membro não está, portanto, abrangida pela referida proibição.

Ademais, nada permite considerar que os recursos financeiros concedidos pelos membros do MEE a este último tenham origem em instrumentos financeiros proibidos pelo artigo 123.°, n.° 1, TFUE.

No tocante à questão de se o Tratado MEE estaria a violar a “Cláusula de não resgate” enunciada no artigo 125º TFUE[9], o TJUE entendeu que tal artigo veda a assunção de responsabilidade ou de compromissos de determinado Estado-Membro por outro Estado-Membro ou pela União, a fim de garantir o respeito a uma política orçamental sã pelos Estados da União. Entretanto, este dispositivo não proíbe qualquer concessão de assistência financeira pela União ou pelos Estados-Membros em benefício de outro Estado-Membro.

O MEE apenas presta assistência financeira, não tendo por finalidade garantir as dívidas do Estado-Membro beneficiário, haja vista que nesta circunstância o Estado assistido continua a ser responsável pelos seus próprios compromissos perante os seus credores.

Realce-se o fato de que a aquisição pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade de obrigações de um dos seus membros no mercado primário ou secundário equipara-se à mera concessão de um empréstimo.

Neste esteio, concernente às disposições dos artigos 123º, n.1º, TFUE e 125º TFUE, corroborando com a posição jurídica abraçada pelo Tribunal de Justiça, a doutrina destaca ainda que a inexistência de prévias disposições legais específicas não impede que os Estados-membros se associem e se engajem das mais variadas formas a fim de promover voluntariamente uma cooperação mútua. Exemplifica-se a este respeito o próprio empréstimo feito diretamente pelos Estados-membros à Grécia sem a intermediação de qualquer mecanismo ou instituição financeira específica, numa clara demonstração do primado dum posicionamento político-econômico em detrimento de um interpretativismo estrito - a fim de deter os efeitos de contágio da crise no seio da União e pôr em risco a própria estabilidade e “sobrevivência” do euro[10].

Por fim, quando da sua avaliação do Princípio da Cooperação Leal em cotejo com o Tratado do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o Tribunal de Justiça da União Européia pronunciou-se no sentido de que o referido princípio, consignado no artigo 4º, n.º 3º, TUE - o qual colima vedar qualquer atuação dos Estados-Membros que venham a colidir com os objetivos da União, não é infringido pela criação do MEE, haja vista que tal mecanismo não fere as disposições do TFUE relativas à política econômica e monetária.

Destacando ainda que o próprio Tratado MEE assegura, em diversas de suas disposições, que tal mecanismo de estabilidade respeitará o Direito da União no exercício de suas funções.

2.3. Quanto à interpretação do artigo 13º TUE

O artigo 13º, n.º 2 TUE preceitua que as instituições da União deverão atuar dentro dos limites das atribuições que lhe foram conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem.

Ao interpretar o supra-referido artigo, o Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a atribuição de novas funções, pelo Tratado MEE, à Comissão, ao BCE e ao Tribunal de Justiça não viola o regramento da citada disposição, na medida em que a jurisprudência do próprio TJUE já afirmava no sentido de que “nos domínios que não são da competência exclusiva da União, os Estados Membros podem, fora do âmbito da União, confiar missões às instituições, como a coordenação de uma ação coletiva empreendida por esses Estados Membros ou a gestão de uma assistência financeira (v. acórdãos, já referidos, Parlamento/Conselho e Comissão, n.ºs 16, 20 e 22, e Parlamento/Conselho, n.os 26, 34 e 41), desde que essas missões não desvirtuem as atribuições que os Tratados UE e FUE conferem a essas instituições (v., designadamente, pareceres 1/92, de 10 de abril de 1992, Colet., p. I 2821, n.os 32 e 41; 1/00, de 18 de abril de 2002, Colet., p. I 3493, n.° 20; e 1/09, de 8 de março de 2011, Colet., p. I 0000, n.° 75)”[11].

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Ora: a) as atividades do MEE enquadram-se no âmbito da política econômica, e a União não detém competência exclusiva neste domínio; b) as funções confiadas ao BCE e à Comissão no Tratado MEE não comportam um poder de decisão próprio; e as atividades exercidas por estas instituições nesta esfera só vinculam o MEE; c) as funções acreditadas à Comissão e ao BCE não distorcem as atribuições que os Tratados UE e FUE adjudicam as estas duas instituições.

Através de sua participação no MEE a Comissão promove o interesse da União, por intermédio do seu papel de velar pela compatibilidade com o Direito Comunitário dos memorandos de entendimento celebrados pelo Mecanismo.

Ressalta-se ainda o fato de que é lícito ao BCE participar de instituições monetárias internacionais, bem como estabelecer relações com organizações internacionais[12]. Estando, pois, tal participação do BCE no MEE em consonância com uma de suas missões, que é dar apoio às políticas econômicas gerais da União.

A esse respeito, parcela da doutrina, ao tratar da natureza jurídica do BCE, chega a defender um caráter sui generis do mesmo, concluindo por classificá-lo como uma organização de direito comunitário independente e especializada – o que o conferiria, por seu turno, maior liberdade e legitimidade à sua atuação nos moldes acenados na esfera do MEE, senão vejamos[13]:

Quanto à sua natureza jurídica, antes de mais o BCE não será uma instituição comunitária. Com efeito, as instituições comunitárias estão listadas no actual artigo 7º do TICE, de onde não consta o BCE[14]. Quanto as instituições comunitárias actuam ao abrigo dos poderes conferidos pelo Tratado, actuam em nome em representação de um das Comunidades. Daí o TJCE tenha frisado que as instituições comunitárias não têm personalidade jurídica. Como vimos, o BCE, pelo contrário, tem personalidade jurídica própria, bem como órgãos de decisão próprios que atuam em seu nome (...).

Desta forma, Zilioli e Selmayr sugerem que o BCE seja considerado como uma organização de direito comunitário independente e especializada. Em primeiro lugar, o BCE é uma organização supranacional, com características semelhantes às da Comunidade Européia, e mais ainda com a CEA e CECA. Em segundo lugar, o BCE não depende das Comunidades, tendo recebido os seus poderes directamente dos Estados-membros. Terceiro, apesar da sua independência, o BCE é parte da ordem jurídica comunitária, estando sujeito a jurisdição do TJCE. Assim, o elo constitucional que existia entre os BCNs e os Estados-membros foi substituído por um elo supranacional com o BCE.

Quanto à atribuição dada pelo MEE ao Tribunal de Justiça vislumbra-se o fato de que o Tribunal é competente para decidir sobre qualquer divergência entre os Estados-Membros, relacionado com o objeto dos Tratados, se esse diferendo lhe for submetido por compromisso – nos termos do artigo 273º TFUE.  Nada impede, entretanto, que este compromisso seja celebrado previamente ao abrigo de uma cláusula, como se dá artigo 37º, n.º 3, do Tratado MEE.

Nesse diapasão, uma demanda relacionada à interpretação ou a aplicação do Tratado MEE é suscetível de ter também por objeto a interpretação ou a aplicação das disposições do Direito da União e, na medida em que o MEE é composto unicamente por Estados Membros da UE, um litígio em que o Mecanismo é parte pode ser considerado um diferendo entre Estados Membros na acepção do artigo 273° TFUE.

Abduzindo a alegação de que o Mecanismo Europeu de Estabilidade deveria ter sido constituído no âmbito de uma cooperação reforçada no seio da União, a fim de beneficiar do apoio das instituições da União Européia no MEE, o TJUE explanou ser impraticável tal atuação, tendo em vista que a cooperação reforçada seria possível se a União fosse competente para atuar no domínio objeto desta cooperação. Inobstante, não foi especificamente atribuída pelos Tratados à União a competência para estabelecer um mecanismo permanente de estabilidade como esse.

2.4. Quanto à interpretação do Princípio Geral da Tutela Efetiva

Analisando a questão de que o Princípio Geral da Tutela Efetiva, estampado no artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, teria sido infringido por conta da criação do MEE fora da ordem jurídica da União, o Tribunal de Justiça da União Européia enfatizou que, em consonância com o artigo 51º, n.º 1º da Carta, este diploma jurídico tem por destinatários os estados da União quando da aplicação do Direito Comunitário.

Outrossim, nos termos do próprio artigo 2º deste artigo a Carta não estende o campo de aplicação do Direito da União para competências que não sejam as da UE. Ou seja, não há, portanto, a criação de novas atribuições ou modificação competências confiadas pelos Tratados à União Européia.

Por conseguinte, o Tribunal entendeu que, quando da criação do MEE, não há que se falar em aplicação do Direito Comunitário por parte dos Estados, nos termos do disposto pelo artigo 51º, n.º 1º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, haja vista que não há, neste âmbito, qualquer imputação por parte dos Tratados da União desta competência específica a União Européia. Logo, a celebração e ratificação do Tratado do MEE pelos Estados-membros da zona do euro não colide com tal princípio jurídico.

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Sobre o autor
Ícaro Ivvin de Almeida Costa Lima

Advogado militante; Doutorando em Ciências Jurídico-econômicas pela Universidade de Coimbra (Portugal); Mestre em Ciências Político-jurídicas com menção em Direito Internacional Público e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal); Pesquisador em Direito Internacional pelo "Programa Acadêmico da União Européia em Macau" na Universidade de Macau (Macau/China); Especialista em Direito do Estado pelo Instituto Jus Podivm/Faculdade Baiana de Direito. É também membro da Academia de Cultura da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Ícaro Ivvin Almeida Costa. Mecanismo europeu de estabilidade:: Relatório acerca do acórdão C-370/12 do TJUE. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4130, 22 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30359. Acesso em: 22 dez. 2024.

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