Palavras-chave: Controle de constitucionalidade – mutação – abstrativização - sistema difuso - recurso extraordinário - sistema concentrado - efeitos.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. As técnicas de controle de constitucionalidade no direito comparado. 2.1. O sistema norte-americano 2.2. O sistema austríaco 2.3. O sistema alemão 3. Evolução histórica do sistema de controle de consititucionalidade brasileiro. 3.1. A Constituição Imperial. 3.2. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1891. 3.3. A Constituição de 1934 e o controle de constitucionalidade. 3.4. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1937. 3.5. A Constituição de 1946 e o sistema de controle de constitucionalidade. 3.6. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1967/69. 3.7. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1988. 4. ABSTRATIVIZAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 4.1. O sistema concentrado de controle de constitucionalidade. 4.2. O sistema difuso de controle de constitucionalidade. 4.3. Abstrativização ou objetivização do sistema difuso de controle de constitucionalidade. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico aborda o importante e relevante tema inerente ao controle de constitucionalidade, fazendo-se uma abordagem, no Capítulo I, acerca das influências que nortearam o sistema pátrio, no Capítulo II, acerca da evolução histórica de nosso sistema ou modelo de controle de constitucionalidade, abordando historicamente todas as constituições, passando pela imperial, republicana, polca, até a vigente para, no Capítulo III, fazer uma abordagem mais específica dos sistemas de controle difuso e abstrato e sua mutação em nosso ordenamento jurídico.
Será enfocado o Recurso Extraordinário, tendo em vista tratar-se de recurso tendente à ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo em decisões emanadas de Juizados Especiais de Pequenas Causas, com as especificidades da objetivação ou abstrativização, capaz de tornar prejudicial o interesse subjetivo das partes.
O tema adquiriu fundamental relevância e notoriedade, à partir do habeas corpus que julgou inconstitucional artigo da lei dos crimes hediondos, possibilitando efeitos erga omnes, à partir de um caso concreto, subjetivo.
Estudar a mutação verificada no instrumento processual denominado recurso extraordinário é de fundamental importância, denotando que, cada vez, mais, de forma crescente, deverá ser valorizada a jurisprudências dos tribunais superiores em nosso sistema, à partir dos precedentes da Suprema Corte brasileira.
2. As técnicas de controle de constitucionalidade no direito comparado
2.1. O sistema norte-americano
Conforme ensina Gilmar Mendes[1], a Constituição americana assimilou a distinção entre a common law e a equity, consagrando que o competia ao Poder Judiciário exercer jurisdições paralelas de common law e eqüidade, com os procedimentos de ambos os sistemas (exception ou injunction), porém, a eqüidade somente seria aplicada na ausência dos instrumentos previstos na common law.
A evolução do sistema de controle de constitucionalidade nos Estados Unidos levaria à adoção da ação declaratória como técnica de controle de constitucionalidade. O pedido de injunction não configurava senão um test case, uma vez que o requerente pretendia uma declaração judicial sobre a validade da lei.
Ocorreram, outrora, sérias objeções quanto à possibilidade de se utilizar a ação declaratória no controle de constitucionalidade das leis, ao argumento de que tal procedimento era incompatível com o princípio da divisão de poderes.
A despeito da sólida posição doutrinária e jurisprudencial, a Suprema Corte teve que curvar-se e rever o entendimento que repudiava a ação declaratória como instrumento de controle de constitucionalidade.
A adoção da ação declaratória como técnica de controle de constitucionalidade concede maior flexibilidade ao sistema de controle, superando a exigência de um contraditório rígido, sendo relativizada sua importância.
Embora possa conceder maior flexibilidade ao sistema, a ação declaratória, como técnica de controle de constitucionalidade, não pode ser confundida com o controle direto[2].
O Judiciary Act, de 1937, assegurou ao Governo Federal a possibilidade de intervir no processo entre particulares, quando enfocada a constitucionalidade de lei federal atinente ao interesse público, com o direito de o Poder Executivo apelar para a Corte Suprema contra decisão que declara a inconstitucionalidade de lei federal, bem como a vedação aos juízes singulares para conceder injunctions que afastem a aplicação de lei do Congresso, sob o fundamento de inconstitucionalidade, ocorrendo uma tendência de conferir importância à questão constitucional em debate, em detrimento ou prejudicialidade da causa eventualmente discutida entre particulares [3].
As sucessivas reformas legislativas reduziram as competências recursais da Corte Suprema, atribuindo-lhe um poder de rejeição e, em tempos mais recentes, em 1988, uma nova reforma acabou por eliminar, praticamente, a jurisdição de apelação, de caráter obrigatório, em relação aos tribunais federais[4], dependendo a admissão de recurso de um juízo da Corte sobre a existência de razões especiais relevantes[5].
Nesta esteira, os processos perante a Suprema Corte passaram a ser processos objetivos.
A utilização do juízo de relevância, tem permitido que a Corte se limite a apreciar questões constitucionais[6].
2.2. O sistema austríaco
O modelo austríaco enseja uma nova concepção de controle de constitucionalidade, tendo em vista a competência para dirimir as questões constitucionais, por intermédio de pedido especial, formulado pelo Governo Federal, relativo a leis estaduais, ou pelos Governos estaduais, com relação às leis federais, sem a demonstração de qualquer interesse particular ou subjetivo.
Competia ao Tribunal julgar a questão constitucional como pressuposto de uma controvérsia pendente, sem previsão, contudo, de um controle concreto de normas relativo aos processos pendentes perante outros juízos ou Tribunais, o que somente foi introduzido em 1929, conciliando-se o sistema de controle direto com o concreto, no curso de uma demanda[7].
Neste ponto, importante citar Cappelletti, quando doutrina que
“todos os outros juízes devem, irremediavelmente, aplicar as leis aos casos concretos submetidas a seu julgamento, sem possibilidade de abster-se da aplicação, tampouco daquelas leis que sejam consideradas manifestamente ou macroscopicamente inconstitucionais”[8].
O sistema austríaco consagrou ao lado dos processos de controle abstrato e concreto e dos recursos constitucionais especiais, uma modalidade preventiva de controle de normas.
Podem ser objeto de controle de constitucionalidade as leis federais ou estaduais e os regulamentos editados pelas autoridades administrativas, cuja legitimidade há de ser verificada em relação à Constituição e da lei ordinária.
O parâmetro do controle de constitucionalidade, no sistema austríaco, é a Constituição, ressaltando-se, porém, que a Convenção Européia de Direitos Humanos integra formalmente o Direito Constitucional[9].
2.3. O sistema alemão
O modelo de jurisdição concentrada concebido por Kelsen, e consagrado pela Constituição austríaca de 1920-1929, veio a ser adotado, inicialmente, na Itália e na Alemanha, sendo, semelhantes na estrutura, pois a utilização da ação direta, com titularidade para certos órgãos políticos e eficácia erga omnes das decisões proferidas pela Corte Constitucional.
Outrossim, as Constituições italiana e alemã não contêm a omissão inaugural do sistema austríaco em relação controle judicial concreto[10].
Ao combinar o controle direto e o controle concreto, imaginava Kelsen ter superado o grande problema identificado nos Estados Unidos, onde se ressentia da falta de uma modalidade autônoma de controle.
Na Alemanha a jurisdição constitucional é dotada de singular relevância, tendo em vista o direito de instituir a sua própria Justiça Constitucional, tendo sido convertida a jurisdição constitucional em pedra de toque do sistema político tedesco.
A Lei do Bundesverfassungsgericht não contém disciplina exaustiva de atos e procedimentos, podendo as lacunas ser preenchidas de forma analógica de outras regras processuais., assumindo o regimento interno do Tribunal o caráter de uma ordem processual complementar[11].
Embora existam diferenças relevantes entre os sistemas difuso e concentrado e da diversidade das influências filosóficas que lhes dão sustentáculo, os modelos americano e europeu contém hoje mais pontos em comum, sendo o modelo americano revelador de uma forte prevenção em relação ao legislador; o modelo europeu, além dessa desconfiança, traz em acréscimo uma dúvida em relação ao papel do juiz.[12]
A possibilidade das instâncias singelas suscitarem a questão constitucional diretamente na Corte Constitucional (controle concreto) relativiza a concepção de um monopólio de controle de constitucionalidade, passando as instâncias ordinárias a um papel importante na deflagração do processo de controle de constitucionalidade, principalmente quanto à ilegitimidade, aproximando-se, nesse ponto, o sistema concentrado do modelo difuso.
A jurisdição constitucional experimenta hoje variações nas mais diversas perspectivas; é possível que o sistema concreto de controle seja o mais usual, sendo o recurso constitucional é um dos mais importantes instrumentos de interpretação e construção do direito constitucional[13].
3. Evolução histórica do sistema de controle de consititucionalidade brasileiro
3.1. A Constituição Imperial
A Constituição de 1824 não contemplava qualquer sistema assemelhado aos modelos modernos de controle de constitucionalidade, sendo certo que a influência francesa possibilitou que se outorgasse ao Legislativo a atribuição de “fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las”, bem como “velar na guarda da Constituição” (art. 15, n. 8º e 9º).[14], consagrando o dogma da soberania do Parlamento.
De outra forma, o Poder Moderador assegurava ao Chefe de Estado o poder-dever de velar para “a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes” (art. 98).
Não havia lugar nesse período para o modelo de controle judicial de constitucionalidade[15].
3.2. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1891
O regime republicano traz uma nova concepção, com a influência do direito norte-americano sobre personalidades como a de Rui Barbosa, foi decisiva para a consolidação do sistema difuso, desde a Constituição Provisória de 1890 (art. 58, § 1º, a e b).
O Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, estabeleceu, no seu art. 3º, que, na guarda e aplicação da Constituição e das leis nacionais, a magistratura federal só intervirá em espécie e por provocação da parte, consagrando o sistema de controle por via de exceção[16].
A Constituição de 1891 incorporou essas disposições, reconhecendo a competência do Supremo Tribunal Federal para rever as sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, quando se questionasse a validade ou a aplicação de tratados e leis federais e a decisão do Tribunal fosse contra ela, ou quando se contestasse a validade de leis ou atos federais, em face da Constituição ou das leis federais, e a decisão do Tribunal considerasse válidos esses atos ou leis impugnadas (art. 59, § 1º, a e b).
A Lei de n. 221, de 20 de novembro de 1894, explicitou, ainda mais, o modelo judicial de controle de constitucionalidade, consagrando no art. 13, § 10, a seguinte cláusula: “Os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou com a Constituição”.
A reforma constitucional de 1926 empreendeu algumas alterações, sem modificar, no entanto, a substância.
Consolidava-se, assim, o amplo sistema de controle difuso de constitucionalidade do direito brasileiro, com a consciência de que o controle não se faria in abstracto.
3.3. A Constituição de 1934 e o controle de constitucionalidade
A Constituição de 1934 empreendeu importantes alterações no nosso sistema de controle de constitucionalidade, mantendo, no art. 76, III, b e c, as disposições contidas na Constituição de 1891, o constituinte determinou que a declaração de inconstitucionalidade somente poderia ser realizada pela maioria da totalidade de membros dos tribunais, evitando, assim, insegurança jurídica decorrente de decisões flutuantes nos tribunais (art. 179).
Consagrava ainda a Constituição a competência do Senado Federal para “suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário”.
A maior inovação do texto de 1934 foi a “declaração de inconstitucionalidade para evitar a intervenção federal”, tal como mencionou Bandeira de Mello[17], ou seja, a representação interventiva, confiada ao Procurador-Geral da República.
A Constituição de 1934 proibia fossem julgadas pelo Poder Judiciário as questões políticas, prevendo o art. 68 ser “é vedado ao Poder Judiciário conhecer das questões exclusivamente políticas”.
Por derradeiro, insta observar que, na Constituinte de 1934, foi apresentado projeto de instituição de uma Corte Constitucional, inspirada no modelo austríaco e, na fundamentação da proposta, fazia-se referência à conferência de Kelsen sobre a essência e o desenvolvimento da jurisdição constitucional[18].
3.4. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1937
A Carta de 1937 traz um retrocesso no sistema de controle, embora não tenha introduzido qualquer modificação no modelo difuso de controle, uma vez que o constituinte rompeu com a tradição jurídica brasileira, consagrando, no art. 96, parágrafo único, princípio segundo o qual, na hipótese de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderia este submetê-la novamente ao Parlamento que, confirmada a validade da lei por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, tornava ineficaz a decisão do Judiciário, criando-se uma singular modalidade de revisão constitucional, pois a lei confirmada passava a ter a mesma eficácia de uma emenda à Constituição[19].
3.5. A Constituição de 1946 e o sistema de controle de constitucionalidade
A Constituição Federal de 1946 restaura o tradicional controle judicial no direito brasileiro e disciplinou a apreciação dos recursos extraordinários:
A Constituição de 1946 empreendeu nova formatação à ação direta de inconstitucionalidade (introduzida no Texto Magno de 1934), subordinando-se a intervenção federal à declaração de inconstitucionalidade do ato pelo Supremo Tribunal Federal (art. 8º, parágrafo único).
Embora o constituinte tenha deferido a titularidade da ação direta ao Procurador-Geral da República, a disciplina da denominada representação interventiva configurava uma peculiar modalidade de composição de conflito entre a União e o Estado, aferindo eventual violação de deveres constitucionalmente impostos ao ente federado[20].
A argüição de inconstitucionalidade direta teve larga utilização no regime constitucional inaugurado em 1946.
A Emenda n. 16, de 26 de novembro de 1965, instituiu, ao lado da representação interventiva, e nos mesmos moldes, o controle abstrato de normas estaduais e federais. A reforma realizada objetivava novos rumos à estrutura do Poder Judiciário.
Nos termos do Projeto de Emenda à Constituição, o art. 101, I, k, passava a ter a seguinte redação:
“k) a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República”.
E o art. 5º do Projeto acrescentava os seguintes parágrafos ao art. 101:
“§ 1º Incumbe ao Tribunal Pleno o julgamento das causas de competência originária (inciso I), das prejudiciais de inconstitucionalidade suscitadas pelas Turmas, dos recursos interpostos de decisões delas, se divergirem entre si na interpretação do direito federal, bem como dos recursos ordinários nos crimes políticos (inciso II, c) e das revisões criminais (inciso IV).
§ 2º Incumbe às Turmas o julgamento definitivo das matérias enumeradas nos incisos II, a e b, e III deste artigo.
§ 3º As disposições de lei ou ato de natureza normativa, consideradas inconstitucionais em decisão definitiva, perderão eficácia, a partir da declaração do Presidente do Supremo Tribunal Federal publicada no órgão oficial da União”.
E o art. 64 da Constituição passava a ter a seguinte redação:
“Art. 64. Incumbe ao Presidente do Senado Federal, perdida a eficácia de lei ou ato de natureza normativa (art. 101, § 3º), fazer publicar no Diário Oficial e na Coleção das leis, a conclusão do julgado que lhe for comunicado”[21].
No que pertine ao controle de constitucionalidade da lei municipal, a Emenda n. 16 consagrou, no art. 124, XIII, regra que outorgava ao legislador a faculdade para “estabelecer processo de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do Município em conflito com a Constituição do Estado”.
É interessante notar que, sem se inspirar diretamente em Kelsen, o legislador constituinte brasileiro acabou por positivar idéia de um advogado da Constituição (CF de 1967/69, art. 119, I, l).
3.6. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1967/69
A Constituição de 1967 não realizou grandes inovações no sistema de controle de constitucionalidade, mantendo intocado o controle difuso e a ação direta de tendo subsistido, como prevista na Constituição de 1946, com a Emenda n. 16, de 1965.
A representação para fins de intervenção, de titularidade do Procurador-Geral da República, foi ampliada, para assegurar mais do que a observância dos chamados princípios sensíveis (art. 10, VII), como também garantir a execução de lei federal (art. 10, VI, 1ª parte). A competência para suspender o ato estadual foi transferida para o Presidente da República (art. 11, § 2º), preservando-se o controle de constitucionalidade in abstracto, como previsto na Emenda n. 16, de 1965 (art. 119, I, l).
A Emenda n. 7, de 1977, introduziu, juntamente com a representação de inconstitucionalidade, a representação para fins de interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual, outorgando ao Procurador-Geral da República a legitimidade para provocar o Supremo Tribunal Federal (art. 119, I, e), na tentativa de evitar a proliferação de demandas, com a fixação da exegese da lei.
A Emenda n. 7, de 1977, findou a controvérsia sobre a utilização de liminar em representação de inconstitucionalidade, reconhecendo a competência do Supremo Tribunal para o pedido de cautelar, efetuado pelo Procurador-Geral da República (CF de 1967/1969, art. 119, I).
Poucas questões suscitaram tantas e tão intensas discussões quanto à da eventual discricionariedade do Procurador-Geral da República para oferecer ou não a representação de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal. A doutrina, manifestou-se pela obrigatoriedade de o Procurador-Geral da República submeter a questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal[22].
Outros autores como Celso Agrícola Barbi (Evolução do controle de constitucionalidade das leis no Brasil, RDP, 4:40), José Carlos Barbosa Moreira (As partes na ação declaratória de inconstitucionalidade, Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado da Guanabara, 13:67), José Luiz de Anhaia Mello (Os princípios constitucionais e sua proteção, São Paulo, 1966, p. 24), Sérgio Ferraz (Contencioso constitucional, comentário a acórdão, Revista de Direito, 20:218) e Raimundo Faoro (voto no Conselho Federal da OAB, Arquivos, 118:47), apoiaram a tese da “faculdade do exercício da ação pelo Procurador-Geral da República”.
Como concebida, a representação de inconstitucionalidade tinha caráter dúplice ou natureza ambivalente, permitindo ao Procurador-Geral submeter a questão constitucional ao Supremo Tribunal quando estivesse convencido da inconstitucionalidade da norma ou, mesmo quando convencido da higidez da situação jurídica, surgissem controvérsias relevantes sobre sua legitimidade.
O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, na versão de 1970, consagrou expressamente essa idéia (DJ, 4 set. 1970, p. 3971 e s.):
“Art. 174.................
§ 1º Provocado por autoridade ou por terceiro para exercitar a iniciativa prevista neste artigo, o Procurador-Geral, entendendo improcedente a fundamentação da súplica, poderá encaminhá-la com parecer contrário”.
Essa cláusula foi alterada em 1980, passando o Regimento Interno a conter as seguintes disposições:
“Art. 169. O Procurador-Geral da República poderá submeter ao Tribunal, mediante representação, o exame de lei ou ato normativo federal ou estadual, para que seja declarada a sua inconstitucionalidade.
§ 1º Proposta a representação, não se admitirá desistência, ainda que afinal o Procurador-Geral se manifeste pela sua improcedência”.
Continuou o Procurador-Geral a fazer representações de inconstitucionalidade, ressaltando a relevância da questão e opinando, de quando em vez, pela constitucionalidade da norma.
Ressalte-se, pois, que a idéia inerente à fórmula regimental (RISTF, art. 169) — concepção constante da Emenda Constitucional n. 16 — era a de que o Procurador-Geral da República poderia efetuar o controle abstrato de normas quando surgissem “controvérsias constitucionais”.
Muitas decisões importantes foram proferidas no processo abstrato de normas, como aquelas nas quais se reconheceu a existência do princípio da proporcionalidade como postulado constitucional[23].
O maior mérito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob a vigência das Constituições de 1946 (Emenda n. 16, de 1965) e de 1967/69, está relacionado com a definição da natureza jurídico-processual do processo de controle abstrato, com a identificação da natureza objetiva desse processo, a caracterização da iniciativa do Procurador-Geral da República como simples impulso processual e o reconhecimento da eficácia erga omnes das decisões de mérito proferidas.
3.7. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1988
O intenso debate de outrora sobre o monopólio da ação por parte do Procurador-Geral da República não promoveu mudança na jurisprudência consolidada sobre o assunto, mas foi decisiva para a alteração produzida pelo constituinte de 1988, com a ampliação da legitimação em relação à ação direta.
Nos termos do art. 103 da Constituição de 1988, dispõem de legitimidade para propor a ação de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembléia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.
A Constituição de 1988 mitigou o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso, ao ampliar a legitimação para propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103), autorizando que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes fossem conhecidas pelo Supremo Tribunal Federal por intermédio do controle abstrato de normas.
Ao ampliar a legitimidade para provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, o constituinte restringiu a amplitude do controle difuso de constitucionalidade.
A Constituição de 1988 conferiu ênfase não mais ao sistema difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, tendo em vista que as questões constitucionais passam a ser veiculadas por intermédio de ação direta de inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal.
A Emenda Constitucional n. 3, de 17 de março de 1993, disciplinou o instituto da ação declaratória de constitucionalidade, introduzido no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, firmando a competência do STF para conhecer e julgar a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, processo cuja decisão definitiva de mérito possuirá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Executivo e do Judiciário.