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Associação sócia de uma sociedade empresarial

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Uma entidade sem fins econômicos pode exercer atividades comerciais e ser até acionista ou cotista de uma sociedade comercial, mas há que se tomar o cuidado para não descaracterizar a entidade.

A questão que se coloca é se uma associação sem fins econômicos poderia ser sócia de uma sociedade empresarial.

De início, uma associação sem fins lucrativos é uma organização sem fins econômicos, ao contrário de uma sociedade empresarial, havendo, portanto, uma incompatibilidade entre ambas, impossibilitando esse tipo de participação.

Não está inserida nas finalidades da associação, a exemplo daquela, detentora de forte tradição centenária em nosso meio empresarial, do ponto de vista estatutário, a obtenção do lucro, o que não acontece com a sociedade empresarial que distribui parcela de sua receita a título de lucro ou participação no resultado a seus sócios.

Uma entidade sem fins lucrativos pode e deve auferir receitas, e, se estas superarem as despesas, hão de ser aplicadas em projetos da entidade, que pode contar com um fundo institucional destinado a tanto. O que a entidade não pode fazer é distribuir qualquer parcela de sua receita a título de lucro ou participação nos resultados a seus sócios.

Entenda-se que não é o déficit ou superávit, o lucro ou o prejuízo, o que caracteriza a finalidade lucrativa, e sim a destinação ou aplicação do resultado financeiro.

Na Constituição Federal e na lei complementar não há qualquer vedação a que as entidades sem fins lucrativos realizem venda de mercadorias de sua fabricação ou prestação de serviços. Mas, para que a entidade faça jus à isenção fiscal, é necessário que as receitas provenientes dessas atividades sejam aplicadas nos fins da instituição, e, obviamente, não sejam distribuídas a título de lucro.

Convém, entretanto, que o estatuto da entidade preveja, se for o caso, a realização destas atividades, com clareza suficiente para situá-las como um meio, e não como uma das finalidades sociais. O volume e as circunstâncias em que as instituições sem fins lucrativos realizam estas atividades não podem caracterizar “concorrência desleal” em relação ao setor empresarial, que as desenvolve sem benefícios fiscais.

Em artigo sob o título “Atividade Econômica Exercida por Fundação ou Associação", publicado na Revista Contábil & Empresarial Fiscolegis, asseveramos que:

“Uma fundação ou associação sem fins lucrativos, como revelam os seus estatutos, pode exercer atividade de caráter econômico ou empresarial?  

A fundação é uma instituição sem fins lucrativos e, por força estatutária, os seus dirigentes não são remunerados e todos os recursos que consegue são aplicados na manutenção de seus objetivos institucionais, empregando eventual superávit no desenvolvimento de suas finalidades.                          

 De conformidade com a atual redação do § 3º do artigo 12 da Lei nº 9.532/97 e do artigo 10 da Lei nº 9.718/98, ‘considera-se entidade sem fins lucrativos as entidades que não apresentem superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais’.

O professor Josenir Teixeira, em artigo publicado na internet, sobre esse tema, assim se expressa: “nenhuma norma jurídica proíbe as entidades sem fins lucrativos de realizarem atividades remuneradas e nada as impede de obter resultado positivo (superávit) com elas”.

‘O que as entidades sem fins lucrativos devem observar rigorosamente é a não distribuição do eventual superávit (e não lucro) entre os seus associados, empregados, dirigentes etc., mas a sua aplicação no cumprimento e consecução das finalidades definidas no seu estatuto’.

 ‘Quem diz isso é o Supremo Tribunal Federal que, provocado para manifestar-se  acerca da ‘possibilidade de prestação de serviços remunerados por entidade beneficente de assistência social” decidiu que “a circunstância da entidade’... mesclar a prestação de serviços, fazendo-o gratuitamente aos menos favorecidos e de forma onerosa aos afortunados pela sorte, não a descaracteriza, não lhe retira a condição de beneficente.’ (http://www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/terceiro_setor/artigos/pop23.htm).

Para SABO PAES uma associação, desde que não proporcione ganhos aos associados, não se desnaturaliza, mesmo que realize negócios para manter ou aumentar seu patrimônio, (por ex. associação esportiva que vende aos seus membros uniformes, alimentos, bolas, raquetes, embora isso traga superávit para a entidade). Para ele, mesmo que uma sociedade civil venha a praticar, eventualmente, atos de comércio, tal fato não a desnatura, pois o que importa para identificação da natureza da sociedade é a atividade principal por ela exercida (RT 462/81). Diz, também, ao se referir a fundações de direito privado, que não há dispositivo legal que vede o exercício de atividades comerciais e industriais; apenas há a colocação de que estas entidades não podem ter fins lucrativos, o que não impede a existência de superávit em seu resultado financeiro.

Assim, é possível a realização de atividades econômicas por parte das fundações - primeiro, quando elas sejam necessárias para o melhor cumprimento dos seus fins estatutários e estejam a eles (fins) diretamente ligadas; segundo, quando a fundação seja acionista ou cotista de uma sociedade comercial. Em ambas as hipóteses, o órgão do Ministério Público, dentro de sua missão de velamento das fundações, já que a possibilidade de uma fundação converter-se em empresa é preocupante, deverá conhecer previamente todas estas situações, no sentido de cuidar para que elas não exerçam atividades fora do âmbito de suas finalidades, sob pena de total desnaturalização da fundação, pelo desvio de suas finalidades.                               

Segundo o magistério de SABO PAES, o importante, no caso, é saber e identificar se o exercício de uma atividade empresarial pela fundação desnatura sua essência e se choca com o seu caráter altruísta, se sua atuação é legal e ética. Informa que, tradicionalmente, tende-se a negar a possibilidade de que fundações possam intervir na distribuição de bens e serviços de forma empresarial. As receitas deveriam proceder unicamente dos rendimentos de seu patrimônio, de doações e subvenções, e que sua atividade deveria ser limitada a um âmbito meramente de prestação de serviços de caráter gratuito. Já na atualidade, evidencia-se a necessidade de que as fundações devam intervir no mercado, para obtenção de recursos que possibilitem o cumprimento efetivo de seus fins. (PAES, José Eduardo Sabo. “Fundações e Entidades de Interesse Social”. 2. ed. Brasília Jurídica, 2000).

Também, o Código Civil não disciplina a possibilidade ou proibição de realização de atividade econômica por uma entidade sem fins lucrativos (associações ou fundações). A nova redação do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/01/2002) passou a utilizar a expressão sem fins econômicos, em substituição a sem fins lucrativos. Entretanto, a troca de aludida expressão, a nosso ver, não altera o contexto, ou melhor, não há qualquer proibição, por isso, dessas entidades realizarem atividades econômicas, desde que - como aqui exposto - a atividade esteja prevista no estatuto social como fonte de recurso e o lucro obtido aplicado nos seus objetivos sociais.

Conclui-se que é salutar e lícito que uma fundação ou associação, na condição de entidade sem fins lucrativos, pode realizar e desenvolver atividades econômicas, a fim de obter recursos para viabilizar o efetivo cumprimento de seus fins sociais e estatutários.

Assim, a participação de uma fundação ou associação numa parceria ou projeto, em que se desenvolverá uma atividade econômica para angariar recursos, a nosso juízo não está vedada, já que não há norma legal ou estatutária que obstaculize tal procedimento, posto que mesmo que se entendesse tratar-se de uma atividade comercial, não há nada que impeça, como visto, que a entidade a exerça, desde que os recursos alcançados se revertam ao atendimento de seus objetivos estatutários e sociais.”    

Diante do exposto, uma entidade sem fins econômicos pode exercer atividades comerciais e ser até acionista ou cotista de uma sociedade comercial, no entender de PAES, autor aqui citado, mas há que se tomar o cuidado para não descaracterizar a entidade, colidindo tal atitude com as finalidades precípuas da associação sem fins econômicos.

Não havendo, por conseguinte vedação expressa, a nosso juízo, à participação de uma entidade na condição de acionista ou cotista de uma sociedade comercial implicaria na previsão dessa circunstância em seu estatuto e que se tomasse todas as precauções para que isso não a desnaturalizasse e  a distanciasse dos fins para os quais foi concebida.

Entendemos, data vênia, que a associação na condição de sócia de uma sociedade comercial, seria incompatível com sua natureza, posto que é inerente ao sócio perseguir o lucro, diferentemente da entidade que não visa fins lucrativos, por conseguinte, essa flagrante discrepância, impediria, ao nosso sentir, tal participação.

Por outro lado, as receitas advindas dessa participação societária, colocando-a ao nível de uma empresa comercial, seriam tributáveis, não podendo se valer dos benefícios fiscais inerentes a uma entidade sem fins lucrativos ou econômicos.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAGAS, Marco Aurelio Bicalho Abreu. Associação sócia de uma sociedade empresarial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4133, 25 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30612. Acesso em: 29 mar. 2024.

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