3 Princípio da segurança jurídica em matéria tributária
Superada as considerações iniciais sobre o controle de constitucionalidade e a modulação de efeitos temporais das decisões, bem como fixado a posição adotada pelo STF nos REs 377457/PR e 381964/MG, passa-se a análise do princípio da segurança jurídica tributária. O estudo do princípio em tela e de seus desdobramentos é essencial para a demonstração do direito do contribuinte à segurança e à confiança nos atos emanados pelo Estado. Conforme afirmado, o referido princípio é o fundamento da modulação de efeitos por alteração de jurisprudência, e imprescindível na argumentação sobre a aplicabilidade proativa da norma tributária. Por questões propedêuticas, será feita, preliminarmente, uma breve análise da principiologia das normas jurídicas.
3.1 Teoria dos princípios
Todo estudo de temas da Ciência do Direito imprescinde de uma análise principiológica com vista a conhecer suas bases e fundamentos, bem como para apreender seu conteúdo, suas regras e seus pressupostos norteadores. Mesmo na análise dos temas mais complexos, vemos a importância de se conhecer com profundidade os princípios de dado ordenamento jurídico, com o intuito de não se dispersar das bases do sistema e acabar por subverter as ideologias da ciência em foco.
Preliminarmente, há que se observar que a definição de “princípio” não se revela uma tarefa fácil de realizar, dado as diversas definições encontradas na farta literatura pátria. Tal fato foi salientado pelo estudioso do Direito Humberto Ávila, o qual afirma que a dificuldade em se encontrar uma definição precisa do termo se dá pelos diferentes critérios distintivos empregados, pelos fundamentos teóricos utilizados e pela finalidade para a qual foi feita.[21]
O delineamento do conceito de princípio encontra-se a mesma dificuldade de todas as construções intelectuais: a falta de aspectos sensoriais que uniformizem sua descrição. Por tal motivo que, a depender dos critérios e das circunstâncias sócio-filosóficas do doutrinador, a mesma pode apresentar conteúdo variado. Resultado disso, o emprego de um mesmo termo a fenômenos diversos é o progressivo esvaziamento de seu conteúdo, reduzindo seu poder representativo.
A idéia de princípio, segundo Luís-Diez Picazo, apud Paulo Bonavides, “deriva da linguagem da geometria, ‘onde designa as verdades primeiras’”.[22] Para o autor citado, o sentido do termo está justamente no fato de tais preceitos estarem “ao princípio”, se constituindo nas “premissas de todo um sistema que se desenvolve more geomterico”[23] (grifos originais).
A diferenciação entre texto e norma é o primeiro ponto para compreensão do fenômeno principiológico. Ao contrário do que comumente se poderia pensar, normas não são textos, nem a existência de uma depende da existência do outro. As normas são o resultado da interpretação dos dispositivos, são os sentidos construídos a partir do processo hermenêutico sistemático sobre esses últimos. Entretanto, nem sempre que houver uma norma haverá um dispositivo que lhe dê estribo, nem todo dispositivo é capaz de ser interpretado para gerar uma norma.
No sentido apontado, conclui-se, conforme os ensinamentos de Humberto Ávila, que a Ciência do Direito tem a função de operar a construção e desconstrução das normas e não a mera descrição do significado de dispositivos.[24] Dessa forma, a atividade do operador do Direito não é a de mera subsunção de conceitos prontos, mas a criação e reconstrução dos sentidos no processo de interpretação. O doutrinador conclui:
Enfim, é justamente porque as normas são construídas pelo intérprete a partir dos dispositivos que não se pode chegar a uma conclusão de que este ou aquele dispositivo contém uma regra ou um princípio. Essa qualificação normativa depende de conexões axiológicas que não estão incorporadas ao texto nem a ele pertencem, mas são, antes, construídas pelo próprio intérprete.[25]
A partir dessa análise, as normas podem ser qualificadas como princípios ou como regras, a depender da colaboração constitutiva do hermeneuta. Nesse esteio, para uma compreensão mais precisa dos princípios, necessário se faz não apenas a definição do seu termo, mas sua diferenciação das regras. Sobre a necessidade de distinção entre as espécies normativas, Ávila esclarece:
A distinção entre categorias normativas, especialmente entre princípios e regras, tem duas finalidades fundamentais. Em primeiro lugar, visa a antecipar características das espécies normativas de modo que o intérprete ou o aplicador, encontrando-as, possa ter facilitado seu processo de interpretação e aplicação do Direito. Em conseqüência disso, a referida distinção busca, em segundo lugar, aliviar, estruturando-o, o ônus de argumentação do aplicador do Direito, na medida em que a uma qualificação das espécies normativas permite minorar – eliminar, jamais – a necessidade de fundamentação, pelo menos indicando o que deve ser justificado.[26]
A distinção entre regra e princípio evoluiu com o Direito, dando origem a diversas teorias. Josef Esser e Karl Larenz defenderam que a diferenciação em comento seria de ordem qualitativa, afirmando que os princípios teriam a função de fundamento normativo para tomada de decisões. Outro estudioso que prestou importante contribuição à evolução do tema foi Claus-Wilhelm Canaris. O citado autor acreditava que a distinção entre regra e princípio se estribava em duas características: o conteúdo axiológico, que seria explícito nos princípios, não necessitando de regras para sua concretização; e o modo de interação com outras normas, que nesses ocorreria por um “processo dialético de complementação e limitação”.
Ávila continua, em sua abordagem evolutiva, afirmando que Ronald Dworkin fez um ataque geral ao positivismo (general attack on Positivism). Para Dworkin, as regras se aplicariam pelo modo do tudo ou nada, ou seriam validas ou inválidas; enquanto os princípios possuíam uma dimensão de peso, aplicando um ou outro a depender da relevância no caso concreto, sem que o outro perdesse a validade. A diferença da teoria defendida por esse último doutrinador em relação às outras concepções é a abordagem comparativa estremada entre as duas espécies, pelos critérios de aplicação e de relacionamento normativo[27].
A distinção em tela foi ainda mais refinada por Robert Alexy, o qual entendeu, baseando-se nas considerações de Dworkin, que os princípios “consistem apenas em uma espécie de norma jurídica por meio da qual são estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus”, a depender das circunstâncias normativas e fáticas.[28] Para Alexy, a teoria do “tudo ou nada” de Dworkin não se aplica a distinção entre regras e princípios, mas fixa que essa se fundamenta na diferença quanto à coalizão e quanto à obrigação que instituem. Nesse esteio, enquanto os princípios se limitariam reciprocamente em caso de coalizão e instituíssem obrigações maleáveis, nas regras o conflito gera invalidade de uma e essas impõem obrigações absolutas.
Pelo exposto, com fulcro nos ensinamentos de Humberto Ávila, consigna-se que a diferenciação entre regra e princípio se baseia em diferentes critérios, que foram cristalizando no processo evolutivo conceitual dos termos na Ciência do Direito. Pelo critério “hipotético-condicional”, as regras seriam compostas por uma hipótese e uma conseqüência pré-determinada, e os princípios seriam o fundamento a ser utilizado para determinar a agra aplicável ao caso concreto. No critério de “modo final de aplicação”, a distinção evidenciada é o já observado caráter absoluto das obrigações cominadas pelas regras, no sistema all-or-nothing de Dworkin, enquanto os princípios regem-se pelo modo relativo ou gradual.
O terceiro critério utilizado para distinção entre princípios e regras é o do relacionamento normativo, segundo o qual, havendo conflito de normas: entre regras, haveria a invalidade de uma ou a criação de uma exceção; e entre princípios, haveria a solução por ponderação. O quarto critério determina que os princípios são utilizados como fundamento axiológico de decisões, fato que não acontece com as regras.
Após discorrer sobre sua proposta de diferenciação entre as espécies normativas em tela, Ávila deixa consignadas suas definições de regra e princípio, in verbis:
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com a pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.[29]
Na linha de raciocínio do espanhol F. de Castro, invocada por Bonavides, os princípios são verdades objetivas qualificadas como normas jurídicas, pertencente ao mundo do dever-ser e dotadas de vigência, validade e obrigatoriedade.[30] Resta importante registrar o consagrado conceito formulado por Celso Antônio Bandeira de Mello[31], ponto de reflexão sobre o tema na doutrina brasileira:
[...] princípio Jurídico é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
Há que observar que nem sempre os princípios tiveram tanta relevância no ordenamento jurídico, pela Velha Hermenêutica argumentava-se que a indeterminação retirava o sentido normativo de cláusulas operacionais, conferindo aos mesmos um caráter apenas programático. A evolução normativa dos princípios passou por três fases até adquirir a conceituação que ora se estuda.
A primeira delas foi a jusnaturalista, nessa fase os pensadores do Direito acreditavam que os princípios se situavam num campo demasiadamente abstrato e sua normatividade era praticamente nula. Nessa época, os princípios gerais do Direito eram considerados normas derivadas da lei divina ou humana e expressavam preceitos universais de “bem obrar”. Para Flórez-Valdés, apud Bonavides, os princípios eram concebidos pelo jusnaturalismo “em forma de ‘axiomas jurídicos’ ou normas estabelecidas pela reta razão”.[32]
Na segunda fase da evolução normativa, a juspositivista, os princípios já tinham sido incorporados pelos Códigos como fonte normativa subsidiária. Nesse sentido, os mesmos eram mera ferramenta de integração do Direito, para evitar o chamado “vazio normativo”, extraídos das próprias leis. Apesar de a normatividade dos princípios ter evoluído nessa fase, os mesmos ainda eram visto como preceitos secundários, não se sobrepondo às regras positivadas nos Códigos.
A terceira fase é a pós-positivista, nessa o movimento constitucionalista do final do século XX acentua a hegemonia axiológica dos princípios, prevendo os mesmos como a base de todo o sistema normativo. O fenômeno se deu com o progressivo reconhecimento da normatividade dos princípios e a elevação dos mesmos ao status constitucional. Nesse sentido, a doutrina passa a reconhecer que os princípios atuam normativamente, e são parte jurídica e dogmática do sistema de normas. Bonavides lembra a importante contribuição de Verzio Crisafulli, para esse constitucionalista italiano os princípios são normas jurídicas determinantes e pressupostas de outras que lhe são subordinadas, “desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares”.[33]
Observa-se ainda que os princípios possuem dupla eficácia, uma imediata e outra mediata ou programática; além da aplicação como regra de determinados comportamentos públicos ou privados, têm função interpretativa, integrativa e construtiva dentro do ordenamento jurídico. Há que se ponderar que a juspublicização dos princípios tiveram duas fases: a programática e a não programática; enquanto naquela a aplicabilidade é indireta e diferida, nessa a aplicação é direta e imediata.
Pelo exposto, os princípios são as normas-chaves de todo o ordenamento jurídico, nas palavras de Bonavides, “são o oxigênio das Constituições na época do pós-positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa”.[34]
Ponto importante do estudo dos princípios são as relações estabelecidas entre esses e as demais normas que compõe o sistema jurídico. Essa eficácia interna se dá, sobretudo, pelo fato de os princípios constituírem-se normas imediatamente finalísticas, determinando preceitos a serem perseguidos por outras normas. No plano da eficácia direta os princípios exercem função integrativa, aplicando-se diretamente ao caso concreto, para garantir que o fim por ele almejado fique prejudicado pela ausência de regramento expresso. Na eficácia indireta, os princípios são aplicados por intermédio de outra norma, um sub-princípio ou uma regra, exercendo funções definitória, interpretativa ou bloqueadora.
Na função definitória um princípio axiologicamente superior (sobreprincípio) é delimitado por uma norma axiologicamente inferior, restringindo e especificando o comando previsto por aquela. A função interpretativa é realizada por princípios mais abrangentes, quando os mesmos restringem ou ampliam o sentido de norma de abrangência mais restrita, construídas a partir de textos normativos. Na função bloqueadora, os princípios impedem aplicação de preceitos incompatíveis com as proposições neles encerradas. Ávila faz importante ponderação a cerca de uma quarta função: a rearticuladora.[35] Para o doutrinador essa é a função exercida pelos sobreprincípios, os quais, dado ao seu elevado grau axiológico, permitem a interação entre os vários elementos que compõem o estado ideal das coisas a ser buscado.
Quanto a eficácia externa, os princípios atuam também sobre a compreensão de fatos e provas, fazendo-se exames de pertinência e de valoração. Objetivamente, essa eficácia externa ocorrerá seletivamente, separando os fatos pertinentes; e argumentativamente, valorando-os, conforme Ávila, “de modo a privilegiar os pontos de vista que conduzam à valoração dos aspectos desses mesmos fatos, que terminem por proteger aqueles bens jurídicos”.[36] No aspecto subjetivo, a eficácia externa dos princípios relacionam-se aos sujeitos atingido, funcionando como verdadeiros direitos subjetivos contra intervenções estatais.
Pelo exposto, os princípios são normas de elevado grau axiológico, nas quais se funda todo o ordenamento jurídico, de aplicabilidade e eficácia multifacetada que encerram preceitos básicos e fundamentais. Justamente pelos valores defendidos por essas normas, elevados ao status constitucional, eles não podem ser desrespeitados, cabendo, como no caso do objeto desta pesquisa, sua aplicação direta, criando-se os meios necessários a reparação da injustiça.
Mantendo a linha de raciocínio invocada neste trabalho monográfico, há que observar os fundamentos e o conteúdo da segurança jurídica antes de abordar o princípio especificamente na matéria tributária.
3.2 Considerações sobre a Segurança Jurídica
O Direito surgiu como instrumento de organização da vida em sociedade, nos termos do festejado brocardo, não existiria a própria organização social sem os instrumentos normativos. Desta feita, o Direito nasce como afirmação de segurança, como organizador apto a oferecer previsibilidade às condutas das pessoas, as quais passavam cada vez mais a depender umas das outras. Como afirmado por Leandro Paulsen em obra dedicada ao princípio em tela: “A segurança constitui, assim, traço imanente ao Direito, tanto nas relações entre os indivíduos como nas destes com o Estado”.[37]
Souto Maior Borges afirmou, analisando também o princípio em epígrafe, que a segurança jurídica é um valor transcendente ao ordenamento jurídico, não se restringindo ao sistema jurídico positivo, nas suas palavras, “Antes, inspira as normas que, no âmbito do Direito Tributário, lhe atribuem efetividade”.[38] Por essa razão, há entendimento que o termo “segurança jurídica” seria uma redundância, tendo em vista que o próprio Direito traz a noção de segurança.
O tributarista Paulo de Barros Carvalho tratando da segurança jurídica, afirma que essa se dirige:
[...] à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta. Tal sentimento tranqüiliza os cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza. Concomitantemente, a certeza do tratamento normativo dos fatos já consumados, dos direitos adquiridos e da força da coisa julgada, lhes dá garantia do passado. Essa bidirecionalidade passado/futuro é fundamental para que se estabeleça o clima de segurança das relações jurídicas [...][39]
Tema latente na doutrina é a dualidade entre segurança e justiça, entretanto observa-se que ambos estão intimamente ligados, vez que não há verdadeira justiça sem que essa seja dotada de certa estabilidade. Os dois foram erigidos como valores supremos na Constituição Federal de 1988, assentado no preâmbulo, devendo ser ponderados de modo a que nenhum dos mesmos perca seu valor.
A noção de segurança jurídica não é incompatível com a natural mutação do Direito; vez que as mudanças no sistema jurídico, com vistas a acompanhar a dinâmica das relações sociais, devem ocorrer de maneira estável. A renovação do Direito, numa constante sucessão de normas, deve dar-se de forma segura, considerando a confiança nas relações já estabelecidas. Citada por Paulsen, Cármen Lúcia faz as seguintes ponderações: “a segurança não é a imutabilidade, pois essa é própria da morte. A vida, esta, rege-se pelo movimento, que é próprio de tudo que vive. A sociedade, como o direito que nela e para ela se cria, é movível. O que se busca é a segurança do movimento”.[40]
Apesar de ter arrolado a segurança entre os direitos e garantias fundamentais, a Constituição Federal não previu expressamente o princípio da segurança jurídica. Repetimos aqui o indispensável comentário de Paulo de Barros Carvalho lembrado por Paulsen:
A segurança jurídica é, por excelência, um sobreprincípio. Não temos notícia de que algum ordenamento a contenha como regra explícita. Efetiva-se pela atuação de princípios, tais como o da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da irretroatividade, da universalidade da jurisdição e outros mais. Isso, contudo, em termos de concepção estática, de análise das normas enquanto tais, de avaliação de um sistema normativo sem considerarmos sua projeção sobre o meio social. Se nos detivermos num direito positivo, historicamente dado, e isolarmos o conjunto de suas normas (tanto as somente válidas, como também as vigentes), indagando dos teores de sua racionalidade; do nível de congruência e harmonia que as proposições apresentam; dos vínculos de coordenação e de subordinação que armam os vários patamares da ordem posta; da rede de relações sintáticas e semânticas que respondem pela tessitura do todo; então será possível emitirmos um juízo de realidade que conclua pela existência do primado da segurança, justamente porque neste ordenamento empírico estão cravados aqueles valores que operam para realiza-lo. Se esse tipo de verificação circunscrevemos nosso interesse pelo sistema, mesmo que não identifiquemos a primazia daquela diretriz, não será difícil implanta-la. Bastaria instituir os valores que lhe servem de suporte, os princípios que, conjugados, formariam os fundamentos a partir dos quais se levanta. Vista por esse ângulo, difícil será encontrarmos uma ordem jurídico-normativa que não ostente o princípio da segurança. E se o setor especulativo é o do Direito Tributário, praticamente todos os países do mundo ocidental, ao reconhecerem aqueles vetores que se articulam axiologicamente, proclamam ma sua implicitude, essa diretriz suprema.[41]
Dessa forma, o princípio em tela é implícito no sistema constitucional vigente, uma vez que é extraído do ordenamento expresso, sobretudo do princípio do Estado de Direito. Importante consignar que tanto os princípios expressos quanto os implícitos apresentam a mesma importância sistêmica e axiológica, a distinção de ambos é meramente formal, nunca valorativa; enquanto o primeiro está consignado pela linguagem escrita, o segundo é identificado pelas ferramentas hermenêuticas. Importante registrar o pensamento de Humberto Ávila, segundo o qual o princípio em comento:
[...] é construído de duas formas. Em primeiro lugar, pela interpretação dedutiva do princípio maior do Estado de Direito (art. 1º). Em segundo lugar, pela interpretação indutiva de outras regras constitucionais, nomeadamente as de proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (art. 5º XXXVI) e das regras da legalidade (art. 5º, II, e art. 150, I), da irretroatividade (art. 150, III, a) e da anterioridade (art. 150, III, b). Em todas essas normas, a Constituição Federal dá uma nota de previsibilidade e de proteção de expectativas legitimamente constituídas e que, por isso mesmo, não podem ser frustradas pelo exercício da atividade estatal.[42]
Por todo o exposto, fixa-se que o princípio da Segurança Jurídica decorre do sobreprincípio do Estado de Direito, instrumento do processo de democratização dos governos no combate a arbitrariedade. Com a submissão das ações estatais às suas próprias normas, vinculando o governo às finalidades para a qual foi criada, nos termos do ordenamento constitucional; a segurança jurídica aparece como protetora das liberdades e dos direitos fundamentais. A certeza jurídica e a proteção da confiança são, portanto, emanações do Estado de Direito, expressando a proibição de leis retroativas onerosas, bem como de condutas que ferem a constitucionalidade e a legalidade.
A segurança jurídica, como sobreprincípio, reflete inúmeros direitos e garantias fundamentais, entre outros: legalidade, proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, devido processo legal e acesso a jurisdição. Esses direitos e garantias são concretizações da segurança nas relações estatais e, simbolizados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, demonstram a convergência do ordenamento constitucional a finalidade maior da sua existência, a proteção do homem. Nesses termos, os direitos e garantias individuais são reflexos da proteção da confiança, permitindo uma vida social livre e segura, pautadas na previsibilidade dos atos estatais.
Análise que deve ser feita é como se concretiza o princípio da segurança jurídica, identificando os elementos constitucionais para sua promoção e as diversas dimensões de efetivação. Preliminarmente, afirma-se que a segurança jurídica representa o ideal de estabilidade, confiabilidade e previsibilidade da atuação estatal.
Entre as idéias e conteúdos que abrangem a noção de segurança, incluem-se: órgãos estatais sujeitos às determinações do Direito, confiança nas ações do Poder Público, estabilidade das relações jurídicas e durabilidade e anterioridade das leis. Entre as dimensões de efetivação do princípio em comento, destaca-se a preservação de direitos em face de leis novas e a previsibilidade dos comportamentos a serem seguidos e suportados; fatos que se relacionam profundamente com o objeto desta pesquisa.
Paulsen vislumbra cinco conteúdos do princípio da segurança jurídica: “1) certeza do direito; 2) intangibilidade das posições jurídicas; 3) estabilidade das situações jurídicas; 4) confiança no tráfico jurídico; 5) tutela jurisdicional” (grifos originais).[43]
A certeza do direito se relaciona ao conhecimento do ordenamento jurídico vigente, determinando o respeito aos requisitos formais e materiais para criação das normas, a ampla publicação dos seus textos, clareza dos dispositivos e questões relativas ao direito intertemporal. Essas exigências que se faz, deve-se a necessidade de previsibilidade das leis, com o fim de planejar os atos da vida social. Em respeito à intangibilidade das posições jurídicas consolidadas, diz que os atos consolidados sob a vigência de dado ordenamento merece proteção sobre lei posterior. Nesse esteio, a segurança jurídica impõe a proteção de pretensões decorrentes de atos jurídicos perfeitos, mesmos que sobrevenha norma contrária.
A segurança jurídica se concretiza também na estabilização das situações jurídicas, prevendo no ordenamento mecanismos como a decadência, a prescrição e a usucapião. Esses institutos visam à consolidação de situações pelo decurso do tempo, objetivando a estabilidade das relações. Outro conteúdo de vital importância, no que diz respeito à segurança jurídica, é a proteção da confiança, preservando-se às legítimas expectativas havidas durante o tráfico jurídico de modo a valorizar a boa-fé, as práticas reiteradas e a aparência. Esse desdobramento do sobreprincípio da segurança jurídica deu origem ao princípio da confiança, que ganhou certa autonomia pela importância, mas continua sendo derivado daquele.
Ressalta-se, por último, que nenhum dos meios de concretização apresentados seriam relevante se não estivesse à disposição um órgão independente que pudesse garantir o respeito aos mesmos. Nesse sentir, a segurança jurídica como tutela jurisdicional é o desdobramento que pretende salvaguardar o acesso ao judiciário, com vistas a garantir a efetividade e estabilidade de direitos.
Conforme se extrai do exposto, a segurança jurídica é valor tão essencial do Direito que se pode afirmar, inclusive, que cada ramo do Direito possui um conjunto de normas com o fim de efetivar a segurança jurídica. No Direito Tributário não poderia ser diferente.
3.3 Princípio da Segurança Jurídica Tributária
3.3.1 Aspectos gerais
Pela própria natureza no Direito Tributário, os princípios exercem indispensável papel de estruturação do sistema jurídico, sobretudo por se tratar de um campo de intervenção estatal em liberdades básicas dos cidadãos. Nesse esteio, é a partir dessas normas fundamentais que se pode extrair todo o modus operandi e os resultados esperados pelo Estado Democrático de Direito no campo fiscal, observando-se a conformidade com os direitos e garantias fundamentais. Alberto Nogueira sintetiza esse pensamento com as seguintes palavras:
É a partir da identificação dos princípios que se pode compreender a lógica dos sistemas tributários em suas variadas articulações e, sob o aspecto funcional (utilidades e funcionamento), suas finalidades. O conjunto dos princípios dinamicamente considerado forma uma estrutura e uma linguagem acoplada aos demais componentes do sistema (normas e regras), às vezes neles se integrando numa simbiose jurídica.[44]
Por conseguinte, o deslinde de toda pesquisa que envolve o ordenamento tributário imprescinde de um estudo principiológico. No tema que ora se propõe, analisar-se-á o sobreprincípio da segurança jurídica tributária, elemento essencial para compreender os fundamentos do Direito Tributário.
Conforme abordado, os princípios atuam implantando valores. Entretanto, algumas dessas normas, devido à elevada carga axiológica, necessitam, para sua realização, da atuação de um grupo de subprincípios; essas normas de elevada hierarquia são os referidos sobreprincípios.
Além de subprincípio do Estado de Direito, o princípio da segurança jurídica é, no campo fiscal, um sobreprincípio do qual decorrem normas de efetivação da segurança. Paulo de Barros Carvalho afirma, invocado por Paulsen, que:
Se num determinado ordenamento jurídico tributário houver a coalescência de diretrizes como o da legalidade, da igualdade, da irretroatividade, da universalidade da jurisdição, da anterioridade etc., dele diremos que abriga o sobreprincípio da segurança jurídica em matéria tributária.[45]
Devido a relevância desse princípio, alguns autores chegam a defender que o mesmo encerra a finalidade do próprio Direito Tributário: a proteção do contribuinte. Outros estudiosos afirmam que tal posicionamento não merece prosperar; haja vista que o Direito Tributário não pode ser visto como um mal necessário, mas como um instrumento para a preservação e efetivação de direitos fundamentais, bem como de promoção de valores e direitos sociais. Contudo, é de se afirmar que a questão da segurança jurídica sempre figurou como um dos valores fundamentais a serem buscados pelos sistemas tributários.
Entre os princípios tributários ligados à segurança jurídica, cita-se: legalidade, tipicidade, irretroatividade, isonomia, proibição da analogia, anterioridade e proteção da confiança do contribuinte. Além do mais, todo o conteúdo da segurança jurídica é refletido no campo fiscal: a intangibilidade das posições jurídicas, que impede a revogação ou modificação de isenções concedidas em certos períodos e condições; a previsão de prazos decadenciais e prescricionais, privilegiando a garantia de estabilidade das situações jurídicas; e ainda a previsão, no ordenamento tributário, de inúmeros instrumentos processuais administrativos e judiciais para possibilitar a rediscussão de tributos.
O direito positivado abriga normas que protegem a confiança do contribuinte, impedindo a surpresa na instituição de tributos – e os institutos que lhe compõe –, imposição de multas e penalidade ou na revogação de garantias e benefícios.
A concretização da segurança jurídica tributária na Constituição Federal de 1988 é feita, sobretudo, através de dispositivos referentes às limitações do poder de tributar e consignados no art. 150. As determinações constitucionais invocadas, concretizações dos princípios da legalidade, da irretroatividade e das anterioridades, visam impedir a aplicação retroativa, e mesmo imediata, de tributos. As citadas normas, subprincípios da segurança jurídica em matéria tributária, têm a função de assegurar a certeza do direito, fundamento, conforme já afirmado, da própria noção de Direito.
Salienta-se que a preocupação de assegurar a certeza do direito no campo Tributário é ainda mais intensa do que em outros ramos; fato que se constata com a extensão e a rigidez das garantias, as quais dão maior completude e previsibilidade às intervenções fiscais. Para ilustrar o quanto afirmado, observa-se que no Direito Tributário não basta a simples legalidade, é necessária a legalidade estrita, a reserva absoluta da lei em sentido formal. No mesmo sentido, observe-se que no campo fiscal não é suficiente a irretroatividade das normas; mas também o respeito a anterioridade anual, efetivação do tributo no ano fiscal seguinte, e a anterioridade nonagesimal, obrigando-se o transcurso mínimo de noventa dias para aplicação do mesmo.
3.3.2 Segurança jurídica tributária – conhecimento prévio e antecipado da norma
No presente pesquisa, ganha importância a análise da certeza do direito e do conhecimento prévio da norma tributária impositiva. Desse modo, observa-se que a segurança jurídica impõe a proteção de efeitos jurídicos relacionados a fatos anteriores contra normas tributárias inovadoras. Essa proteção concretiza uma das dimensões básicas do sobreprincípio ora analisado: o de garantir estabilidade às situações jurídicas consolidadas, permitindo aos cidadãos fazer planejamentos de longo prazo baseados na ordem jurídica vigente, e com conseqüências jurídicas dela decorrentes. Essa garantia permite às pessoas que vivem em sociedade preverem as conseqüências jurídicas de seus atos presentes, confiando na inalterabilidade dos seus efeitos, mesmo que posteriores, contras atos modificativos do Estado.
No que tange a essa irretroatividade das normas, surgiu uma discussão sobre o alcance desse princípio; passou-se então a distinguir “retroatividade retroativa” de “retroatividade retrospectiva”. O primeiro tipo de irretroatividade, também conhecida como própria, existe quando lei nova altera fatos ocorridos no passado e definitivamente estabilizados. Já o segundo tipo, também chamado de irretroatividade imprópria, ocorre quando lei nova modifica fatos presentes, ainda em fase de conclusão. Outra distinção é feita por Francisco Pinto Rabello Filho, apud Leandro Paulsen, in verbis:
Fala-se por esse ângulo em (a) retroatividade máxima, quando a lei se aplica integralmente aos fatos e atos passados, atingindo mesmo o ato jurídico perfeito e as relações já consolidadas; (b) retroatividade média, quando a nova lei atinge is efeitos pendentes do ato jurídico perfeito verificado antes do seu surgimento (da lei nova); (c) retroatividade mínima, quando a nova lei afeta os efeitos dos atos anteriores, mas produzidos após seu advento (da lei nova).[46]
A Constituição Federal de 1988 consagrou a irretroatividade das normas prevendo, em seu art. 5 e inciso XXXVI, que “[...] a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”[47]. Por conseguinte, não é permitido no Direito brasileiro que nova lei altere ou alcance posições jurídicas definitivamente consolidadas, ou, embora não consumados, direitos já adquiridos pendentes apenas de exercício ou exaurimento. No que concerne a irretroatividade tributária, essa possui previsão expressa no texto constitucional atual – inovação em relação aos anteriores –, consignando em seu art. 150, inciso III, alínea “a” que lei nova que cria e majora tributos não se aplicará a fatos anteriores.
A irretroatividade tributária vai além da proteção ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido; visto que é instrumento constitucional que impede a aplicação de lei fiscal mais onerosa a situações pretéritas, independentes de qualquer outra condição. Essa garantia decorre da exigência da segurança jurídica de que os contribuintes precisam conhecer antecipadamente os encargos tributários a que serão submetidos; impedindo, para isso, atribuição de novos efeitos fiscais a atos praticados sob lei vigência de norma anterior.
Conforme dito, essa proteção é um subprincípio do sobreprincípio da segurança jurídica tributária, instrumento de promoção de certeza do direito. Os preceitos invocados nesses princípios orientam inclusive a atividade do legislador e do aplicador da lei, determinando o momento do alcance das leis tributárias. Por conclusão, as normas tributárias que instituem novo tributo o onerem de qualquer forma o contribuinte terá, necessariamente, caráter prospectivo, sob pena de inconstitucionalidade.
Inversamente do que ocorre com os subprincípios da legalidade e da anterioridade, a Constituição Federal não prevê qualquer exceção ou atenuação à irretroatividade tributária. Nesse sentido, no Brasil não há relevância na diferenciação entre retroatividade em sentido próprio ou impróprio, vez que não há qualquer exceção à aplicação proativa da lei majoradora ou instituidora de tributos, nem na modalidade “retrospectividade”.
Aspecto que merece saliência é o critério utilizado para se verificar a ocorrência do tributo, para se determinar se a lei nova alcança ou não fatos pretéritos. O Supremo Tribunal Federal considera como marco a data em que lei estabelece como ocorrido o fato gerador, postura essa que merece críticas. A data considerada pela lei como ocorrido o fato gerador muitas vezes é mera ficção jurídica desenvolvida para facilitar e tornar mais efetiva a ação do fisco. Por conseguinte, não se deve admitir que essas ficções sejam consideradas para determinação da aplicação proativa das leis tributárias em lugar do verdadeiro aspecto material da norma, quais sejam, os fatos considerados legalmente como suficientes para gerar a obrigação tributária. Para que o princípio da irretroatividade seja plenamente respeitado, devem-se levar em conta os aspectos material e quantitativo do tributo, marcos a serem considerados para aplicação proativa.
Acrescenta-se que o princípio em comento deve ser observado mesmo que parte do fato gerador tenha ocorrido, no caso, por exemplo, quando esse é formado por vários fatos isolados, no seu tipo conhecido como “complexivo”. Para que a irretroatividade tributária não seja subvertida, a lei inovadora deve ser anterior à todos os fatos da cadeia que levam ao aperfeiçoamento do tributo.
As proteções exigidas pelo sobreprincípio da segurança jurídica tributária pios orientam inclusive a atividade do legislador e do aplicador da lei, determinando o momento do alcance vão além da legalidade estrita e da irretroatividade, ela impõe ainda uma garantia que não encontra paralelo em nenhum outro ramo do direito: a anterioridade. O Direito Tributário regula, como conjunto de normas com o fim de capitalizar o Estado, situações em que há transferência do patrimônio particular para o erário. Dessa forma, por implicar uma intervenção financeira do Poder Público, os contribuintes necessitam de um tempo para se planejar e suportar os encargos tributários; sobretudo pessoas jurídicas, que fazem projeções a logo prazo e precisam calcular o custo da atividade econômica.
Por essa razão, para que a segurança jurídica seja efetivada em sua completude, registrou-se na Constituição Federal brasileira o princípio da anterioridade tributária, o qual se dimensiona em anterioridade anual e nonagesimal. Esses últimos subprincípios consignam limitações ao poder de tributar, e determinam, respectivamente, a não tributação de fatos em um mesmo exercício financeiro e o respeito ao interstício mínimo de noventa dias para configuração dos fatos geradores. A Constituição Federal previu a matéria nos seguintes termos:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III - cobrar tributos: [...] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; [...][48]
Desse modo, a certeza do direito impõe não apenas uma não-surpresa formal, garantida pela irretroatividade, mas uma “não-surpresa efetiva”, que possibilite o devido planejamento orçamentário dos contribuintes. A anterioridade nonagesimal veio justamente para suprir a falha da anterioridade anual e resguardar essa garantia. Pela anterioridade anual, a simples imposição do tributo no último dia do ano já permitia que o mesmo fosse cobrado no dia seguinte, em 1º de janeiro, ferindo os preceitos impostos pela segurança jurídica. Nesse esteio, a Constituição previu a anterioridade mínima (nonagesimal) para imposição de qualquer tributo; mesmo que a norma mais gravosa seja publicada em 31 de dezembro, só será aplicada após noventa dias.
Criticando a referência ao termo não-surpresa, bem como a previsibilidade, Leandro Paulsen destaca a abrangência da proteção do subprincípio em tela:
As garantias da anterioridade costumam ser associadas à previsibilidade quanto às novas imposições tributárias mais gravosas, à não-surpresa do contribuinte, havendo, inclusive quem chegue a falar em “princípio da não surpresa”. [...] Mais do que previsibilidade e não-surpresa, pois, cuida-se de assegurar ao contribuinte o conhecimento antecipado daquilo que, sendo decorrente de lei estrita devidamente publicada, lhe será com certeza imposto, incidindo sobre os atos que então venham a ser praticados ou sobre fatos ou situações que se verifiquem em conformidade com a previsão legal, após o decurso de noventa dias e a virada do exercício ou apenas do decurso de noventa dias em se tratando de contribuições da seguridade social.[49]
Nesses termos, as duas modalidades de anterioridade são corolários lógicos do princípio da segurança jurídica tributária, perfazendo o ideal de certeza do direito. Esses subprincípios objetivam o conhecimento antecipado pelo contribuinte, de lei criadora e majoradora de tributos, possibilitando sua organização financeira.
Pelo exposto, o conjunto de normas tributárias é regido por uma dimensão do princípio geral da segurança jurídica, decorrente do sobreprincípio do Estado de Direito, no qual se funda as sociedades atuais; e baseado na própria noção de Direito. Conforme se asseverou, essa segurança se efetiva através de garantias de legalidade estrita, de irretroatividade e de anterioridade, as quais, concretizadoras desses ideais maiores, se desrespeitadas, desestabilizam todo o ordenamento jurídico vigente.