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Modulação temporal de efeitos em controle de constitucionalidade de norma tributária modificando jurisprudência consolidada

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03/08/2014 às 14:18
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5 CONCLUSãO

Para garantir a Supremacia da Constituição da República, que assenta em seu texto as bases do Estado Democrático de Direito, o constituinte previu um mecanismo de controle de adequação normativa. Dessa forma, é através do controle de constitucionalidade que o Estado investiga se as normas por ele emanadas estão de acordo com as regras e princípios constitucionais que lhe dão fundamento e validade, proibindo que a Constituição seja contrariada.

No Brasil, apesar de ter sido previsto um sistema misto de controle, baseado nos modelos estadunidense e austríaco, adotou-se a teoria da nulidade da norma inconstitucional, desenvolvida nos Estados Unidos. Esse posicionamento aperfeiçoou na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e adquiriu o status de dogma no Direito brasileiro. Para essa teoria, a declaração de inconstitucionalidade de uma lei tem natureza declaratória, apenas se reconhecendo a nulidade ab initio do preceito normativo, devendo os efeitos retroagir até sua edição. Os defensores dessa doutrina afirmam que, reconhecer que uma lei inconstitucional integrou o ordenamento jurídico em algum momento, equivaleria a aceitar que em dado espaço de tempo a Constituição não prevaleceu. O mesmo ocorre quando há a declaração de constitucionalidade, quando a retroação de efeitos se funda na presunção de validade das normas jurídicas.

Ocorre que, julgando os casos concretos, os tribunais começaram a se deparar com casos em que a retroação de efeitos gerava enormes injustiças, desestabilizando relações jurídicas que havia se baseado na norma inconstitucional. A partir dessas análises o STF passou a admitir, excepcionalmente, a aplicação de efeitos proativos de algumas decisões, com objetivo de preservar a segurança e a confiabilidade das ações sociais. Essa medida passou a ser adotada inclusive pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que, a partir do leading case “Linkletter versus Walker”, entendeu que a dogma da nulidade era uma construção jurisprudencial, e como tal, poderia ser alterada pelo próprio juiz quando julgar casos que não comportam a retroação de efeitos.

Enquanto a modulação de efeitos vinha sendo aperfeiçoada na jurisprudência, o legislador editou o art. 27 da Lei nº 9.868/99, inserindo uma norma geral e abstrata que previa expressamente o citado mecanismo. Porém, o referido artigo consignou, além do requisito material, referente a razões de segurança jurídicas e excepcional interesse social; um requisito formal, determinando a necessidade do voto favorável de 2/3 dos membros o STF.

Apesar de ter sido previsto nas leis que tratam das Ações Diretas e da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, no âmbito do controle concetrado-abstrato; a jurisprudência do Supremo manifestou-se, em vários julgados, a possibilidade de aplicação do mecanismo incidentalmente, no controle difuso-concreto. Essa aplicação não encontra qualquer óbice constitucional ou legal, cabendo o uso analógico do instituto.

Entretanto, no julgamento dos Recursos Extraordinários 377.457/PR e 381.964/MG, o Supremo Tribunal Federal aplicou o artigo em epígrafe a declaração de constitucionalidade do art. 56 da Lei nº 9.430/96; negando a modulação por não ter sido alcançado o quorum de 2/3. Ocorre que, aplicação analógica do artigo à declaração de constitucionalidade é completamente descabida.

Quando o legislador previu um quorum qualificado para a modulação de efeitos, o fez expressamente para a declaração de inconstitucionalidade, e tal medida não foi sem razão. Na atribuição de efeitos ex nunc ou pro futurum a uma norma inconstitucional, ocorre uma “suspensão” temporária da eficácia de uma regra ou princípio da Constituição, ainda que fundamentado em outra norma constitucional. Nessa situação, por se estar permitindo que um dispositivo infraconstitucional gere efeitos contrariando dispositivo constitucional, ainda que baseando-se em razões de segurança jurídica e excepcional interesse social, o legislador criou um mecanismo de modulação mais dificultoso.

Pelos motivos expostos, a aplicação do artigo em tela à declaração de constitucionalidade não se fundamenta; e o que está se defendendo aqui não é não aplicação da modulação de efeitos, mas a não incidência do referido dispositivo legal. O instituto citado não foi criado pelo art. 27; conforme afirmado, ele foi desenvolvido na jurisprudência como forma de impedir decisões injustas, encontrando-se incluída nos poderes do STF como Guardião da Constituição. No caso da modulação de efeitos de declaração de constitucionalidade, a aplicação proativa dos efeitos emana diretamente da incidência de princípios constitucionais. Essa aplicação do mecanismo estudado ocorre, sobretudo, quando há uma mudança de jurisprudência consolidada, ocasião em que se evidencia razões de segurança jurídica que determina a modulação dos efeitos.

 O raciocínio é o seguinte: quando uma jurisprudência se consolidada, as manifestações dos Tribunais inserem normas concretas e gerais no ordenamento jurídico, vez que, a norma jurídica surge como produto da interpretação de textos normativos. Dessa forma, incluídas no ordenamento, os indivíduos passam a pautar suas condutas nesses preceitos, confiando em suas determinações. Por conseguinte, quando há uma alteração de jurisprudência, surge uma norma nova que disciplina a matéria, modificando o comando deôntico emanado do ordenamento. Nesse esteio, uma declaração de constitucionalidade que modifica uma jurisprudência consolidada, no sentido da inconstitucionalidade de determinado dispositivo, está inserindo no Direito Positivo uma nova norma jurídica sobre o tema.

Entretanto, quando a declaração de constitucionalidade que altera jurisprudência consolidara trata de norma tributária, surge a necessidade de aplicação proativa dos efeitos por razões de segurança jurídica.

A segurança jurídica é um dos fundamentos do Estado de Direito, trazendo em si o próprio objetivo da ciência jurídica: dar previsibilidade e certeza aos atos da vida em sociedade. O referido sobreprincípio necessita, devido a sua elevada abstração, de subprincípios que efetivem os ideais nele encerrado. Dentre esses subprincípios, encontra-se o da irretroatividade da norma tributária, previsto constitucionalmente com o fim de impedir que leis criadoras ou majoradoras de tributos sejam aplicadas a fatos pretéritos.

Pelo exposto, a decisão que declara constitucionalidade de norma tributária, modificando jurisprudência consolidada, deve ter seus efeitos aplicados proativamente, vez que insere no ordenamento norma nova prejudicial ao contribuinte. Nesses casos, a modulação não se fundamenta no art. 27 da Lei nº 9.868/99, mas diretamente no princípio constitucional da irretroatividade da lei tributária, preservando o direito fundamental à certeza na tributação. Esse era o posicionamento que deveria ser adotado nos REs 377.457/PR e 381.964/MG; como não se aplicaria o artigo citado, e por conseqüência o quorum de 2/3, o voto da Min. Ellen Gracie, poderia desempatar o pleito a favor dos contribuintes, vez que a votação terminou com cinco votos a favor e cinco contra a modulação.


REFERÊNCIAS

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[1] SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 46.

[2] MORAES, Alexandre de.  Direito constitucional.  13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 577.

[3] LENZA, Pedro.  Direito constitucional esquematizado.  13. ed. rev., atual. e ampli. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 149.

[4] Idem, ibidem, p. 149.

[5] SILVA, op. cit., p. 558.

[6] BUZAID, Alfredo.  Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro.  São Paulo: saraiva, 1958, p. 21.

[7] CAPPELLETTI, Mauro. Controle judicial de constitucionalidade no direito comparado.  Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Revisão de José Carlos Barbosa Moreira. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 142.

[8] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional.  4. ed. atual. e ampli. São Paulo: Método, 2010, p. 246.

[9] Idem, ibidem, p. 257.

[10] MORAIS, op. cit., p. 608.

[11] ÁVILA, Ana Paula.  A modulação de efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade.  Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2009, p. 35.

[12] FERREIRA, Carlos Wagner Dias.  Modulação dos efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade no controle difuso. Revista ESMAFE: Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, Recife, n. 12, p.155-178, mar. 2007, p. 160.

[13] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 79.343/BA. Recorrente: José Pereira César. Relator: Ministro Leitão de Abreu. Brasília, 31 de maio de 1977. Diário de Justiça de 31.05.1977, RTJ 82, p. 795 Disponível em: http://redir.stf.jus.br>. Acesso em: 26 maio 2010.

[14] ÁVILA. op. cit. p. 75.

[15] Idem, ibidem, p. 77.

[16] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 3. ed. rev. ampli. atual. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 146.

[17] BARROSO, Luís Roberto. Modulação dos efeitos temporais de decisão que altera jurisprudência consolidada. Quorum de deliberação. p. 2. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/pdf/parecer_barroso_cofins.pdf>. Acesso em: 26 maio 2010.

[18] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. CC 7204/MG. Relator: Min. Carlos Britto. Julgado em 29.06.2005. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 19.11.2010.

[19] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26604/DF. Relatora: Min. Cármen Lúcia. Julgado em 04.10.2007. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 19.11.2010.

[20] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 726. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 19.11.2010.

[21] ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”.  Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 11, setembro/outubro/novembro, 2007, pp. 3-4. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com/revista>. Acesso em: 10.10.2010.

[22] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 255.

[23]  Idem, ibidem, p. 256.

[24] ÁVILA, Humberto.  Teoria dos princípios: da definição a aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed. ampli. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 31.

[25] Idem, ibidem, p. 34.

[26] Idem, ibidem, p. 65.

[27] Idem, ibidem, pp. 36-37.

[28] Idem, ibidem, p. 37.

[29] Idem, ibidem, pp. 78-79.

[30] BONAVIDES, op. cit., p. 256.

[31] MELLO, Celso Antônio Bandeira de.  Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 817/818.

[32] BONAVIDES, op. cit., p. 261.

[33] Idem, ibidem, p. 273.

[34] Idem, ibidem, p. 288.

[35] ÁVILA, op. cit, p. 99.

[36] Idem, ibidem, p. 101.

[37] PAULSEN, Leandro.  Segurança jurídica, certeza do direito e tributação: a concretização da certeza quanto à instituição de tributos através das garantias da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 22.

[38] BORGES, Solto Maior. Princípio da Segurança Jurídica na Criação e Aplicação do Tributo, RDT n. 63. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 206.

[39] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: saraiva, 2002, p. 146.

[40] PAULSEN, op. cit., p. 27.

[41] Idem, ibidem, p. 29-30.

[42] ÁVILA, Humberto Bergmann. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 295.

[43] PAULSEN. op. cit. p. 52.

[44] NOGUEIRA, Alberto. Teoria dos princípios constitucionais tributários: a nova matriz da cidadania democrática na pós-modernidade tributária. Rio de Janeiro: renovar, 2008, p. 42.

[45] PAULSEN. op. cit. p. 62.

[46] Idem, ibidem, p. 114.

[47] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2010, p.07.

[48] BRASIL, op. cit., p.117-118.

[49] PAULSEN, Leandro. op. cit. p. 151-152.

[50] PERIN JUNIOR, Ecio. A linguagem no Direito: análise semântica, sintática e pragmática da linguagem jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/50>. Acesso em: 16 de novembro de 2010.

[51] LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária: decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 51.

[52] CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 190.

[53] LINS, op. cit., p. 254.

[54] SGARBI, Adrian. Clássicos de Teoria do Direito. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 41.

[55] LINS, op. cit., 125.

[56] LINS, op. cit., p. 131.

[57] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 240.

[58] TORRES, Ricardo Lobo. Limitações ao Poder Impositivo e Segurança Jurídica. In: MARTINS, I.G. da Silva (Coord.). Limitações ao Poder Impositivo e Segurança Jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 343-344.

[59] BARROS, Sergio Rezende de. O Nó Gordio do Sistema Misto. In: Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Análises à Luz da Lei 9.882/99. Ed. Atlas, 2001, p. 180.

[60] BARROSO, op. cit., p. 5-6.

[61] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 370.682/PR. Relator: Min. Ilmar Galvão. Julgado em 25.06.2007. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 19.11.2010.

[62] Idem, ibidem.

[63] BARROSO, op. cit., p. 06-07.

[64] Idem, ibidem, p. 07.

[65] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 377457 / PR. Relator: Min. Gilmar Mendes. Julgado em 17.09.2008. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 19.11.2010.

[66] Idem, ibidem.

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Sobre o autor
Fabrício Duarte Andrade

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz, Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Fabrício Duarte. Modulação temporal de efeitos em controle de constitucionalidade de norma tributária modificando jurisprudência consolidada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4050, 3 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30644. Acesso em: 22 nov. 2024.

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