Resumo: O presente trabalho monográfico procura mostrar os problemas técnico-jurídicos encontrados na implantação do processo judicial eletrônico (PJe), também chamado de processo digital ou processo virtual. Embora o método seja recepcionado pela Lei n. 11.419 de dezembro de 2006, o judiciário vem sendo informatizado utilizando-se do meio eletrônico para a prática de atos processuais desde a década de 90 com o advento da Lei n. 8.245/91 (Lei do Inquilinato). No Brasil, os pioneiros na implantação do processo digital foram os Tribunais Federais. Seu modelo de sistema serviu como referência para outras esferas do judiciário. As principais características dos autos virtuais são a substituição do papel celulose pelo meio digital no armazenamento dos processos, além da automatização das atividades desenvolvidas pelos operadores do direito, o que acarreta uma maior celeridade, transparência na tramitação das ações, dentre outros benefícios, todavia o método cria obstáculos a serem enfrentados por seus usuários, dentre eles estão, a vulnerabilidade do sistema, a falta de unificação, a carência de infraestrutura, acessibilidade insuficiente, o formalismo do procedimento, não facultando, quando necessário, o uso do processo convencional, o que prejudica o acesso à justiça. Esta monografia utilizou-se de bibliografias e pesquisa na web, e não tem como objetivo defender a não implantação do sistema PJe, mas evidenciar suas falhas, buscando possíveis ajustes no procedimento para que o mesmo atenda as necessidades de seus usuários.
Palavras-chave: Processo Judicial Eletrônico. Informatização do judiciário. Obstáculos. Vulnerabilidade do sistema. Limitações dos princípios.
Sumário: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I. 1.1 A natureza do Processo Judicial Eletrônico. 1.2 Legislações que abrangem o processo digital. 1.3 As dificuldades do processo físico para o acesso à justiça. 1.4 A sistemática do processo eletrônico. 1.4.1 A relevância da segurança do sistema. 1.4.1.1 Certificação e assinatura digital. 1.5 Os ganhos provenientes da implantação do PJe. CAPÍTULO II. 2.1 Os princípios processuais civis limitados com a implantação do processo eletrônico. 2.1.1 Dificuldade das partes em exercer o princípio do devido processo legal. 2.1.2 Prejuízos para o contraditório e a ampla defesa. 2.1.3 A instrumentalidade e sua aplicabilidade no PJe. CAPÍTULO III. 3.1 Os obstáculos enfrentados pelo processo eletrônico. 3.2 Objeções dos advogados quanto à utilização do sistema. 3.3 A resistência dos servidores do judiciário e magistrados. 3.4 As barreiras para a prática do jus postulandi. 3.5 A vulnerabilidade do PJe. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
A Lei n. 11.419 de dezembro de 2006 que disciplina o Processo Eletrônico modificou o tramite das ações em todas as instâncias do Judiciário permitindo o uso do meio eletrônico na prática de atos processuais, como por exemplo, a intimação e citação de forma eletrônica. Dentre suas características marcantes estão a transparência dos dados, a economia de recursos e a celeridade processual.
A morosidade na tramitação das ações convencionais pode ser considerada como um óbice para o ingresso na justiça, uma vez que eleva os custos para as partes, levando os litigantes a desistirem da ação. Como forma de solucionar esse entrave, o instrumento do processo eletrônico possibilita que etapas burocráticas, como a autuação do processo, deixem de existir, consequentemente diminuindo o tempo de tramitação de uma demanda.
Não se quer, com o processo eletrônico, criar um novo tipo de processo judicial, mas apenas informatizar o procedimento, com a utilização de recursos da informática, todavia em alguns casos, apontados neste trabalho, a virtualização do processo resultou insuficiente.
O processo virtual modificou algumas atividades judiciárias exercidas pelos magistrados, serventuários e advogados, possibilitando a visualização das peças processuais e o peticionamento eletrônico, diariamente, durante 24 horas e em qualquer lugar do mundo por meio da Internet, contudo a deficiente infraestrutura desta ferramenta, como por exemplo, a dificuldade de conexão, acarreta prejuízos ao peticionamendo online dos advogados.
Inicialmente o presente trabalho aborda a natureza do processo eletrônico, bem como sua organização, mostrando as dificuldades encontradas antes de sua implantação, quando o método utilizado era o meio físico, como a morosidade e os elevados custos e os benefícios trazidos pelo PJe, dentre eles a celeridade e economia processual.
Outrossim, o capítulo I tratou das legislações existentes desde a década de 90 que admitia a prática dos atos processuais pelo meio eletrônico, a exemplo da Lei do Inquilinato n. 8.245/91, que permitia a citação por meio do artifício fac-símile. Ainda no capítulo I, tratou-se da relevância da segurança do sistema, mediante o uso da assinatura e certificação digital, permitida pela Medida Provisória n. 2.200-2/2001, que dão garantia de autenticidade, integridade e a validade jurídica dos documentos eletrônicos.
Posteriormente, no capitulo II foram apresentadas as limitações que o processo digital trouxe a alguns princípios processuais civis, como o do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, devido a realidade vivenciada pela maioria da população brasileira, a exclusão digital.
Ainda no segundo capítulo examinou as consequências do formalismo no método virtual, afetando o ingresso das partes na justiça, visto que há Tribunais que não permitem a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, rejeitando os atos que não forem praticados na forma eletrônica.
Por fim debateu-se no capitulo III sobre a implantação do PJe, e os obstáculos decorrentes desta, além de manifestar a forma como a mesma precisa ser feita para que haja um acompanhamento dos seus usuários, uma vez que o modo como o sistema é introduzido no ordenamento jurídico pode acarretar prejuízos a estes.
CAPÍTULO I
1.1 A natureza do Processo Judicial Eletrônico
O desenvolvimento acelerado das telecomunicações não favoreceu apenas áreas que estavam ligadas diretamente à informática, oportunizou melhorias em diversos setores da sociedade, consequentemente ocasionou inovações também no setor do judiciário. Essa introdução da informática deu origem ao surgimento do Direito da Informática e da Informática Jurídica, entretanto um não se confunde com o outro. A informática jurídica não deve ser entendida como um ramo do direito, mas como um instrumento que auxilia a aplicação deste, o direito seria apenas o objeto do sistema informático.
Menciona Alexandre Freire Pimentel:
La informática jurídica no es una rama del Derecho ; no es Derecho. Se trata de un aspecto de la Ciencia de la información; es esta ciencia abocada a un objeto particular, el fenómeno jurídico. En efecto, así como la Sociologia del Derecho a Sociologia Juridica no es una rama del Derecho , sino de la Sociología , la informática juridica es uma rama de la Ciencia de la información. Saquel (apud PIMENTEL, 2000, p, 57, grifo do autor).
O Direito da Informática versa sobre o tratamento jurídico nos vários ramos do direito, com o emprego dos computadores, redes e o instrumento da internet.
José Carlos de Araújo Almeida Filho cita o Prof. Aldemario Araújo Castro quando define o que vem ser direito da informática:
Direito da informática disciplina que estuda as implicações e problemas jurídicos surgido com a utilização das modernas tecnologias da informação (Droit de l’Informatique, Derecho de Informática, Diritto dell’Informatica, Computer law, Cyber Law). Castro (apud ALMEIDA FILHO, 2010, p.46, grifo do autor).
Desta forma quem se dedica restritamente a matéria da informação jurídica (programador, criadores de sistemas, etc.) não efetuaria serviços jurídicos, entretanto aqueles que trabalham com a aplicação e criação das normas operam o direito.
A Lei do Processo Eletrônico n. 11.419/06 sancionada pelo Presidente da Republica é fruto do PL n° 5.828/2001, e teve origem no projeto de lei de iniciativa popular, devido à morosidade na tramitação dos processos judiciais a Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE–, encaminhou o projeto de lei ao Congresso que, após ser aprovado na Câmara dos Deputados, o citado diploma legal foi enviado ao Senado Federal, onde recebeu a numeração PL n° 71/2002.
A Lei n. 11.280, de Fevereiro de 2006, deu uma nova redação ao artigo 154 do Código de Processo Civil que consagra os princípios da liberdade e da instrumentalidade das formas, permitindo a prática e a comunicação dos atos processuais por meio eletrônico, contudo a referida lei não tratou como tais atos deveriam proceder, o legislador preocupado em regulamentar a aplicação dos atos de forma eletrônica, editou a Lei n. 11.419/06 que teve sua vigência no ano de 2007.
Esta lei possui 22 artigos e está organizada em quatro capítulos. O primeiro refere-se à informatização do processo judicial, mostrando as regras básicas para a criação de um sistema de comunicação eletrônica. O segundo dispõe da comunicação eletrônica dos atos processuais. O terceiro capítulo fala sobre o processo eletrônico com a utilização de autos digitais, sem a necessidade de papel, como nos autos tradicionais. Por fim, traz as “disposições gerais e finais”, e no seu artigo 20 as modificações feitas no Código de Processo Civil.
Essa ordem legal não modificou dispositivos apenas do Código de Processo Civil, como também no Código de Processo Penal, bem como o tramite das ações Trabalhistas e de Juizados Especiais, abrangendo todas as instâncias judiciarias.
Dentre as características mais marcantes do PJe que se pode observar, está à economia de recursos, a transparência dos dados, e principalmente, a celeridade processual.
Explana Almeida Filho:
É indiscutível a necessidade da criação de meios eletrônicos para a prática de atos processuais. Em virtude desta necessidade, a idealização de um processo totalmente digitalizado se apresenta como uma forma de aceleração do Judiciário, tornando menos moroso o trâmite processual. (ALMEIDA FILHO, 2010, p. 256).
Leonardo Greco argumenta:
Em vários países, a informática vem sendo utilizada mais intensamente na melhoria da qualidade e da celeridade dos serviços judiciários, bem como na montagem de uma infraestrutura normativa e administrativa amplamente indispensável ao desenvolvimento seguro das relações jurídicas. (GRECO et al., 2001, p.86).
A lei que instituiu o PJe no Brasil e delineou como o mesmo deveria proceder, foi um marco da implantação dos meios tecnológicos na seara jurídica, entretanto discretas iniciativas já vinham acontecendo antes de sua implantação no poder Judiciário.
1.2 Legislações que abrangem o processo digital
A década de 90 foi produtiva em se tratando das reformas processuais, que visavam garantir um amplo acesso à justiça, com a utilização de meios eletrônicos, pretendeu-se conseguir de forma satisfatória esse acesso.
Contudo, a Lei n. 8.245/91 (Lei do Inquilinato), que inaugurou a utilização do meio eletrônico para a prática de atos processuais, com a citação por artifício do fac-símile, não teve seu procedimento adotado, uma vez que essa forma de comunicação só era possível se houvesse previsão contratual.
Primeiramente pode-se falar na Lei n° 9.492/97 (Lei dos Protestos), que regulamenta o protesto de títulos e outros documentos de dívida, na qual previa a utilização de meios eletrônicos nas indicações dos protestos das duplicatas mercantis e das prestações de serviços, como dispõe no parágrafo único do artigo 8º:
“Poderão ser recepcionadas às indicações a protestos das Duplicatas Mercantis e de Prestação de Serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, sendo de inteira responsabilidade os dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a mera instrumentalização das mesmas”. (BRASIL, 1997).
Ademais apontou a denominada Lei do FAX n° 9.800/99, que passou a permitir a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais, contudo necessitava da apresentação das originais em Juízo. Dispõe seu artigo primeiro: É permitida às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar, para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita. (BRASIL, 1999).
Leonardo Greco reporta-se:
Com base nessa lei, algumas varas em alguns Estados implantaram via Internet serviços de recepção eletrônica de petições [...] As petições e documentos podem ser remetidos para o e-mail da Vara, inclusive arquivos gráficos, sonoros e de vídeo. (GRECO el al., 2001, p.85, grifo do autor).
Apesar dos e-mails proporcionarem também uma rápida ligação entre atos processuais, como mostra Greco, a jurisprudência se mostrou resistente ao uso desta ferramenta eletrônica, por entender que não era semelhante ao sistema fac-símile.
Aponta Almeida Filho:
A jurisprudência se mostrou refratária à prática de atos processuais através de e-mail, em especial o Superior Tribunal de Justiça, por não considerá-lo similar ao fac-símile. Diversos recursos deixaram de ser conhecido por decisões que afirmavam não haver similitude entre ambos. Ocorre, contudo, que tanto o fax quanto o e-mail são formas de transmissão de dados eletrônicos, através de canais de telecomunicações. (ALMEIDA FILHO, 2010, p. 26, grifo do autor).
Jurisprudências:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. PETIÇÃO ENVIADA VIA E-MAIL. NÃO EQUIPARAÇÃO AO FAX. 1. O envio de petição ao Tribunal por e-mail não configura meio eletrônico equiparado ao fax, para fins da aplicação do disposto no art. 1º da Lei 9.800/99, não possuindo o condão de afastar a intempestividade do recurso especial. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.(STJ - AgRg no AREsp: 336047 MG 2013/0130972-4, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 03/09/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/09/2013).
Agravo Regimental NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO VIA E-MAIL. INADMISSIBILIDADE. NÃO EQUIPARAÇÃO AO FAC-SIMILE. INTEMPESTIVIDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO IMPROVIDO. I. O Superior Tribunal de Justiça não admite a interposição de recurso via e-mail, na medida em que não equipara este meio eletrônico ao fac-simile, nos termos do que prevê o art. 1º da Lei 9.800/99. Precedentes. II. Na forma da jurisprudência do STJ, "não se admite a interposição de recurso por e-mail, modalidade de comunicação não prevista na Lei n.º 9.800, de 1999" (AgRg no RE no AgRg no AgRg no Ag 1.152.535/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, DJe de 10/05/2010). "Agravo Regimental não conhecido" (STJ, AgRg no AREsp 275.584/PE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe de 26/03/2013). Em igual sentido: "A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não é admitida a interposição de recurso por e-mail e que esse não tem o condão de dilatar o prazo para entrega da petição original, pois não configura meio eletrônico equiparado ao fax, para fins da aplicação do disposto no art. 1º da Lei 9.800/99. Precedentes do STJ e STF" (STJ, AgRg nos Edcl no AREsp 111.803/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de 15/04/2013). III. Agravo Regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 362615 MG 2013/0237522-3, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 15/10/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/11/2013).
Posteriormente a Lei n. 10.259/01, instituiu os Juizados Especiais na esfera da Justiça Federal, permitindo que as intimações das partes e o recebimento de petições fossem feito por meio eletrônico. Assim trata o artigo 8° parágrafo segundo:Os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico. (BRASIL, 2001).
Esse episódio tornou os Tribunais Federais pioneiros na informatização, alcançando um dos modelos mais completo de processo pro meio eletrônico, tornando-se referência para outras esferas do judiciário.
O decreto 5.450/05 regulamentado pela Lei n. 10.520/02 (instituiu o pregão como modalidade de licitação), regra o pregão feito na forma eletrônica, como mostra seu artigo segundo:
O pregão, na forma eletrônica, como modalidade de licitação do tipo menor preço, realizar-se-á quando a disputa pelo fornecimento de bens ou serviços comuns for feita à distância em sessão pública, por meio de sistema que promova a comunicação pela internet. (BRASIL, 2005).
A Emenda Constitucional n. 45/2004, trouxe ao inciso LXXVIII do artigo 5° a seguinte redação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” o legislador preocupado em dar ao processo uma razoável duração, abriu portas para que novos procedimentos que pudessem diminuir esse tempo fossem implantados. Almeida Filho menciona: “O texto constitucional recém-alterado pela Emenda n. 45 visa, ainda que subjetivamente, reduzir o tempo de tramitação processual” (ALMEIDA FILHO, 2010, p. 48).
O processo eletrônico está sendo um meio para que se alcance com a máxima efetividade a celeridade processual, relata Almeida Filho: “Com a ampliação dos conflitos e a necessidade de um Judiciário mais rápido e eficaz, o meio eletrônico se apresenta como adequado e eficaz para enfrentar esta situação”. (ALMEIDA FILHO, 2010, p. 19).
1.3 As dificuldades do processo físico para o acesso à justiça
O processo convencional – o papel, que ainda é utilizado em várias esferas do judiciário, apresentam vários obstáculos que impedem um efetivo acesso à justiça, o processo eletrônico veio com o proposito de eliminar esses empecilhos.
O tempo prolongado na tramitação das ações tradicionais pode ser considerado um óbice para o ingresso na justiça. A morosidade na prestação jurisdicional eleva os custos para as partes, acarretando uma descrença nos litigantes, sujeitando-os a desistir do feito.
Aponta Mauro Cappelletti:
Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão exequível. Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito. A Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhece que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de “um prazo razoável” é, pra muitas pessoas, uma Justiça inacessível (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 20).
Marinoni, ao tratar dos direitos fundamentais à efetividade da tutela jurisdicional e à duração razoável do processo, ressalta:
Importa, ainda, o direito à duração razoável do processo. O direito à tempestividade não só tem a ver com a tutela antecipatória ou com as técnicas processuais, voltadas a dar maior celeridade ao processo, mas também com a compreensão da sua duração de acordo com o uso racional do tempo pelas partes e pelo juiz. (MARINONI, 2010, p.141).
Ainda referindo-se aos direitos fundamentais e a razoável duração do processo, Marinoni menciona: “Mas não há como esquecer, quando se pensa no direito à efetividade em sentido lato, de que a tutela jurisdicional deve ser tempestiva (direito fundamental à duração razoável processo – art. 5.°, LXXVIII, CF) [...]”. (MARINONI, 2010, p.139).
A moderada duração do processo está relacionada ao princípio da economia processual, que pode ser analisado com base em quatro vertentes: a economia de custos, economia de tempo, economia de atos e eficiência da administração judiciária. (PORTANOVA, 2005), destarte a demora na solução do conflito estaria desrespeitando tal princípio do Processo Civil.
Ainda no mesmo pensamento Portanova menciona o princípio econômico fazendo referência ao entendimento de Alvim:
O princípio econômico significa que o procedimento – como qualquer atividade humana – “deberá ser estructurado para rendir al máximo, con la menor actividad posible, todo para mayor celeridad de la actividad judicial. Alvim (apud PORTANOVA, 2005 p.24).
Referindo-se a tal princípio e o processo eletrônico Almeida Filho aponta: “Com a adoção do processo eletrônico no Brasil, o princípio da economia processual será alargado, porque haverá menor desperdício na produção dos atos processuais”. E continua:
Quanto à economia processual e como forma de incentivar adoção do processo eletrônico, ainda que o sentido de economia, aqui, não seja o de mensuração em termos de valor, admitimos que os Tribunais e as Cortes Superiores devam possuir uma tabela de custas minimizada. (ALMEIDA FILHO, 2010, p.95).
O processo físico além de requerer um extenso lapso temporal desfavorecendo a economia de tempo, é mais oneroso, visto que requer mais recurso financeiro afetando a economia de custos, desta forma apenas as classes mais favorecidas teriam como suportar os gastos, enquanto que a classes menos favorecidas não suportariam permanecer no feito.
Mauro Cappelletti menciona:
Pessoas ou organizações que possuam recursos financeiros consideráveis a serem utilizados têm vantagens óbvias ao propor ou defender demandas. Em primeiro lugar, elas podem pagar para litigar. Podem, além disso, suportar as delongas do litígio. Cada uma dessas capacidades, em mãos de uma única das partes, pode ser uma arma poderosa; a ameaça de litígio torna-se tanto plausível quanto efetiva. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 21).
Luiz Guilherme Marinoni ao tratar da técnica processual e procedimento adequado aponta:
Se a Constituição Federal deve eliminar as desigualdades, não há como aceitar o procedimento que faz exatamente o contrário, isto é, potencializa a desigualdade, abrindo ao que tem posição social privilegiada à oportunidade de percorrer as vias da jurisdição por intermédio de um procedimento diferente daquele que é atribuído às posições sociais “comuns”. (MARINONI, 2010, p. 152).
Ao falar no princípio de economia processual, não se deve observar apenas por uma perspectiva, ou só o tempo de duração do processo, ou só do custo a ser suportado, pois um está conectado ao outro. Entretanto é perceptível que quando o referido princípio é afrontado em qualquer dos seus seguimentos, o acesso à justiça é prejudicado. Sobre essa perspectiva Almeida Filho comenta: “As economias – processual e financeira – que o processo eletrônico produz devem ser pensadas sob todos os ângulos. O direito processual não se mede pelo valor da causa, porque todas têm a mesma importância, já que a lide deve ser solucionada.” (ALMEIDA FILHO, 2010, p.95).
Para Dinamarco:
É a instrumentalidade o núcleo e a síntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual, sendo consciente ou inconsciente tomada como premissa pelos que defendem o alargamento da via de acesso ao Judiciário e eliminação das diferenças de oportunidade em função da situação econômica dos sujeitos [...]. (DINAMARCO, 2008, p.24).
Outro entrave observado no processo físico é o gasto com papel, tendo em vista que os documentos juntados, as decisões, despachos, notificações, citações, peças processuais e etc. são redigidos utilizando o emprego do papel.
O Processo Judicial Eletrônico coordenado pelo Concelho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com os Tribunais, destina-se a promover um uso inteligente da tecnologia a fim de que possa haver uma prestação jurisdicional mais célere, acessível, econômica, eficiente como também proporcionar a preservação do meio ambiente com a eliminação do papel dentre outros recursos.
Na visão de Krammes (2014), os gastos com os processos tradicionais são considerados elevados, tendo em vista que o dado mais contundente revela que: “Anualmente são iniciados 25 milhões de processos no Brasil. Estimando-se que um processo tenha a média de 30 folhas, são gastos 750 milhões de folhas por ano, sem contar os produtos químicos, água e demais insumos necessários à fabricação de papel. O custo médio da confecção de um volume com 20 folhas, computando-se papel, etiquetas, capa, tinta, grampos e clipes, fica em R$ 20 reais. Ou seja, os 25 milhões de processos anuais custam ao país, somente com insumos, R$ 500 milhões”.
1.4 A sistemática do processo eletrônico
O PJe disciplina o uso do meio eletrônico na tramitação de peças e na prática de atos processuais, possibilitando, por exemplo, a intimação e citação de forma eletrônica. Alterando as atividades judiciárias exercidas pelos magistrados, serventuários e principalmente aos advogados, permitindo a visualização das peças processuais e a possibilitando o peticionamento em horário diferenciado e em qualquer parte do mundo por meio da Internet, sem a necessidade do advogado se locomover até o fórum, permitindo ainda o protocolo e envio por meio eletrônico de forma direta tanto ao distribuidor competente como à vara em que tramita o processo.
O artigo primeiro da lei do processo eletrônico define o que vêm a ser meio eletrônico pelo qual deve proceder os atos processuais:
Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei [...]”.
§ 2º Para o disposto nesta Lei, considera-se:
I - meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais;
II - transmissão eletrônica toda forma de comunicação à distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores [...]. (BRASIL, 2006).
A Internet é a preferível forma de comunicação dos atos e envio de peças processuais, sendo necessária a utilização do certificado e assinatura digital que dão confiabilidade na tramitação.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a resolução n. 334, instituiu o e-STF, que trata do processo eletrônico do referido Tribunal, tal regulamentação refere-se ao Recurso Extraordinário Eletrônico, que permite apenas esta modalidade de recurso ser transmitida eletronicamente ao STF.
Atualmente, o Banco Central também faz uso dos meios eletrônicos para operar seu sistema, o procedimento do Bacen-Jud, permite ao judiciário, com o uso da internet, efetuar bloqueio, desbloqueio e transferência de valores em contas correntes, de poupança e demais ativos. A maior parte dessas operações é feitas por meio de liminar.
Não se quer, com o processo eletrônico, criar um novo tipo de processo judicial, mas apenas informatizá-lo e desburocratizar o trâmite processual, com a utilização de recursos da informática.
Essa forma de tramitação processual, que modifica o sistema do judiciário tornando mais simples, pode ser observada a luz da terceira onda de acesso à justiça observada por Cappelletti: “Poder-se-ia dizer que a enorme demanda latente por métodos que tornem os novos direitos efetivos forçou uma nova meditação sobre o sistema de suprimento – o sistema judiciário”. (CAPPELLETTI; GARTH,1988, p.70).
Marinoni ao tratar das técnicas processuais e tutela do direito também faz referencia aos meios de execução oferecidos pelo ordenamento jurídico:
[...] Para a prestação de uma determinada espécie de tutela jurisdicional do direito, importam também os meios de execução que o ordenamento jurídico oferece para tanto, isso para não se falar no procedimento e na cognição. Os quais também são fundamentais para o encontro da tutela jurisdicional efetiva.(MARINONI, 2010, p. 113).
Almeida Filho ao falar sobre o direito processual aponta que o PJe é um instrumento que possibilita uma agilidade maior na comunicação dos atos processuais e consequentemente de todo o procedimento:
Dentro desta nova ordem processual, o processo eletrônico aparece como mais um instrumento à disposição do sistema judiciário, provocando um desafogo, diante da possibilidade de maior agilidade na comunicação dos atos processuais e de todo o procedimento. (ALMEIDA FILHO, 2010, p.52, grifo do autor).
Os atos do procedimento eletrônico estão dentro dos assuntos apontados na reforma do novo CPC, trazidos pela PL 8.046/10, dentre elas estão, a vídeo conferência, a citação e a comunicação por meio eletrônico, audiência gravada e o documento eletrônico.
1.4.1 A relevância da segurança do sistema
1.4.1.1 Certificação e assinatura digital
A Medida Provisória n. 2.200-2/2001, é de grande importância, ao instituir a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), atualmente o emprego das chaves públicas e privadas são imprescindíveis na implantação de sistemas de informática destinado os autos digitais, a referida MP passou a permitir o uso de certificado digital para dar garantia de autenticidade, a integridade e a validade jurídica dos documentos eletrônicos. Almeida Filho menciona: “[...] No processo eletrônico, os atos processuais deverão ser revestidos de autenticidade, integridade e segurança, uma vez que deverão ser praticados com a adoção de infraestrutura de chaves públicas” (ALMEIDA FILHO, 2010, p. 135).
Ao tratar dos documentos eletrônicos, Greco expõe: “o documento eletrônico oficialmente autenticado tem a eficácia de uma escritura privada, gerando presunção de certeza de providência das declarações de quem o subscreveu”. (GRECO et al., 2001, p.89).
Precisa-se de uma Autoridade Certificadora (AC) para emissão do certificado digital, que é um documento assinado digitalmente contendo várias informações do emissor e seu titular. Sua principal função é de vincular a pessoa a uma chave pública.
Almeida Filho trata o que vem ser a assinatura digital:
Através de um sistema de codificação e, posteriormente, decodificação, pelas nominadas chaves simétricas e assimétricas, se pode verificar a autenticidade da assinatura. Caso não haja a decodificação de forma correta, o sistema identifica e o documento é rejeitado. Trata-se de segurança necessária para as transações comerciais e em especial para a utilização de transmissão de atos processuais por meio eletrônico. Importante ressaltar, ainda, que todos os sujeitos do processo deverão possuir certificado de assinatura digital, a fim de garantir segurança e confidencialidade dos dados transmitidos pela Internet [...]. (ALMEIDA FILHO, 2010, p. 142).
Advogados, juízes e auxiliares da justiça precisam ter o certificado digital para praticar determinados atos, a informatização do judiciário obriga a aquisição do certificado digital por parte de todos. (ALMEIDA FILHO, p.137).
Segundo o relatório da Justiça em Números divulgado pelo CNJ, até o final do ano de 2013, a Ordem dos Advogados do Brasil possuía cerca de 790.000 inscritos, desses inscritos 255 mil aderiram à certificação.
Os dez estados que tiveram o maior número de inclusão dos certificados digitais emitidos para advogados, e consequentemente indica o grau de evolução do processo eletrônico nos referidos tribunais foram: MS (75,99%), Amazonas (74,93%), Paraná (73,33%), Alagoas (54,70%), Ceará (51,77%), Acre (48,42%), Rio Grande do Norte (47,29%), Santa Catarina (45,72%), Pernambuco (41,96%) e Sergipe (39%).
No Tribunal de Justiça de São Paulo, o índice de volume do processo eletrônico no total de autos judiciais ativos era de 1%, em 2011, mas com o progresso na implantação do sistema do processo eletrônico, houve um aumento no índice, pois cerca de 40% das varas, em um total de 285 varas, estavam com a tramitação dos autos judiciais fora do modelo convencional – o papel.
Em alguns Tribunais, como o TRT da 18° Região, o ingresso dos usuários no sistema pode ser feito através de login e senha, não sendo necessária a utilização do certificado digital. A nova versão do PJe-JT (1.4.7.4.R16) embora permita esse método de acesso que possibilita a visualização íntegra do processo de forma mais rápida, quando tratar-se de ações que tramitam em segredo/sigilo de justiça a consulta somente poderá ser feita com o certificado digital.
Desta forma Alvim e Cabral Júnior ao tratar da informatização do processo judicial fazem breves comentários a respeito da Lei 11.419/06 e menciona as formas de identificação do signatário:
Estabelece o inc. III, do § 2º, do art. 1° que se considera assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário: a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei especifica; b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário conforme disciplinado pelos órgãos respectivos. (ALVIM; CABRAL JÚNIOR, 2008, p.20, grifo do autor).