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O modelo de ponderação de Robert Alexy

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30/08/2014 às 15:15

Resumo:


  • A proporcionalidade é um princípio fundamental do pós-positivismo e é composta por subprincípios de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, sendo a ponderação um método para aplicação deste último.

  • Os subprincípios da proporcionalidade devem ser aplicados sequencialmente, com a adequação avaliando a aptidão do meio para atingir um fim, a necessidade comparando alternativas menos restritivas a outros direitos fundamentais e a proporcionalidade em sentido estrito balanceando a importância dos princípios em conflito.

  • A ponderação, segundo Robert Alexy, é um modelo de fundamentação racional das decisões jurídicas e não apenas de decisão, e deve seguir regras que conferem racionalidade ao processo, como a "lei da ponderação", que determina que a importância da satisfação de um princípio deve ser proporcional ao grau de não satisfação de outro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A ponderação descrita por Alexy foi uma conquista que permite tentar atingir a maximização da realização de princípios, sem precisar recorrer à invalidação de um deles. A importância histórica deste método é indiscutível e ele foi o único encontrado pelo direito até o início deste século que se adaptou à concepção de que normas não são apenas regras.

INTRODUÇÃO

Primeiramente, analisa-se a ponderação como elemento da proporcionalidade. A proporcionalidade é subdividida nos denominados subprincípios ou máximas parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Para Alexy, a ponderação é representada pelo elemento parcial da proporcionalidade em sentido estrito e para chegar a ela, antes, é necessário passar pela adequação e pela necessidade, pois existe uma ordem a ser obedecida.

O princípio da proporcionalidade é um dos mais importantes princípios do pós-positivismo, pois exerce função imprescindível na proteção dos direitos fundamentais. Observa-se que a harmonia entre os direitos fundamentais só é alcançada através da aplicação da proporcionalidade que, sob a forma de princípios, devem ser realizados nas máximas medidas possíveis.

Em seguida, são abordados os subprincípios da proporcionalidade. A adequação exige aptidão do meio escolhido para promover um determinado fim. Adequado é o meio que “fomenta”, “promove” o fim, e não aquele que o realiza. A necessidade faz um juízo comparativo, exige que, quando o meio escolhido restringe outro direito fundamental, sejam buscados meios alternativos que não atinjam este outro direito fundamental. Já a proporcionalidade em sentido estrito, que, para Robert Alexy, corresponde ao mandado de ponderação, exige que se analise se a importância do princípio fomentado pelo meio escolhido é suficientemente grande para justificar a intensidade da restrição ao princípio contraposto.

É importante frisar que algumas constituições consagram o núcleo essencial dos direitos fundamentais, consistente num âmbito que não pode ser violado, mesmo nas situações de colisão entre princípios. Os autores discutem se o objeto da proteção ao núcleo essencial seria protegido pela teoria objetiva ou pela teoria subjetiva. Outra discussão doutrinária ainda indaga se a proteção ao núcleo é absoluta ou relativa. Observa-se também que para alguns autores, o núcleo essencial se confunde com a dignidade da pessoa humana.

Nota-se que Alexy defende a ponderação como um modelo de fundamentação (e não de mera decisão), assegurando sua segurança, ou seja, sua racionalidade. Para tanto, o jurista desenvolve um conjunto de regras da argumentação aptas à racionalização das decisões jurídicas. Alexy formulou uma lei que se aplica a todas as ponderações de princípios, a chamada “lei da ponderação”, que prescreve que quanto maior é o grau da não satisfação de um princípio, maior deve ser a importância da satisfação do outro.

O modelo adotado por Alexy sofreu forte crítica de Jürgen Habermas. Habermas entende que a carência de racionalidade na ponderação é a consequência de uma construção problemática que tenta entrelaçar princípios a valores. Assim, com a finalidade de expor em detalhes a racionalidade da ponderação, Alexy empenhou-se na elaboração da “fórmula da ponderação”, também chamada de “fórmula peso”. Porém, a utilização de um artifício matemático certamente não é recebida pacificamente pela teoria do direito.

Luis Fernando Schuartz assinala que o raciocínio econômico que sustentava a teoria de Alexy foi superado pelas concepções atuais, ditas neoclássicas, pois os agentes econômicos no capitalismo nem conseguem maximizar as decisões, nem devem tentar fazê-lo.

As críticas parecem pertinentes, apesar de entendermos que não nulificam a teoria de Alexy. Sem dúvidas, a ponderação descrita por Alexy foi uma conquista que permite tentar atingir a maximização da realização de princípios, sem precisar recorrer à invalidação de um deles.


1. A PONDERAÇÃO COMO ELEMENTO DA PROPORCIONALIDADE

A proporcionalidade se subdivide nos denominados subprincípios ou máximas parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Para Robert Alexy, a ponderação é um método representado pela aplicação de um dos elementos parciais da proporcionalidade, a proporcionalidade em sentido estrito. Para chegar nela, contudo, é imperioso percorrer o caminho dos outros elementos da proporcionalidade – adequação e necessidade.

Um dos mais importantes princípios consagrados pelo pós-positivismo foi o princípio da proporcionalidade, pois exerce papel imprescindível na proteção dos direitos fundamentais. A harmonia entre os direitos fundamentais só pode ser alcançada através da aplicação da proporcionalidade, uma vez que o intérprete se depara com uma constituição que representa um conjunto axiológico plural, cujos princípios entram em embates a todo instante. O melhor caminho encontrado pelo direito para solucionar estes confrontos é a utilização da proporcionalidade.

A ideia de proporção está intimamente ligada ao direito. A proporção é encontrada na relação entre meio e fim, pois sempre haverá uma medida questionada, cuja finalidade também será avaliada para que se possa aplicar corretamente a proporcionalidade. O questionamento que se faz de uma medida tem como base outro princípio, que foi atingido e precisa, nas máximas possibilidades, ser efetivado.

Esta busca constante de harmonização demonstra a importância da proporcionalidade. Paulo Bonavides relaciona seu surgimento com a modificação da ideia de Estado de Direito. Primeiramente, no apogeu do direito positivo, o Estado de Direito era entendido sob a ótica do princípio da legalidade, o qual, após a segunda guerra mundial, cedeu lugar ao princípio da constitucionalidade, que “deslocou para o respeito dos direitos fundamentais o centro de gravidade da ordem jurídica”[1]. Como os direitos fundamentais estruturam-se eminentemente sob a forma de princípios e estes são, para Robert Alexy, mandados (ou mandamentos) de otimização, sua aplicação exige um novo modelo – a proporcionalidade.

O reconhecimento da proporcionalidade, entretanto, já foi questionado na doutrina, devido à suposta não previsão na ordem jurídica brasileira. É verdade que a Constituição brasileira lhe não atribui menção expressa, como fez o constituinte português na carta de 1976. Entretanto, tal fato não lhe retira a imperatividade. Essa, aliás, é a opinião da maioria da doutrina, que têm se esforçado para justificar sua presença em nosso direito.

Paulo Bonavides entende que o princípio está previsto em diversas disposições da Constituição, como, por exemplo, os incisos V, X, e XXV do art. 5º; os incisos IV, V e XXI do art. 7º; o inciso IX do art. 37; inciso V do art. 40 e inciso VIII do art. 71. É também decorrente do Estado de Direito e da unidade da Constituição. Por fim, baseia ainda a positividade no § 2º do art. 5º, uma vez que a Carta Magna não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados[2]. Estes dois últimos também são compartilhados por Willis Santiago Guerra Filho.[3]

Luís Virgílio Afonso da Silva chama atenção para o Estado de Direito como opção de boa parte da doutrina, além de ser esta a linha seguida, na Alemanha, pelas decisões do Tribunal Constitucional.[4]

Todas estas teses foram bem construídas e são suficientes para sustentar a presença da proporcionalidade no Brasil. Não obstante, a ideia que nos parece pôr fim à discussão é defendida por Robert Alexy. O autor defende que a chamada “máxima” da proporcionalidade (como foi traduzida na versão espanhola de sua Teoria dos Direitos Fundamentais) é uma dedução da aceitação dos direitos fundamentais como princípios, ou seja, é uma consequência lógica incontornável[5]. Partindo de sua definição de princípios como mandados de otimização, isto é, normas que determinam que algo deve ser efetuado no maior alcance possível, conforme as possibilidades fáticas e jurídicas, chega-se inevitavelmente à proporcionalidade.[6]

O papel desempenhado no direito constitucional atual é tão destacado que Willis Guerra Filho vislumbra na proporcionalidade a norma fundamental da ordem jurídica, já que ela permite a convivência de princípios divergentes e viabiliza sua aplicação sempre observando a situação fática. Além disso, a proporcionalidade é capaz de atender à necessidade de validação não apenas “de cima para baixo”, mas também “de baixo para cima”, na medida em que a proporcionalidade pode dar “um salto hierárquico”, ao sair do ponto alto da pirâmide em direção a sua base, onde irá validar normas individuais resultantes de decisões de conflitos concretos. [7]

A peculiaridade de sua aplicação faz Humberto Ávila defender que a proporcionalidade não é nem regra nem princípio, mas, postulado. Não cabe desenvolver profundamente as ideias deste autor, visto que o objeto do estudo é a obra de Robert Alexy. Porém, vale ressaltar que, para o autor brasileiro, a proporcionalidade é uma metanorma, pois estabelece a estrutura de aplicação de regras e princípios. Quando deixa de ser aplicada, violada não é ela, mas a norma de primeiro grau – uma regra ou um princípio – que clamava por sua utilização. A violação à proporcionalidade, portanto, seria apenas elíptica.[8]

Por fim, é importante deixar claro a diferença entre proporcionalidade e razoabilidade. A tarefa não é complicada, porque não são dois temas que se confundem teoricamente. Luís Virgílio Afonso da Silva lembra que alguns autores, apesar do reconhecimento da origem distinta (germânica e anglo-saxônica, respectivamente), tratam-nos como correspondentes[9]. Willis Guerra Filho, porém, já alertou que proporcionalidade e razoabilidade, além de origens diferentes, têm propósitos e estruturas que não se identificam. A razoabilidade dispõe-se apenas à vedação do absurdo, sem a finalidade de harmonizar concretamente direitos fundamentais, em prestígio à inserção dos mais diversos valores na constituição, além de não possuir uma estrutura encadeada com elementos específicos de aplicação, como acontece com a proporcionalidade.[10]

1.1. Os elementos parciais da proporcionalidade

A aplicação da proporcionalidade é realizada segundo a utilização de seus três elementos parciais – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Deve-se ressaltar que a utilização dos elementos parciais deve ser feita de forma concatenada, ou seja, uma ordem deve ser obedecida. Só se decide com base na proporcionalidade em sentido estrito, se já tiverem sido superadas, nesta sequência, a adequação e a necessidade. É por essa razão que Luís Virgílio Afonso da Silva afirma que se pode estabelecer entre os três elementos uma relação de subsidiariedade.[11]

Uma peculiaridade é encontrada na doutrina de Alexy. A maioria dos autores entende que a proporcionalidade é um princípio. Alexy, entretanto, reconhece que a proporcionalidade não pode ser considerada um princípio. É que a proporcionalidade, em seus três elementos, nunca é ponderada frente a um princípio. Ela não se submete ao regime dos princípios, que às vezes prevalecem e, às vezes, não. A proporcionalidade deve ser sempre aplicada e seus elementos parciais devem sempre ser satisfeitos, tendo sua não satisfação a consequência da ilegalidade. Este modo de aplicação é típico das regras e, para ser coerente em relação a sua teoria, é como regra que os elementos parciais da proporcionalidade são catalogados por Alexy.[12]

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Como foi dito, Alexy defende a existência da proporcionalidade como uma consequência inevitável do reconhecimento dos direitos fundamentais, que, sob a forma de princípios, devem ser realizados nas máximas medidas possíveis. Estas “máximas medidas possíveis” correspondem, para Alexy, às possibilidades fáticas e jurídicas. Fáticas são as possibilidades referendadas pelos elementos parciais – ou subprincípios – da adequação e da necessidade, enquanto que as possibilidades jurídicas são representadas pelo elemento da proporcionalidade em sentido estrito.[13]

O primeiro deles é a adequação, que exige aptidão do meio escolhido para promover um determinado fim. Acompanhando as decisões dos tribunais alemães, muitos autores conferem à adequação o sentido de aptidão para “realizar” um fim. Essa, porém, não é a melhor interpretação que se faz do Tribunal Constitucional alemão, pois este defende que adequado é o meio que “fomenta”, “promove” o fim e não, aquele que o realiza[14].  Será inadequado, portanto, aquele que não servir à promoção do fim perseguido pelo princípio.

Adiante é feito o exame da necessidade do meio escolhido. Se na adequação a análise se faz com observância apenas do meio escolhido, na necessidade, deve-se realizar um juízo comparativo. Este elemento da proporcionalidade exige que, quando o meio escolhido restringe outro direito fundamental, sejam buscados meios alternativos que não atinjam este outro direito fundamental. Vejamos o exemplo de Robert Alexy, que envolve somente dois princípios e dois sujeitos (estado e cidadão): existem, no mínimo, dois meios, M1 e M2, que são igualmente fomentadores do fim F, tendo em vista o princípio P1. Entretanto, M2 afeta menos, ou não afeta, aquilo que exige a norma de direito fundamental com caráter de princípio, P2. Assim, para P1, não faz diferença que se escolha M1 ou M2, mas P2 não pode suportar M1 ou M2. Com respeito às possibilidades fáticas, P2 será fomentado em uma medida maior se for escolhido M2. Portanto, do ponto de vista da otimização referente às possibilidades fáticas, somente M2 está permitido, enquanto M1 está proibido.[15]

A escolha acima indicada de M2 será simples, caso o meio não afete, de modo algum, o princípio P2. Entretanto, ainda que M2 seja mais benéfico a P2, se o meio escolhido afetar de alguma maneira o princípio contraposto, o elemento da necessidade não será suficiente para resolver a questão, somente para indicar qual meio restringe menos P2. A solução ao problema se dará no âmbito de aplicação do último elemento, que leva à verificação das possibilidades jurídicas.

O elemento apto a resolver esta colisão é a proporcionalidade em sentido estrito, que, para Robert Alexy, corresponde ao mandado de ponderação. Deve-se analisar se a importância do princípio fomentado pelo meio escolhido é suficientemente grande para justificar a intensidade da restrição ao princípio contraposto. O autor propõe que a ponderação seja feita com base na atribuição escalonada de grau à intensidade da intervenção no princípio contraposto. Da mesma maneira, deve-se atribuir grau de importância ao fomento do fim almejado pelo princípio. Por causa disso, estará justificada a intervenção que tiver grau menor que o grau de importância atribuído. Por outro lado, será desproporcional a restrição que tem um grau de intervenção superior ao  grau de importância[16].

A possibilidade – jurídica – de fomentar um princípio dependerá precisamente do princípio oposto, isto é, se é possível e em que intensidade pode ser restringido. A ponderação é uma exigência da lei de colisão, descrita acima, que não aceita restrições de direitos fundamentais sem a adoção de um método racional. Portanto, daí surge a justificativa de Robert Alexy de que a proporcionalidade “é dedutível do caráter de princípio das normas de direito fundamental”[17].

A proporcionalidade tem uma relação direta com o ótimo de Pareto, figura utilizada na economia para expressar a ideia de que uma posição pode ser melhorada, sem que outra piore. É esta ilustração econômica que Alexy utiliza para demonstrar que o objetivo a ser perseguido, quando princípios colidem, é a solução ótima, ou seja, aquela que não tem mais como ser melhorada.[18]

Surge no momento da ponderação a possibilidade de autorizar restrições a um direito fundamental. Estas restrições devem ser pautadas, para alguns autores, pela observação do núcleo ou conteúdo essencial dos direitos fundamentais, que passamos a analisar.

1.2. A proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais

A proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais floresce ao lado das discussões sobre os limites existentes para restrição de um direito fundamental. Um destes limites é exatamente a aplicação da proporcionalidade. Os autores alemães denominaram “limites dos limites” o elenco de proteções contra as restrições tão intensas que levariam ao esvaziamento ou supressão de um direito fundamental. Neste rol de limites é incluído o núcleo essencial dos direitos fundamentais, também chamado de conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Diferentemente da constituição brasileira, algumas constituições consagraram expressamente a proteção ao núcleo, como faz a constituição alemã.[19]

Willis Guerra Filho ensina que o núcleo essencial de um direito fundamental consiste num âmbito que não pode ser violado, mesmo nas situações de colisão entre princípios, em que haverá de se restringir um deles[20]. Assim, mesmo que precise fomentar um outro princípio, o intérprete não pode desrespeitar o núcleo essencial.

Humberto Ávila entende que a proteção ao núcleo é verificada em decorrência do princípio da proibição de excesso, e não, como um dos aspectos que devem ser considerados pela aplicação da proporcionalidade. É que, entende o autor, o respeito ao núcleo não importa análise de justificação do meio pelo fim, mas apenas a observação da preservação de um mínimo de eficácia do princípio.[21]

Discutem os autores sobre o objeto da proteção ao núcleo essencial: seria protegido pelo núcleo o direito subjetivo individual ou a garantia objetiva? Duas teorias tentam responder essa questão – a objetiva e a subjetiva. A primeira entende que a proteção do núcleo corresponde à disposição normativa do direito fundamental, ou seja, deve ser resguardada a garantia geral e abstrata prevista no texto normativo. Por sua vez, a teoria subjetiva entende que a proteção do núcleo essencial abarca o direito subjetivo do particular. Robert Alexy entende que, embora os problemas decorrentes da proteção ao núcleo essencial sejam mais facilmente resolvidos com apoio da teoria objetiva, deve ser adotada também a teoria subjetiva – sem exclusividade de uma das duas – em função do caráter de direitos individuais dos direitos fundamentais[22]. A mesma posição é defendida por Canotilho, para quem a opção unilateral por uma das duas teorias traria efeitos indesejáveis à aplicação:

A solução do problema não pode reconduzir-se a alternativas radicais porque a restrição dos direitos, liberdades e garantias deve ter em atenção a função dos direitos da vida comunitária, sendo irrealista uma teoria subjectiva desconhecedora desta função, designadamente pelas consequências daí resultantes para a existência da própria comunidade, quotidianamente confrontada com a necessidade de limitação dos direitos fundamentais mesmo no seu núcleo essencial (ex: penas de prisão longas para crimes graves, independentemente de se saber se depois do seu cumprimento restará algum tempo de liberdade ao criminoso).[23]

Existe, ainda, outra discussão doutrinária que indaga se a proteção ao núcleo é absoluta ou relativa. De acordo com a teoria absoluta, o núcleo essencial jamais poderia ser restringido e sua fixação seria feita abstratamente. Também chamada de teoria do núcleo duro, esta visão determinaria qual conteúdo já estaria protegido, antes mesmo de se realizar a ponderação. Essa ideia é criticada porque tal núcleo abstrato não existe pronto e seria ilusório acreditar que o intérprete poderia conhecê-lo previamente[24]. Com efeito, é difícil sustentar que uma interpretação pode ser feita com uma norma cujo conteúdo já foi fornecido e tornado imutável, sem nem mesmo tomar conhecimento do caso concreto.

De outro lado, tem-se a teoria relativa, que sustenta que o núcleo essencial será conhecido apenas após o processo de ponderação. Logo, o núcleo será conhecido mediante a análise do caso concreto, sem definição prévia e abstrata. A crítica que se faz contra a teoria relativa sugere que a entrega do núcleo à ponderação pode levá-lo ao esvaziamento, justamente aquilo que ele visa proibir.

Canotilho novamente coloca-se contra a adoção unilateral de uma das teorias, uma vez que conduzir o núcleo à ponderação é demasiadamente perigoso. Além disso, optar-se pela teoria absoluta determinaria a desconsideração de defesa de outros direitos, liberdades e garantias, os quais são aptos para justificar a relativização de um direito fundamental[25].

Daniel Sarmento afirma que a escolha correta é a da teoria relativa do núcleo essencial, por se adaptar melhor às decisões constitucionais mais complexas[26]. Por sua vez, Ana Paula de Barcellos sustenta que não está excluída a possibilidade de se refletir abstratamente e com base em precedentes judiciais, para que a doutrina possa construir os sentidos de cada direito. Isso levaria ao estabelecimento de parâmetros capazes de identificar os aspectos essenciais de cada direito e suas possibilidades de restrição. Esse trabalho não construiria um núcleo duro e permanente, mas consistente e histórico, com certa proteção aos direitos fundamentais.[27]

Por fim, há a posição de Robert Alexy, mais complexa e condizente com seu pensamento acerca dos princípios. Ao invés de impor ao princípio da proporcionalidade – nomeadamente à ponderação – um limite adicional à restrição de direitos fundamentais, a garantia do núcleo essencial, consagrada na constituição alemã, art. 19, §2º, é mais uma razão em favor do princípio. Para o autor, a ideia de que existem direitos que nunca são afastados por razões superiores, em certa medida, está correta. No entanto, esse pensamento absoluto se baseia na teoria relativa, pois, em sua visão, quanto mais se deixa de realizar um princípio, mais forte ele se torna. Isto é, a força das razões que justificam a não realização tem de aumentar tanto quanto aumenta a intervenção. Assim, quanto maior uma intervenção, mais difícil será sua justificação.

A partir deste raciocínio, percebe-se com grande segurança que existem condições de um princípio sob as quais nenhum princípio oposto terá preferência, ou seja, nenhum princípio oposto poderá intervir. Citando Peter Häberle, Robert Alexy entende que tais condições definem o “núcleo da configuração privada da vida” [28]. Entretanto, o caráter absoluto de sua proteção está intimamente ligado à relação entre os princípios – eis, então, a justificativa para a proteção absoluta se basear na teoria relativa. Em circunstâncias normais, é tão alto o grau de segurança da proteção que é possível falar de uma proteção absoluta – que decorre sempre das relações entre princípios. Portanto, conclui o autor que o núcleo essencial dos direitos fundamentais não impõe nenhuma limitação adicional à ponderação, ao contrário, decorre de sua utilização.[29]

O núcleo essencial, para alguns autores, se confunde mesmo com a dignidade da pessoa humana. Willis Guerra Filho, por exemplo, defende que no núcleo essencial “se acha insculpida a dignidade humana”.[30] Este entendimento não é pacífico. Já foi visto que a própria existência de um núcleo sempre protegido é controvertida entre os autores. Aqui, a ideia parece mais compreensível do que a defesa de um núcleo essencial em cada direito fundamental, porque estaria proibida uma restrição a um direito fundamental que fosse tão intensa a ponto de atingir um indivíduo em sua dignidade.

Ingo Wolfgang Sarlet defende a tese de que a dignidade não necessariamente se confunde com o núcleo essencial dos direitos fundamentais por duas razões. A primeira delas é que nem todos os direitos têm um conteúdo em dignidade e a segunda é que a garantia do núcleo essencial ficaria esvaziada caso este fosse identificado totalmente com o conteúdo em dignidade.[31]

Mesmo questionada, parece irrefutável que a ponderação não pode ser cumprida sem estar presente a observação da dignidade da pessoa humana. Não se pode aceitar que, após a realização de uma ponderação de princípios, o resultado da restrição de um deles seja tão grave que interfira na dignidade da pessoa humana. Se isso ocorresse, estaria sendo incotornavelmente ferido um direito fundamental – e, por mais simples que pareça a afirmação, se é fundamental não pode ser afastado integralmente. Como consequência, a ponderação estaria sendo utilizada somente para tentar legitimar um procedimento em que se praticou a mais grave violação de um direito fundamental.

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Sobre o autor
André Canuto de F. Lima

Analista Judiciário lotado no Supremo Tribunal Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, André Canuto F.. O modelo de ponderação de Robert Alexy. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4077, 30 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31437. Acesso em: 21 dez. 2024.

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