Sociedade limitada unipessoal.

Importância da sua regulamentação para o mercado brasileiro

Leia nesta página:

Estuda-se a sociedade unipessoal, expondo a evolução do instituto e demonstrando as vantagens econômicas e sociais de sua implementação para o país.

Sumário: INTRODUÇÃO;  1)EVOLUÇÃO DO INSTITUTO. CONCEITOS. MUDANÇAS. 2) CONSIDERAÇÕES FINAIS; Referências.


Introdução

O ordenamento jurídico brasileiro não admite a constituição de uma sociedade formada por apenas um sócio, as chamadas sociedades unipessoais. Com efeito, a pessoa que deseja exercer atividade empresarial, mas que não tem intenção de manter relação societária com ninguém, fica a mercê de uma legislação que pouco, ou em nada lhe protege.

Destarte, este trabalho tem o escopo de trazer à baila a importância da regulamentação da sociedade limitada unipessoal no arcabouço jurídico pátrio, mostrando sua viabilidade e indispensabilidade, através do posicionamento de doutrinadores do tema, assim como, uma breve visão do direito comparado. Para a realização e desenvolvimento deste trabalho foi realizada pesquisa doutrinária, a consulta da legislação pátria e a viabilidade do Projeto de Lei de iniciativa do Senado Federal nº 96/2012.

1.EVOLUÇÃO DO INSTITUTO. CONCEITOS. MUDANÇAS.

Por muito tempo concebeu-se na doutrina empresarial que as pessoas jurídicas não se confundem com as pessoas naturais que a compunham. Como consequência não se podia imaginar que uma sociedade pudesse ser constituída por uma única pessoa física.

Desta forma a possibilidade de haver a constituição de pessoa jurídica por apenas um indivíduo é acompanhada de certo descrédito pela doutrina e pelas diversas legislações mundo a fora. Portanto há ainda certa relutância em se reconhecer a figura da sociedade unipessoal.

Como bem preceitua Calixto Salomão Filho (2011, p.216):

“As tentativas de encontrar um sucedâneo ou, ao menos, um concorrente para a sociedade, como forma de organização, aparecem no campo das organizações unipessoais, sobretudo pelos problemas teóricos relacionados ao reconhecimento de uma sociedade com apenas um sócio.”

Com a evolução da doutrina empresarial, novos horizontes foram vislumbrados para oferecer proteção àqueles empreendedores que se aventurassem nos meios empresariais, assim sendo, foram surgindo figuras como as do empresário individual, a EIRELI e a sociedade unipessoal.

O empresário individual não tem as mesmas prerrogativas e garantias das sociedades empresárias, tais como: a possibilidade de responsabilidade subsidiária dos sócios; a separação entre o patrimônio individual dos sócios e o patrimônio da sociedade, dentre tantas outras garantia que lhe são peculiares.

Diante o exposto surgiu um tema bastante alvissareiro no direito societário, trata-se da possibilidade de constituição de sociedade limitada unipessoal.

O tema não é novo no cenário internacional, pois já em 1989 a 12ª Diretiva do Conselho da União Europeia regulamentou a sociedade limitada unipessoal no direito comunitário europeu. Outro exemplo de ordenamento que admite a constituição de uma sociedade com apenas um sócio é o francês. Assim preceitua seu código comercial:

“Art. 1832. A sociedade é instituída por duas ou várias pessoas que convém por um contrato afetar a uma empresa comum bens ou sua indústria tendo em vista repartir o lucro ou aproveitar a economia que dela poderá resultar.

Ela pode ser instituída nos casos previstos em lei, por ato de vontade de uma só pessoa.”

Outros países, segundo André Santa Cruz Ramos (2013, p. 222), também incluíram em seus ordenamentos a possibilidade de sociedade unipessoal, como Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, Estados Unidos e tantos outros.

Segundo o artigo 981 do código civil brasileiro,

“Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”,

assim sendo, o aludido artigo consagra a pluralidade de sócios como pressuposto para existência de uma sociedade. Destarte, regra geral, o Brasil não admite a constituição de uma sociedade unipessoal.

Situação bastante específica que estabelece exceção à regra do direito brasileiro é a chamada sociedade subsidiária, uma espécie de sociedade anônima que tem como único sócio uma sociedade brasileira (Art. 251, § 2°, da LSA). Outro exemplo que alguns doutrinadores enfatizam é o da Empresa Pública Unipessoal, na qual toda participação societária fica concentrada em poder de uma pessoa jurídica de direito público (RAMOS. 2013, p.222).

Note-se que nos exemplos excepcionais ora expostos, nosso legislador admite sociedade unipessoal de pessoa jurídica, todavia, não admitia a sociedade unipessoal formada por uma pessoa natural, salvo a possibilidade de existência regular temporária de uma sociedade com apenas um sócio, regulamentada pelo artigo 1033, inciso IV do código civil. Essa norma permite que a sociedade permaneça com apenas um sócio por um período de 180 dias, após esse prazo a pluralidade deve ser restituída, ou do contrário será dissolvida.

Com o intuito de resguardar o patrimônio pessoal do empresário individual e diminuir uma prática bastante usada no Brasil que é a formação de sociedades compostas por sócios com participação irrisória, sem nenhuma participação de fato, foi que em 2011 foi criada a Lei 12.441, reconhecendo a possibilidade de existência de uma empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), porém, a lei foi mal redigida, como bem adverte André Luiz Santa Cruz Ramos (2013, p. 223):

“O legislador deveria ter optado por duas figuras: empresário individual de responsabilidade limitada ou sociedade limitada unipessoal, no primeiro caso, o empresário individual, pessoa física, ao iniciar o exercício de uma atividade empresarial, constituiria para tanto uma patrimônio de afetação, que se confundiria com seu patrimônio pessoal, e o registraria na Junta Comercial. Assim, as dividas que contraísse em função do exercício de sua atividade empresarial, em princípio, não poderiam ser executadas no seu patrimônio pessoal, no segundo caso, seria suprimida a exigência de pluralidade de sócios para a constituição de sociedade limitada, o que permitiria que uma pessoa sozinha, fosse titular 100% das cotas do seu capital social, assim o patrimônio social não se confundiria com o patrimônio pessoal do sócio, o qual não poderia, em principio, ser executado para garantia de dividas sociais”.

Como já foi dito, na empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), o nosso legislador quis resguardar o empresário individual de arriscar seu patrimônio pessoal, limitando sua responsabilidade ao capital social da empresa, porém, a lei impôs restrições absurdas, sendo até mesmo objeto de ação de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

Destacamos a importante iniciativa do projeto de lei do Senado Federal nº 96 de 2012, de autoria do Senador Paulo Bauer, projeto este, elaborado com inspiração nas regras da sociedade unipessoal por quotas previstas no Código das Sociedades Comerciais de Portugal. O referido projeto retira pontos controversos e obscuros da EIRELI, além disso, regulamenta e reconhece a criação da sociedade limitada unipessoal. Assim estabelece o projeto:

“Art. 1.087-A. A sociedade limitada unipessoal pode ser constituída, mediante ato unilateral, por sócio único, pessoa natural ou jurídica, titular da totalidade do capital social.

§ 1º A sociedade limitada unipessoal pode resultar da concentração na titularidade de um único sócio das quotas de uma sociedade limitada, independentemente da causa da concentração.

§ 2º A transformação prevista no § 1º efetua-se mediante declaração do sócio único na qual manifeste sua vontade de transformar a sociedade limitada em sociedade limitada unipessoal, podendo essa declaração constar do próprio documento que titule a cessão de quotas.

§ 3º Por força da transformação prevista no § 1º, deixam de ser aplicáveis todas as disposições do contrato de sociedade que pressuponham a pluralidade de quotas.

§ 4º O empresário pode, a qualquer tempo, transformar-se em sociedade limitada unipessoal, mediante declaração escrita do interessado.”

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Convém destacar que apesar de criar a figura da sociedade unipessoal no direito brasileiro, o projeto de Lei n.º 96/2012 não exclui a figura da EIRELI, muito pelo contrário, pois tira boa parte das nefastas exigências para a constituição da empresa individual de responsabilidade limitada.

Assim, Miari (2013) retrata o projeto:

“Tramita no Senado o projeto de lei n. 96 de 2012, proposto pelo Senador Paulo Bauer, que visa alterar o Código Civil brasileiro para, mantendo a empresa individual de responsabilidade limitada, constituída por um único sócio pessoa natural, criar a sociedade unipessoal constituída por um único sócio, pessoa natural ou jurídica. A justificativa para propositura do projeto consiste no fato de que o atual artigo 980-A, inserido pela Lei 12.441, de 2011 teria sido omisso ao não delimitar que a empresa individual de responsabilidade limitada só poderia ser composta de pessoa natural.”

O projeto sugere ainda a extinção do capital mínimo da EIRELI (atualmente de 100 vezes o salário mínimo), alegando na justificativa que tal previsão desestimula sua utilização e nenhum outro país faz essa exigência. Prevê também mudança legislativa para autorizar a constituição de mais de uma empresa individual de responsabilidade limitada pela pessoa natural, ao contrário da regra atual.

Caso haja a conversão do referido projeto em lei, haverá no direito pátrio duas espécies de “sociedades” com a possibilidade de serem constituídas por apenas uma pessoa, trata-se, pois, da EIRELI e da Sociedade Limitada Unipessoal.

Mesmo se tratando de um tema crucial para o mercado brasileiro, a tramitação do projeto caminha a passos lentos, nas infinitas e cansativas comissões parlamentares do Congresso Nacional.

2.Considerações finais.

É preciso que o empreendedor brasileiro tenha estímulo para constituir seu próprio negócio, e esse estímulo passa pela garantia que o Estado deve lhe proporcionar ao prever que este não responda ilimitadamente com seu patrimônio pessoal.

O empreendedor cheio de ideias inovadoras não pode se inibir de ousar no mercado empresarial, mas ousar no bom sentido do termo. Hoje o que há é uma ousadia no “jeitinho brasileiro” de usar um “laranja” com participação ínfima numa sociedade, com o único intuito de ter uma garantia que o Estado deveria lhe proporcionar legalmente e que não o faz por negligência.

Toda essa celeuma poderia ser varrida das práticas empresariais com o advento de uma lei que regulamentasse a possibilidade do empresário individual constituir uma empresa em que sua responsabilidade ficasse limitada ao patrimônio investido. A preço de hoje o instituto que reune todas essas garantias é o da sociedade limitada unipessoal.

Mesmo diante de todas essas inovações legislativas, é necessária uma ampla discussão sobre o tema, pois deve ser levada em consideração a questão da existência de dois institutos jurídicos que tem o mesmo fito, qual seja, o de limitar a responsabilidade da pessoa que se insere no mercado.

O micro e pequeno empresário, que seriam os mais beneficiados com o surgimento da sociedade limitada unipessoal, não podem ser vítimas da leniência estatal. Dificultar a vida de um empreendedor é emperrar o progresso de um país.


Referências

  • BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de jan. de 2002. Institui o Código Civil. DOU de 11.1.2002.

  • BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei n. 96 de 2012 iniciado no Senado Federal. Altera a Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para aperfeiçoar a disciplina da empresa individual de responsabilidade limitada e para permitir a constituição de sociedade limitada unipessoal. Disponível em : Acesso em : 29/12/2013.

  • MIARI, Áira Lages. Breves Considerações Sobre a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada No Direito Brasileiro. Disponível: <http://www.webartigos.com/artigos/breves-consideracoes-sobre-a-empresa-individual-de-responsabilidade-limitada-no-direito-brasileiro/110685/> Acesso em: 01/12/2013.

  • RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial esquematizado.JusPodvim, 2013

  • SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo Direito Societário, 4ed., 2011, p. 216.

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Sobre os autores
Wemerson Leandro de Luna

Bacharelando em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras - FAFIC. Ex-Membro do Projeto de Extensão "Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável: desafios e possibilidades". Ex-Estagiário no escritório Cariri Advogados 2013-2015. Estagiário do Ministério Público do Ceará - Promotoria de Justiça de Aurora 2015-atual. Correspondente Jurídico na Comarca de Aurora. Produtor de textos e artigos acadêmicos. Bolsista Prouni.

Manassés Leandro da Silva

Acadêmico de Direito pela FAFIC-PB

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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