RESUMO:O presente trabalho pretende discorrer sobre a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), quanto à prestação de serviços na área de vigilância em saúde do trabalhador. De forma sistematizada, o estudo abordará de forma cronológica, o histórico do desenvolvimento das políticas públicas em saúde do trabalhador, e os marcos na sua criação. Partindo do prisma histórico, o estudo fará uma análise sobre como o SUS atua hoje no setor regulado. Pretende-se demonstrar seus preceitos fundamentais e legais para a sua atuação na sociedade, a regulamentação, e também como consistem as políticas públicas para a proteção da saúde dos trabalhadores, conforme disposto pela Constituição Federal de 1988. O estudo também discorrerá sobre como estas políticas e regulamentações estão estruturadas no estado de Santa Catarina.
Palavras-Chave: Saúde do Trabalhador; Sistema Único de Saúde – SUS; Vigilância em Saúde do Trabalhador
SUMÁRIO:1.Introdução; 2. Histórico sobre as ações de vigilância em saúde do trabalhador e o SUS.; 3. Atuação dos SUS na área da saúde do trabalhador; 3.1 Riscos a saúde e o foco das ações da Vigilância em Saúde do Trabalhador; 3.2 Entrevista de campo na Vigilância Sanitária de Biguaçu / SC; 4. Características do serviço de vigilância em saúde do trabalhador; 5. Diferenças das ações de vigilância em saúde do trabalhador das ações de auditoria do trabalho, do ministério do trabalho e emprego; 6. Conclusão; 7. Referências.
1. Introdução
Criado em 1990, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi incumbido pela Constituição Federal (art. 200, inciso II) de “executar as ações de vigilância sanitária, epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador”. Mas afinal, o que vêm a ser ações em saúde do trabalhador? Será que os trabalhadores, cidadãos e setores a serem regulados, têm acesso a este serviço, ou ao menos conhecem seu funcionamento, garantido por nossa Constituição?
Sendo do pouco conhecimento da população (mesmo sendo o tema reconhecido pelo texto constitucional como de relevância pública), o presente estudo tem por objetivo analisar e tentar esclarecer de que forma a administração pública tem agido para garantir à população o acesso a este direito, através dos serviços de vigilância em saúde do trabalhador.
Os serviços de vigilância em saúde do trabalhador consistem em um dos mecanismos utilizados pelo SUS, para fiscalizarem os ambientes de trabalho, identificando, reduzindo ou eliminando possíveis riscos a saúde dos trabalhadores. Providos de poder de polícia, os serviços de vigilância em saúde do trabalhador possuem legitimidade para utilizar os meios necessários e legais, para exigir que os empregadores ofereçam condições higiênico-sanitárias e de segurança satisfatórias para os trabalhadores, conforme previsto nas NRs e demais legislações pertinentes.
Ao analisarmos as ações de VISAT, perceberemos como um dos seus principais papéis a intervenção do Estado, seja na propriedade, no processo de trabalho ou nos ambientes de trabalho, visando atender às demandas sociais de saúde, individuais ou coletivas. No entanto, a atuação do SUS, como competente para assegurar o direito à saúde dos trabalhadores, supera a esta simples intervenção em prol de condições adequadas no ambiente de trabalho. Veremos adiante a complexidade destas ações, que envolvem diversos setores da administração pública, bem como diversificada área do conhecimento, a fim de entender todo o processo de adoecimento do trabalhador, desde a promoção até a reabilitação.
A escolha por este tema se deve a pouca abordagem nas grades curriculares do curso de direito, mesmo que represente um dos direitos coletivos constitucionais, e que possui grande impacto sobre as mais diversas demandas do Estado.
Objetivando demonstrar a importância do tema, o estudo será desenvolvido demonstrando a evolução da saúde do trabalhador na história, os impactos de sua atuação na sociedade, sua conceituação, forma de atuação, legitimidade, objetivo, estrutura, competência (e os conflitos) e diferença das ações da auditoria do trabalho.Ao fim do trabalho, pretende-se que o leitor tenha uma visão ampla de como é constituída, na prática, as ações de saúde do trabalhador, assegurada a todos os cidadãos brasileiros pela CF/88.
2. HISTÓRICO SOBRE AS AÇÕES DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR E O SUS
Apesar do tema parecer recente para grande parte da sociedade, inclusive do próprio setor regulado, o termo “saúde do trabalhador” em lato sensu, é encontrado na literatura como já sendo mencionado por Hipócrates (460-377 AC), quando passou a relacionar do meio ambiente de trabalho com as moléstias adquiridas pelos trabalhadores.
No ano de 1700, Ramazzini[1] publicou a obra De morbis Artificum Diatriba, com uma série de relatos associando mais de cinquenta doenças com a atividade realizada pelos trabalhadores. Ao descrever o trabalho dos poceiros, relatava as condições desumanas de trabalho aceitáveis à época. Dizia ainda que:
[...] Os poceiros costumam cair no chão doente do peito, fluxões e outras afecções; na sua maioria são caquéticos em conseqüência da má alimentação que a sua pobreza lhes proporciona, tomam um aspecto amarelento e quando chegam aos quarenta ou cinquenta despedem-se de sua profissão e, ao mesmo tempo, da vida, pois é mísera a condição desses artesãos.
Mesmo discutida há séculos atrás, eram inexistentes políticas que assegurassem proteção aos trabalhadores ao longo da história. Só iniciaram algumas mudanças mais claras nesta área, consolidando alguns direitos aos trabalhadores, no final do século XVIII, quando do início da Revolução Industrial na Europa. Segundo Maeno (2005), é quando “começa a ser formar a classe operária, ainda desorganizada e sem direitos ou regulamentação que a protegesse.”
Até então, os trabalhadores estavam à mercê da própria sorte, só podendo laborar aqueles que gozassem de boa saúde. E esta saúde, consumida pelos empregadores através do processo produtivo, não carecia de qualquer medida de proteção ou prevenção. Caso um operário sofresse ferimento grave, ou até mesmo tivesse sofrido mutilação durante seu trabalho, precisava comprovar imprudência, imperícia ou negligência de seu empregador na esfera judicial, para raramente ganhar qualquer indenização. Era o empregado quem possuía o ônus da prova.
No decorrer da Revolução Industrial, surgiram grandes mobilizações sociais, pressionando o Estado a implantar políticas visando à seguridade social. Desta forma, se viu obrigado a legislar no sentido de amparar os trabalhadores, assegurando o esboço dos direitos sociais, que atualmente temos no ordenamento jurídico brasileiro de forma consolidada.
Começaram a surgir, pois, os seguros, que ficavam a cargo da empresa. Na Alemanha, no fim do séc. XIX, iniciaram a criação de leis que previam amparos aos operários, instituindo a obrigação patronal do seguro contra acidentes. Maeno (2005) menciona que:
[...] assim como na França, havia proteção do direito de indenização, sem esmiuçar a culpa direta ou indireta dos patrões, e o estabelecimento de uma caixa destinada para esse fim, que garantia a manutenção do relativo bem-estar à família do operário, vítima de acidente do trabalho.
No Brasil, em 1904, iniciaram-se os projetos para a implantação de legislação neste sentido, mas somente em 1919 temos a promulgação do projeto de lei que se fundamentava na teoria do risco profissional, elaborado por Adolfo Gordo, em conjunto com o Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo (DET). Este risco era conceituado como aquele inerente a atividade exercida no trabalho. O pensamento àquela época (que possui certa resistência até os dias atuais, como veremos posteriormente) era de ser aceitável a exposição dos trabalhadores a certos riscos, não por impossibilidade técnica, mas por outros determinantes.
O Estado brasileiro encontrava grande resistência para a elaboração de medidas necessárias para a proteção dos trabalhadores, sobretudo a barreira econômica. A saúde do trabalhador teve presença tímida nas Constituições Federais de 1946 e 1967, as quais se referiam apenas à higiene e segurança do trabalho como um dos direitos sociais, sem maiores detalhes. As constituições eram praticamente omissas, deixando a cargo de demais legislações suplementares a regulamentação da saúde dos trabalhadores.
Segundo Munakata (1982, apud Maeno 2005), havia duas questões em jogo. De um lado, o perigo latente que representava a precariedade da situação dos trabalhadores, que poderia estimular ainda mais os movimentos operários, e, por outro, a desvantagem no quesito competitividade dos países que adotassem uma legislação trabalhista em relação aos que não o fizessem.
Embora não com a mesma rapidez de outros países, o Brasil acompanhou o esta tendência mundial. Nosso país deixa o modelo liberalista que predominava desde a monarquia, e passa ao intervencionista, o qual figura até os dias atuais. Mas essa quebra de paradigmas foi gradual, através de árduas conquistas, ao custo de vidas de muitos operários, até que a saúde do trabalhador fosse reconhecida e inserida na Constituição Federal de 1988 – CF/88, como um dos componentes da seguridade social.
Dentre as mais relevantes legislações na área de acidentes de trabalho, precedente da concepção da “saúde do trabalhador”, podemos destacar:
Decreto Legislativo 3.724, de 15/01/1919: Tinha como diretriz o princípio da unicausalidade, considerando como acidente de trabalho unicamente aqueles decorrentes da atividade laboral; caracterizava-se também por seu aspecto liberalista, não intervindo nas relações de trabalho;
Decreto 24.637, de 10/06/1934: Também levava em consideração o princípio da unicausalidade. Além disto, passou a considerar os sindicatos com instituições assistencialistas, e não reivindicatórios. Importante alteração feita por este dispositivo é o fato de ter atribuído ao Ministério de Trabalho, Indústria e Comércio a competência para estabelecer uma listagem das doenças equivalentes ao acidentes.
Decreto-Lei 7.036, de 10/11/1944: Passa a ampliar a teoria do risco profissional para o risco da autoridade, entendendo que, por ser o empregado subordinado ao patrão, todas as atividades por ele exercida eram em virtude do cumprimento de ordens emanadas. Logo, todos os acidentes poderiam se presumir de ordem direta ou indireta do empregador. O acidente de trabalho foi criado por esta lei, e passou-se a discutir a estatização dos seguros de acidentes de trabalho. Outra importante alteração desta lei foi a introdução da obrigação do empregador oferecer a máxima segurança e condição de higiene no trabalho, prevendo possíveis punições nos casos de descumprimento.
Percebe-se nitidamente o início da preocupação com a prevenção da saúde do trabalhador, estabelecida formalmente. A preocupação com saúde do trabalhador deixa de se limitar a medicina legal, com foco no tratamento das moléstias, e passa a abordar a questão sob um nicho social, aproximando-se do trabalhador individual de forma integrada com outras áreas do conhecimento. Aliado a esta concepção e a profundas mudanças nas indústrias, com a criação de novas tecnologias e novos riscos surge, então, a necessidade de se intervir nos fatores que oferecem riscos aos trabalhadores, criando-se o conceito de saúde ocupacional.
Esta nova posição de ver a questão da saúde dos trabalhadores por parte do Estado procura entender o operário, não apenas sua atividade. Leciona Maeno (2005) que:
Nos anos 1970, o olhar conferido pela medicina social – atento à estrutura social e do trabalho e mais próximo das instituições públicas de saúde – ganha nova dimensão: o ser humano, sua inserção no processo produtivo como um todo, na organização e na divisão do trabalho, e as características específicas de cada extrato social.[2] Este enfoque permitiu uma abordagem mais ampla das necessidades de saúde dos trabalhadores e resultou em um espectro mais largo e integral de instrumento para sua atenção.
Até a promulgação da CF/88, temos figuras bem distintas, no que tange a competência pela fiscalização da saúde do trabalhador. Se antes tínhamos a União com competência privativa, após, vemos claramente os municípios, Distrito Federal e os estados atuando de forma comum na execução das ações, tarefas e expedição de atos normativos. Os ambientes de trabalho e a saúde do trabalhador eram competência exclusiva do direito do trabalho consolidado, cujas normas de segurança e medicina de trabalho estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (Brasil, 1943) eram fiscalizadas pela União, através do Ministério do Trabalho (Reschke, 1996; Santos, 200 apud Bahia 2002).
Como ainda não estava bem definido a competência de executar estas ações, na área de saúde do trabalhado, a CF/88 não apenas assegurou este direito aos trabalhadores em 1988, como atribuiu ao Sistema Único de Saúde – SUS, a competência para executar as ações de vigilância em saúde do trabalhador – VISAT.
Finalmente, após a pressão e participação de diversos movimentos sindicais e sociais a Saúde do Trabalhador passa a ter nova denominação e uma definição administrativa, instituindo esta área à saúde, como sendo competência do SUS. Segundo o Ministério da Saúde (2005):
É de fundamental importância para a saúde, dado seu conteúdo eminentemente humanista, sendo a primeira constituição brasileira a referir-se “explicitamente à saúde como integrante do interesse público fundante do pacto social”(DALLARI, 1995), ao declarar, em seu art. 196, que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado”, direito esse a ser “garantido mediante políticas sociais econômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos[3] e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”(Título VIII – Da Ordem Social, Cap. II – Da Seguridade Social, Seção II – Da Saúde)(DALLARI, 1995; BRASIL, 1989.
Martins (1998) afirma ainda que o Constituinte não se limitou, na seara trabalhista, apenas a legislação tributária, que apenas impõe normas para a remuneração do trabalhador quando laborando em condições que põe em risco a saúde. Estabeleceu que o SUS devesse ir além destas regras, cuidando literalmente da saúde de qualquer trabalhador, de qualquer área, mais ou menos perigosa. Ainda segundo Martins:
[...] o pressuposto é de que o trabalhador, que tem no seu trabalho a única fonte ou a principal fonte de sustento seu e de sua família, tem também na sua saúde seu principal capital, não se justificando que não haja um cuidado especial para preservá-la de doenças e de acidentes no exercício de suas atividades.
Temos em 1988, portanto, a implantação do mais importante pilar que hoje rege a saúde do trabalhador. Atualmente, a ações de saúde do trabalhador vem sendo constante regulamentada e aperfeiçoada, técnica e juridicamente, pelos estados e municípios, pois a universalização do acesso a saúde fez com que fosse necessário a repartição de competência de forma comum à União.
Os embates para a consolidação das ações da saúde do trabalhador são diversos, haja vista seu caráter holístico, que envolve a quebra de diversos paradigmas e dogmas socioculturais, econômicos e políticos.
Os desafios da área de saúde do trabalhador são contínuos e imensuráveis. Mas cada vez mais vem sendo considerada como uma importante ferramenta para a construção de um trabalho não apenas de prevenção à saúde, mas de desenvolvimento social. A abrangência constitucional deste segmento expõe a certeza de sua importância através de suas ações, conforme passaremos a entender.
3. ATUAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NA ÁREA DA SAÚDE DO TRABALHADOR
Saúde do Trabalhador consiste, sob o prisma da gestão pública, em uma série de ações e políticas que visam à proteção e promoção da saúde dos trabalhadores. É uma das áreas da saúde pública responsável por estudar e intervir nas condições de trabalho que possam por em risco a saúde dos trabalhadores (Anacleto, 2005).
Inicialmente, é preciso frisar o conceito de saúde, que para a Organização Mundial da Saúde, “não é apenas ausência de doença, mas o completo bem estar físico, psicológico e social do indivíduo, o que engloba boa alimentação, atividade física, bons hábitos e conscientização do seu papel como protagonista da sua saúde”.
Por conseguinte, quanto a trabalhador, podemos entender “toda pessoa que exerça uma atividade de trabalho, independentemente de estar inserido no mercado formal ou informal de trabalho, inclusive na forma de trabalho familiar e/ou doméstico” (BRASIL, 2001).
Quando se fala em “saúde do trabalhador”, deve-se entender que este “bem-estar físico, mental e social” deva ser algo assegurado a todo cidadão, por ser o direito à saúde, um dos direito sociais previsto pela Constituição Federal de 1988.
Mas esta realidade era diferente até pouco tempo atrás. Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, os estudos que articulavam entre o trabalho e à saúde, limitavam-se apenas a Medicina do Trabalho e à Saúde Ocupacional. Com a promulgação da CF/88, a área foi considerada de relevância pública, sendo atribuído ao SUS a competência para executar as ações de vigilância em saúde do trabalhador, através do art. 200, inciso II.
Ao longo de sua existência, o SUS atendeu ou deveria atender a todos os trabalhadores, sem distinção de regime trabalhista, diferentemente da Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme se verá mais adiante. No entanto, a compreensãodo impacto sobre saúde, e a elaboração de políticas que visassem a proteção dos trabalhadores através de uma prática diferenciada, se consolidou apenas nos anos 80, quando o constituinte atribuiu ao SUS esta competência (Brasil, 2002).
Estas ações de competência do SUS são instrumentalizadas pelo sistema de Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT). Este serviço de VISAT não consiste em um órgão, um setor, ou um departamento. Mas sim, em uma série de ações, composta por profissionais interdisciplinares, os quais têm por objetivo entender todo o processo produtivo, desde a prevenção até a recuperação, buscando incessantemente prevenir, proteger e intervir em quaisquer condição que ponha em risco a saúde dos trabalhadores
Logicamente, há necessidade de um órgão executar as ações e, por ser uma atividade que envolve não somente um, fica a cargo das Vigilâncias Sanitárias e as Epidemiológicas dos Estados e Municípios, ambas sendo blocos das Vigilâncias em Saúde composta por Vigilância Sanitária, Epidemiológica e Ambiental. Esta estrutura pode variar de acordo com a estrutura administrativa do ente público, mas assim estão inseridas no organograma das Secretarias de Saúde para utilizar-se da atribuição técnica e jurídica das Vigilâncias Sanitárias, e investigativo e notificatório das Vigilâncias Epidemiológicas.
Para melhor esclarecer sobre a definição de Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT), cabe mencionar a Portaria MS/GM nº 3.120 de 1º de julho de 1998, que traz importante conceituação do assunto:
[A Vigilância em Saúde do Trabalhador] é uma atuação contínua e sistemática, ao longo do tempo, no sentido de detectar, conhecer, pesquisar e analisar os fatores determinantes e condicionantes dos agravos à saúde relacionados aos processos e ambientes de trabalho, em seus aspectos tecnológico, social, organizacional e epidemiológico, com a finalidade de planejar, executar e avaliar intervenções sobre esses aspectos, de forma a eliminá-los ou controlá-los” (Brasil, 1998)
Um dos diferenciais da VISAT é ter por uma de suas diretrizes, o objetivo de compreender os trabalhadores como sujeito ativo do processo de saúde-doença. Isto quer dizer que o trabalhador deve ser valorizado como um componente essencial para a promoção e prevenção da saúde,e não apenas um objeto da atenção à saúde, como é visto pela Saúde Ocupacional e pela Medicina do Trabalho. A VISAT, com foco no objeto principal de suas ações, desenvolverá suas ações inicialmente de forma pedagógica, através de práticas interdisciplinares, calcadas não somente o caráter médico/técnico ou de outras áreas do saber que não trabalham de forma integrada.
As ações possuem caráter extremamente holístico, sendo definido por Minayo-Gomez (1997) como “um corpo de práticas interdisciplinares – técnicas, sociais, humanas – e interinstitucionais, desenvolvidas por diversos atores situados em lugares sociais distintos e informados por uma perspectiva comum”.
Desta forma, a saúde do trabalhador não pode se resumir apenas em manter condições de higiene no ambiente de trabalho para prevenir doenças. O assunto é muito mais abrangente quando se fala na prevenção e promoção da saúde. A higiene é apenas um dos aspectos essenciais para a preservação da saúde dos trabalhadores e foco da VISAT. É um ramo que envolve a área médica, enfermagem, direito, segurança do trabalho, engenharia sanitária, psicologia, assistência social, entre outros inerentes ao trabalho.
Partindo-se deste pressuposto, podemos entender que para tanto, os processos de trabalho têm seus riscos e peculiaridades. Isto corrobora a necessidade da VISAT ser composta por um corpo técnico interdisciplinar, atuante desde a promoção da saúde até a reabilitação do trabalhador.Percebe-se nitidamente que as ações contemplam vasta área do conhecimento necessária a compreender, identificar e analisar as condições do meio ambiente de trabalho, sendo necessários esclarecer ao leito como consiste estes riscos.
3.1.RISCOS A SAÚDE E O FOCO DAS AÇÕES DA VISAT
Sob uma visão prática, a VISAT atuará, identificando e avaliando as condições que ponham em risco sua saúde. Podemos considerar como risco, qualquer fator ou condição com potencial para causar de danos à saúde, à propriedade e ao meio ambiente (BRASIL, 2001), mesmo que para causar danos, dependa de condições incertas.
Não obstante tenhamos na literatura diversas classificações de risco, podemos colher dos ensinamentos de Trivelato (1998, apud Brasil 2001) que estes riscos podem ser classificados, conforme sua natureza em:
Ambiental:
- físico: radiação, temperatura, vibração, ruído, etc;
- químico: substâncias químicas, poeiras, névoas, vapores, etc;
- biológico: bactéria, vírus, fungos, etc;
Situacional:
- instalações, equipamentos, materiais, operações, etc;
Humano ou comportamental:
- decorrentes da ação ou omissão humana.
Cada agente de risco pode se manifestar de forma direta ou indireta. A forma direta é quando o fator implica num dano direto à saúde do trabalhador. Por exemplo: inalação de pó de sílica, exposição ao amianto, exposição solar, etc. Já na segunda forma, ele implica em um risco baseado em um desencadeamento de fatores, para só então agir sobre a saúde do trabalhador. Por exemplo: equipamento danificado, não utilização de equipamentos de segurança, não cumprimento integral dos programas de saúde ocupacional (PCMSO, PPRA, LTCAT) etc.
Importante considerar que a simples exposição a estes agentes não caracterizam risco iminente. Para que o risco tenha potencial de causar danos à saúde, é necessário a combinação de dois fatores: o tempo e a periodicidade de exposição.
Esta classificação dos riscos auxiliará os profissionais da VISAT a identificar se as condições de trabalho têm potencial de causar danos à sua saúde e as medidas necessárias para, se possível, eliminar esta exposição. Não obstante, são critérios utilizados para o deferimento do pagamento de adicional de insalubridade dos trabalhadores por especialistas, mediante laudos técnicos. Mas a VISAT não entrará no mérito de ponderação da insalubridade, somente nas condições do ambiente de trabalho, deixando isto a mercê do Inspetor do Trabalho.
A ação da VISAT pode se iniciar pela invocação de instituições, pela própria sociedade ou quando no exercício de campanhas, projetos e ações preestabelecidas. Em geral, as ações são exercidas, como já mencionado, pelas vigilâncias sanitárias municipais (instrumento jurídico) numa primeira etapa, integradas com as vigilâncias epidemiológicas (instrumento de investigação epidemiológico). Isto porque, como são dotadas de poder de polícia, as vigilâncias sanitárias possuem poder coercitivo para exigir dos empregadores a adequação de possíveis irregularidades no ambiente de trabalho, após a frustração de um trabalho pedagógico realizado anteriormente.
Quando em atendimento, os profissionais verificam se as condições do ambiente de trabalho têm potencial de causar riscos à saúde dos trabalhadores. Existe diálogo com os trabalhadores, sondando-os e tentando identificar se existe algum outro fator socioambiental comprometendo a saúde, e se há coação por parte dos empregadores no sentido de fazer o trabalhador omitir alguma condição danosa a sua saúde.
3.2.ENTREVISTA DE CAMPO NA VIGILÂNCIA SANITÁRIA DE BIGUAÇU / SC
Em entrevista de campo com o Chefe de Divisão de Vigilância Sanitária de Biguaçu/SC, Saul Freitas da Silva, com quase trinta anos dedicados este trabalho, este mencionou que a VISAT é realizada também na vistoria para concessão dos alvarás sanitários, não se limitando apenas às ações e campanhas de prevenção à saúde. No caso de descumprimento das normas vigentes, incluindo-se leis municipais, estaduais, federais, Normas Regulamentadoras, Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre outras, é elaborado um relatório de inspeção sanitária e lavrado Auto de Intimação exigindo a adequação das irregularidades no prazo concedido, no caso de um risco que não seja iminente. Segundo Silva, quando é constatado risco iminente à saúde do trabalhador, pode ser interditado o estabelecimento ou apenas uma área, um setor ou até mesmo um maquinário.
As ações de saúde do trabalhador, embora realizadas em um primeiro momento pela vigilância sanitária, não se caracterizam exclusivamente pelo poder punitivo, concepção esta já obsoleta no novo modelo de vigilância sanitária. De Seta e Reis (2010) descrevem que:
Embora não atue todo o tempo só com base no poder de polícia, é ele quem assegura a efetiva capacidade de intervenção da vigilância sobre os problemas sanitários e possibilita uma atuação mais ampla sobre os interesses privados em benefício do interesse público. Para isso, seus modos de atuação compreendem atividades autorizativas (registro de produtos, licenciamento de estabelecimentos, autorização de funcionamento), normativas, de educação em saúde e de comunicação com a sociedade[4]. Dos dois primeiros modos de atuação decorre seu caráter regulatório, de regulação social (e econômica) no campo da saúde (DE SETA, 2007).
Ainda segundo Silva,
As dificuldades enfrentadas pelas VISAT são diversas, principalmente por em vários momentos se defrontarem com a questão econômica, empresarial, cultural e social. Só que a parceria com outros segmentos de nossa sociedade vem funcionando muito bem e se aprimorando, pois estamos constantemente e insistentemente orientando a população [em especial a de trabalhadores] sobre a importância do cumprimento das legislações pertinentes, já que é tudo em prol da saúde de todos. Se vemos que trabalhando desta forma ainda exista persistência em condutas erradas por parte do setor regulado, não nos resta outra opção se não a autuação dos responsáveis, mas esta é sempre nossa última opção.
Resta claro, portanto, que as ações de VISAT, integradas por um corpo interdisciplinar, com foco no trabalhador no processo produtivo, não descartam a intervenção estatal quando necessário para a aplicação de medidas administrativas indispensáveis para a proteção da saúde dos trabalhadores. A participação dos trabalhadores também é levada em conta, assim como as mais diversas áreas do conhecimento.
Não obstante ser necessário conhecer os riscos ambientais para que as autoridades tomem as medidas cabíveis, tão importante quanto, é realizar a aproximação ao trabalhador. Como foi visto, ainda existe alguma resistência das empresas em aceitar o papel da VISAT no que tange a saúde do trabalhador, acarretando no injusto receio dos trabalhadores em se manifestar diante dos profissionais, principalmente quando em inspeções. Esta situação cria outro desafio para o SUS: “viabilizar, na prática cotidiana, a comunicação com os trabalhadores, sujeitos e não apenas agentes da VISAT” (BAHIA 2002).
Para que isto seja possível, é necessário um sistema descentralizado, bem estruturado e com diretrizes bem definidas para por em prática tudo isto que se roga, em consonância com a CF/88, conforme veremos a seguir.